quarta-feira, 6 de abril de 2016




AMOR DE ESTRELA & MAIS
Novas séries de William Lagos, 24/3 a 2/4/16

AMOR DE ESTRELA I – 24/3/2016

Quando de noite no céu há limpidez,
algumas vezes veem-se riscos cintilantes;
talvez um só, talvez uns cem errantes,
a se queimar em plena insensatez.

Anjos caídos talvez seja o que tu vês,
de suas quedas pelas trevas celebrantes,
na cremação de seus pecados delirantes,
ígneos fogos conduzindo à palidez!...

Ouvi também suicídio ser de amores,
ou embriagadas perdendo o seu balanço...
Ou é um milagre que nos traz estas cadentes?

Nas catedrais do céu cantam louvores,
sagrada missa a rezar pelo descanso
das outras almas de estrelas indigentes...

AMOR DE ESTRELA II

Mas que tipo de amor terá uma estrela?
Foi arrastada pelo brilho de um cometa?
Ou algum buraco negro a desafeta,
feroz a boca a desejar contê-la!...

Desejo egoísta tão somente de comê-la,
ou no seu íntimo algum calor projeta,
qualquer forma de amor tão mais secreta
que a pobre estrela não possa compreendê-la?...

Ou, quem diria?  Lá do alto contemplou
a Terra azul e verde e, em desatino,
depressa ou devagar se apaixonou...

E nesse vasto impulso se lançou,
no amor silente de um humilde peregrino,
que nesse abraço final se desmanchou?

AMOR DE ESTRELA III

Há tanta gente que aponta a tal estrela
e bem depressa exprime o seu desejo,
na rispidez violenta de seu beijo
que a terra queima no ponto que encastela...

Até Gepetto, sua meiga luz a vê-la,
seus olhos de madeira nesse ensejo,
a contemplar... num desbragado pejo,
alguma graça pediu-lhe concedê-la...

Carlo Collodi, em sua história, narraria
que o marceneiro não ganhou o que queria:
que esse Pinóquio fosse um filho de verdade!

Mas foi somente um boneco articulado,
abrindo os olhos e movendo-se a seu lado,
mil peripécias a enfrentar pela cidade...

AMOR DE ESTRELA IV

Assim se espera por um tal amor de estrela,
que venha a Fada Azul da lenda antiga
mansa saudade que o coração abriga,
que te entusiasme no júbilo de vê-la!...

Alma vizinha do teu lado a esquecê-la,
na timidez que o peito teu castiga,
de um desaponto, talvez, que te persiga,
na branda estrela a queimar-se feito vela...

Se veloz fores, quem sabe tal desejo
que balbuciaste antes que o queda extinga,
até acredites ter sido concedido...

Mas esse amor de estrela é casto beijo,
teu coração só de raspão atinja
e o verdadeiro amor tenhas perdido...

AMOR DE FESTIM 1 – 25/3/2016

Irei hoje depenar meus sonhos mortos
E chamuscá-los com pedaços de jornal;
Já os degolei com talho terminal:
Cabeça e patas cortarei desses abortos,

Para depois abrir seus ventres tortos,
Tirar seu fel e cada órgão material
Que ao cozimento traria qualquer mal,
Somente a carne da panela aos portos...

Aos cães e gatos lançarei entranhas,
Por mais que sonhos sejam indigestos,
Muita vez contaminados por patranhas

Se for a açougue sem recheio os acharia,
Higienizados de antemão os restos,
Mas não seriam iguais sonhos que teria.

AMOR DE FESTIM 2

Então meus próprios sonhos servirei
E não as compras de supermercado :
Sabe-se lá quem sonhou um tal pecado,
Na catedral do comércio em que acharei!

Meus próprios sonhos mortos saberei
Quais bens e males terão transportado,
Quais os motivos por terem-se finado
E porque em meu quintal os degolei!

Com o seu sangue fazendo sarrabulho,
Mesmo em contrário às Santas Escrituras
Segundo as quais o sangue é reservado

Para adubar os campos, não o orgulho,
Minhas rubras ilusões contendo puras
E meus segredos facilmente revelados...

AMOR DE FESTIM 3

E na verdade, nem sei quais os segredos
Que cumpriria esconder hoje de ti,
Já tantas mágoas que te expus aqui,
Mais a nobreza escorrendo de meus dedos.

