segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017





CINCO CONTOS FOLKLORE USA
(Baseados em contos de Richard & Judy Dockrey Young)
Tradução e Versão Poética William Lagos – 19-23/12/2016

OS LADRÕES DE CORPOS ... ...... 19/12/2016
O PERSEGUIDOR ... ... ... 20/12/2/2016
MARIA SANGUINARIA ... ... ... 21/12/2016
A FAIXA DE VELUDO VERMELHO ... ... ... 22/12/2016
O VELHO CABELUDO ... ... ... 23/12/2016

OS LADRÕES DE CORPOS I – 19/12/216

Quando o tempo mal havia começado
e só os índios habitavam nossa terra,
vivendo em paz, sem motivos para guerra,
maus espíritos moravam do seu lado!...

Eram os Kirin, um povo acostumado
a comer almas que o corpo humano encerra;
vazio o corpo, então algum nele se encerra,
sem que pareça ser em nada transformado.

Mas a pessoa não era mais que ali vivia,
em vez disso, o Kirin ali se achava,
o qual somente pela noite se movia...

Dormia, de fato, durante todo o dia;
só ao por-do-sol tal corpo levantava
para qualquer atividade que queria...

Havia outro sinal de sua presença:
eles nunca comiam carne assada,
mas ao saírem para a sua caçada
comiam carne crua, viva e tensa,

mesmo as escamas e a pelagem densa,
qualquer que fosse a vítima agarrada;
por sorte a gente não era devorada,
a quantidade de sua carne sendo imensa,

mesmo que se juntassem dois ou três,
morria logo essa pessoa assassinada
e a carne viva acabava por sua vez...

Comiam assim só pequenos animais
ou ainda insetos a pegar em revoada,
mas se escondendo da presença dos demais...

Bebiam nas festas, bem naturalmente,
mingaus ou sopas frias deglutiam,
sem que notassem os parentes que assistiam
que não tomavam sequer um caldo quente.

É que o fogo era o inimigo dessa gente
e nem mesmo leite morno eles bebiam;
carne ou guisado quente não comiam,
contrário ao hábito anterior desse parente...

Se alguém dormisse o dia inteiro assim
e só de noite saísse a caminhar,
já desconfiavam que fosse algum Kirin;

porém se o vissem engolir algum inseto,
um peixe cru ou uma ave devorar,
certeza tinham do terrível mal secreto!...

Um certo dia, após o por-do-sol,
sentava Hiawatha em frente a seu tipi, (*)
o indiozinho mais esperto que já vi,
numa embira a enfiar contas em rol...
(*) Tenda triangular de pele de búfalo ou veado.

Então seu tio, que adormecera no arrebol,
apareceu com um estranho por ali
e convidou: “Vamos pescar, guri?
A lua cheia está brilhando qual farol!...”

Pescar à noite nunca foi coisa anormal
e Hiawatha gostava muito de seu tio:
buscou sua vara, sem pensar nada de mal

e logo os três entraram na canoa,
muito embora já começasse a fazer frio;
foram remando até o meio da lagoa...

OS LADRÕES DE CORPOS II

“Primeiro iscas precisamos arranjar,”
disse seu tio.  O menino mergulhou
e um sapo gordo bem depressa achou
que deu depois para seu tio pegar...

Mas no momento em que voltou a nadar,
ouviu um som de nhoc! e o tio falou:
“Ora, que pena!  O sapo me escapou!”
Hiawatha foi depressa outro apanhar...

Quem pegou este foi o estranho amigo
e tão logo ele à água retornou
ouviu um nhoc! e desconfiou consigo,

quando o homem disse: “Ele pulou na água!”
Mas nenhum som de pulo ele escutou.
Meu tio é Kirin! – ele pensou, cheio de mágoa...

Havia um tronco caído na lagoa.
Hiawatha para atrás dele nadou.
“Há um sapo gordo aqui!” – ele falou.
Fingiu engolir e disse: “Coisa boa!”

