terça-feira, 26 de fevereiro de 2019


SANTA JOANA & MAIS
William Lagos 22/31 MAR 2018
SANTA JOANA I – 22 março 2018

Joana D’Arc pegou fama de santa,
só por ter contra os ingleses combatido;
não foi canonizada, ao que é sabido,
mas muita gente de santidade a imanta.

Não obstante o que sua lenda canta,
nenhum milagre foi por ela intercedido
a quem quer que favor seu tenha pedido
que intercedesse, seus soluços na garganta.

Dizem que é santa pelo impulso que a levou
a procurar o rei em seu castelo,
afirmando ter dos santos a mensagem;

quando o Delfim ser quem era negou, (*)
ela insistiu, vigor no rosto belo:
“Sois vós o rei!” em ato de coragem.
(*) Delfim era o título do Príncipe-Herdeiro da coroa da França.

SANTA JOANA II
É até possível que houvesse inspiração
na exultação ao príncipe afirmada,
ao ver França já quase derrotada,
ela se apresta a defender a sua nação.

Talvez um toque da divina mão
sobre a assembleia ali escandalizada,
que enfim concorda em dar à jovem exaltada
forte armadura para a sua proteção

ou simplesmente foi questão de tática:
uma mulher cavalgando de armadura
transmitiria às tropas entusiasmo,

com sua aparência de carisma enfática,
as suas prédicas em convicção pura,
soldados simples a envolver em simples pasmo!

SANTA JOANA III

Mas é preciso destrinchar a lenda,
que certamente às suas tropas inspirou,
mas a estratégia que a vitória preparou
nessas batalhas, é necessário que se atenda,

foi de Gilles de Rais.  Não se pretenda
que os regimentos ela mesma comandou;
Joana D’Arc simplesmente rebrilhou,
mas era Gilles a planejar a senda,

espertamente num segundo plano,
a lhe indicar a tática escolhida
para aos hostís causar o maior dano;

e assim cada batalha foi vencida,
pequena França a crescer em cada afano
dessa donzela inculta e desabrida!

SANTA JOANA IV

Ela afirmava que escutava “vozes”
que aos santos e arcanjos atribuía,
um claro exemplo de esquizofrenia,
de surtos a sofrer constantes doses!

Capturada, sofreu as mais atrozes
torturas a que a fogueira sucedia:
eram as vozes de demônios que ela ouvia,
foi afirmado enfim por seus algozes.

Contudo inútil foi a morte da donzela:
Gilles de Rais a ocasião a aproveitar
para o desejo de vingança aprimorar

e finalmente, venceu a França bela,
porém nunca por divina inspiração,
mas pela força das balas de canhão!

SANTA JOANA V

Nesta chamada “Guerra dos Cem Anos”
predominaram os “Direitos Desumanos”,
os prisioneiros nos suplícios mais insanos,
que à nobreza e soldadesca divertiam!

Enquanto alguns sofriam, os demais riam;
atrocidades ambos lados cometiam;
Papa e prelados não se intrometiam,
Talvez temendo sofrer os mesmos danos.

Foi o Arco Longo inglês o vencedor
nas batalhas de Azincourt e de Crécy,
os cavaleiros massacrados por plebeus

e após cem anos, esse vão louvor
a Joana D’Arc nas prédicas que li,
como se os méritos, de fato, fossem seus!


SANTA JOANA VI

Mas nessa época o canhão foi inventado,
fatalidade para as fortalezas:
troncos furados de grandes incertezas,
canos de couro por aros reforçado;

Mas após alemães terem forjado
canhões de ferro para tais proezas,
empregados pelos turcos em suas presas,
foi o invento por franceses empregado,

demolidas as defesas dos ingleses,
suas possessões tendo de abandonar,
de volta à Inglaterra em seu embarque;

melhor que os arcos tais canhões franceses,
pólvora e balas a vitória a conquistar,
anos depois que queimassem Joana D’Arc!