Talvez seja que tais sonhos são azedos:
Deixei guardados os que não consegui,
Pouco importando o muito que perdi,
Na firme doma dos mais estranhos medos.

Assim, te servirei nesse banquete
As sugestões para tua própria vida
E que não pude reais tornar pra mim;

Algumas mansas, outras que projete
Pelo trovão de uma espoleta percutida,
Já que tais sonhos foram balas de festim!

AMOR DE FESTIM 4

E para o amor é possível transmitir
Poesias mortas para mortos sonhos?
Sentimentos são reais ou são bisonhos
Conglomerados de desejos a brunir?

Que se sublime a lascívia no iludir,
Que após frustrados ficam mais tristonhos
E guardam neles rancores tão medonhos
Que emoções também são sem se cumprir.

Poderão tais sentimentos ser servidos
E na tua mesa mental tê-los assim.
Igual conselhos que anseiem ser ouvidos?

Ou que se possa revelar alguns segredos
Que ao coração alimentem, num festim,
Pequenas bênçãos a dissipar teus medos?

SPOTLIGHT 1 – 26 MAR 16

Não se trata de janela para a vida:
bem ao contrário, será mais uma barreira
essa interface que te prende a noite inteira
perante a tela em sua imagem colorida.

Esses fantasmas a que darás guarida
são mais fantasmas que se pensa. A feira
das ilusões só se mostra à sua maneira
e esconde os fatos da verdadeira lida.

Reflexos não te expõem nesse momento,
fotografias de pessoas ou animais,
mas o que passa no crivo e na peneira:

frios interesses do entretenimento,
em que só mostram o que interessa mais
para lucrar com quem segue a sua esteira.

SPOTLIGHT 2

Talvez te possam aliviar a solidão,
mas teu televisor tem brilho frio;
talvez te possa provocar um calafrio,
mostrando cenas de terror em profusão;

talvez te exponha uma vasta multidão
de homens em guerra ou de animais no cio;
do que precisas, quiçá, não avalio,
porém são falsas as imagens que ali estão.

E se conversas com amigo ou com irmão,
é tão somente o seu fantasma que reduz,
por animada a impressão que então se via;

quem sabe o que filtrou toda a emoção?
Talvez passado seja só o que ali reluz,
velozes pixeis de fantasmagoria!...

SPOTLIGHT 3

Contudo eu sei que as opiniões variam:
dizem alguns que a atenção à “caixa boba”
aos seres vivos a atenção mais rouba,
na tela o máximo que teus olhos viam.

Ao mesmo tempo, há os tais que desconfiam
que essas pessoas que a rede não esnoba
numa procura de outras gentes não se afoba:
nenhuma perda real assim teriam!...

Com o progresso da técnica, as feições
são facilmente distinguidas sobre a tela,
mas com um clique suas pretensões se impede,

sem ser preciso escutar apelações
sobre a saudade que ao teclado apela,
já que “ninguém é cachorro nessa rede!”

SPOTLIGHT 4

E no final, qual será a realidade?
No Facebook mais amigos encontrei
e outros antigos por ali recuperei.
Compensa o tempo que hoje gasto na verdade:

cento e cinquenta respostas à amizade
que a cada dia destes meses enviei;
a minha própria produção não atrasei,
nunca fui muito de viver em sociedade...

Mas o teu caso qual é?  Já te esqueceste
de teus amigos reais ou teus parentes
durante o tempo em que ficavas a teclar?

E essas mil horas que já ali verteste
não terias gasto de maneiras diferentes,
sem esse teu computador a te chamar?

REGRAS DA VIDA LXXXVII (87)

Mostre interesse pelo mundo no qual vive:
não fique olhando só por televisão;
sem dúvida alcançará mais proteção
sentado no sofá, em que se esquive

da luta, da injúria ou abdução...
Mas nesse mundo falso, em que já estive
não encontrei os amores que já tive,
nem a experiência, nem mais satisfação.

Faça parte das ações comunitárias:
você sempre pode dar contribuição,
não somente com trabalho ou com dinheiro,

porém com mais verdadeira e ampla ação,
compartilhando de maneiras vária,
nesse grupo de que se torna companheiro.