“Ele é um de nós” – o outro homem resmungou.
“Por isso acreditou ser coisa à toa
pescar de noite, mesmo com a garoa!...”
Falou o tio: “O tal sapo não achou?”

“Esse eu comi!  Mas tem aqui outro maior!”
E bem depressa, agarrou outro sapinho:
“Se me ajudar, sua vida eu vou salvar!”

O sapinho de imediato concordou.
“Mas não se oculta conosco, meu sobrinho?”
Desconfiado o seu tio lhe perguntou...

“Eu passo o dia escondido na cestinha...” –
disse Hiawatha.  “Ora, ali é perigoso,”
falou seu tio.  “Nós ficamos em vigoroso
bambu grosso, em que matamos a rainha

“das abelhas.  A tribo inteira ali se aninha,
dentro do oco, o dia inteiro.  É espaçoso!
Venha conosco quando o dia temeroso
começar a surgir, de manhãzinha...”

Hiawatha fez que sim... Mas foi embora
e então o sapo às perguntas respondia
qual se estivesse encontrando uma demora

em outro sapo encontrar para comerem...
E quando a aurora no horizonte reluzia,
os dois Kirin esperar mais não puderam!...

Quando chegou o tio, Hiawatha já fingia
estar dormindo. “Por que há pouco nos fugiu?
“Dentro da água eu sentia muito frio...”
E logo o tio em sua rede se encolhia...

Porém Hiawatha, a seguir, veloz se erguia:
O bambu grosso bem depressa descobriu;
cem criaturas de asas então viu
que uma por uma no oco se metia...

Contudo, assim que o sol ficou bem forte,
com sua faquinha fez Hiawatha um grande corte
para o bambu decepar inteiramente...

A parte oca foi separando logo
e bem depressa a jogou dentro do fogo,
cada Kirin a se queimar completamente!...

EPÍLOGO

Seu tio e o amigo nesse dia despertaram
e fez a tribo um alegre festival,
quando Hiawatha seu segredo revelou...

Mas não se sabe se os Kirin já se acabaram!
Se algum parente achar ser natural
dormir de dia e levantar no escuro

ou bicho vivo alguém viu que mastigou,
no seu corpo habita agora um ser impuro:
foi um Kirin que a sua alma devorou!...

O PERSEGUIDOR I – 20 DEZ 16

Era comum que um certo garotinho
sua pobre mãe fosse desobedecer.
“Esteja em casa antes do escurecer!
Existe por aí monstro daninho!...”

“Isso é bobagem!” – dizia o menininho.
“Não existe monstro para me surpreender!
Sei me cuidar caso algum me aparecer!...”
“Contudo, existe gente má pelo caminho!...”

“Esses atacam após o escurecer
e só Deus sabe o que podem te fazer!”
“Ora, Mamãe, eu jogo com os amigos!”

“A turma é grande, ninguém vai nos atacar!
Qualquer malvado até de nós vai apanhar!
Não preciso me assustar com tais perigos!”

Assim, quando o jogo terminava,
ele voltava para casa devagar,
sua turma aos poucos a se dispersar
e já no fim sozinho ele se achava!

Quando a mãe percebia, o castigava:
“Vai ficar preso até me respeitar!”
Mas o garoto conseguia se escapar:
pela janela, em silêncio, ele pulava!

A pobre mãe não sabia o que fazer,
mas o menino insistia ser bobagem:
“Em nosso bairro não há nenhum bandido!

E assim jogava até após o escurecer,
pela janela a retornar da traquinagem,
algumas vezes sendo surpreendido...

“Meu filho, você vai se arrepender
e ainda causar à sua mãe um grande mal!”
Mas o garoto achava muito natural
fugir de casa para seu prazer!...

Só de noite vinha seu pai aparecer:
ficava longe sua fábrica, afinal
e sempre achava seu filho no quintal
ou já no quarto, em que fingia adormecer...

Assim, se a triste mãe lhe dava queixa,
o pai pensava que ela só exagerava
e o rapazinho aproveitava bem a deixa!