Por que Gilles de Rais é tão pouco lembrado?   Em primeiro lugar, os franceses endeusaram Jeanne D’Arc e não estavam nem estão dispostos a abrir mão desse símbolo.   Gilles de Rais era um aristocrata e Marechal de França, tendo adquirido muito poder e maior inveja.  Foi acusado e condenado por homossexualismo e pedofilia.  A primeira acusação sendo verdadeira, a segunda era forjada.  O homossexual sofria penas só da Igreja, penitências, pagamentos, peregrinações... Mas pedofilia era crime penal e Gilles de Rais foi decapitado, devido à sua condição de nobre, seu nome caindo em execração.
Quanto aos canhões, que de fato concluíram a Guerra dos Cem Anos, inicialmente surgiram as bombardas, com canos de couro reforçados por aros de ferro ou bronze, que lançavam pedras de maneira errática; eram até menos eficientes que as antigas catapultas.  Mas logo começaram a escavar troncos de carvalho, com melhores resultados, mas curta duração, visto que os troncos rachavam e explodiam, até que mercenários alemães a serviço dos turcos efetivamente inventaram o canhão de ferro e as balas do mesmo material, permitindo à Turquia conquistar metade da Europa, até serem detidos diante de Viena por tropas vindas da Polônia sob o comando de Jan Sobieski.  A invenção logo chegou à França, destruindo as defesas dos acampamentos e demolindo as grandes fortalezas medievais, que se tornaram inúteis.

ALMAS INCONSTANTES 1 – 23 março 2018

Nem sempre amor merece Ações de Graças,
Mesmo que seja, no geral, bem sucedido;
O coração por Eros malferido
No antigo sentimento encontra jaças;

Esse corpo querido ainda enlaças,
Mas o desejo inicial já foi nutrido;
Surgem suspeitas de que o ser escolhido,
Por qualquer perversidade com que nasças,

Não era, realmente, o ser ideal
E se amor foi confundido com desejo,
Vem a suspeita a tornar-se mais real...

Ações de Graças por quê? Se alguma fresta
Vai trincando o espelho desse beijo,
Simples rotina a empanar a antiga festa.

ALMAS INCONSTANTES 2

Mas que se entenda bem que, por desejo,
Não se define tão só o amor sensual
Ou a transiente atração de um carnaval,
Nesse sabor impertérrito do beijo...

Existe a ânsia pelo raro ensejo
De achar um par de igualdade espiritual,
Que pense como nós; ou emocional
Numa partilha que espero e que não vejo.

Existe ainda a simples gana material
Que tal consorte nos conduza ao ganho
De alguma situação ou de riqueza

E o desgosto dessa face consensual,
Inadequados seus traços ao tamanho
Desse íntimo conceito de beleza.

ALMAS INCONSTANTES 3

Existem ainda tantos desejos mais;
Sua maioria o consciente nem percebe,
Mas há uma falha aqui, outra a sucede
E adaptações devem ser feitas naturais.

E tantas vezes, nem há motivos materiais,
É só o desdém que a própria alma imbebe:
Perfeito é o par, ao ponto que se mede,
Por que então tais desditas conjugais?

O que nos leva a render “Ações Desgraças”,
Qualquer pretexto provocando desconfiança,
Quaisquer palavras a nos roer quais traças,

Enquanto o amor de nós escorre como água,
Não mais a mágica que nossa mente alcança...
Por que a magia se transmutou em mágoa?

ALMAS INCONSTANTES 4

Algumas vezes em nós mesmos procuramos
Essas faltas que não podemos encontrar
Na pessoa que não mais se quer beijar,
Que ainda afirma o amor que lhe inspiramos!

E cresce a culpa, nos sentimos desumanos,
Na ingratidão em nós mesmos a brotar.
Por que deixamos tal desdém nos dominar,
Por que do amor assim nos afastamos?

