sábado, 16 de fevereiro de 2019


VELHICE SOCIÁVEL E MAIS
WILLIAM LAGOS, 1º/10 MAR 2018

VELHICE SOCIÁVEL I – 1º MAR 2018
Dona Velhice veio visitar-me
e convidar-me para seu casamento,
com Dón Ciático, natural de Inflamamento:
seria em breve e deveria apressar-me...
Na cerimônia, quando me fiz presente,
Unha Encravada veio acompanhar-me,
Joanete, seu irmão, veio abraçar-me,
Sarcopenia também veio, de repente! (*)

Dona Calvície chegou, toda lampeira;
e Seu Careca, primo-irmão, chegou depressa,
com Dona Prótese Dentária, tão gentil!...


Beijou-me a barba Dona Caspa, bem certeira;
Dor nos Quadrís longa amizade me confessa:
“Sou meio torta, mas vou votar pelo Brasil!”
(*) Queima da massa muscular.

VELHICE SOCIÁVEL II

Logo chegou o Tornozelo Frouxo,
de braço dado com Joelho Dolorido;
Calo no Pé logo insiste em ser ouvido;
veio o Hematoma, que me deixa roxo!

E a Dor nas Costas, que me torna coxo,
a Miopia, que sempre tenho tido,
da Tosse e Rouquidão sendo vencido,
chega o Pigarro, com guincho de mocho!

E finalmente, me abraça a Disritmia,
bem apertado, contra o coração:
Terceira Idade, sempre bem sociável...

Porém coisa pior sempre haveria,
que a Surdez não se aproxima da audição
e o paladar ainda hoje é bem saudável...

VELHICE SOCIÁVEL III

Tristes Achaques acompanham a Velhice,
mas não me impedem, afinal, de caminhar
e só uma vez foi preciso me operar:
foi-se a vesícula, que breve adeus me disse...

A Displasia está bem longe, nunca quis-se (*)
aproximar de mim, mas reclamar
é certo que não vou, nem do afastar
de algum Enfarto ou de AVC a má ledice!
(*) Crescimento celular desordenado, câncer.
Ficam lá juntos, do outro lado do salão
e só de longe percebo os dois doutores,
Parkinson e Alzheimer, sentados em sua mesa,

trocando brindes em tal celebração,
a competir entre si por mais horrores,
com que deixar de alguém a mente lesa!..

VELHICE SOCIÁVEL IV

Mas houve outras que não foram convidadas,
a Chikungunya de te deixar perrengue;
chegou a Zyka, braço dado com a Dengue
e até a Ebola quis dar suas espiadas!...

Febre Amarela com as outras rejeitadas;
e Paralisia, disfarçada de merengue,
Esquistossomose encolhida e meio rengue,
com Leptospirose, nas sarjetas agachadas!...

E de fato, entrar aqui até tentaram,
porém as Seguranças, as Vacinas,
em sendo Faixas-Preta essas meninas,

nenhuma delas penetrar deixaram:
“Não sois doenças de velhos, certamente,
fiquem nas ruas, afetando a toda a gente!”

NA CASA DA MORTE I – 2 MAR 18
Quando criança, meu pai quis-me mostrar,
Talvez pensando generoso ser comigo,
Algum crânio que a mente dera abrigo
E foi então ao cemitério me levar!...
Com um coveiro conhecido conversar,
Uma gorjeta entregando a tal amigo.
“Ali no ossário não há qualquer perigo,
Ossos antigos somente a conservar...”
Com uma sovela separou a tijoleta
Que separava do mundo um esqueleto,
Ali apertado em quadrangular espaço
E nessa expedição meio secreta
Foi retirando dali certo objeto,
Amarelado, sem trazer de carne o traço...

NA CASA DA MORTE II

Não recordo exatamente o que senti:
Tinha quatro ou cinco anos, pouco mais.
Ossos humanos sendo coisas naturais
Não acredito ter gostado do que vi,
Mas na testa da caveira então bati
Com a ponta dos dedos, tal qual vais
Tocar em porcelana preciosa, sem jamais
Algo quebrar do que se encontra ali.
Após ter minha curiosidade satisfeita
Ou talvez a curiosidade de meu pai
De simplesmente sondar minha reação,
A pobre máscara de osso contrafeita
Retorna logo ao nicho de onde sai;
De volta a casa fui levado pela mão.

