sábado, 27 de abril de 2013







GOTAS DE AÇO I

não sei se dou ouvido ao som dos mortos
ou só lhes dou a voz... eu sei apenas
que não me cabe contar as açucenas
são tão pequenas
essas  falenas
imagens de nenúfar e amapolas
poemas resguardados em ampolas
loucas metáforas
de terras sáfaras
que não posso falar de malmequer
porque a autocrítica não me dá sequer
a complacência
dessa impotência
de mencionar a rosa e seu espinho
pois tantos há trilhando esse caminho
e o meu não o é
perlustro até
uma senda de flores diferentes
de hemerocálides carpindo os agapantos
no jardim em que vivo mil espantos

GOTAS DE AÇO II

eu sou gaúcho mas não tomo mate
não uso pala nem sequer bombacha
na minha casa churrasco não se acha
nem há picanha
como é tamanha
a diferença em tudo quanto faço
e os costumes que me lançam ao regaço
e como posso
ir jogar osso
quando nem sei para que lado a tava
quando ganho ou se a perder estava
não tomo canha
não tenho manha
para andar a cavalo e nem charrete
sei dirigir pois no campo não se mete
quem na cidade
a mocidade
desgastou na multidão de dias vazios
não esperem de mim esse talento
de descrever um rio grande solto ao vento

GOTAS DE AÇO III

essa mania da volta à natureza
que vem sendo por tantos proclamada
é apenas um engano - a atribulada
vida da gente
foi diferente
nas cidades de nossa pré-história
na natureza a vida foi inglória
só trinta anos
de desenganos
viviam muito pouco esses humanos
de quem nós descendemos mas tiramos
de tais ambientes
nossos parentes
morriam como as aves e animais
de doenças de venenos tantos mais
motivos para morte
na pobre sorte
de quem vive em plena natureza
na busca rápida de sua reprodução
antes que morra o frágil coração

GOTAS DE AÇO IV

por isso que tua sina biológica
é viver tantos anos e não mais
foi o que transcorreu nesse jamais
terrestre paraíso
sem qualquer siso
na mesma vida cruel dos animais
que cedo morrem de causas naturais
foi na cidade
é bem verdade
que nossa vida humana já dobrou
que nosso número se multiplicou       
ambiente urbano
é ambiente humano
e tudo o mais não passa de idealismo
ou desconhecimento ou de cinismo
hoje a ciência
com mais potência
os trinta anos já nos triplicou
no combate veraz da velha chaga
em que o relógio biológico se apaga

GOTAS DE AÇO V

a quem quer que possa interessar
vou repetir a velha afirmação
em que acredito sem contestação
não é a vida
uma indevida
carreira contra nosso companheiro
nem um transpor em passo derradeiro
dessa chegada
tão almejada
porque essa linha para nós é a morte
enquanto não chegar temos a sorte
de melhorar
o nosso andar
porém em relação a nós somente
mantenha sempre para si presente
que o progresso
ou que o regresso
só se medem com relação a você mesma
e ao melhorar seu próprio desempenho
não dê a mínima para alheio empenho

GOTAS DE AÇO VI

bem mais feliz ao longo de sua vida
é aquele que pouco está ligando
para o sucesso alheio, só pensando
no que pode fazer
para obter
os alvos que a si mesmo se propôs
sem se importar se alguém outros se impôs
a vida é bela
quando dentro dela
não rebrotam nem cinismo e nem inveja
mas  no trabalho seu prazer esteja
como alvo em si
pois para ti
não deve ser um meio para um fim
mas teu valor a própria obra e assim
o que alcançar
tua mão alçar
para fazer faze o melhor que possas
pois não se encontra melhor satisfação
que contemplar o fim da produção

STEEL DROPS VI

much happier all along his life
is he who doesn't care a whit
for someone else's success, thinking only
on what he can do
to obtain
the goals he has set up for himself
without caring for those
anyone else has taken
life is beautiful
when into it
neither cynicism nor jealousy sprout
but in one's labor pleasure can be found
as a goal in itself
because for you
it shouldn't be a means to achieve an end
but a value set upon the very job and thus
whatever you reach
your hand to lift
when doing it do the best you can
for no better satisfaction can be found
than seeing the accomplishment of your task

GOTAS DE AÇO VII

quando eu era menino eles falavam
"o que aprendi foi na escola da vida"
somente ela quando obedecida
nos toma o pulso
nos dá o impulso
para alcançar real maturidade
é a experiência que nos dá a verdade
hoje mudaram
pois começaram
a "universidade da vida" a mencionar
em que aprenderam mais do que a estudar
alguns estejam
certos mas vejam
muito poucos aprendem da experiência
a maioria repete com insistência
os mesmos erros
dá os mesmos berros
e leva a vida aprimorando seus defeitos
só quem algo em seu caráter reverteu
pode afirmar o pouquinho que aprendeu