E realmente, se há culpa, está em nós,
Mas sem que exista motivo de remorso:
É a natureza das brumas do inconsciente,
Nosso cérebro triturando igual que mós,
Qual abantesma montado em nosso dorso,
A se nutrir desse carinho decadente...

PREGAÇÃO I – 24 março 2018

A gota pinga sobre a água do copo,
A cada vez originando breve cruz,
No resplendor que parte desse foco,
Crescentes círculos salientados pela luz.

Por breve instante o concêntrico reluz;
Se de outra gota pingar então me poupo,
Voltam da beira em painel que me seduz
As ondas de retorno em seu escopo.

Talvez visão igual tenha inspirado
A construção da cruz com esplendor
Ou a cruz celta, aberlemno tão antigo, (*)

Igual que a mim inspira esse ondulado,
Cada gota a dissolver-se no perigo,
Nesse refluxo em que perde seu vigor.
(*) Que se supoe ser um sextante primitivo.

PREGAÇÃO 2

De igual modo se difunde a pregação
Do Evangelho ou qualquer outra religião
Ou ideologia de material conotação,
Ondas concêntricas a partir de uma só gota,

Cada círculo alcançando maior quota,
Nessa pequena onda que se embota,

Mas de um ideal a muitas mentes dota,
Igual se espalha qualquer conspiração.

Porque o fantasma da gota, quando chega
No limite desse copo expectante,
Sofre um retorno qual contra-maré,

Que de novo à Boa Nova original se apega
E os seguidores, em tropa delirante,
Reforça em rebelião da nova fé.

PREGAÇÃO 3

Contudo, o vaivém dessa revolta,
Mais solidez conferindo à sua expansão,
Tal qual líquido das mentes a emoção
Que as prende por inteiro e não mais solta.

Pois uma fé não se difunde por razão,
Nem sequer na ideologia circunvolta,
Mas em lavagem cerebral de larga escolta
Dos seguidores da primeira geração.

E ninguém pode abandoná-la facilmente,
Pois pregação penetra igual que prego,
Fundo cravado na mentalidade,

Que só dela se liberta, realmente,
Mantendo o raciocínio em forte rego,
Sem sequer suplicar por liberdade.


SOL DE LESBOS I – 25 MAR 18

Isso que hoje já se faz abertamente
por muitos séculos se fez às escondidas;

não foram lésbicas, em geral, submetidas
à execração homossexual frequente.

As primas e as irmãs constantemente
dormiam juntas, sem serem perseguidas;
quaisquer suspeitas por poucos concebidas
que seu prazer provocassem mutuamente.

E certamente, nos conventos ocorria
constante relação mais fescenina,
revelada ao confessor, como se quer;

e desse modo, algumas vezes se dizia:
“Mulher alguma pode ser mais feminina
do que mulher que é mulher de outra mulher.”

SOL DE LESBOS II

Hoje, contudo, chegou-se no outro extremo,
abertamente pregado o lesbianismo
e até seremos acusados de fascismo,
caso enxerguemos em tal conduta seu veneno.

É a lei do ciclo.  Pecadilho tão pequeno
era aceito, se guardado num mutismo,
na intimidade, até no romantismo,
quando descrito, não mais que breve aceno.

Em nossos dias, geralmente em desafio,
até meninas se beijam pelas praças,
do mesmo modo que os que se dizem gays

e estranhamente, contempla-se este cio
na ironia de um sorriso, que desfaças,
senão de homófobos acusados ficareis.

SOL DE LESBOS III

Porém limites existem, certamente,
motivo aberto para a pornografia...

Mas não se acusa de pedofilia
essa mulher que a qualquer adolescente

ou menina, a se crer mais inocente,
a senda lésbica em que aos poucos a inicia,
tão facilmente que ela assim seduziria,
nessa tendência pouco a pouco mais frequente.