NA CASA DA MORTE III

No consultório de um oftalmologista
Havia outra caveira, mas de gesso.
Não acredito que tivesse o meu apreço;
Não me encarava, porque não tinha vista...
Qualquer lembrança que na mente minha exista.
A que examinar com cuidado nunca cesso,
Dessa caveura algum olhar eu meço,
Macabra ideia de que conservo a pista...
Se de afastar o medo fosse a ideia,
Saiu pela culatra. No cinema,
A cada vez que aparecia um esqueleto,
Fechava os olhos, protegido na plateia.
Passou-se o tempo, transmutou-se o lema,
Mas nos gibis algo ainda via em desafeto...

NA CASA DA MORTE IV

Desde esse tempo, já fiz exumações,
De meus parentes vi restos mortais
E nenhum deles ora me assombra mais,
Nem as caveiras das televisões...
Já esperava o teor dessas visões,
Ossos humanos sempre coisas naturais,
Meu pai, minha mãe, amigos ademais,
Sem pesadelos nem quaisquer perturbações...
Mas certa vez, confesso me assustei:
Quando montava um museu escolar
Chegou em pacote casco de tartaruga...
Ou assim julguei, até desembrulhar;
Com outro crânio então me deparei,
Sua testa lisa e límpida de ruga!...

NA CASA DA LUZ I – 3 MAR 2018

Ah, Sol Nascente, senhor de meu futuro,
Lua prateada, senhora do presente,
Ah, Sol Poente, do passado permanente,
Ah, mil Estrelas de meu destino duro,

que me contemplam com seu brilho puro,
como alfinetes, fulgor inconsequente,
diademas sobre o altar onipresente,
a outros céus dando acesso cada furo...

Jamais me espanta que os antigos adorassem
as entidades desse firmamento,
nas longas noites sem eletricidade

e como deuses Sol e Lua contemplassem,
no ouro e prata o seu olhar atento,
sua gratidão por deles terem claridade...

NA CASA DA LUZ II

É bem difícil esperar que peregrinos
ou nômades seguindo seus rebanhos,
ou agricultores a tratar de seus amanhos
não duvidassem serem guardas dos destinos,

pois se até hoje em horóscopos divinos
tanta gente acredita!  Muitos ganhos
são auferidos dos espíritos tacanhos...
Doze animais tangendo vidas como sinos!

E não me digam os que creem em signos
que não se tratam apenas de animais,
Gêmeos e Virgem constelações fatais...

Porém antes dos Romanos, Gregos dignos
humanizaram dos Babilônios tais sinais
para tornar alguns deles mais benignos!...

NA CASA DA LUZ III

Sendo o Zodíaco dos Animais Caminho,
nunca pude aceitar, naturalmente,
que as pobres bestas controlassem gente!...
A Tartaruga, sendo algo mais mesquinho,

em Libra a transformaram, com carinho:
seria Balança meu signo atualmente...
Contudo Scorpio é, às vezes, mais presente,
constelações a se mover, devagarinho...


Não obstante, aprecio o Sol do Inverno,
abominando, contudo, o do Verão;
tenho prazer em contemplar a Lua...

E aos velhos deuses sorrio com olhar terno,
sem neles crer, mas com a veneração
dessa poesia que dentro dalma estua!...

NA CASA DA VIDA I – 4 MAR 2018

Hoje meu filho faz quarenta e seis
e minha irmã sessenta e seis completa.
Voam os anos da vida mais dileta,
se vão os miseráveis, vão-se os reis,

os criminosos e quem cumpre quaisquer leis,
que o tempo a todos nós constante afeta.
Encarai Chronos com olhar de esteta
e a luz da vida nele encontrareis!...

Alguns defendem voltar à Natureza:
só trinta anos viviam os primitivos,
nossas vidas se acresceram nas cidades
e embora o tempo desgaste tua beleza,
Terceira Idade ainda é prêmio para os vivos,
sempre capazes de novas veleidades...

NA CASA DA VIDA II

Setenta e cinco espero ainda fazer,
em outubro deste ano. Se aproxima
a data célere que para mim se inclina,
de um século três quartos perfazer.

Mas não será um ano mais que irei ter,
somente um ano a menos de minha sina.
Cada dia me acrescenta nova rima,
que para os pósteros pretendo recolher.

A minha própria idade não me abala,
mas a dos outros me espanta muito mais,
esses qie ocupam agora as mesmas casas
que já preenchi em minha antiga fala,
que para mim já pertencem ao jamais,
translúcidos tais dias feitos gazas!

NA CASA DA VIDA III

Reconhecendo anos menos ser embora
desses que tenho ao futuro destinados,
guardo seus dias para mim acumulados,
cada minuto escoimando cada hora.