Tinha cuidado que o pai não o encontrasse
fora de casa na hora em que chegava
e com reclamação da mãe não se importasse!

Um certo sábado, o seu jogo prolongou
e o menino ficou muito cansado;
o time inteiro foi logo dispersado
e ele num banco da praça cochilou!

Noite fechada quando se acordou!
Por certo o pai já havia retornado!
Olhou em volta com o maior cuidado
e nem sombra dos amigos avistou!

Bem, não adianta, vou voltar sozinho!
E começou a retornar devagarinho:
Chego atrasado de qualquer maneira!

Mas logo percebeu, ao caminhar
que outros passos escutava acompanhar
e a inquietação já lhe chegou ligeira!

O PERSEGUIDOR II

Realmente, viu o parque estar deserto:
olhava em volta sem perceber ninguém!
Mas a cada passo, parecia-lhe que alguém
caminhava pelo grande espaço aberto!

Sua casa era longe!... Ficou esperto,
sem avistar a qualquer um, porem!
“Quem está aí?” – ele exclamou também.
Aqueles passos pareciam estar bem perto!

A cada vez que ele sentava o pé direito,
ouvia alguém a pisar logo depois!
Havia luz na rua e nada via!...

Gente não era!... Seu coração no peito
começou a pular, que eram de dois
aqueles passos que certamente ouvia!

Será que existe mesmo aqui algum fantasma?
Já começou mais depressa a caminhar,
os outros passos igualmente a se apressar!
Certo terror sua mente, aos poucos, pasma!

Aqueles passos o seguiam qual miasma! (*)
Algo parece que vem me acompanhar
no mesmo ritmo, suas passadas a estalar
sobre a calçada!  Seu coração já quase espasma!
(*) Gás venenoso que sobe dos pântanos.

E começou a correr o garotinho!...
Olhava para trás – não via nada!
Mas no momento em que dava uma parada

se interrompiam os tais passos de mansinho!
“Quem está aí?” – ele de novo perguntava,
mas coisa alguma o medo lhe aliviava!...

Pensei que monstros fossem só mentira,
mas o que é isso que agora me persegue?
“Vai, fantasma!... Que o diabo te carregue!”
Ele gritara, mas resposta nunca ouvira!...

Pelas janelas das casas reluzira
a luz interna... Quem sabe não me negue
alguém sua ajuda!  Mas se a vista nada pegue,
iriam pensar ser uma troça que fingira!

De qualquer modo não se atrevia a parar,
Correndo o mais depressa que podia,
sem escapar desse som que o perseguia!

Ouvia um passo a cada vez que ia pisar!
E se eu parar, o que vai me acontecer?
O que esse monstro pretende me fazer?

E finalmente, chegou na sua esquina,
enquanto os passos o seguiam, sem parar!
O portão de seu jardim pôde alcançar:
fechou ligeiro, mas a tal coisa assassina

no pátio o perseguia!   Atingiu o patamar,
subindo a escada a que a fuga se destina
e uma coisa o agarrou – terrível sina!
Preso seu pé pelo abantesma singular!... (*)
(*) Assombração.

E somente ao encostar-se contra a porta
percebeu que uma sola do sapato
estava solta, a sacudir-se a esmo!...

Quando ele andava, batia a sola torta:
nem bandido, nem fantasma, pois de fato
ele estivera só fugindo de si mesmo!...

MARIA SANGUINÁRIA I – 21 DEZ 2016

Há muitos anos, reinava na Inglaterra
uma rainha especialmente má:
morte de alguém depressa ordenará
que discordasse das ordens que ela berra!

Quem aos preceitos que sua fé encerra
não se submetesse, à morte o entregará,
alguns no fogo ou a cabeça cortará!
Rainha louca, a semear o mal na terra!

Em pouco tempo, contudo, ela morreu:
nenhum parente ou amigo a lamentou
e sua irmã fez-se rainha em seu lugar,

a qual reinado bem mais justo concedeu:
imensamente a Inglaterra prosperou,
quaisquer batalhas nas guerras a ganhar!

