domingo, 26 de fevereiro de 2017




OUAGADOUGOU – 21 DEZ 2010
Duodecaneto de William Lagos
(Para Maria Ferreira Guedes, sob um título absolutamente arbitrário).

                                            (Hylocharis chrysura)

OUAGADOUGOU I   (21 DEZ 10)  (*)
(*) Leia “Uagadugu”, capital de Burkina Fasô.

Improvável essa ave que revoa
entre as flores multicores do jardim;
infelizmente, não canta para mim:
um estalido seco apenas soa.

Não sei se assim pretende qualquer loa
ou prece breve... num louvor assim
desse sabor que encontra no jasmim:
grito de júbilo é o que talvez entoa...

Nesse ritmo de asas impensáveis,
verdadeiro helicóptero natural,
seleciona mansamente seu embate,

reluzindo em suas cores inefáveis,
escolhe a flor, em beijo temporal
e, de um só golpe, lança-se ao combate!...

OUAGADOUGOU II

De outras feitas se lança ao chafariz,
porém não molha as asas, com certeza,
apenas bica algumas gotas com leveza,
sem que interrompa o seu fluir de anis.

São verdes seus zumbidos, em feliz
combinação de singular lhaneza,
num reluzir de lamparina acesa,
cujo segredo descobrir eu quis.

Ninguém sabe como move suas asinhas
com tanta rapidez – sinto o chicote
do próprio estalo nesse seu chilreio

e somente com o néctar de florzinhas!...
Ou até, quem sabe? – para me fazer trote,
coma centenas de insetos de permeio!...

OUAGADOUGOU III

Um dia, contemplei pequeno ninho
escondido entre as ramas do jardim:
era uma casa aveludada assim,
com uma pérola fingindo ser ovinho.

A fêmea debicava, em estalinho,
toda assustada, em defesa contra mim,
que realmente nem pretendia, enfim,
sequer tocar no meigo ninhozinho.

Mais tarde, descobri que foram dois
os ovinhos que expusera em tal destino,
porem caíra um ao solo e se partira,

sem que pudesse fazer nada depois...
Cumprido o tempo, só um filhote pequenino
alça seu voo e pelo mundo gira...

OUAGADOUGOU IV

Mas outro teve um destino diferente:
eu o vi primeiro entre os dedos de minha avó,
ninho minúsculo com um ovinho só,
sem despertar qualquer paixão pungente

em quem roubara o ninho, até contente,
pois lho trouxera por um pão-de-ló,
nem minha avó sentira qualquer dó
ao receber tão singular presente;

tomou uma agulha, que aqueceu na brasa
e perfurou o ovinho com cuidado,
como agente indiferente de seu mal,

de que o ícor escorreu, amarelado,
e após secar, o trouxe para casa,
como um enfeito para a árvore de Natal!

OUAGADOUGOU V

E me explicou, com naturalidade,
que  o ovinho assim fora esvaziado
para poder melhor ser conservado,
como um enfeite de real vivacidade;

posso depor que tal coisa foi verdade,
anos a fio sendo ele pendurado,
ovo vazio em seu ninho entronizado,
como um enfeito natalino sem maldade.

E nesses dias, ao celebrar o nascimento
de Nosso Salvador, surgiu a morte
do beija-flor que nunca viu a luz,

na mesma indiferença ao sofrimento,
mostrada pelo povo à fria sorte
que finalmente acometeu Jesus.

OUAGADOUGOU VI

Contudo, sempre há justificação
para a morte do Cristo.  Diz a Igreja
que esse vinagre a que Jesus não beija
é mais um símbolo da purificação,

sendo precisa uma tal morte, então,
qual sacrifício que à humanidade enseja
reto caminho... que ao Paraíso veja,
já prometido desde a Criação.

Mas por que faleceu o beija-flor,
todo esvaído em clara amarelada,
só para ser um enfeite pequenino?

E tudo relembrei, em claro horror,
nesta memória apenas vislumbrada
que ressurgiu dos tempos de menino.

OUAGADOUGOU VII

Percebam bem não ser mulher cruel
essa minha avó de há muito falecida;
bem ao contrário, era justa e comedida
e adorava cozinhar bolos de mel;

mas às galinhas não sabia dar quartel,
quando alguma era bem gorda percebida,
que as degolava, a sangueira recolhida
e arrancado, com destreza, o fel.