Quando é um homem que molesta uma criança
ou que difunde alguns vídeos pornográficos
que inspirarão tão só masturbação,

rapidamente severa lei o alcança,
mas não se escuta punir os vídeos sáficos,
mulher alguma tendo igual condenação.

SOL DE LESBOS IV

E ao mesmo tempo, se aprovam leis severas
A condenar, vis-à-vis “Maria da Penha”
qualquer frase mais aberta que alguém tenha
proferido, galanterias apenas meras...

Uma coisa são estas bestas-feras
que atacam e estupram a quem venha
ou quem seguro do cargo que mantenha,
seduz as jovens com promessas insinceras.

Há outra coisa, porém, que é inegável
e não depende de formação social,
isso que o corpo feminino é atraente

e assim criado por razão saudável,
pelos impulsos oriundos do hormonal,
a raça humana conduzindo para a frente.

SOL DE LESBOS V

O organismo inteiro da mulher
é assim voltado para a reprodução,

para à semente conservar em proteção
na gravidez que coroa o seu mister,

sem contingência social neste prazer,
dores do parto tendo longa duração,
mas a alegria da final contemplação
desse serzinho que pôde conceber.

E se a mulher não quer ser importunada,
que não se exponha escancaradamente,
do masculino avanço não se queixe,

nem que seja pelos homens cobiçada,
pois esse impulso de copular frequente
será contido caso a mulher não deixe.

SOL DE LESBOS VI

Já muitos homens sentem até excitação,
ao verem duas mulheres em abraços;
quem não deseje suscitar tais traços
que desfrute seu amor com discrição;

é bem mais rara a heterossexual ação
em praça pública, conservando os laços
na intimidade, sem exibir tais passos
aos transeuntes tal qual provocação.

Mas não me entendam mal. Pleno direito
tem a mulher à sua sexualidade
e o seu corpo a adornar como quiser;

não vejo em lesbianismo algum defeito,
mas bem queria mais contida essa vaidade
de demonstrar que a deseja outra mulher...

COMENTÁRIOS I – 26 MAR 18

Eu não me oponho ao homossexualismo:
só me repele o “amor intestinal”;
se limitado ao buco-genital,
mais aceitável me seria esse modismo.

Entre os helenos o bissexualismo,
entre os romanos atitude muito igual
se tolerava como coisa natural,
do mesmo modo que de atletas o nudismo.

Porém portar-se como homens deveriam,
sem travestir-se em roupas de mulher
ou sem passear a exibir algum trejeito;

tais indivíduos as leis condenariam
ou os que negassem seu paternal mister:
 gerando filhos, que agissem de seu jeito!...

COMENTÁRIOS II

Eram, de fato, sociedades militares
e um exclusivo homossexual comportamento
conduziria a seu enfraquecimento,
pois precisavam de jovens aos milhares,

muitos deles perecendo nos azares
dos combates e no envilecimento
das ferimentos, das pestes no tormento:
não se negassem os deveres familiares!

Provavelmente, no interior dos gineceus
o lesbianismo alcançaria vasta voga,
mas sem que isso impedisse a gravidez,

filhos gerando pelos partos seus
para a armadura ou para o uso de uma toga...
Bem diversa essa atitude, como vês.

COMENTÁRIO III

Mas hoje em dia há menor natalidade
e alguns falam de suicídio até racial;
menos crianças, menos contribuição social,
já a Previdência a passar necessidade!

Sempre existiu maior fertilidade
na sociedade camponesa e é natural.
Filhos ajudam no trabalho e, como tal,
são desejados com maior facilidade.

Bem diferente na sociedade urbana,
em que filhos serão fonte de despesa,
bem ao contrário de serem capital

e a relação homossexual irmana
dois parceiros e a gravidez não pesa,
com mais conforto próprio no total.

COMENTÁRIO IV

Não obstante, alguns casais, por mais que tentem,
nao conseguem ter os filhos desejados,
enquanto os outros ficam empenhados
em evitá-los, pois tal dever não sentem.