De “Rainha Má” logo o povo a apelidava
e de “Maria Sanguinária” e se dizia
que as suas mãos o sangue recobria
de tanta gente que a soberana condenava!

Passados séculos, já pouca gente recordava
o que fizera, só a alcunha aparecia
em uma bebida a que avermelharia
o suco de tomate com o qual se preparava!

Mas o seu nome ficou de “Sanguinária”
conservado em histórias infantis,
com que as crianças umas às outras assustavam.

Pois quem três vezes invocasse essa ordinária,
durante a noite, como tal lenda nos diz,
suas mãos sangrentas surgiam e a carregavam!

Porém diziam haver outras condições:
tinha de ser diante do espelho do banheiro
e à meia-noite, desde que no travesseiro
toda a família dormisse em seus colchões!

Se não temeres da malvada aparições,
todas as luzes apagar deves primeiro,
uma vela nova ter acesa por inteiro,
que sobre a pia do teu lado pões!...

E então, se a coragem conservares,
tua própria cara bem firme a contemplar
e as palavras do encanto pronunciares,

a Rainha Má há de surgir do Além,
as suas mãos de sangue a te mostrar,
para esse espelho a te puxar também!...

Certa menina, que chamavam de Maureen,
com suas amigas, nos chazinhos de pijama,
até bem tarde brincava sobre a cama,
a história horrível a repetir assim!...

Da verdadeira rainha e de seu fim
ninguém lembrava, só da troça insana
que um desafio a quem quiser proclama,
suas risadinhas soando qual clarim!...

Soltavam todas gritinhos de pavor,
sem realmente na lenda acreditarem
porém Maureen mostrou ser atrevida

e numa noite de inverno, sem calor,
seus familiares a se aconchegarem,
por mau desejo se viu acometida!...

MARIA SANGUINÁRIA II

Ao ver os pais e irmãos adormecidos,
foi à cozinha, em busca de uma vela,
pé ante pé, trancou bem a janela
do banheiro, os postigos bem corridos...

O pavio ela acendeu... e em atos desabridos,
todas as luzes do banheiro apagou ela!
Tão só iluminados por tal luz amarela,
seus traços pela sombra repartidos!...

Era o seu rosto ali, naturalmente,
feições gentis e suaves de criança,
sem quaisquer rugas ou linhas de expressão.

Fitou seus próprios olhos, firmemente,
meio descrente, meio cheia de esperança,
batendo forte o seu pequeno coração!

E num repente, encheu-se de coragem,
sua voz baixinha, quase num cri-cri:
“Maria Sanguinária, eu creio em ti!...” –
falou a menina, firmando sua visagem!

Mas não surgiu ali qualquer miragem...
É uma besteira essa história que eu ouvi!
“Maria Sanguinária, eu creio em ti!...” –
repetiu, mais excitante a traquinagem!...

E novamente, nada aconteceu...
Já influenciada por um certo desdém,
“Maria Sanguinária, eu creio em ti!...” –

falou de novo e coisa alguma sucedeu...
Ora, três vezes esse encanto repeti:
nada no espelho eu vi surgir, porém!

E finalmente, repetiu o desafio
da quarta vez, sem mais nada acreditar,
contudo a imagem percebeu se transformar
em rosto duro, de maldoso brio!...

Sentiu no corpo todo um calafrio:
Mas essas roupas, de onde eu fui tirar?
Duas mãos vermelhas então viu se projetar
do interior do espelho... Antes vazio!

E lá de dentro surgiram longos braços,
por sobre a face a mostrar sorriso mau,
avançando em direção a seu pescoço!

A crueldade pingava de seus traços...
Ficou Maureen em rigidez de pau,
sem conseguir se escapar de tal retoço!...

Ela gritou: “Por favor, Dona Maria!
Não acredito na senhora de verdade!”
As longas unhas, sem traços de bondade,
ao redor de sua garganta já sentia!...

