sexta-feira, 10 de junho de 2022


 

 

QUEIXA SEM MÁGOAS I – 5 JUN 22

 

Inverso apenas é o tom de teus caprichos,

mulher que dança incólume em minha vida,

intocada por mim, flor incontida,

enquanto salvaguardo troféus michos,

coisas que outros talvez lancem aos lixos,

as linhas de um poema a ver nessa preterida

promessa que até se finge como crida,

em compromissos que nunca foram fixos...

 

Somente as dobras esguias dos lençóis

denunciam a negação que nunca houve,

quando o abraço febril enfim se alcança,

porque teus olhos para sempre são faróis

e como é belo o coração que não me ouve,

ainda envolvido em resquícios de criança!

 

QUEIXA SEM MÁGOAS II

 

Porém direto é o tom de teus carinhos,

desnudados em todos os meus sonhos,

sejam eles de desejo ou só bisonhos,

porque me acenas de todos os caminhos,

mesmo mostrando muchochos escarninhos,

na comissura dos lábios teus tristonhos

e meus olhos os buscam, por medonhos

esses receios que se mostram comezinhos

 

de que te perca nessas vias do onirismo:

com que frequência esse temor retorna!

O sonho é meu e nele só transitas...

Por que ainda me escraviza o nihilismo

de que essa imagem colorida e morna

me abandone em emaranhado de desditas?

 

QUEIXA SEM MÁGOAS III

 

Porque irreais, de fato, são tais mágoas,

que estás comigo e nunca me abandones,

que nas artérias e pulmões ainda ressones

estrondorosa como férreas fráguas!

E no entretanto, que teu vulto me retomes,

qual imagem desvanecida nessas tréguas,

que de repente se afasta por mil léguas

e de meus sonhos simplesmente somes!

 

Há muitas décadas não tenho pesadelos,

mas te incluo em meus sonhos e te esvais

e quando volto para ti já não te vejo;

tais finais me desagradam, porém tê-los

sempre me provam que de mim não sais,

permanente em tal moldura do desejo.

 

QUESTÕES SEM MÁGOAS I – 6 JUN 22

 

Em múltiplos lugares, já foi lido

que a mulher, mais que o homem, é capaz

de falar de um assunto, enquanto faz

coisas diversas, sem qualquer sentido,

mas na verdade, eu tenho convivido

com mais de uma mulher e a mente traz,

para que seja essa assertiva bem veraz

um total e completo desmentido!...

 

Só conseguem pensar em um só fato

de cada vez e com tal concentração

que nem desculpas conseguem escutar

e muito menos realizar mais do que um ato,

sem querer mal, mas incapazes de atenção

quando se quer em sua mente penetrar...

 

QUESTÕES SEM MÁGOAS II

 

Mas de repente, até parecem retornar

de onde quer em que tenham antes estado,

sem recordar do intervalo compassado,

nem perceber sequer o seu falhar...

Custei, de fato, a tal me acostumar,

mas em mais de um mulher tenho notado

como o seu ser se torna ensimesmado,

sem refletir em nada um desprezar...

 

E então reclamam por falta de atenção,

caso vejam outra coisa a interessar

esse que têm quase como propriedade!

Mas considero que realmente têm razão,

pois sou eu sempre que devo demonstrar

o amor constante que deva à sua vaidade...

 

QUESTÕES SEM MÁGOAS III

 

Alfim me entrego ao domínio da incerteza:

até que ponto conserva sua importância

a minha presença, se com tal constância

ela se esqueçam de mim, com tal presteza...

Não que demonstrem assim qualquer crueza,

mas com o presente apresentam discrepância,

seu é outro nível quântico nessa instância

sou menosválido qual fantasma sem nobreza!

 

Quando esse presente desliza inacabado

pelas artérias e nossa carne alerta

ao fenecer de minha própria humanidade,

nessa visão das ausências do passado,

que perante o que não houve, em mim desperta

um sentimento inexplicável de saudade!

 

ENTREGA SEM MÁGOAS I -- 7 JUN 22

 

Inclinam-se para mim as borboletas

que te envolvem em volátil ramalhete,

pólen furtivo que cada flor secrete,

haste ondulante no lugar de setas,

odor de almácego em paixões secretas,

atiradas ao vento que as inquiete,

mil promessas de vidas que projete,

tão raras são, mas enfim brotam diletas!

 

Assim percebo os olhares que me lanças,

mas que lanças igualmente ao derredor,

folhas de vento a sugerir favores;

mesmo sabendo, em sedução me tranças,

dos excluídos sou o sargento-mór,

nesse rufar que só eu escuto de tambores.

 

ENTREGA SEM MÁGOAS II

 

Busquei diamantes, encontrei carvões

nesse carbono puro de teus olhos,

já naufraguei mil vezes nos escolhos

em que se podem partir os corações;

o teu perfume dentro dos pulmões

envenenou-me como ímpios óleos,

sem nada devolver, salvo os abrolhos,

só para mim a refluir finais unções.

 

Sei que teus olhos, enfim, são só grafite

e com pestanas escreveste na minhalma,

de total propriedade a escritura,

sem que o devido pagamento agite

a minha memória, nessa estranha calma

da indolência febril da mente impura.

 

ENTREGA SEM MÁGOAS III

 

Com frequência se compara uma donzela

com o paradigma que tal lenda cinzela,

que igual a Helena fosse inspirar ternura,

tal qual Helena não causasse só amargura...

nem é que Helena fosse assim tão bela,

mas tinha a sedução de uma procela,

terrível e encantadora em formosura,

navios lançando para a morte obscura.

 

Porém a ti, eu jamais compararei

senão ao ideal que tinha no meu peito,

tão semelhante e por igual tão diferente,

que voluntário dia após dia adaptei

a essas arestas cristalinas de teu jeito,

que exigiu minha devoção integralmente.


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