Que as lésbicas então juntas se assentem,
porém seus óvulos cedam aos cuidados
desses laboratórios, para ser aproveitados
e aos estéreis heterossexuais alentem.

Também os homens ceder podem sua semente,
mas vejo com leniência a adoção
por gays ou lésbicas dos abandonados

ou a gravidez em proveta, hoje frequente
entre as lésbicas, a cumprir essa função,
seus organismos assim menos contrariados.

GESTALT INESPERADA I – 27 MAR 18

A periférica visão é perigosa
e não somente quando a afeta catarata,
pois com frequência uma surpresa acata,
uma imagem a formar, feia ou graciosa;

os cílios podem enganar-nos como rosa,
que de algum modo ao ver-se nos abata,
alma penada de algum consolo à cata
ou até mesmo visão mais tenebrosa!

Bem certamente já ocorreu contigo,
muito especial nos momentos de cansaço,
quando ao sono antecipa o devaneio,

nessa visão transitória de um perigo
ou do cônjuge que te venha dar abraço,
nesse assomo de prazer ou de receio...

GESTALT INESPERADA II

É coisa bem comum.  Tanto fantasma
da visão originou-se periférica,
de terror sobressaltando a alma histérica,
que por momentos é assombrada e pasma!

No entretanto, normalmente este miasma
se desfaz ante qualquer luz mais feérica,
quando teu rosto, numa volta semi-esférica,
desfaz o imaginar de teu quiasma!... (*)

Pontos apenas, reunidos juntamente
e interpretados por esse núcleo ótico;
logo desfeitos, quando te alivias

e te reprovas pelo impertinente
pulsar, da adrenalina mais despótico,
e dessa breve tolice então te rias!...
(*) Centro nervoso atrás da testa que controla a visão;
o núcleo supraquiasmático controla o mecanismo do sono.

GESTALT INESPERADA III

Fico a pensar quanta visão divina
de algum santo, algum anjo, até Maria,
lançou de joelhos a pessoa que assim via,
revelação a julgar que se aproxima.

E quanto sociopata assim se inclina
a acreditar na chacina ou agonia
que só irá causar porque o exigia
qualquer demônio a dominar-lhe a sina!

Por isso é perigosa essa visão
que nos invade a esparzir já quantos males,
alimentando de alguém pura vaidade,

por imediata se desfaça a “concepção
maculada”, sendo inútil que lhe fales
ser ilusão tal demônio ou tal deidade!...


imagem de escultura (prólogo)

“Moisés descia do Sinai, nos braços
Tendo da Lei as tábuas, junto ao peito;
Mas de repente, ali detém os passos
Vendo o bezerro, todo de ouro feito!

“Diante da ingratidão do povo eleito,
Do austero rosto alteram-se-lhe os traços:
As tábuas ergue e, em fúria, contrafeito,
As roja ao chão, fazendo-as em pedaços!

“Há no seu gesto uma lição contida
A quem levanta e ao culto até destina
Outros bezerros de ouro nesta vida,

“Que neste mundo incrédulo e bizarro
Têm tantas vezes quebrado a Lei Divina
Aos pés de outros ídolos de barro!”



imagem de escultura 1 – 28 mar 18

este soneto do conterrâneo Ziver Ritta
é realmente um dos melhores que conheço;
ao Santo Espírito inspiração eu peço,
correspondente a essa obra tão bonita.

e se me atrevo a retomar essa bendita
imageria por que sinto tal apreço,
da difusão de seu trabalho não me esqueço,
e a comentá-lo um impulso de concita.

após quebrar as tábuas contra o chão
e aos infratores decretar fero castigo,
ainda assim tornou Moisés ao monte,

que Deus de novo lhe estendesse a mão
e reescrevesse novas tábuas, bom amigo,
que entre o homem e a deidade fazem ponte.

imagem de escultura 2

e quem nos diz se as tábuas iniciais
não foram alteradas por Moisés,
após tê-las arrojadas a seus pés,
mesmo que escritas por dedos divinais?