Alta pilha a acumular-se, sem demora,
anos perdidos, anos consagrados,
anos malditos, anos abençoados,
certas ações ante as quais minhalma cora,

outras ações que só me dão orgulho,
por mais que desconfie da vaidade
e nem espere aqui no mundo perdurar.
E finalmente, alguns anos de esbulho,
mesmo encarados sem muita ansiedade
de pouco a pouco me ver apequenar.

NA CASA DO SOM I – 5 MAR 18

Errado posso estar, mas desconfio
que este ano me será interessante;
não que eu aguarde que seja deslumbrante,
mas que não venha degradar-me o brio.


Espero que assim seja e então vigio:
melhor que o anterior e mais vibrante;
de minha discoteca o ouvir constante
das melodias que mais aprecio.

A remar contra a maré eu permaneço
e nada busco baixar dessa Internet,
que me serve tão somente de canal;

meus versos ponho ali e então me esqueço,
na barafunda de serpentinas e confete:
são para os outros que acendo este fanal.

NA CASA DO SOM II

Só meu rádio eu escutei por longos anos,
sintonizado na Argentina ou no Uruguay;
toda a música que apreciava dali vai
consolar-me do labor e desenganos.

Contudo a vida modificou-me os planos:
minha nova residência agora cai
na parte baixa da cidade e já não sai
um som igual de tempos mais tempranos.

Não obstante, descobri haver um Sebo
com muitos discos de segunda mão,
tendo preços acessíveis por demais

e é dessas fontes que agora bebo,
meus eruditos a aquecer-me o coração,
dia e noite a escutar seus cabedais...

NA CASA DO SOM III

Posso afirmar e sem errar o tom
que nas estantes de minha biblioteca
ou do escritório, a grande discoteca
é para mim, afinal, Casa do Som.

Poucos dispõem, afinal, do acervo bom
que amealhei para formar minha própria Meca;
do exterior o barulho mal me peca,
quando o suplanto com a força desse dom.


Vinte e quatro horas por dia o aparelho
vou alternando com CDs e com vinil
e alguma fita gravada, eventualmente.

Um igual procedimento te aconselho,
por conservar tua longa vida juvenil:
basta escutares boa música frequente!

NA CASA DA SOMBRA I – 6 MAR 2018

Não aprendi a ler nessas mofadas
salas de aula que frequentar eu tive,
pois já sabia ler quando lá estive,
na carceragem dos mestres enrugados...

Porém a meu redor vi ser geradas,
nos mentais ventres em que a memória vive,
de meus colegas autoridade e aclive,
ali ficando dos docentes impregnadas.

Foi assim que numa inteira geração
floresceu a gestação de preconceitos,
na aceitação da imaturidade,

o nosso mundo alucinado então
foi pelos mesmos que a ele estão sujeitos
talvez só eu me excluí dessa inverdade.

NA CASA DA SOMBRA II

Pouco a pouco fui formando minha cultura,
através dos muitos livros que escolhi,
sem jamais crer em tudo o quanto li,
mas só extraindo a informação mais pura.

Nenhuma influência sobre mim perdura
de autoridade a que me submeti;
só documentos, aos poucos, recolhi,
dos preconceitos a mais perfeita cura.


Nunca busquei riquezas materiais
e mesmo agora aceitando ser poeta,
não vou empós qualquer louvor ou fama;

só acumulei os tesouros perenais,
a mente cheia da ciência mais completa
e dessa arte que a emoção proclama.

NA CASA DA SOMBRA III

Mas vi crescente a sombra a meu redor,
sendo engolidos por ela todos mais,
influenciados por doutrinas infernais,
servindo apenas ao que obtinha mais louvor.

Muito em particular, recente vi o temor
de ver perdidos os sonhos triunfais
de antepassados mais originais
nessa maré de digital fervor...

Porém vislumbro agora a reação,
sendo entre os jovens boa leitura propagada,
para que possam, por si, raciocinar

e não apenas fazer pesquisas de ocasião,
não mais que Pasta do PC copiada,
e enfim aprendam por si mesmos a pensar.

NA CASA DOS ESPELHOS I – 7 março 18

Dizem que Freud, viajando em algum trem,
Enxerga, logo após um solavanco,
Sua própria imagem, sentada em outro banco,
Com as exatas características que ele tem.

Seria interessante se eu, também
(me foge a rima), viajasse em carro
E sobre um quebra-molas quando esbarro
Deparasse de mim um outro alguém.

