quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

KAKTUSIK

   
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KAKTUSIK  I  (15 abr 11)

O cacto se ergue como anzol,
em desafio ao mundo, com certeza.
Fraco que seja, a própria Natureza
o mantém vivo, pela vida em prol.

É impressionante que ele enfrente o sol,
em um ambiente tão cheio de aspereza,
entre pedras e areia, com nobreza,
qual sentinela em defesa de seu rol,

na salvaguarda de seu destacamento,
enquanto dormem os seus camaradas,
ereta e impávida pelas madrugadas.

Mas de onde tirará seu alimento?
Talvez somente das lágrimas de mágoa
que vê pingar, quais escassas gotas dágua.

KAKTUSIK II

Existe ferro nas rochas encarnadas,
mas onde está o cloro que o enverdece?
O ar do ambiente é seco como prece:
somente medram as plantas mais ousadas,

que conseguem engordar de quase nadas,
dessa umidade que no orvalho desce.
Sua raiz grossa longa rede tece,
sugando líquido das areias ressecadas.

Outras xerófitas partilham seu ambiente;
presas à terra, vivem mais do ar:
carbono buscam, caçam o hidrogênio,

encontram cloro, absorvem nitrogênio
e assim conseguem mesmo prosperar,
bebendo a luz de um sol tão inclemente.

KAKTUSIK III

Porém conseguem não só sobreviver,
mas até desenvolver-se nesse mar
de areia cega e alcançam enfeitar
o seu ambiente com as cores do viver.

Da luz do sol provém o enverdescer,
o escasso dom da geada a captar.
São resistentes, sem nunca se queixar
e só estiolam quando prestes a morrer.

Enquanto nós... a reclamar vivemos,
seres humanos sempre insatisfeitos,
pelo dom da inteligência e da paixão.

Talvez porque em rebanhos nos achemos
e invejemos dos outros os proveitos,
sempre correndo empós nova ilusão.

KAKTUSIK IV

Mas esses cactos são auto-suficientes.
Somente medram o quanto permitia
essa cruel madrasta, a ecologia,
por um melhor destino indiferentes.

E mesmo assim, escondidos nos ambientes
em que menos favor lhes assistia,
não lhes faltam predadores, que valia
sabem dar à sua carne e, persistentes,

esmagam seus espinhos e a couraça
que os deveria proteger dos assaltantes.
Bebem o líquido que guardam, num instante,

e então se lançam para melhor caça.
E desses cactos de sina malfadada
sobra um restolho, talvez, um quase nada...

KAKTUSIK V

O mais incrível é que então se recompõem,
levando meses, talvez, de esforçamento,
substituindo a perda de um momento,
sua polpa feita da água que repõem...

Mas é preciso dizer: não se dispõem.
O seu esforço não vem de julgamento.
É a própria Natureza que o sustento
os força a procurar; e assim, compõem

o escasso manto verde desse areal...
(Talvez sejam duendes, afinal,
suas barbas disfarçadas em espinhos,

que assim vigiam, em aparência inermes,
com seus acúleos, anelados como vermes,
os seus tesouros contra seus vizinhos.)

KAKTUSIK VI

Quem sabe o autor da foto maliciasse
e visse nele um símbolo sexual,
como um pênis ou falo natural,
que a conservar a vida assim medrasse.

Ou quiçá o inconsciente lhe indicasse
a cornucópia da abundância material,
nessa forma de magia espiritual,
em que toda a Natureza se espelhasse...

Mas eu vejo nesse falo um desafio
contra os golpes permanentes da má sorte:
tudo o que cai se pode soerguer...

E apenas penso, no meu desvario,
que esse cacto é o senhor da morte,
enquanto eu mesmo não consigo renascer.

Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.
Edição e postagem: Andréia Macedo

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A CRIAÇÃO DE FRIDA

A CRIAÇÃO DE FRIDA I 

É inquietante a Criação de Frida Kahlo.
Reclina-se o Adão em nu frontal,
com o pênis encolhido e natural,
uma haste no umbigo, qual um falo.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

TROCADÉRO



TROCADÉRO I  (03 abr 11)
(pronunciado Trocaderrô.  Muitas rimas abaixo foram feitas conforme a pronúncia francesa.)