Mas quando achou que sua vida se perdia
para a fantasma de tal ferocidade,
sua mão mostrou a própria agilidade
e logo a chave de luz ela acendia!...

No espelho agora só estava o seu rostinho...
Mas num instante de tremendo horror,
viu na fumaça as mãos se erguerem sobre a vela!

Ela a soprou, com seu maior vigor
e bem depressa abriu porta e janela,
longo suspiro a soltar devagarinho!...

EPÍLOGO

Ainda assustada, foi depressa se deitar,
libertada do terrível pesadelo...
Mas de manhã, um risco avermelhado
sua gargantinha parecia atravessar:
da Sanguinária o malfadado selo!...
Mas disse a mãe: “Vá suas unhas aparar,
seu pescocinho deixou todo arranhado!”

A FAIXA DE VELUDO VERMELHO I – 22/12/16

Há dois séculos, na Inglaterra, havia um par
muito rico.  De Sir Randolph era chamado,
homem bastante elegante e respeitado,
muito embora não chegasse a se casar...

Muitas mulheres ele chegou a namorar,
cem jovens nobres havia requestado,
porém o achavam retrógrado e aprumado (*)
devido às roupas que costumava usar.
(*) Atrasado, ultrapassado, estranho.

Quando as mulheres de sua classe procurava
não o aceitavam como um firme pretendente:
de fato, agia com bastante timidez,

se bem nas guerras seu valor se destacava,
demonstrando uma bravura bem valente,
na sociedade se embaraçava em cada vez...

Em princípio, não gostava de dançar,
nem apostava nas corridas de cavalos,
nunca jogava, por não estimá-los,
dados ou cartas, então coisa singular...

Comentavam tê-lo visto arregaçar
as mangas na colheita e até valos
ajudando seus empregados a limpá-los,
de sua classe social a destoar...

Por outro lado, vulgares ele achava
as mulheres das classes inferiores,
que alegremente por marido o acolheriam;

em ligações temporárias as aceitava,
mesmo disposto a pagar por seu amores,
porém julgando que, às suas costas, elas riam...

Certo dia, já com seus quarenta anos,
indo fazer uma visita ao cemitério,
à memória de seus pais rezar saltério,
viu uma jovem envolta em brancos panos.

Era a mais bela que já vira, sem enganos,
sentada junto a um antigo eremitério,
ruivos cabelos emoldurando rosto sério,
faixa vermelha ao pescoço, sem abanos...

Quando a fitou, perdeu toda a timidez:
“Sou Sir Randolph.” “Prazer, meu nome é Anna.”
Brocado e seda no vestido que envergava,

fora de moda parecendo estar, talvez,
mas a nobreza seu porte bem proclama...
Logo em conversa com ela se empolgava...

Disse-lhe a jovem: “Sou de família nobre.”
Falou-lhe o nome de seus antepassados,
durante séculos mesmo aos reis aparentados,
mas sua família tornara-se hoje pobre.

“Do jogo o vício a maldição nos cobre:
nosso castelo e os campos apostados
por vigaristas nos foram arrebatados;
vivo agora em choupana com o que sobre...”

Pediu Sir Randolph para acompanhá-la
e ela o permitiu, até junto ao portão,
mas não além. “Minha cabana é miserável.”

Mas ao nobre ela acedeu para encontrá-la
no dia seguinte... Na mesma locação...
Não julgou ele ser lugar desagradável!... 

A FAIXA DE VELUDO VERMELHO II

Em breve tempo, pediu-a em casamento;
ela aceitou, mas com uma condição:
“Nunca tente me tirar a proteção
desta faixa de veludo que apresento.”

Os dois casaram, sem maior portento,
na mesma igreja que fundara em ocasião
a sua família desde antiga geração,
vestido branco a envergar em tal momento...

E no pescoço ainda a faixa de veludo,
ele também com seus trajos antiquados,
nada destoando do bem que sua alma invade...

“Só não tire minha faixa.  É o meu escudo;
minha mãe a deixou a meus cuidados,
antes que fosse para a eternal cidade...”