Muito embora tantas vezes já falasse
De encontrar os fantasmas de mim mesmo,
No percorrer das ruas, nunca os vi;

Se o imaginário, porém, desencadeasse,
Um súbito empurrão, um golpe a esmo,
Quiçá minhas mágoas tomasse sobre si.

NA CASA DOS ESPELHOS II

Talves Freud tivesse tido acesso
De paranoia ou de esquizofrenia;
Em seu estudo, afinal, ele vivia,
Pelos meandros da mente a ter apreço.

Naturalmente, seria apenas um processo
Que, com curiosidade, estudaria;
Talvez sexo em tal imagem buscaria,
Masturbação mental em seu ingresso.

Esses fantasmas de mim eu só imagino,
Provavelmente grande susto sofreria
Se de fato, algum de mim se aproximasse!

E me encarasse um corpo de menino
Ou como adulto com ele me encontrasse
Ou com meu Ego já ancião eu conversasse!

NA CASA DOS ESPELHOS III

Há muitos anos não viajo mais de trem
E até de ônibus apenas raramente;
Cobrir a pé meu trajeto é mais frequente
Ou de táxi poderei andar também,

Se muito peso das comprs que me vêm
Tiver de carregar. Mas, impotente,
Se da janela visse imagem mais ingente,
Olhos notando que a encarar me veem.

Por serem meus talvez os reconheça!
Mas não sou tipo, afinal, tão diferente
E é bem possível essa espécie de ilusão,

Na egolatria que algum outro assim pareça,
Substituido pela imagem aferente
Que em puro egoísmo criou meu coração!

NA CASA DOS ESPELHOS IV

Talvez tu mesma um dia imaginaste
Ver a tua sombra se arrastando na calçada,
Longe de ti, infeliz, desamparada;
E por instantes, ali, alucinaste,

Que com tua próproa sombra deparaste.
Não é impensável, coisa fácil explicada:
Pela Gestalt, é a imagem figurada
De algum conjunto de pontos que avistaste.

É bem comum alguma imagem se formar
Na comissura dos olhos, inquietante,
Tuas pestanas figurando algum fantasma!

Freud gozava de tal visão orbicular,
Para ele divertida e interessante,
Por um instante conservando a mente pasma!

DELEGAÇÃO I – 8 MAR 18

E se tomassem meus duplos essas mágoas
e me aliviassem de todo o sofrimento,
tornado puro para o julgamento
que enfrentarei ante o júri de mim mesmo.

Se minhas tristezas se esvaíssem em águas,
só me restando o alegre e bom momento,

até que ponto seria vácuo o sentimento
que tantos versos já despejou a esmo?

Será que eu quero sentir o solavanco
que me separaria do Outro Eu?
Que levará de quanto eu chamo meu?

Por isso um tal desejo sempre estanco,
embora não refute, mesmo assim,
que há muitas coisas de que não goste em mim.

DELEGAÇÃO II

Ou quiçá fiquem melhor adormecidos
esses caracteres e no papel permanecer.
Alguns deles já cansaram de se ver
rememorados e noutras mentes acolhidos.

Talvez melhor sejam deuses esquecidos,
sem mais adoradores, a viver
suas sagas mágicas, a cochilar sem ver,
nas longas sestas dos ideais perdidos.

Nunca sei. Há muitos duplos em minha mente,
alguns cópias dos heróis de antigamente
ou das imagens que eu mesmo deles fiz,

porque me identifiquei constantemente
com tais protagonistas, que somente
foram os amigos que tive e sempre quis.

DELEGAÇÃO III

Pois bom seria ter duplos. Se os tivesse,
com eles compartiria meus trabalhos,
responsáveis por tantos atos falhos
e a mim mesmo das culpas me eximisse,


deixando os crimes para quem pudesse
suportar muito mais golpes desses malhos,
invulneráveis, sem sofrer profundos talhos
dos castigos que a mim mesmo eu atribuísse.

Para nós só ficariam os elogios,
os tristes duplos nem seriam mencionados,
embora os pobres, de fato, os merecessem.

Gentis contigo, sem mostrar seus brios,
sempre fiéis e sempre dedicados
e até felizes pelo serviço que prestassem...

DELEGAÇÃO IV

Por certo não é assim. É até melhor,
que criaturas bem inúteis nós seriamos!
Só fraqueza e despudor demonstraríamos:
que coisa torpe, da escravidão pior!

Assim só brinco com a ideia. Tal louvor
atribuindo a esses tais que não veríamos.
Elogios por humildade então teríamos,
ninguém creria nesses duplos de palor.