Depenado o animal, em sua nudez,
prendia fogo numa folha de jornal
e chamuscava, com cuidado, o corpo inteiro,

para queimar esses restos, em que vês
os vestígios das cânulas, mal e mal, (*)
antes de a abrir, em talho derradeiro.
(*) Os cabos das penas.

OUAGADOUGOU VIII

Era minha avó bastante habilidosa
no que chamavam “trabalhos manuais”;
apresentava muitos dotes naturais
para fazer enfeites, cuidadosa,

acostumada, desde jovem e formosa,
a tais atos perfeitamente naturais
de perfurar os ovos de animais,
a clara e a gema retirando, carinhosa,

pois depois tal conteúdo aproveitava
para merengue, para fazer gemada
ou omelete, ou talvez usar em bolo;

secos os ovos, neles desenhava
e os pintava em aquarela, dom de fada,
novo recheio de algodão como consolo.

OUAGADOUGOU IX

Até hoje conservo os alicates,
as puas e sovelas delicadas,
com que moldava arames para fadas,
reis e rainhas, pastores e açafates... (*)
(*) Cestinhos de vime.

Com algodão revestindo seus engates,
em cola as brancas carnes mergulhadas,
com fios de lã e retalhos adornadas,
as mãos lavando concluídos tais embates...

Rostos bem nítidos em minha lembrança ainda,
cada traço dos semblantes pespontado,
com que ao menos dois presépios preparou,

sem que a tarefa desse assim por finda,
fez camelos e ovelhas, anjo alourado
e até mesmo um elefante ela criou!

OUAGADOUGOU X

Por que razão, algum pequeno beija-flor
me trouxe tais lembranças de minha avó,
longamente emaranhadas em cipó,
até da cola rememorado o olor?

E após recorde essa visão de horror
da galinha degolada sem ter dó,
a correr pelo pátio, qual se o nó
de sua vida mantivesse seu vigor...

Esse fiapos da memória exangue
que bem cedo me fizeram rejeitar
todo o tipo de carne e a recusar

os sarrabulhos das refeições de sangue
pingado da galinha, que vira disparar,
sem sequer mais conseguir cacarejar!...

OUAGADOUGOU XI

Talvez hoje eu só esteja a relembrar
que mesmo por me achar vegetariano,
quantos ovos consumi, ano após ano,
em omeletes, em merengues, sem pensar

que cada um poderia originar
outro pintinho, amarelado e lhano,
ou imaginar até o ato desumano
de omelete de beija-flor tragar...

Afinal, também ovos de avestruz
minha avó esvaziava para usar
em seu trabalho cuidadoso de artesã

e meus receios do inconsciente expus
que alguém viesse a mim mesmo esvaziar
para algum tipo de omelete temporã!...

OUAGADOUGOU XII

Enfim por que me deveria dar espanto
essa omelete feita só de beija-flor,
que suas línguas de minúsculo sabor
comem chineses até hoje, sem que o canto

aprendam a incluir no próprio pranto;
ricos romanos, em seu cardápio multicor
esses linguinhas incluem sem temor;
e se adorna com as peninhas algum manto,

mesmo hoje, para reis dos africanos
(em Zâmbia existem muitas variedades)
e que tolice a minha me inspirar

a descrever como atos desumanos
esses atos indiferentes de maldades
que minha avó costumava praticar!

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017





O MACACO GUERREIRO – 3/1/2017
Conto folclórico japonês, recontado por P. E. Cunningham,
tradução, adaptação e versão poética de WILLIAM LAGOS.

(HANUMAN CANTANDO BAHJANS, LITOGRAFIA PAHARI)

O MACACO GUERREIRO I – 03 JAN 2017

Conta uma lenda do Japão antigo
que mediante um arcano encantamento
certas espadas vida e mente adquiriam,
perfeitamente capazes de ao inimigo
enfrentar em qualquer mágico momento,
maior força dando àqueles que as brandiam
e os tornando praticamente invulneráveis,
sem adoecer e em tudo o mais saudáveis...

Seria de supor que aos samurais
somente entregue fosse tal espada,
mas seu código de honra os impedia;
eram buscados assim entre os demais
aqueles com quem a arma não se enfada
e então um novo encantamento se fazia,
ligando a espada à alma do guerreiro
que longamente se tornaria o seu parceiro...

