quinta-feira, 30 de junho de 2022


 

EVANESCÊNCIA I – 27 jun 2022

 (Ilustração: Danielle Darrieux, musa francesa)

Como é comum confrontarmos o passado

e vermos, em surpresa e desaponto

que outrem lembra bem diverso conto

do que aquele que havíamos recordado!...

 

É bem estranha esta paleta do lembrado:

tão mais fiel é o lampejo do reponto

do que a canção repetida em contraponto,

memória falsa de um tempo evaporado!...

 

Pois nossas vidas não passam de colagens:

lembramos o que trouxe mais agrado

ou a fonte da tristeza mais profunda...

 

E, com o tempo, revestem suas bagagens

com selos de aeroportos, lado a lado,

até que a verdadeira ação neles afunda...

 

EVANESCÊNCIA II

 

Na farândula voraz da solidão,

ao invés de dançar, eu toscanejo:

contemplo os dançarinos, sem desejo

de partilhar da triste multidão.

 

Da tarântula feroz da escuridão,

ao invés de fugir, os palpos beijo,

mas não por tarantela e nem por pejo:

ela me teme mais e dá-me a mão,

 

para juntos armarmos nossa teia:

sempre será alguma companhia,

enquanto assisto a azáfama dos outros...

 

Sem pertencer à farra que incendeia

as vidas frágeis, ao passar do dia,

em que galopam ágeis como potros...

 

EVANESCÊNCIA III

 

Eu ergo mais estantes e me ajuda,

na faina de meus dias sem paixão,

de meus deveres a vasta multidão,

na indiferença, que afinal me escuda...

 

Não vou acocorar-me, feito Buddha.

nessa fuga de anil meditação...

Sei quando durmo e que a respiração

não precisa de pretexto para a aguda

 

confrontação com o mundo ao derredor...

Não preciso esconder-me do concreto,

sob pretexto de espiritualismo...

 

O meu refúgio é apenas multicor:

sem me adornar de falso hipnotismo,

eu só me escondo é de buscar afeto...

 

EVANESCÊNCIA IV

 

Todavia, ainda espero; todavia,

ainda acredito no futuro, ainda

na vinda do prazer, estranha vinda,

tardia por que seja, luz tardia,

 

na azia de mim mesmo, nessa azia

infinda de mesmice, nessa infinda

mal-vinda evanescência, na mal-vinda

cria solerte que mais tédio cria...

 

Assim, ainda espero, mesmo assim,

que chegue o dia feliz, que o dia chegue

desse amor incensório, desse amor

 

que enfim me satisfaça, amor que enfim

cegue a tristeza deste olhar e cegue

o meu ardor no ansiar do teu ardor...

 

EVANESCÊNCIA V – 28 jun 2022

 

Esse meu sonho de plena liberdade

é outro tipo de meditação:

mascaramento da dormentação

que esconde o sono em ampla falsidade;

 

outro refúgio apenas, na verdade,

quando nem a si mesmos leais são

quantos vejo a meu redor, ímpeto vão

de traírem a si próprios, sem piedade:

 

de cada grupo, toda regra aceitam,

para serem aceitados no rebanho,

enquanto eu sou o lobo solitário --

 

o bobo solitário, que rejeitam,

por perceberem, desde o meu antanho,

que sou leal a meu ego multifário.

 

EVANESCÊNCIA VI

 

Mas nada impede a busca do sonhar,

entretecido de véus e de cortinas,

alfombras em que piso, lamparinas,

aldravas ribombando a meu tocar...

 

Meus dedos são farrapos de luar,

meus cabelos grisalhos de minhas sinas,

meu sangue feito de tisanas finas,

minhas falanges, harpas a cantar...

 

E é por isso que repito o mesmo acorde:

lealdade para alguém que me deseje,

a quem retribuirei de igual medida...

 

Enquanto até o presente, em todo o aborde

apenas obtive que me beije

quem algo espera de mim na despedida...

 

EVANESCÊNCIA VII

 

Resta saber se eu saberia ser leal

a quem leal me fosse a esse ponto...

Leal eu fui em todo o desaponto,

por mais que a vida me fosse desleal...

 

A pergunta é se, às vistas desse ideal,

eu saberia dar o contraponto...

Que a dádiva pagasse, sem desconto:

leal eu fosse e não tão só cordial...

 

É bem possível que nutrisse desconfiança:

leal só o é de fato quem confia...

Por tanto tempo fugiu-me essa alegria,

 

que nem sei se ainda busco essa esperança...

Ou se me serve apenas de folia,

contra a amargura que meu peito alcança.

 

EVANESCÊNCIA VIII

 

A companhia de quem espero lealdade,

que pense como eu e me aconselhe,

nunca encontrei: alguém em quem me espelhe

e que partilhe comigo igual verdade...

 

A serva submissa e sem maldade

eu encontrei um dia, porém dei-lhe

o meu adeus, momento em que expliquei-lhe

que precisava de mais que inermidade...

 

E à dama egoísta, eu também servi,

leal sempre a si mesma e sem lugar,

na mente cheia, em que me aconchegar...