Depois disso, outros vestidos lhe comprou
e muitas jóias da mais alta qualidade,
pois nela achara, enfim, felicidade;
mas em suas malas o branco ela guardava...

Sua faixa vermelha de veludo sempre usava,
mesmo no banho.  Nessa época, é verdade,
eram banhos de imersão, com a particularidade
que junto a ele ela jamais banho tomava...

Pouco depois de sua lua-de-mel,
Anna anunciou: “Querido, estou esperando!”
Outro motivo para torná-lo mais feliz...

Nasceu um menino com cabelos de ouropel, (*)
que alegremente os dois foram criando,
prosperidade a lhes chegar quanto se quis...
(*) Dourados, “melados”.

Porém curiosidade é coisa triste...
Será que tem no pescoço algum defeito?
Levava ela a sua faixa para o leito
e que nunca a retirasse ainda ela insiste...

Mesmo desnuda, na insistência ela persiste,
sem que ao motivo lhe contar desse o direito.
“Caso me ame, que meu pedido seja aceito,”
ela ainda repetia, “pois razão secreta existe...”

Certa noite, com dois anos seu menino,
em seu berço adormecido e bem contente,
a ansiedade por saber o dominou!...

E enquanto ela dormia, em desatino,
a faixa lhe tirou, bem lentamente...
E sua cabeça para o chão rolou!...

Sir Randolph ficou desesperado
e com o barulho, o seu filho se acordou
e nos seus braços, o triste pai o acomodou.
“Por que o pescoço da Mamãe está encarnado?”

O aristocrata ergueu a cabeça, com cuidado,
sobre a garganta com cuidado a ajeitou,
mas a esposa nem ao menos lhe piscou:
“Mamãe parece nos ter abandonado!...”

E então o menino a rubra faixa segurou
e sobre ela verteu amargo pranto...
Sir Randolph a atou de novo no lugar...

E novamente a sua Anna despertou.
“Se não fosse do menino o triste canto,
Nunca jamais eu poderia retornar!...”

EPÍLOGO

O marido suplicou-lhe o seu perdão!
“É claro que o perdoo...  Mas você
pode me amar depois que presenciou?”

Logo o menino abraçou-lhe o coração
e disse o pai: “Nós a amamos, como vê:
o nosso amor sobre a morte triunfou...”

E assim viveram até velhos ficarem,
chegando o dia em que o nobre faleceu
e então Anna a seu lado se deitou;

os lábios frios os seus quentes a beijarem;
então seu último suspiro a velha deu
e do pescoço a rubra faixa retirou!...

O VELHO CABELUDO I – 23 DEZ 2016

Perto de um pântano morava um rapazinho
chamado Billy, com sua mãe somente.
Seu pai morrera num combate ingente
com o “Velho Cabeludo”, seu vizinho!...

A sua cabana tinha cerca alta de espinho
e alguns encantos sabia a mãe, naturalmente,
no tal lugar morando, permanente,
em que o marido já sofrera um fim mesquinho!

O Cabeludo era um velho feiticeiro,
e sempre que podia, um canibal!...
Os seus feitiços só voltados para o mal...

A mãe de Billy conhecia algo certeiro
para enfrentar sua bruxaria também:
os seus feitiços eram todos para o bem!...

Só de uma coisa o Cabeludo tinha medo:
de cachorros os latidos e a mordida!
Uma matilha era então assim mantida
pela família, em cuidadoso enredo...

Do Cabeludo conheciam o segredo
e a cada vez que precisassem fazer lida
dentro do pântano, era a matilha conduzida,
coisa que Billy aprendera desde cedo...

Algumas vezes, saía ele a buscar lenha
e os cães ficavam barulhentos a caçar...
Mas quando ouviam alguém se aproximar,

chegavam antes que o Cabeludo venha
e desse modo ficava Billy sossegado,
porque o malvado seria depressa afugentado...

Mas um dia, disse a mãe: “Quero que prenda
hoje os cachorros, porque muito demoram
enquanto lebre ou quati eles devoram:
fiquei sem lenha que meu fogo atenda!...”