Verificou-se, após meses de experiência,
que para a parceria era adequada
mais que a dos homens, a alma feminina,
os samurais aceitando com paciência
certas mulheres treinar para a empreitada,
sendo o combate uma coisa masculina;
poucas mulheres, porém, se apresentaram
e para o treino ainda menos se adequaram.

Eram filhas, em geral, de pescadores;
por seus senseis como zhindi eram chamadas,
sem que se saiba qual a origem do apelido,
treinadas apenas nas técnicas menores
da esgrima japonesa e consagradas
àquela espada que haviam escolhido,
ou que antes as escolhera e que podia
falar com elas por telepatia...

O MACACO GUERREIRO II

Jin Kaitô era uma das guerreiras,
misticamente ligada a certa espada,
chamada de Shikaku, o “Repreendedor”.
Três missões já executara por inteiras,
a reconhecimento e espionagem dedicada
e extremamente fiel ao Imperador,
por quem daria a vida alegremente,
mas por missão de combate já impaciente.

Ora, fora anteriormente um espião
recrutado por entre a criadagem
de um certo mago de quem se desconfiava
e que enviara já mensagem por falcão
confirmando ser falsa a vassalagem,
pois com um certo rebelde conspirava
e que um exército estariam a formar
para o Império e seu Shogun desafiar!

Jin Kaitô conservava a virgindade,
com sua espada celebrado o casamento,
caso contrário, não poderiam conversar,
telepaticamente, é bem verdade,
reconhecendo seu mútuo pensamento.
O Shogun já a pudera experimentar
e confiava assim nela inteiramente,
servindo ela ao Imperador integralmente.

Nessa época, não era mais um general,
Ministro da Guerra para o Imperador,
o qual aconselhava e obedecia;
outro Shogun chegara a fazer mal,
por ambição suplantando o seu senhor,
que em seu fantoche se transformaria,
porém este era leal completamente,
sua dinastia protegendo totalmente.

O MACACO GUERREIRO III

“Por três vezes minha confiança mereceu,”
Disse o Shogun, lá de seu alto assento.
“Irei por isso lhe confiar nova missão.
Sei que reclama que nunca combateu,
tal qual chegou ao meu conhecimento...
Talvez precise de combater nesta ocasião...
Porém perceba que é valiosa para mim:
em demasia não se arrisque assim!...”

“Muito mais é obtido com paciência
ou pelo emprego da diplomacia:
bons generais preservam seus soldados...
O necessário é que comprove essa pendência,
se realmente alguém por lá conspiraria;
meus regimentos serão só enviados
se for preciso.  O importante é o relatório,
ser-me-á inútil caso tenha um fim inglório!”

Assim Jin Kaitô enviada fora, então,
a fim de tal mensagem confirmar,
indo ao lugar indicado claramente,
numa das ilhas do centro do Japão.
Só aldeia pobre encontrando no lugar:
nenhum traço de tropa era evidente.
Porém Shikaku confirmou ser o local
contaminado por qualquer coisa de mal.

Pois me parece ser aldeia bem pacata...
Disse Shikaku: Aqui sinto uma ameaça!
Jin Kaitô esporeou o seu cavalo
pela estradinha coberta de sucata,
deserta estando cada casa por que passa,
sem sua chegada provocar qualquer abalo,
macacos sendo tão só os habitantes,
abandonada parecendo já bem antes...

O MACACO GUERREIRO IV

Os macacos corriam pela rua,
subiam e desciam pelos tetos,
espiavam pelas portas e janelas;
um tentava empurrar uma charrua,
sobre um cavalo três montavam bem inquietos,
outros tentavam arrastar um par de selas...
Foi a zhindi inspecionar a ferraria,
Abandonada como tudo o que lá havia...

Dali sentiu um cheiro de comida...
Alguém ao menos cozinhando havia!
Seguiu o faro até chegar numa estalagem,
dez macacos se espalharam em corrida,
mas da cozinha o cheiro pressentia
e brandindo sua espada com coragem,
atravessou o vestíbulo e o salão:
havia um homem diante do fogão.

“Bom dia!” – pronunciou em saudação.
O homem deu um pulo e sua colher,
com que mexia na panela, despencou!
“Para assustar-se não há qualquer razão,”
disse a guerreira. “Você é uma mulher...?”
“Sou uma zhindi,” – sem pressa, ela informou.
“Não pretendo lhe fazer o menor mal...
Por que esta aldeia é tão pouco natural?”