Do Trocadéro se avista a Torre Eiffel,
erguida altiva em mil ossos de aço,
símbolo fálico, ilusão de abraço,
para tantos visitantes o quartel.
Por entre os choupos espalham-se recantos,
parcialmente protegidos por seus mantos.

Não tem do Luxembourg a longa história.
Por muitos anos, foi somente aldeia,
em cujas estalagens serviam boa ceia
aos parisienses, em descanso da ilusória
vida apressada da grande capital,
a que deviam retornar, no seu final.

Foi cemitério depois e o velho muro
ainda se ergue, com um de seus portões.
Retiraram depois, em caminhões,
muitos ossos, protegidos pelo escuro
noturno, antes das grandes construções
cujo destino era sediar exposições.

A aldeia de Chaillot numa colina
se erguia, do Sena na outra margem.
Na travessia se precisava de coragem,
sempre que o rio a transbordar se inclina,
até erigirem a Ponte de Iéna,
que ainda hoje sobre o rio está.

TROCADÉRO II

Trocadero era uma ilha, lá na Espanha,
na Baía de Cádiz encontrada.
Por uma ponte à cidade hoje é ligada.
Era um lugar de feiras e barganha,
em que depois construíram fortaleza
que a cidade defendia com nobreza.

Na Espanha estourou a rebelião
contra Fernando Sétimo e a França,
que com Espanha mantinha uma aliança,
mandou suas tropas, em total contradição:
que o berço em que a república nascera
esse rei absolutista defendera.

Em 1823, o Duque de Angoulême,
filho de Carlos Décimo de França,
atravessou a Espanha e logo alcança
esse reduto rebelde, pois não teme
assediá-lo e, em rápida conquista,
faz com que Espanha da rebelião desista.

Essa investida para a Restauração
do monarca em seu trono foi descrita
por Chateaubriand, em sua feliz dita,
como vitória superior a Napoleão,
porque, em seis meses, vitória conquistara,
enquanto o Corso, após sete anos, fracassara.

TROCADÉRO III

A aldeia de Chaillot foi demolida
em 1867 e deu lugar à instalação
de uma Feira Mundial, cuja reputação
em 1878 quiseram repetida.
O Palácio do Trocadéro foi projetado
para essa ocasião e, em breve, levantado.

Foram projetos de Davioud realizados
em um estilo chamado de "mourisco",
mas muito mais bizantino no seu risco.
Também no Salão de Concertos instalados
foram os tubos do órgão Cavaillé-Coll,
que produzia um vasto som de escol.

Mais tarde para Lyon foi transferido
e, no Auditório Maurice Ravel,
ainda é mantido com atenção fiel.
Nele se escuta o seu vasto sonido
em concertos realizados com frequência,
sempre assistidos por numerosa audiência.

Por largo tempo Chaillot foi uma pedreira,
de onde saiu numerosa cantaria
para os prédios que em Paris se construía.
Para um Aquário foi a área derradeira.
Charles Alphand foi escolhido, enfim,
para os projetos das fontes do jardim.

TROCADÉRO IV

As gigantescas estátuas em sua entrada
representavam rinoceronte e um elefante;
essas duas peças reinstaladas diante
do Museu d'Orsay, possuem nova morada,
desde 1986.   Mas uma nova exposição
do Trocadéro provocou a demolição...

Em 1937, o Palácio de Chaillot
foi erguido bem depressa em seu lugar,
com citações de Valéry a acompanhar
esse projeto de Carlu e de Boileau,
ideia de Azéma, do Islã inspiração,
que nas mesquitas pintam frases do Alcorão.

Muitas estátuas decoraram a imponente
sede da nova Exposição Internacional
das Artes Decorativas, cujo aval
originou o Art Déco, geometricamente
inspirado, em reação ao Art Nouveau,
no modernismo do Palácio de Chaillot.

Há oito delas, pintadas de dourado,
representando cada alegoria
os Direitos do Homem.  Aqui se via
o ideal republicano consagrado.
Porém hoje, esse moderno já antigo
a uma série de museus empresta abrigo.

TROCADÉRO V

Ali se encontra, em sinal de patriotismo,
esse Museu da Marinha Nacional.
De fato, mostra a evolução naval,
mas é francês em seu puro chauvinismo,
em que o estrangeiro tem caráter só simbólico,
mesclado embora a alguns traços de bucólico.