GOTAS DE AÇO VIII

apenas sobrevive quem o sonho
conserva firme no apesar de tudo
quem em fadas acredita e não me iludo
é realmente
sincero crente
pois existe em seu peito algo de mágico
e não apenas o cinismo trágico
dos que desistem
sem que conquistem
prêmio algum em troca de seu sonho
quem deseja o concreto é mais bisonho
do que quem ama
e só reclama
pela nódoa dourada do abstrato
que atravessa a vida e no seu prato
serve o luar
e a luz solar
como todos esses doidos são conscientes
que jogam dados na mesa do destino
rasgando pedras ao sonho cristalino

GOTAS DE AÇO IX

como esperam que eu fale de meu sul?
sou poliglota sou cosmopolita
cada povo da europa em mim habita
além de com certeza
a bisavó libanesa
conforme me contou o meu avô
enquanto minha mãe sempre o ocultou
não sou daqui
tão só vivi
entre o povo que me olhava descontente
quando muito me encarava indiferente
jamais eu soube
nunca me coube
descender dos heróis de trinta e cinco
nem daqueles que buscaram com afinco
seus feitos apagar
e a eles derrotar
de tantos homens duros essa saga
faces sulcadas pela ação dos tempos
almas sulcadas pelos contratempos

 GOTAS DE AÇO X

Na barba avermelhada pelo sonho
grãos de tempo escorrem a granel
cada estrela se transmuta em ouropel
levo no peito
as condecorações
do amor de luz que se apagou outrora
do amor de treva que retorna agora
na barba avermelhada
pelo sangue
os grãos de areia fazem-se esmeraldas
já carcomeram da colina as faldas
trago no bolso
três boitatás
uma coroa de sacis sobre a cabeça
beijos de iara que jamais esqueça
e calco aos pés
a multidão de fés
a que vejo os pescoços se dobrarem
já vi morrerem todos os vampiros
nos tiros de festim palcos vazios

GOTAS DE AÇO XI

amortalhado em ti meu sonho inteiro
mumifica-se no olor dessas bandagens
estarrecido ao penar das descoragens
que levam mais
a seu jamais
estou pobre de ti e nem te vejo
preguei tua sombra com um percevejo
à minha parede
sem que segrede
para mim sequer uma promessa
de ver o fim da solidão espessa
vejo a parada
desenfreada
dos cacos de fantasmas que ainda tenho
almas penadas que não mais contenho
passou a estreia
morta assembleia
o delírio é uma concha de malícia
minha energia gastou-se em treze medos
nessa peneira de aço de meus dedos

GOTAS DE AÇO XII

gotas de aço eu trago no regaço
por onde passam vão abrindo espaço
no fulgor baço de um aberto laço
os ventre caço
e deles faço
um colar para ao pescoço entrelaçar
meus dedos a anelar de mal-estar
e então desfaço
a cada passo
dos nobres os salões vazios de reis
dos adros das igrejas mortas leis
em calhamaço
puro cansaço
penetra pela mente um desalento
nessa mansão com paredes de lamento
brotam centelhas
de espiras velhas
dourada cria desta ferraria
meus dentes são de aço neste dia
a mastigar a luz de meu despeito

sábado, 20 de abril de 2013






VERSOS OCOS I

pelas campânulas
tambores ocos
no suflar argentino dos tufões
no rodopio gentil dos furacões
em que almas dançam na luz atribulada
das luas mortas da estação passada
compassada           compassada
repassada          repassada
repassa          e passa
sai do intelecto
e não da alma
este estertor melífluo do pardal
oximoresco seu pio desnatural
neste desgosto total por novo afeto
que pus de lado e circundei completo
catalepto          catalepto
espectro          espectro
no plectro          do plectro

VERSOS OCOS II

enche a camisa
um vão suspiro
e noutro instante me encarquilha o peito
ponho de lado o sonho sem defeito
na surpresa amarelada do regresso
na cânfora azulada do pregresso
feito ingresso          feito ingresso
progresso          progresso
  engesso          em gesso
bimbalham guizos
verdes prejuízos
qual sino mole de cascas de mogango
meus clarins se enrouquecem e me zango
contra a matéria indolente das cabaças
a chocalhar matracas pelas praças
sem que desfaças          sem que desfaças
asas de traças          asas de traças
o que retraças          como retraças

VERSOS OCOS III

enlanguescido
novo sentido
do catavento transformado em siso
do furacão que mal aciona um guizo
no randômico esbatir aleatório
de sabor pélvico e som circuncisório
perfunctório          perfunctório
fosfóreo          fosfóreo
um foro          no foro
mas não importa
navalha corta
cerceando a voz plangente de meu canto
manifestado mesmo assim contanto
que ainda jorre a glória em borbotão
no retalhar da mente e coração
contradição          contradição
tradição          tradição
na traição         contração