“Você é real?  É mesmo um ser humano?”
“Claro que sou.  Você não é também?”
“Você não pode permanecer aqui!...”
“Fui enviada pelo nosso soberano...”
“Fuja depressa, para seu próprio bem!...”
“Por que não há mais ninguém alem de si?”
“Você precisa partir depressa agora!
Ele vai aparecer sem mais demora!...”

O MACACO GUERREIRO V

“Primeiro diga por que eu devo fugir!”
“O Senhor Shibô!  Shibo-san! Fuja depressa!”
“Seja quem for, posso bem me defender!”
Viu o olhar do cozinheiro reluzir,
que se arrojou sobre o solo dessa peça.
“Já lhe disse: não precisa me temer!...”
“Lorde Shibô!  Por favor, perdão, perdão!”
Jin Kaitô se virou de sopetão...

Havia um homem parado na soleira,
com braços longos e dentes amarelos,
uma armadura a vestir desconjuntada,
que certamente a outra pessoa pertencera,
o rosto coberto de arrepiados pelos,
fixamente contemplando a sua espada...
Contudo, como estava desarmado,
seria por ela facilmente derrotado!...

“A espada!   Entregue-me essa espada!
Vou finalmente ser um homem de verdade
e hoje mesmo eu parto para a guerra!”
Jin Kaitô percebeu-se ameaçada,
forte aviso a receber, na realidade,
de Shikaku: Vil perigo aqui se encerra!
“Não há motivo para me desarmar
e minha espada certamente não vou dar!”

“É minha!... A espada agora é minha!”
berrou o homem, avançando loucamente.
Jin Kaitô facilmente o empurrou,
mas velozmente Shibô dela se avizinha,
sendo de novo repelido novamente.
“Fique quieto!... Não o quero machucar!”
“Eu sou o dono e o rei de toda a Terra!
A espada é minha! Agora eu vou à guerra!”

O MACACO GUERREIRO VI

Shikaku repetiu: Tenha cuidado!
“Entregue a espada ou vai se arrepender!”
“Não seja tolo!  Nada pode contra mim!”
“Você pode ir para a guerra do meu lado!
Entregue a espada, estou a lhe dizer!...”
“Claro que não!...”  “Já que prefere assim:
Ya mano haru ri!ele exclamou.
No mesmo instante, a espada lhe escapou!

Logo Shibô sobre a arma se atirou
e Jin Kaitô impedir não conseguiu!
De sua boca escapou um guincho estranho,
seu agressor muito maior ficou!...
Shikaku, não obstante, resistiu,
mas igualmente aumentara o seu tamanho!?
O homem pegou a espada firmemente,
Com as duas mãos a brandi-la alegremente!

Ainda Shikaku resistia ao agressor
e este não tinha a menor habilidade;
Jin Kaitô quis retomar a sua espada,
mas descobriu, para seu grande horror
que então perdera toda a humanidade,
pois em macaca ela fora transformada!
Não obstante, com a espada ainda podia
comunicar-se por telepatia!...

Mas perdera a habilidade de falar
e não podia, em sua nova condição,
sequer erguer Shikaku com destreza...
Faça algo!  Venha logo me pegar!
Falava a espada no seu coração.
Qual o motivo de toda essa lerdeza?
-- Shikaku, esse é um grande feiticeiro,
em macaca me transformou ligeiro!...

O MACACO GUERREIRO VII

Chegou da espada como um choque elétrico
da má notícia ao receber a informação:
Eu bem que te avisei haver perigo!
Deixou-me agora neste destino tétrico:
não é bem humano esse que me tem na mão,
mas tampouco é um feiticeiro este inimigo!
Shikaku transmitia por entre arrancos,
os dois lutando por trancos e barrancos!

Como, não é?  Pois se me transformou!...
-- Eu consigo na sua mente penetrar:
esse é o único feitiço que ele sabe!
Existe alguém aqui que o ensinou,
tal mago você vai ter de procurar,
neste agressor nenhum poder mais cabe!
Por seu descuido se deixou encantar,
é seu dever agora aos dois salvar!...

Bem que seu nome quer dizer “Repreendedor”!
Como posso nos salvar no atual estado?
-- É só você que pode dar um jeito,
Eu só consigo é resistir ao raptor.
mas por alguém devo eu ser carregado:
precisa me pegar!... É o meu direito!
A comunicação, porém, já enfraquecia:
naquele cérebro a sua mente se encolhia!