FREIO INIBITÓRIO I – 27 MAR 16

Não saberás o quanto os lábios ferem
até que tenhas beijado em puro amor,
quando esses lábios de máximo calor
transmutarem a tua boca e nela gerem

amor mais verdadeiro que o anterior:
são esses beijos que flechas te desferem,
são esses beijos que tão mais te querem,
são tais os beijos do mais crucial ardor,

que ao te beijarem, para sempre marcam,
porque tais lábios ferem permanente
e nunca poderão ser esquecidos,

enquanto os lábios que nos teus só se recalcam
excitação te provocam, certamente,
mas são os beijos voláteis para olvidos...

FREIO INIBITÓRIO II

Existe em ti uma mescla de prudência
e de cálculo a pesar o teu futuro;
educação recebeste, é bem seguro,
mas tens instinto de maior potência

que não te leva a uma entrega de leniência;
mas se a pedir teu beijo então perduro,
saberás bem que não serei perjuro,
mas fiel a te esperar sem impaciência.

Beijos de outrem sei já experimentaste,
sem te deixares levar por descaminho,
porém meu beijo será assalto de mansinho,

para romper o teu freio inibitório,
somente nele a certeza que aguardaste
na aceitação de tanto beijo transitório.

FREIO INIBITÓRIO III

Tudo o que posso prometer, donzela,
é que te esperarei com aguardança,
mais com espera que com desesperança,
nesse amor manso que nunca se congela,

mais insistência na meiguice que encastela
a pouco e pouco a minha contrastança
ante os beijos que tiveste sem bonança:
amor que fere em beijo que martela,

numa ferida que nunca cicatriza,
se traz o beijo amor bem permanente,
enquanto os outros são no máximo hematomas,

em vasta impermanência que desliza
numa experiência vã e descontente,
enquanto o meu à vida inteira somas...

ARRECIFES I –28 MAR 16

Em duas taças de ácido teus olhos
aos poucos se diluem e se embaçam,
até que todo o seu poder desfaçam
em sombra e luz à margem dos escolhos;

dissolvem-se, um a um, os teus refolhos:
mais lentamente, meus olhos os teus traçam
em névoas de piedade e então repassam
minhas lágrimas a ti quais santos óleos,

no lento funeral do teu orgulho,
até a entrega final, sudário aberto,
meu peito contra o teu, não mais deserto,

em que me assento junto a ti, sem mais esbulho
e te enriqueço, afinal, com minha constância,
qual tua presença me enriquece de esperança.

ARRECIFES II

As minhas lágrimas salgadas são mais doces
que as tuas lágrimas de ácido entranhadas;
pranto com pranto nas vistas misturadas,
dores secando na pira dos amores...

Não são meus olhos teus contestadores
contra as figuras mais amareladas
dos arrecifes, quais pérolas grudadas
nas comissuras de teus olhos tentadores.

Imarcescíveis em tal percepção, (*)
meus olhos junto aos teus te perdoarão
todo o desgosto que me deste um dia
(*) Que não murcham.

e teus regos de tristeza esvaziarão
nessa eclusa mais arcana da elegia,
até que a boca se distenda e me sorria!

ARRECIFES III

E por mais que te provoque aparvalhança
a inundação do duplo pranto que flutua,
salsugem doce de meu peito será tua,
inusitada, mas firme, essa mudança...

Tua cabeça no meu peito então descansa,
após o amor que um outro pranto estua,
receptáculo gentil de meia-lua,
nessa mistura que teu ventre inteiro alcança.

Talvez em breve venha um choro diferente,
mais de alegria, se provém de ti;
se vier do filho, em busca de abastança

da branca lágrima de teu seio quente,
vida e saúde a distribuir-lhe ali,
nessa boquinha confiante de criança!...

ACEPIPES I – 29 MAR 16
(*) Iguarias.

     A língua-mãe me sobe na garganta;
logo a seguir pela boca se derrama;
rima e cesura independente exclama,
métrica e ritmo tão facilmente imanta.

A minha própria vontade assim espanta:
sobem os versos da primeva lama,
longas raízes espalhando a rama,
branda poesia alegremente canta!...

Mas “o bocado não é de quem o faz,
porém de quem o come”, atesta o velho
ditado – e desta forma, os versos não são meus,

que a língua em mim manifesta-se veraz,
porém só vive de teus olhos num espelho:
por isso afirmo que tais versos serão teus!