VERSOS OCOS IV

farsa imperfeita
ritmo novo
foge completo ao pendor do corrupio
que me fluía do peito feito rio
nos sabores regulares do soneto
que por feroz que seja escorre quieto
irrequieto          irrequieto
requieto          requieto
   inquieto          no quieto
sussurro manso
sem ter descanso
em surpreendente valor de defasagem
sem covardia mas sem pingo de coragem
varrido de emoção mordaz salobra
como a água que jorra ao fim da obra
amargobra          amargobra
 que obra          sem obra
  na obra          da cobra

VERSOS OCOS V

em histeria
dia após dia
o vagalume chama o olhar do sapo
o fio de ouro se transforma em trapo
a bola de cristal esconde o mal
a ponta de um anzol esconde o sol
o vácuo agarro
a luz amarro
enquanto o sapo pretende iluminar
enquanto o ouro pretende renovar
a aurora cristalina do teu beijo
grafitizado na ausência de um ensejo
 sou caranguejo          qual caranguejo
 então manquejo          num murmurejo 
    e apenas vejo          o meu desejo

VERSOS OCOS VI

no grito histérico
canta a gaivota
a saga moribunda das cocotas
a exultação senil das maricotas
o pipilar zombeteiro dos pardais
os próprios versos que não lerás jamais
esmeraldinos          esmeraldinos
caudalinos          caudalinos
ferinos          ferinos
na praia azul
marcha um leproso
seus pés descalços presenteiam o contágio
quem aprecia das areias o apanágio
quem se estende sobre elas sem reserva
sem proteção sequer de qualquer erva
triste epopeia          triste epopeia
adeus Hygeia          adeus Hygeia
nem faz ideia          nem faz ideia

VERSOS OCOS VII

na franja alada
há um canivete
cortes fundos no tapete voador
o vento silva qual ventilador
o gênio busca a lâmpada sagrada
e a rolha não consegue mais tirar
contaminada          contaminada
desencantada          desencantada
jaula dourada          jaula dourada
não há mais tempo
torna-se humano
porém suas pernas são riscos de fumaça
em passos trôpegos sua senda traça
destruturado da divina providência
obrigado a aceitar a previdência
aposentadoria          aposentadoria
pensão vazia          pensão vazia
triste elegia          triste elegia

VERSOS OCOS VIII

amei a sorte
foi cobra cega
fiz um colar com mil olhos de vidro
tomados de cristais de pura geada
um fio de vento usei para fiada
meu casaco transformei numa pandorga
constantemente          constantemente
ebulescente          ebulescente
efervescente          efervescente
na multidão das hordas
contei os caramujos
é preciso descartar qualquer sentido
que versos loucos tenham conduzido
um barco a vela que abandona oceano
uma carruagem desce às profundezas
emaranhezas          emaranhezas
um tanto tesas          um tanto tesas
nas realezas          das realezas

VERSOS OCOS IX

a caçarola
aleita o azeite
ferve meu coração em minhas entranhas
na busca amarga de vozes mais estranhas
um hipopótamo dança na fogueira
o faquir deixa os pregos pela esteira
abracadabra          abracadabra
cadáver abra          cadáver abra
  redil de cobra          ninho de cabra
serpente morta
não perde casca
o vento já exauriu-se de desejo
fecunda a relva com solerte beijo
os gafanhotos ressurgem no deserto
a colmeia nativa está bem perto
peripatética          peripatética
peripécia          peripécia
profética          profética

VERSOS OCOS X

dentes de serra
aqui me estendo
ao plutocrata meu cavalo rendo
ao oligarca minhas fezes vendo
procuro em vão ficar embriagado
dionyso afastou-se de meu lado
no desperdício          no desperdício
só há resquício          só há resquício
 do viço          do vício
é zombeteiro
o olhar ligeiro
em serenata convoquei trovões
os hipocampos cantam-me canções
estou imerso na dramaturgia
a seca emerge em ácida alegria
na liturgia          na liturgia
desta agonia          desta agonia
a profecia          aqui jazia

VERSOS OCOS XI

na academia
oleosos corpos
eu não pretendo levantar mais peso
meus músculos já tem obrigação
de carregar os males de meus versos
de desgastar-se em velhas ladainhas
ângelus          ângelus
arcângelus          arcângelus
síngulus          síngulus
sem horários
tempos de terços
eu durmo envolto no hábito da data
meu travesseiro é o dia que desata
os meus lençóis dois meses em declínio
o meu colchão manual de latrocínio
meu ordinário          meu ordinário
é um corsário          é um corsário
extraordinário          extraordinário

VERSOS OCOS XII

em pura osmose
desenfreada
a propaganda atiça a mais consumo
meus tristes versos apenas um resumo
do canto alegre de mil flores mudas
na calandra esfalfada em que me escudas
tombadilho          tombadilho
no trilho          no trilho
me ilho          me ilho
perdeu-se o siso
do escaravelho
os versos resmoneiam de degredos
as grades libertaram mil segredos
há elefantes no reino de sião
há mil diamantes no meu coração
num alvoroço          num alvoroço
  após o almoço          após o almoço  
  remoço          remoço