Então uma voz ela escutou bem claramente:
“Eu sou Minoru,” – dizia o cozinheiro.
“Eu a avisei, mas não quis me escutar!
Apenas eu permaneço como gente,
eis minha mulher e meus filhos no poleiro!
Nada mais podem fazer para ajudar!...”
Cinco macacos sobre uma prateleira
guincham lamentos por tal sorte matreira!

O MACACO GUERREIRO VIII

“O Senhor Shibô a aldeia inteira transformou,
só fiquei eu para lhe fazer comida
e dar um jeito de manter cheia a despensa,
porém nos campos ninguém mais plantou,
sua inteligência vai sendo perdida,
você também vai perdê-la, sem ofensa:
logo só pensa em comer e se coçar,
nem minha família pode me ajudar!...”

Mas como tinha de zhindi o treinamento,
podia a guerreira ainda resistir
e empregando as quatro mãos e o rabo
conseguiu transmitir seu pensamento,
que de algum modo o cozinheiro pôde ouvir.
“Quem governava era o Senhor Manabu,
bom para nós, mesmo sendo feiticeiro:
Shibô, porém, o controlou ligeiro!...”

E respondeu à sua seguinte indagação:
“Ele ainda mora no alto do castelo
que foi em cima da colina construído.”
Facilmente se despertou recordação
de um casarão percebido sem desvelo
que uma ruína lhe havia parecido
e que ficava logo acima da estalagem,
bem definido no meio da paisagem.

Bem depressa ela aprendera a controlar
de seu pequeno corpo os movimentos
e com dois saltos subiu para o telhado,
uma corda percebendo a balançar,
pela qual ela subiu em dois momentos,
logo o alto da colina já alcançado!...
O casarão parecendo já imponente,
não mais com jeito de ruína, certamente!...

O MACACO GUERREIRO IX

Mas tinha portas e janelas entreabertas,
lá dentro tudo sujo e desmanchado,
móveis virados, rasgados os tapetes,
porém as peças achando-se desertas.
Ela avançou casa a dentro com cuidado,
por entre enfeites em cacos e confetes
e de repente, outra presença a alcançou,
como uma voz que em seu cérebro ressoou.

Sobre um sofá coberto de sujeira
havia um macaco de pelo esbranquiçado,
tufos de pelos lembrando seus bigodes...
A criatura a contemplou, interesseira:
Tu consegues me entender, ser transformado?
Falar comigo decerto também podes!
O que te faz entender meu pensamento?
És o primeiro ser capaz de tal portento!.

Você é Manabu? – telegrafou a guerreira.
-- Sim, sou Manabu, senhor desta mansão,
ainda que esteja em macaco transformado!
Pensei trouxesses minha refeição ligeira,
que já demora esse Minoru em sua missão!
Deve ter sido Shibô, esse esfomeado,
que comeu tudo o que havia no meu prato...
Ah, se eu pudesse vingar-me desse ingrato!

Eu sou uma zhindi e posso ler seu pensamento,
por mais que compartilhe o seu estado.
Mas diga logo o que foi que aconteceu!...
-- Descrevo fácil esse acontecimento:
tinha um macaco de mascote do meu lado
e a mais estúpida tentação me acometeu...
Transformei-o em ser humano por magia
como adversário no xadrez o treinaria!...

O MACACO GUERREIRO X

Veja bem, confraternizar não poderia
com meus escravos ou com gente do povo
dessa aldeia – perderiam o respeito!
Em minha mascote eu pensei conseguiria
confiar por algum tempo, até de novo
transformá-lo em seu anterior jeito.
Não calculei o seu ressentimento
nem a ambição que nele tinha assento!

Quando eu queria, em gente o transformava,
depois de novo em macaco, com certeza!
Mas as palavras do encantamento decorou
e me encantou quando eu menos esperava!
Novamente transformá-lo eu não consigo,
que a voz humana agora me falhou!
E foi esperto, toda a aldeia transformando,
nenhuma voz assim o ameaçando!...

-- Então existe um contraencantamento?
-- Claro que sim!  Só não o posso pronunciar,
pois não disponho mais de voz humana
e nem você!... – Eu reservo o  julgamento!
-- Por telepatia fácil posso lhe ensinar:
Rhimaru Rhihansa! Somente se proclama,
sem precisar.de fazer gestos com sua mão
e nem sequer de algum tipo de inflexão...