quarenta dias, quarenta noites nos totais,
é compreensível que abalassem fés
e que a um bezerro fizessem rapapés;
escravos foram e cederam cabedais

para que Aarão fundisse a criatura
a quem pudessem ver e adorar;
afinal, essas jóias e arrecadas

eles haviam extorquido com fartura
desses egípcios desejosos de enviar
para o deserto tantas hordas libertadas...

imagem de escultura 3

mas por que foi que o fundiu o sacerdote
que sempre fôra de Moisés o portavoz?
talvez sofrendo então temor atroz
de apedrejado ser, dobrou o cangote.

a escritura revela o triste lote
desses escravos submissos a algoz,
sem ser guerreiros, a marchar empós
um visionário, aguardando o dote

de uma terra prometida... e por quarenta dias,
quarenta anos viveram no deserto,
até morrer toda aquela geração;

filhos e netos, sem maiores agonias,
curtidos pela vida em tal aperto,
a terra a conquistar por sua missão.

imagem de escultura 4

o certo é que o segundo mandamento
é bem explícito e tem claro teor,
a prometer castigo em grande ardor
para quem aja em seu quebrantamento.

seu deus descrito como sendo ciumento,
para três e quatro gerações, em seu furor,
visitar; porém tratando com amor
mil gerações em seu contentamento...

este é o primeiro mandamento com promessa
e não o quinto, sobre honrar os pais,
como o próprio São Paulo mencionou.

que a adoração ao deus supremo cresça
e não aos anjos e tantos santos mais,
cujo poder qualquer papa proclamou!

FIDELIDADE  1

Amor é coisa eterna e passageira
Que na alma dos sinceros, justa e pura,
Por toda a eternidade ali perdura
Ou sobre a Terra, até a hora derradeira;

Na alma romântica que à emoção se abeira,
Além da morte alcança a eterna jura,
Mas para os céticos é bem diversa agrura,
Que a Morte chega e o Amor leva certeira.

Se tudo então termina e for assim,
A eternidade tem da vida a duração,
Perfeito o amor que dura até a morte,

Fidelidade a praticar-se até o fim,
Quando ocorrer tal final separação,
Qualquer que seja – ao depois – a nossa sorte.

FIDELIDADE  2

Mas caso a morte seja apenas transição,
Deve após ela haver fidelidade?
Foi Jesus interrogado, na verdade,
Sobre o destino após haver separação

Dessa mulher que se casou, em sucessão,
Com vários homens, na viuvez de tenra idade.
Qual seu marido pela eternidade,
No reino eterno a que os poetas vão?

E respondeu Jesus Cristo com clareza
Que só entre corpos existe casamento
E não há na eternidade a obrigação

De qualquer matrimônio ou sutileza,
Quando os espíritos, após seu passamento,
A Deus apenas fiéis serem deverão.

FIDELIDADE 3

O Romantismo, porém, não quer assim,
Não aceita como justo o julgamento:
Quando é perfeito o amor nesse momento,
Haverá de perdurar até o fim.

É sobre o sexo a jurisprudência, enfim,
Pois sempre há de perdurar o sentimento,
Sem que de reprodução exista evento,
Só da aliança aprovada pelo Sim.

Mas a essas almas que não se reproduzem
Nada impede de manterem seu amor,
No Paraíso até multiplicado,

Onde os amores de tantos mais induzem
Visão perene de tal resplendor,
Após o amor da carne descartado.

FIDELIDADE 4

Mas esse amor que sente a maioria
E que aqui mesmo se mostra passageiro
É o resultado tão somente desse arqueiro
Que flecha os corações em sua ironia...

Por isso, não perdura o que se cria,
Não sendo o amor perfeito e verdadeiro,
Mas arrebatamento mais brejeiro
Que, como tal, se esvai numa folia...