ACEPIPES II

Têm sido igual servidos em banquete:
sou cozinheiro a preparar os pratos,
compilador na cadência desses fatos,
quer sejam duros, quer gentil confete;

quando o arcabouço o coração te afete
e os pensamentos à alma sejam gratos,
teus sentimentos fugindo a teus recatos
e teu próprio significado se intromete,

és tu mesma que adicionas o sabor:
pingos de sal, um resto de pimenta,
endro, coentro, gergelim ou açafrão;

quando a comida então provas com amor
e a luz dos versos sobre ti se assenta,
muito mais pões que de meu próprio coração!

ACEPIPES III

Por isso envio tais versos para o mundo:
para saciar a fome de carinho
subjacente ao peito mais mesquinho,
por mais que a empurre para o mais profundo!

Nesse mister não sou mais do que iracundo
falcão pelos filhotes do seu ninho;
não sou garção para depois contar, sozinho,
meus elogios e gorjetas – dom imundo!

O que me importa e espalhar essa doçura,
que em cada mente enriqueça o paladar,
que te conceda um breve instante de prazer,

nessa pequena delícia da textura
de quem os versos atreveu-se a te enviar,
mas cuja origem, por mim, podes esquecer!

NEGRIGÊNCIA I – 30 MAR 16

A vida e a morte são univitelinas,
as irmãs gêmeas de igual opacidade,
pois nada sabes de tua vida, na verdade,
só do passado que recolheu tuas sinas.

A vida gera a morte, a que destinas,
cada dia em total diuturnidade, (*)
e a morte gera a vida, em quantidade,
das muitas larvas em brancura de opalinas.
(*) Dia e noite sem parar.

Para muitos é uma incógnita esta morte,
por não saberem o que virá depois,
mas que nos guarda esse amanhã profundo?

E o próprio hoje que nos trará de sorte,
salvo a certeza desse jogo a dois,
ossos usando na construção do mundo?

NEGRIGÊNCIA II

Não!  Leste correto esse título que usei.
Não pretendia comentar a negligência
de quem não quer mostrar qualquer paciência
nos seus atos, orgulhoso como um rei.

Nem é intenção de louvar prece de frei,
seus pecados a catar com pertinência,
por mais que tenha de despencar com violência
o pobre coração na extrema lei,

quando seu tempo de pecar é bem escasso,
um pouco a dedilhar o seu rosário,
mais um pouco a cantar na sua capela...

Não há nada negligente no que zela,
buscando inveja em qualquer escapulário
e algum orgulho em seu próprio e santo passo!

NEGRIGÊNCIA III

De novo, não!  O que menciono é a diligência
com que os humanos perscrutam seu futuro,
em mil mancias do valor mais obscuro,
em seu temor de uma funesta penitência,

ansiando pelo dia, em incontinência,
mas sem saber se algum encontro duro
tal dia lhes trará... temendo o escuro
da certa morte com sua “negrigência”!

Sem saber se o negrume desse abismo
os irá transportar a qualquer luz...
Pior ainda, se o tal brilho que os seduz

não é o do inferno, em seu vasto cataclismo!
Talvez melhor não encontrar luminescência,
mas breve fim de qualquer inteligência!

NEGRIGÊNCIA IV

Negra é a noite, em que se pode tropeçar,
antigamente, muito mais perturbadora,
sua escuridão totalmente constritora,
sem ter a elétrica luz a nos guiar!...

Negra também a tempestade a nos chegar,
o céu inteiro a cobrir, assustadora;
quando algum raio o firmamento doura,
antes o cinza que essa luz a nos cegar!...

E negra ainda é uma feroz infecção,
que a carne mate em maligna gangrena,
bem mais rara hoje em dia a horrível pena!

Que não se encontre em “denegrir” uma ilusão:
Racismo tem quem o associa a raça,
quando é somente a negrigência que o abraça!

PALÍNDROMO I – 31 MAR 16

Tecer palíndromo é uma corrida para trás,
na qual o início igual ao fim tu dotas
SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS     
conheço bem desde meus tempos de rapaz.

Seu significado foi discutido assaz,
longas disputas desgastando muitas botas,
que de tratados já esgotou suas quotas,
pois quanto afirma um, outro desfaz!...

“Guia o semeador com cuidado sua charrua”
é do quadrado mágico o mais aceito
significado e tradução... porém AREPO

parece apenas inserido nesse cepo,
por completude da magia que flutua,
justificando a cada oráculo assim feito...

PALÍNDROMO II

Não pretendo expor aqui a coleção
que na Internet se encontrará a granel:
muitos palíndromos têm ali o seu quartel,
galharda tropa para a tua diversão...