Em outra parte do palácio, está o Museu
do Homem para expor a etnologia.
Outro Museu é o da Tecnologia,
que um louvor ao progresso prometeu.
E há ainda o Teatro Nacional,
de realismo um tanto inatural.

E finalmente, o Museu dos Monumentos,
que são Franceses, bem naturalmente,
reproduzindo, com exatidão ingente,
as milenares comemorações de eventos
que contribuíram, ao longo de sua história,
a abrilhantar toda a francesa glória.

Mas diante de Chaillot, já na Segunda Guerra,
fotografaram Adolf Hitler vitorioso.
Lá no fundo, ainda aparece o poderoso
vulto de Eiffel e a foto assim encerra
de tal rivalidade o simbolismo,
nessa glória temporária do nazismo.

TROCADÉRO VI

Contudo, em Chaillot foi proclamada,
em 1948, durante essa assembleia
das Nações Unidas, perante uma plateia
que a aplaudiu, em fúria entusiasmada,
essa romântica Declaração Universal
dos Direitos Humanos, em redação final.

Hoje o Jardim do Trocadéro ainda se estende
entre Chaillot e a Ponte de Iéna,
que à visitação popular aberto está.
E a domar a natureza aqui se aprende:
não se trata de geométrico jardim,
mas tampouco é natural seu fim.

As suas lagoas refletem, cristalinas,
as imagens dos choupos, calmamente.
Se apara a grama cuidadosamente,
as árvores podadas e pristinas...
Nesses recantos votados ao lazer,
nos permitem meditar e espairecer...

Mas os fantasmas evitam o lugar:
se aparecerem, verão as suas mortalhas
lavadas com cuidado e até, sem falhas,
suas correntes irão logo retirar...
Somente ao vulto de Eiffel há aceitação
nesta paisagem despida de emoção.

Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.
Edição e postagem: Andréia Macedo

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

LUXEMBOURG


                                                          

LUXEMBOURG

Os álamos se erguem nesse outono,
bem no centro da cidade de Paris,
no Jardim de Luxemburgo, o qual herdou
Carlos Sétimo, que foi o inicial dono
de um "pavilhão de caça", que assim quis
denominar o palácio que instalou...

Em 1611, um de seus descendentes
foi forçado a vender essa mansão
para Maria de Médici, então regente;
viúva de Henrique Quarto; seus agentes
teriam submetido, por forte coação
o proprietário, que estaria doente.  

Da mãe de Luis Treze ainda se diz
que provocara a morte do marido
durante o esporte da nobreza, a justa.
Henrique Quarto tivera amor feliz
com Diana de Poitiers e até hoje é crido
que tal amor a vida então lhe custa.

Era costume usar pontas de gesso
nas lanças dessas liças, segurança;
movida por ciúmes (era italiana),
em um desses combates de alto apreço,
substituiu-a por verdadeira lança,
causando a morte do rei essa tirana.

                           (...)

Carlos Sétimo herdara esse terreno,
em 1459, por ser um descendente
de Bonne, anteriormente uma condessa
de Luxemburgo, morta por veneno,
segundo dizem, como era frequente
nesses tempos: melhor que até se esqueça.

LUXEMBOURG II

Maria de Médici, senhora do país,
pois o filho era menor, tinha saudade
de seu Palazzo Pitti, de Florença.
E foi por isso que a rainha quis
uma cópia construir, na sua vaidade,
durante os anos após a Renascença.

O "Hôtel" ou Mansão de Luxemburgo
tinha mais de oito hectares ao redor.
O Pequeno Luxemburgo, como o chamam,
localizava-se no centro desse burgo,
o "Coração de França", em cujo ardor,
mais tarde as liberdades se proclamam.

O arquiteto Salomon de Brasse
pela rainha foi então nomeado,
em 1612 e projetou a fonte
e um novo palácio... E a esse dá-se,
depois de tanto tempo já passado,
o nome de Grande. Também a nova ponte

fez sobre o Sena.  Por ordem da rainha,
fez plantar dois mil álamos no parque
que Tommaso Francini desenhou;
e ergueu o Ninfeu com a bela grutazinha,
a fonte e a piscina e Joana D'Arc
virou estátua, que mais tarde se instalou.