Rhimaru Rhihansa! E qualquer um pode dizer?
Claro que sim, porém de nada adianta,
nenhum macaco o consegue pronunciar...
Pode até ter de zhindi algum poder,
mas a sua voz está presa na garganta,
de forma alguma se poderá desencantar!
-- Acho que sim.  Pode as palavras escrever?
Eu as mostrarei para alguém que saiba ler!

O MACACO GUERREIRO XI

Acho que posso, caso ainda ache no escritório
pincel e tinta e algum pedaço de papel!.
Vou atendê-la, mas de nada adiantará.
Lá encontrou tinta em uma espécie de cibório,
numa gaveta achou um bom pincel...
Pegue um pedaço de papel, desses que há
espalhados pelo chão em fragmentos...
Shibô estraçalhou meus documentos!...

Jin Kaitô obedeceu rapidamente;
com grande esforço o macaco velho desenhou
os ideogramas do contraencantamento,
mas na mão os conservou bem firmemente.
Vai prometer-me primeiro, ele afirmou,
mediante firme e premente juramento,
que no caso de alcançar um resultado,
serei o primeiro a ser desencantado!

Nesse momento, ecoou forte pensamento
no interior da cabeça da guerreira:
Jin Kaitô, aproxima-se o inimigo!...
-- Tempo não há para fazer um juramento,
a sua mascote aproxima-se ligeira!...
-- Entregar-lhe o pergaminho não consigo,
sem primeiro a tinta inteira se secar!...
-- Dê-me logo, que Shibô já vai chegar!

Num gesto ágil, ela se apoderou
do fragmento para entre os dentes colocar,
já percebia um reluzir da espada
e sob o umbral da porta então parou
seu inimigo, de imediato a ameaçar:
“Agora eu vou matá-la, desgraçada!
Esta espada é pesada, porém corta,
será só minha depois de vê-la morta!...”

O MACACO GUERREIRO XII

Logo o escritório foi invadido por Shibô,
com as duas mãos Shikaku a segurar,
mas Jin Kaitô desviou-se para um lado...
“Eu vou à guerra agora!” – ele gritou.
“Mestre malvado, também vou te matar!”
Mas sobre o tampo foi o golpe desviado
da escrivaninha e a guerreira aproveitou
e com dois saltos, para a sala se escapou!

“Macaca idiota, você não pode me fugir,
nem que eu tenha de correr por toda a Terra!
A espada é minha e agora vai me obedecer
logo depois que matá-la eu conseguir!...
E finalmente, eu parto para a guerra,
como um homem qualquer deve fazer!”
Mas Jin Kaitô já correra para fora,
a corda já encontrando sem demora!...

E dessa forma continuou a perseguição,
ela veloz, mas Shibô atrapalhado,
porque Shikaku o fazia retardar!...
Com o rabo e as patas, sem afobação,
da estalagem logo estava no telhado
e para o solo conseguiu logo pular!
E assim mostrando a maior agilidade
chegou à cozinha com vivacidade!

Mais uma vez apavorou-se o cozinheiro,
que dava de comer aos macaquinhos...
“Ah, é você?  Mas por que aqui voltou?”
Ela estendeu-lhe o fragmento bem ligeiro.
“Para que servem tais garranchos pequeninhos?”
Que ele os lesse em voz alta ela indicou.
Por sorte o cozinheiro, de outras feitas
ler aprendera para estudar novas receitas!

O MACACO GUERREIRO XIII

Mesmo assim, experimentou dificuldade
e os ideogramas, hesitante, balbuciou!
Mas já da porta se aproximava o inimigo!...
Rhimaru... Rhihansa...  E na verdade,
com um clarão ela já se transformou!...
Shibô parou de chofre, ao dar consigo!...
Ya mano hanu ri! – ela gritou –
Logo Shibô em macaco feio se virou!

E sem mais força para agarrar a espada,
para um macaco pesada por demais,
deixou que ela estrondasse sobre o chão!
A guerreira a segurou, alvoroçada!...
Pensei não me salvasse nunca mais!
Então o macaco ela agarrou num sopetão
e o enfiou para dentro de barrica,
saco pesado a garantir que a tampa fica!