De certo modo, me assombra essa temática
e a ela, com frequência, revisito,
sempre que os versos me escorrem facilmente,

embora tenha certeza quase enfática
de que estes duplos que ainda aqui concito,
vivam apenas nas sombras de minha mente.

aceitação I – 9 mar 2018

“é coisa inútil pensarmos sobre a Morte,
porque ela pensa sobre nós o suficiente,”
nos disse Anthemios, poeta consequente,
em hino a Apollo, deus de grande porte.

há dois mil anos viveu e quis a sorte
que do poema restasse tão somente
esta frase de cunho tão pungente,
em minha memória deixando um leve corte.

aos Helenos, Thanatos mais preocupava;
muitos Romanos adotaram o estoicismo
e desejavam simplesmente morrer bem;

só a maior dignidade se buscava,
encarada marcialmente ou com lirismo,
sem o medo pueril que hoje se tem.

aceitação II

de fato, era até mesmo voz corrente
que jamais algum de nós encontre a Morte
enquanto vivos, não sofremos o seu corte,
quando ela chega, já nos fomos, realmente.

nas vidas se pensava, mais frequente:
era bem curta para eles no seu porte;
morrer em guerra ou de doença era sua sorte
e o importante era viver intensamente.

talvez somente satisfazer o corporal,
talvez dando maior ênfase ao mental,
pensar na morte seria morrer duas vezes,

como o covarde que teme algum castigo,
mil vezes repassando o seu perigo,
envolto assim no odor das próprias fezes.

aceitação III

esse Anthemios é bem pouco conhecido,
por seus coevos apenas referido,
um citaredo pelos ricos acolhido:
foi um poeta, afinal, mas bem menor.

ou não seria assim?  talvez maior
tivesse sido sua fama e superior,
se superviessem seus versos de louvor
ao Deus-Sol, Hélios-Febo ali contido.

e lá se sabe quantos dos Romanos
ou dos Helenos grande mérito tiveram,
sem dos modernos ser nunca relembrados!

ou dos Egípcios, dos quais somente soberanos
os seus nomes nas estelas escreveram
ou quais poetas dos Sumérios conservados?

aceitação IV

na verdade, foi só após o Romantismo,
dos hieróglifos a decifração,
dos cuneiformes traduzidos pela mão
de Gravesend, dos Hititas em mutismo,

que mais nomes se gravou.  Até do Judaismo
quantos poetas se relembrarão?
poucos mais do que David e Salomão
ou o Magnificat de Maria em saudosismo.

quantos dos merlins celtas se recorda,
quantos autores das nórdicas sagas?
é um punhado, quando muito, de poetas...

porém de Anthemios o nome ainda se aborda,
seus versos arrepanhados pelas vagas,
olvidadas suas estrofes mais diletas...

HERANÇA I – 10 MAR 2018

Eu nunca quis dos mortos usar vestes,
Se bem que existe uma lenda do Talmude,
À qual, bem raramente, alguem alude,
Que aos antepassados acolhida destes

No interior de ti mesmo. Incontestes
Seus interesses na sobrevivência rude
De seus descendentes, que não mude
O seu abrigo, caso te molestes.

Especialmente, caso sejas derradeiro
Dos que partilham de seu DNA,
Nenhum lugar terão para imigrar.

Se este caso for, de fato, bem certeiro,
No teu corpo vestes só para eles há
E não suas roupas que poderias herdar.

HERANÇA II

Se for assim, os meus antepassados
Em mim habitam e sou a sua roupagem;
Na minha mente habitam, sou carruagem
Que para eles me tornei, sem mais cuidados.

Até imagino, em momentos perturbados,
Que sejam eles que pagam a hospedagem,
Criando versos de límpida mensagem
E os apresento, tais quais pombos alados.

Pois é do meu inconsciente que eles fluem,
Nunca um produto da vaidade a produção
E assim envergo as suas vestimentas;

Talvez pressinta que alguns argúem,
Dentro de mim, em vasta agitação,
O alagamento de tais palavras lentas...

HERANÇA III

E novamente vem o contraditório:
São meus avós a escrever por mim?
Indiretamente, sei bem que é assim:
De seus talentos sou o depositório.

Gravado em mim por força do esponsório
De tantas gerações, neste festim,
Que nao devoro, mas que se encontra, enfim
Nos gens dos quais sou apenas o envoltório.

Não vai nisto humildade, antes orgulho
Do espólio puro de meus ancestrais,
Vivendo em mim, inquietos ou contentes,

Recebedor glorioso desse entulho
De camponeses, menestreis e generais,
Que bem ou mal, em mim estão presentes!

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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