“Se demorar, farei que se arrependa,
pois certamente não lhe darei jantar!
Leva um bom tempo para se cozinhar,
Portanto, ande bem rápido na senda!”

“Mas, Mamãe... E o Velho Cabeludo?”
“Fiz um feitiço neste copo de leite,
que de branco há de ficar todo encarnado

caso o ameace esse tal monstro peludo!
Pois de correr perigo, nem suspeite:
os cães eu solto e irão correr para seu lado!

Buscando a lenha, Billy se embrenhou
até um ponto bem escuro do banhado
e o canibal logo chegava do seu lado.
“Boa tarde, Billy...” – o monstro lhe falou.

“Muito boa tarde,” – o garoto replicou.
“Seu Cabeludo, como tem passado?”
“Estou com fome de menino bem levado...”
“Então por que hoje ainda não caçou...?”

“Estou caçando agora e o vou comer!”
Porém o leite já mostrou cor encarnada
e a mãe soltou depressa a cachorrada!

Fugiu então o Cabeludo a bom correr;
Billy pegou a sua lenha facilmente
e retornou para casa alegremente!...

O VELHO CABELUDO II

No mês seguinte, de novo a mãe falou:
“Quero fazer geleia... Ao mato vá buscar
Muitas groselhas para se preparar...” (*)
“E o Cabeludo?” – o menino reclamou.
(*) Pequenas frutinhas silvestres.

“Não tenha medo,” – a mãe lhe replicou.
“Igual que antes, seus cachorros vá atar
e pegue o balde para se apressar!...
Com os cachorros, você sempre demorou!”

“Veja este copo de leite bem branquinho!
Fiz o mesmo feitiço, justamente...
Se a cor mudar, os cachorros soltarei...”

Assim Billy se apressou pelo caminho,
enchendo o balde já completamente:
Sem os cachorros, eu nem me atrapalhei!

Mas em seguida o Cabeludo apareceu:
“Boa tarde, Billy, hoje estou mais esfomeado.”
“Tome as groselhas,” – falou ele, já assustado.
“Quero coisa maior!” – e as garras estendeu!

Porém Billy numa árvore se acolheu...
“Não adianta!  Por meu feitiço é derrubado
de seu poleiro, garotinho bem levado!...”
Billy pensou: Mamãe hoje me esqueceu!

Então, falou: “Senhor Velho Cabeludo,
já percebi que agora vai me devorar!
Mas nem um último pedido vai me dar...?”

“Alguma coisa até dou, mas não dou tudo!”
“Quero que mostre quanta força e viço
possuem o seu bruxedo e o seu feitiço!...”

“Isso é fácil!...  Diga o que deseja ver...”
“Você é capaz de cordas produzir?”
“Claro que posso, já sei que quer fugir
pelos galhos da mata a seu prazer!...”

“Porém assim como eu faço aparecer
com as cordas todas também posso sumir!”
Deu uma risada e com gesto e um reluzir,
Por toda parte muitas cordas fez crescer!

Billy num galho bem depressa corda atou
E preso nela, começou a balançar...
O Velho riu: “Pensa que pode me escapar?”

Disse-lhe Billy: “Assim como as criou,
quero que faça já desaparecer
todas as cordas que o brejo há de conter!”

Ficara em casa todo o leite encarnado,
mas a sua mãe estava no jardim
e não pudera ver o encanto assim!...
Mas o feitiço foi das cordas desmanchado

por toda a parte, até mesmo no cercado:
toda a matilha se libertou, por fim,
cercando o Velho, que morreu, enfim!
Billy desceu, então, muito aliviado!...

Pegou o balde que deixara ali no chão
e que suas calças caíam percebeu!...
Sumira a corda que as havia segurado!

Mas na cintura as segurou firme com a mão
e o balde com a outra logo ergueu,
para casa a retornar bem descansado!

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
Recanto das Letras > Autores > William Lagos


Nenhum comentário:

Postar um comentário