“Como você conseguiu-o derrotar?”
Sem perder tempo, ela olhou para a macaca:
Rhimaru Rhihansa! – a jovem exclamou.
Na mulher do cozinheiro a se mudar.
cheia de assombro, a infeliz ainda empaca
E os macaquinhos logo a zhindi libertou...
“Não sei, senhora, como lhe agradecer!”
“Não é preciso, só vá o encanto desfazer

“de toda a gente que mora nesta aldeia,
mas não deixe esse macaco se escapar!
De forma alguma vá quebrar o seu encanto
que ele armar pode confusão ainda mais feia!”
“Mas de que forma eu os irei desencantar?”
“Basta que leia de novo o contraencanto...
Mas antes me arranje uma gaiola forte,
quero prender outro macaco de bom porte!”

O MACACO GUERREIRO XIV

Disse a mulher do cozinheiro: “Eu vou buscar!”
“Por que esse mono queria tanto ir para a guerra?”
“Ele escutava Manabu-san e o general
enquanto estavam os dois a conspirar
e pensou que fosse assim por toda a Terra,
como se a guerra fosse um estado natural...”
A carregar a gaiola e a sua espada,
deu ela a volta, subindo pela escada

que conduzia até o alto da colina;
pela corda subir mais não se atrevia,
muito mais volumosa a forma humana.
Chegando lá, para os macacos já se inclina
e um por um desencantar já pretendia.
Disse-lhe a espada: Jin Kaitô, não seja insana!
Não vá também desencantar o general,
por culpa dele se causou todo este mal!

-- Mas qual é deles, minha boa espada?
-- Aquele preto, bem maior do que os demais
-- E qual deles é o espião do Imperador?
-- Aquele outro cuja cara está arranhada,
menos arisco do que todos esses mais...
E encarando o tal macaco, com fervor,
Rhimaru Rhihansa! – depressa proclamou
e logo em ser humano o transformou!

“Senhora, como vos posso agradecer?”
“Não deixe o preto de mim se aproximar!”
Mas os outros, um a um, desencantou,
que ao macaco general foram deter,
enquanto ela ao casarão ia ingressar
e logo o mago Manabu ela encontrou,
que a encarou, um tanto desconfiado,
mas com Shikaku ele foi capturado.

O MACACO GUERREIRO XV

E debatendo-se muito furiosamente,
de raiva surdos guinchos a soltar,
foi depressa na gaiola introduzido.
Ela desceu para a aldeia velozmente,
o espião a gaiola a sobraçar,
o general amarrado bem mantido;
já lá embaixo outra gaiola ela arranjou
e o macaco bem depressa ali enfiou!

Mas ao entrar de novo na estalagem,
viu o cozinheiro assando carne num espeto!
“Onde se encontra o seu Lorde Shibô?
Não me diga que fez uma bobagem
e o deixou fugir?” “Ele estava muito quieto,
é que dentro da barrica se afogou!
Mas não podemos desperdiçar a boa comida!
Já está pronto!  A senhora está servida?”

“Esse é o macaco do velho feiticeiro...?”
“Ele nunca foi gente, minha senhora
e assim garanto não vai mais se transformar!”
“Você matou Shibô, seu trapaceiro...?”
“Não, ele mesmo se afogou faz uma hora...”
Ela não quis o interrogatório continuar...
O espião foi buscar seu cavalinho
e os dois saíram dali, devagarinho...

Os dois macacos nas gaiolas presos
não paravam de guinchar, furiosamente.
“Querem que os leve de volta ao cozinheiro?”
Logo os dois se aquietaram, muito tesos
e o cortejo prosseguiu tranquilamente,
a missão já completada por inteiro...
Que vai fazer? – indagou o Repreendedor.
Vamos levá-los para o Imperador!...

EPÍLOGO  

O Imperador mandou prendê-los no viveiro.
Seu relatório ela fez com humildade:
“Não encontrei quaisquer tropas no lugar,
a insurreição foi debelada bem ligeiro,
antes que exército reunissem de verdade...”
“E o encantamento, não vai me revelar?”
“Se me der ordem, Majestade, mas periga
que o bruxo escute e aproveitar consiga...”

Pensou um pouco aquele sábio Imperador.
“Meus samurais em nada gostam de magia...
Para falar a verdade, boa guerreira,
a minha ordem é: Esqueça o seu teor!
A Jin Kaitô condecorou por valentia
e na hierarquia teve ascensão ligeira!...
Mas lá na aldeia ao cozinheiro proclamaram
por salvador e o governo lhe entregaram!

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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