 

E de tal modo, foi que percebi,

até que ponto oscilava seu amar,

leal e intenso, porém somente a si...

 

EVANESCÊNCIA IX – 29 jun 2022

 

Esse é o problema, em toda a sociedade:

são os próprios desejos que se busca

e é desse modo que nossa mente ofusca

da companheira a real necessidade.

 

Eu sei que tive amor-tenacidade:

que me quiseram de maneira tosca,

que me marcaram com sua tinta fosca

ou mesmo me buscaram com bondade.

 

Porém nunca encontrei, em minha tolice,

esse amor esmeraldino, sangue puro,

a transfundir-se inteiramente ao meu.

 ‘

Só permanece o que primeiro disse:

procuro ainda, no túnel mais escuro,

esse amor impossível... que era o teu.

 

EVANESCÊNCIA X

 

Eu sei que é impossível, mas existe...

Já com outros revelaram lealdade

igual a esta que quero, na humildade

de partilharem seu destino triste...

 

Que o alvo desse amor sempre consiste

alguém que não merece tal saudade,

alguém que até despreza tal bondade

e acaba por fugir, se amor insiste...

 

Eu sei que estás aí, desconhecida:

que as pérolas aos porcos já lançaste,

no sonho da primeira ingenuidade...

 

Vem para mim, que te darei guarida,

e eu mesmo pagarei, com igualdade,

por todo o desaponto que encontraste...

 

EVANESCÊNCIA XI

 

É a ti que busco, mulher que nunca vi:

meu fogo já está aceso na lareira,

eu já montei dos sonhos a fogueira,

e a nossa rede já entreteci...

 

Eu te canto à distância, bemtevi,

senhor dos ares, em busca derradeira:

eu quero o teu amor, que por inteira

sigas a rota que eu já percorri...

 

Mesmo que nunca no real te encontre,

meu ideal se projeta pelo espaço,

sem desaponto, ao se envolver no teu...

 

Talvez na carne nunca se demonstre,

porém o beijo do sideral abraço

será mais puro que este beijo meu!...

 

EVANESCÊNCIA XII

 

Já não espero de um corpo lealdade,

mas sei o que tu sentes, sim, mulher,

que nunca hei de encontrar, mas que me quer,

no mesmo anseio, sem opacidade...

 

Assim minha alma, com fidelidade,

desposará a tua, sem qualquer

resquício de pudor, sem malmequer

de dúvida falaz ou ingenuidade...

 

Na luz do vento possuirei inteira,

som de meus cantos, musa delirante,

a rainha imperfeita dos espaços...

 

E só assim te espero, companheira,

virgem dos sonhos, mais fiel amante

que todas as que tive nos meus braços...

 

 


quarta-feira, 29 de junho de 2022


 

 

AGESILAU DE ESPARTA 2 – 21 jan 2022

 

Alcibíades era um Ateniense, conhecido

por ser tratante, desonesto e erpertalhão,

que com justiça foi de Atenas exilado

e até teria a alguns amigos referido

que não seduzira Timéia por paixão,

mas para ter um filho seu entronizado;

só no leito de morte Ágis o reconheceu,

de má-vontade, como sendo filho seu.

Nesse entrementes, Lisandro, um general,

por Agesilau se demonstrou parcial.

 

Reconhecia nele muitas qualidades,

sob suas ordens combatera com coragem;

em Egospótamos alcançou grande vitória

sobre os Atenienses e assim teve possibilidades

para de Agesilau promover a imagem,

influenciando para que obtivesse a glória

de ascender ao trono de seu pai;

Leotíquidas tal pretensão contestar vai,

mas Lisandro de sua legitimidade duvidou,

que Agesilau tivesse mais direito declarou.

 

Grande número de cidadãos, na realidade,

já eram de Agesilau simpatizantes,

por sua bravura e outros dons pessoais

e porque fora submetido, na verdade,

às disciplinas das leis revigorantes,

do mesmo modo que todos os demais.

E Lisandro ainda mais argumentou

que um terremoto a Ágis expulsou

de seu leito real e depois, que profecia

de retornar por um ano o impediria.

 

Leotíquidas após dez meses nascera

e o Rei do Mar, senhor dos terremotos,

foi invocado qual sagrada testemunha,

de que Timéia de Alcibíades concebera,

ou talvez de outros parceiros ignotos

e a tal discurso nenhum dos Éforos se opunha,

Leotíquidas já tinha má reputação

e foi exilado, sem grande oposição,

juntamente com sua mãe Timéia,

mas isto é relato já de outra epopeia.

 

Agesilau foi desse modo coroado

e de Ágis toda a fortuna herdou;

mas como eram muito pobres seus parentes,

metade dos bens lhes distribuiu e foi honrado

pela maior parte do povo, que o louvou

por tais provas de generosidade surpreendentes.

Logo a seguir Agesilau quebraria

disputa antiga que há muito já existia

entre os reis e os Éforos, aos quais consultava,

a cada vez que uma decisão tomava.