Porém de todos, mais obteve minha atenção
LUZA ROCELINA, A NAMORADA DO MANUEL,
LEU NA MODA DA ROMANA ANIL É COR AZUL, anel
lido às avessas com perfeita elocução!...

Fico a pensar no que leva essas pessoas
a gastar tempo procurando o inverso,
se poderiam dedicar-se ao verso,

filosofar, redigir palavras boas
para quem delas precise ter ao lado:
mas seu ócio preencher não é pecado!

PALÍNDROMO III

Magia percebo nesta caneta que seguro,
a macular de letras meu papel;
seu suave cheiro me afeta como o mel,
rasgando o branco com seu sabor escuro...

Anéis benzoicos nesse aroma puro
que ali derrama lantejoulas e ouropel,
pelas páginas galopando qual corcel,
mesmo quando um resultado não procuro!

Quem sabe a tinta para mim é droga?
Há tanta gente respirando cola!...
Não que perceba ao escrever qualquer tontura!

É o rio que vem de dentro que me afoga,
os olhos rasga e a cada dedo esfola
e me amortalha em redemoinho de ternura!

PALÍNDROMO IV

Mas não espero que me leiam ao contrário!
Se me lerem para a frente, já me basta;
minha inteligência do alfabeto cúfico me afasta,
do hebraico e do chinês oriental vário!...

A mim me cabe só o canto perdulário
em que o antigo verso de Bilac se desgasta:
“Última flor do Lácio”, em forma casta,
da esquerda até a direita o seu fadário.

Sem incluir aqui qualquer conotação
que possa a Stalin ou a Hitler apoiar:
se faço versos, busco a arte pela arte;

se alguém buscar aqui política emoção
ou de drogado pela tinta me acusar,
é bem melhor que este poema já descarte!

PAZ SAGRADA I – 1º ABRIL 2016

AGNUS DEI QUI TOLLIS PECCATA MUNDI,
MISERERE NOBIS! – SOA O CORO MONACAL,
BENEDITINA ESSA MAGIA TRIUNFAL,
QUE PAZ E INQUIETAÇÃO NA ALMA INFUNDE.

A NOITE INTEIRA ESSE DISCO ME CONFUNDE:
TRANQUILO O CANTO, CALMO O SEU RITUAL,
PORÉM ME ACORDO E ALI PERCEBO ALGUM SINAL
DE QUALQUER FALTA A QUE O PEJO ME FECUNDE.

É UMA MENSAGEM, DE FATO, ESQUIZOFRÊNICA:
DO SALVADOR O SANGUE NOS PERDOA,
MAS PARA ISSO PRECISAMOS DE PECADOS

E QUE DA CULPA ORIGINAL A LONGA CÊNICA
SERÁ PRECISO QUE O CORAÇÃO NOS ROA,
PARA NO SANGUE DA CRUZ SERMOS PERDOADOS?

PAZ SAGRADA II

DE MANHÃ CEDO SE EXPÕE A INSPIRAÇÃO,
O ESTRO EM DESESPERO A RELUZIR,
COM QUE AS PALAVRAS SE ESFORÇAM POR SAIR,
PARA TOMAR O METRÔ DE ALGUM CARTÃO.

ELAS SE EMPURRAM, FEROZES, PELA MÃO,
ATÉ A PONTA DE MEUS DEDOS ATINGIR;
DURANTE A NOITE, PERTURBAM-ME O DORMIR:
SERÃO PECADOS A BUSCAR EXPIAÇÃO?

MAS NÃO ME PONHO A ESCREVER PELA VAIDADE
DE GUARDAR O MEU NOME EM BREVE FAMA:
QUANTOS RECORDAM DE SAPPHO OU DE KHAYYAM?

E COMO FORAM GRANDES, NA VERDADE!...
MAS QUEM OS LÊ NO CONFORTO DE SUA CAMA,
PODENDO OUVIR DE SUA TEVÊ O RATAPLAM?

PAZ SAGRADA III

BEM MAIS ALCANCE, AFINAL, TEM O VULGAR:
A MAIORIA NEM VERSOS LÊ, SEQUER;
PARA OS MACHÕES, ISSO É COISA DE MULHER;
PARA A MULHER, MAIS A NOVELA IRÁ AGRADAR!