Contudo, eu creio também no amor eterno
Do qual se espera seguimento após a morte
Ou que se envolve na total escuridão,

A perdurar, todavia, no olhar terno,
Após o amor sexual sofrer um corte,
Mas não do eterno amor a pulsação.

sol inútil 1 – 30 mar 2018

há pouco tempo, li comentário de criança,
de que a lua era importante, já que iluminava
durante a noite, quando a treva dominava,
tranquilidade a conceder-nos e esperança.
porém o sol, tanto quanto a mente alcança,
inútil era, pois somente se mostrava,
durante o dia, quando a luz brilhava,
desperdiçando assim a sua pujança!...

criança afirma cada coisa surpreendente!
esse sol foge quando seria mais preciso,
deixando a lua a pratear em seu lugar,
tornando a treva branda e mais dolente,
enquanto o sol nos encara em puro riso,
somente após dourada luz nos dominar!

sol inútil 2

é de fato compreensível tal noção,
confundindo causa e efeito tanta gente!
seu julgamento assim ineficiente,
conduzindo a tanta errônea conclusão.
que uma criança exponha tal afirmação,
enquanto explora o mundo indiferente,
nós traz, às vezes, sensação pungente
sobre as tolices de tão longa duração

que facilmente permitem se domine,
no entusiasmo de um discurso, a multidão,
que do seu raciocinar logo abdica
e para o demagogo então se incline,
seguindo cega nessa aberração
até o abismo que tal prédica lhe indica!

sol inútil 3

existe na escritura afirmação
de que jeová uma tenda levantou
na extremidade da terra e se tornou
um argumento de maior conotação,
de que essa terra não possuía rotação,
mas que era ao sol que o senhor determinou
nascesse sempre no lugar que demarcou
da terra plana, em sua translação!

e por blasfêmia quantos foram condenados
ao afirmarem a redondeza do planeta
ou defendessem um sistema heliocêntrico,
de copérnico os escritos publicados
somente após a morte, na secreta
condenação do sistema geocêntrico!

PEDRAS SEM PREÇO I – 31 MAR 18

São os instantes pequenos de minha vida
que me inspiram a poesia; não a fé
nos momentos portentosos, pois até
um pio de pássaro projeta-me em tal lida.

Mas quando algum entusiasmo tem guarida
ou violência ou pasmo, eu sei que é
gasta neles a emoção, tornam-se a sé,
neles se esgotam estímulo e ferida.

Dependo assim dos plácidos momentos,
qualquer palavra ou sentença inesperadas,
desse véu de sombras mornas do diário,
pois é então que vêm à terra sentimentos
que eu nem sabia ter, dessas moradas
submarinas de nácar multifário...

PEDRAS SEM PREÇO II

Todas as pedras que encontrei na vida
surgem num átimo e vejo ao meu redor
as em que me assentei; as que uma dor
me causaram por topada ou por ferida.

Porém dar à pedraria essa incontida
lembrança de seu frio ou seu calor,
os choques e arranhões de seu ardor
é o mesmo que lembrar toda a sofrida

desesperança que me revista em mágoas,
que essas pedras são amores desabados
e não um trono em que me sente alegremente;

são as jóias derretidas dessas águas
brotadas de meus olhos em passados
que já nem mais recordo claramente.

PEDRAS SEM PREÇO III

Mesmo assim, eu entesouro esses momentos
e nunca amaldiçoo tais calhaus,
enfeitando desse modo os dias maus
com esses mil subitâneos sentimentos,

jamais ficando em tal aguardo de portentos,
nem de transpor torrentes por seus vaus;
pedras se quebram ao brandir de paus,
mas em versos se fazem os fragmentos.

Cada poema a brotar desses argueiros
e não de rocha que possa me esmagar:
caso chegasse, escrever não poderia...

Mas vejo a luz dos momentos corriqueiros,
justamente os que procuro conservar
nessas vinhetas que outros chamam de poesia...