LUXEMBOURG III

Em 1630, comprou mais vinte e dois
hectares para aumentar a propriedade.
Jacques Boyceau de la Barauderie
a rainha encarregou, logo depois:
novos jardins, com esplêndida vaidade,
ele traçou, projetou e ergueu ali...

Barauderie as Tulhérias planejara,
esse maior dos parques de Paris.
A ele se atribui o "jardim francês",
de traçado geométrico, pois deixara
o seu estilo onde a regente quis
encarregá-lo das construções que fez.

O futuro Luis Dezoito, então herdeiro,
vendeu metade dessa propriedade,
em 1780.  Mas, após a Revolução,
o Diretório logo ampliou o terreiro
para 40 hectares, confiscando, na verdade
aos montes cartuchos, após sua expulsão,

as hortas e vinhedos que ficavam
ao lado desse parque, justamente.
Jean Chalgrin foi nomeado o arquiteto
para o parque popular que desejavam.
(O Arco do Triunfo, eventualmente,
foi construído mediante o seu projeto.)

LUXEMBOURG IV

Jean Chalgrin os vinhedos conservou
e a estufa e hortas dos monges despojados
e ampliou os jardins com liberdade.
Mas as sendas e canteiros que adotou,
para serem de longe observados,
manteve ainda em geometricidade.

A partir de 1848, durante o Segundo
Império francês, em grande profusão,
belas estátuas ali foram instaladas,
de figuras femininas, num profundo
respeito por rainhas e em devoção
a outras mulheres na França veneradas.

Hoje as estátuas são mais de uma centena.
Uma delas representa a Liberdade:
foi o modelo inicial de Bartholdi
para essa enorme, que se ergue tão serena
em Ellis Island, francesa na verdade,
que Nova Iorque decidiu erguer aqui.

Em 1891, foi o modelo colocado
bem visível, só que em escala bem menor...
Mas em 1865, enquanto renovaram
a cidade, esse parque foi cortado
pela rua do Abade da Espada, som melhor
do que Comte, pois o nome lhe trocaram...

LUXEMBOURG V

A fim de combater a mendicância
e os assaltos que ali sempre ocorriam,
Gabriel Davioud ergueu os seus portões
por entre grades, de que a importância
para a história da arte ainda reconheciam
os que as conservam há tantas gerações.

Foi Davioud também que transformou
o traçado do jardim em "parque inglês":
caminhos curvos, canteiros variegados.
Também por ordem sua se plantou
um grande pomar, que desde então se fez
o cenário de romances consagrados.

Victor Hugo, por exemplo, o empregou
em muitas cenas para "Os Miseráveis":
Marius e Cosette aqui se amaram.
Henry James igualmente o adotou,
em "Os Embaixadores", memoráveis
as descrições do que Lambert vivenciou.

Hoje o Jardim é talvez mais popular:
tem um parque infantil, tem marionetes,
um carrossel, no coreto orquestras tocam;
Jean Carpeaux criou estatuária singular.
Vendem-se até pipocas e sorvetes
entre sombras que ainda aqui se invocam. 

LUXEMBOURG VI

Mas os álamos e carvalhos ainda crescem,
de permeio a essas tardes outonais,
do Sol molhadas por luz tão peculiar,
e pouco a pouco, ali as folhas descem,
no velho ciclo que as finge de imortais,
na mesma morte que as leva a ressecar.

Ainda estalam, em manso crepitar,
sob os pés dos numerosos visitantes,
como faziam desde a Renascença...
E como é fácil assim imaginar
que os transeuntes sejam revenantes,
durante as noites, como quer a crença.

Que tais caminhos curvos e furtivos,
ensombrados de luz, claros de escuro,
se prestam mesmo a tantas fantasias...
E quantas hamadríades esquivas
moram ainda, sob o tronco duro
dessas árvores seculares ou esguias!...

Foram os álamos moradas favoritas
dessas ninfas que atraiu o romantismo
de centenas de poetas e escritores.
E nessas horas menos puras e benditas,
em que na mente se insinua o realismo,
zomba de nós o vento em estertores!...



Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.
Edição e postagem: Andréia Macedo