OU NO MÁXIMO, ALGUM ROMANCE POPULAR
QUE DE SEU ÓCIO AFASTAR TEM O MISTER;
OU O BIG BROTHER, EM SEU TORPE MALMEQUER,
MAS QUE TANTOS ASSISTEM SEM PARAR!

ISSO QUE ESCREVO, QUE ME ASSOPRAM LÁ DO FUNDO
NÃO TEM QUALQUER VULGAR TONALIDADE
E SE EXPANDE SEM QUALQUER MEDIOCRIDADE,

EM VÁRIOS NÍVEIS DE COMPREENSÃO, PROFUNDO
O QUE TEU CORAÇÃO LHE ATRIBUIRÁ
E ALGO DE PURO PARA TI ENCONTRARÁ.

PAZ SAGRADA Iv

E FICO AINDA A ESCUTAR OS GREGORIANOS,
CANTANDO LENTOS, SEM QUALQUER EXALTAÇÃO,
DAS PRÓPRIAS CULPAS A BUSCAR EXPIAÇÃO,
NESSES VERSÍCULOS SONOROS DOS ROMANOS.

ESCUTO AINDA, A PENSAR SE MEUS ENGANOS
NECESSITAM, NA REAL, DE REDENÇÃO?
FIZ O MELHOR QUE PUDE NA OCASIÃO,
SENDO OS FATOS AO REDOR MEUS SOBERANOS.

E NO POSSÍVEL, A MIM MESMO CONTROLEI:
PRENDENDO IMPULSOS, DEI-ME LIBERDADE.
POR QUE DEVIA ACEITAR A FALTA ALHEIA?

NÃO COMI O FRUTO E A ABEL NUNCA MATEI.
SÓ PENSO APENAS QUE TODA A HUMANIDADE
ME IMPULSIONOU PARA OS PRANTOS QUE GEREI!

LONGOS DESEJOS I – 2 abril 16

Se eu morrer esta noite ou amanhã,
que fim terá essa alta prateleira
em que versos aos milhares comem poeira,
flocos reunindo qual grisácea lã?

Não que minha vida pregressa seja vã:
muito trabalho já deixei na minha esteira;
caso chegasse minha hora derradeira,
em que o estertor rasga a garganta como rã,

em um coaxar repetido e insatisfeito,
pela escassez de ar no meu pulmão,
pela fraqueza a me latir no coração,

já poderia partir, ganhei direito,
pois realmente cumpri mais que a maioria,
que na existência sequer soube aonde iria.

LONGOS DESEJOS II

Mas que seria dos versos que já fiz,
tempo não tendo para tantos digitar
e nem ao menos para datilografar,
de meus trabalhos a girar no almofariz,

em que o pilão me esmagava como giz,
quanta coisa diariamente a me chamar,
enquanto os versos ficavam a clamar?
Cumpri deveres, mas fiz pouco do que quis.

Já deixei claro que não me importa a fama,
porém me sinto eternamente responsável,
igual que disse em St.Exupéry a sua raposa,

não pelo que cativei, que imensa é a gama,
pois cativo eu que fui, na imponderável
ânsia dos versos, a gemerem qual esposa!

LONGOS DESEJOS III

O fato é que, na metade do outro ano,
no dia Nove de Junho, exatamente,
fui assaltado por um fragor potente,
que quase me arrastou para outro plano.

Consequência deixou-me, sem engano:
meu coração, de robustez contente,
se encontra hoje em afecção premente,
como sequela de atroz tensão e afano.

Eu atribuo, sem duvidar, que tal doença
foi provocada por alguém que se insinuou
em minha casa, a me olhar, cheio de inveja,

por mais insídia que se encontre nessa crença, Ayin há rá, em hebraico se chamou (*)
o mau-olhado que em peito igual esteja.
(*) A expressão pode significar mau-olhado, inveja ou autodestruiçao.

LONGOS DESEJOS IV

Não existe dia em que não faça três sonetos
ou muito mais, quando adoto a ottava rima,
mais apropriada para histórias de menina,
desesperados por não serem mais secretos.

Tal qual suor, às dezenas são excretos,
fiel carpindo no canteiro de minha sina,
sem precisar de escavar a escura mina:
brotam ansiosos, demandando afetos.

E desse modo, o meu direito de morrer,
como qualquer de meus concidadãos,
é repelido pela obra de minhas mãos;

e nem ao menos escolhi tal proceder,
porem a língua, a verve, Dionyso,
ainda me obrigam a escrever, em brando riso!




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