JOÃO E MARIA DE HUMPERDINCK
(Hansel und Gretel, sobre texto de Adelheid Humperdinck Witte)
Versão poética de William Lagos, 23 JUN 13
JOÃO
E MARIA I
Numa
clareira no meio da floresta
vivia
um fabricante de vassouras,
por
nome Peter, em cabana miserável,
com
seus dois filhos, duas crianças louras,
e
sua esposa, que ao menos uma cesta
trançava
a cada dia, com esforço,
todos
passando privação insuportável...
Subia
a mata pelos flancos da montanha
de
Ilsenstein, mas lhes dava poucas frutas,
eram
mais algarrobas e pinhões,
algumas
bagas mais ou menos brutas,
para
enganar-lhes a fome que se assanha.
Sofriam
muito assim as criancinhas,
quando
não eram dessas frutas estações...
João
aprendera a fabricar vassouras
e
Maria as roupas velhas costurava,
mas
estômago vazio não há quem dome:
de
seu trabalho o menino se queixava;
e
a menina deixou linha e tesouras,
com
suas vassouras foram dançar os dois,
sempre
uma forma de esquecer a fome...
Porém
no auge de seu divertimento,
abre-se
a porta e a mãe lhes aparece,
furiosa
por não vê-los trabalhar...
Ela
vendera seus cestos, mas nem prece
nem
discussão mudara o sentimento
do
mordomo que cuidava da mansão:
só
pagaria após o patrão voltar!...
JOÃO
E MARIA II
Contudo,
ao contemplar seu sofrimento,
tivera
pena uma criada do castelo,
que
às escondidas lhe deu jarro de leite.
Era
pesado, mas o trouxe com desvelo,
a
fim dar a seus filhos alimento,
mesmo
cansada, sem tomar uma só gota,
queria
guardar para os meninos tal deleite...
Porém
ao ver as crianças a brincar,
Frau
Gertrud, exausta do caminho,
começou
a bater nos dois meninos,
que,
ao defender-se de seu abespinho,
acabaram
por fazê-la tropeçar:
a
jarra tomba e o leite todo entorna!
Ficam
os três em tristes desatinos...
Frau
Gertrud só chorava sem parar
e
as crianças aumentaram a choradeira:
“Ai,
meu Deus! O que nós vamos comer?”
Secou
a mãe sua lágrima derradeira:
“Ao
invés de beber, irei limpar!...
Esta
vida de pobre, como é triste!...
Nada
mais tenho para lhes oferecer...”
“Ainda
bem que não quebrou o jarro,
pois
o peguei emprestado na mansão...
Ainda
é cedo. Vão colher frutinhas...”
“Mas
não é tempo... E já acabou o pinhão,”
disse
Hansel. “Choveu e virou barro...”
(Ele
entre nós é conhecido por Joãozinho.)
“Vão
assim mesmo! E encham duas cestinhas!”
JOÃO
E MARIA III
“Quando
seu pai chegar, o que vou dizer?
Ele
saiu para buscar macega,
vai
voltar carregado feito mula!
Não
há vassouras novas para entrega!
Vocês
ficaram o dia inteiro sem comer!
Deixaram
o chão todo grudento e sujo!
Saiam
daqui!” – ela gritou, de raiva fula.
Saíram
as crianças, assustadas,
Gretel
pegou Joãozinho pela mão.
Seu
nome quer dizer “Margaridinha”,
mas
entre nós tem diversa tradução:
é
“Mariazinha”, nas histórias relatadas
de
João e Maria, como se acostumaram
contar
os velhos para cada criancinha.
E
lá se foram os dois, pela floresta,
cada
um a sua cestinha balançando,
enquanto
a mãe ia limpar o chão.
Cada
restinho de leite foi secando,
para
depois ir trançar mais uma cesta.
“Se
ao menos Peter conseguisse algum dinheiro!”
Depois,
exausta, foi deitar-se no enxergão...
Caindo
a noite, uma outra voz se escuta,
cantando
alegremente pela mata...
Chega
Peter, um tantinho embriagado,
carregando
duas cestas e uma grande lata,
feliz
da vida, apesar de sua labuta...
É
que vendeu suas vassouras e escovas!
Fez
um bom rancho com o dinheiro assim granjeado!
JOÃO
E MARIA IV
Foi
acordar sua esposa com um beijo.
Ela
se ergueu, em bocejos resmungando:
“Não
tenho nada para o teu jantar!...
Mas
o marido responde, gargalhando:
“Ô,
mulher velha, acaba o cacarejo!
Olha
o que trago nas cestas e na lata!
Boia
de sobra para nos alimentar!...”
Gertrudes
foi olhar os mantimentos;
com
tanta coisa fica maravilhada.
“Toucinho,
manteiga, salsichas e farinha!
Queijo
e cebolas e café de cambulhada!
Quatorze
ovos, arroz, feijão e condimentos!
Mais
cinco quilos de pão a acompanhar!...”
E
a lata!... Cheia está com bolachinhas!...
“E
ainda trouxe schnapps na garrafa!
Não
só vendi, me pagaram os atrasados!
Esta
semana comeremos bem...!
Cadê
os garotos? Trouxe bolo pros safados!...”
Gertrudes
cai em si, de pura estafa:
“Mandei
colher morangos pelo bosque!
E
até agora estão por lá, meu bem!...”
Peter
ficou completamente apavorado:
“Mas,
mulher, pois ninguém te contou?
Uma
bruxa mudou-se para cá!
Quase
uma dúzia de crianças devorou!...”
Os
dois, talvez, ela tenha já apanhado!
Anda
logo, vai buscar a minha garrucha!
Vamos
depressa procurá-los acolá!...”
JOÃO
E MARIA V
Hansel
e Gretel tinham tido sorte,
pois
encontraram um renque de framboesa:
comeram
a fartar, as cestinhas encheram:
“Mamãe
fica contente, com certeza!
Vai
nos perdoar por nosso mau esporte,
por
termos todo o leite derramado!...
E
alegres pela mata os dois correram...
Mas
Mariazinha quis tecer ramos de flores:
colocou
na cabeça uma coroa
e
pôs um colar no pescoço de Joãozinho,
brincando
juntos enquanto a luz se escoa...
E
de repente a noite e seus pavores
caem
na mata, sob a copa do arvoredo!
Nenhum
dos dois já encontra seu caminho!...
Eles
penetram num renque de salgueiros,
cujos
ramos compridos e flutuantes
lhes
causam muito medo e morno pranto;
os
dois se encolhem, mais perdidos do que dantes!
Usam
raízes como travesseiros
e
então, de um tronco, sai o Homem do Sono!
Toca
em suas testas, sussurrando um acalanto...
E
assim ambos adormecem, abraçados,
as
cestinhas no meio das raízes,
veem
fogos-fátuos, depois veem pirilampos...
O
Homem do Sono os protege nessas crises,
toca
uma flauta e os anjos são chamados,
para
impedir lhes sobrevenha qualquer mal...
Por
sobre as árvores vêm, cruzando os campos...
JOÃO
E MARIA VI
Quatorze
anjos velam sobre eles:
dois
à cabeça e dois junto a seus pés,
dois
à esquerda e dois à sua direita,
dois
os acordam para antigas fés,
dois
os protegem, pairando acima deles,
dois
os conduzem ao país dos sonhos,
para
as crianças a terra mais perfeita...
E
nela os dois caminham, de mãos dadas,
por
entre nuvens de alegres borboletas,
a
estrada a seus pés limpa e macia;
cantam
os pássaros mil canções secretas,
criam
as flores paragens perfumadas
e
sob o brilho luminoso dos arcanjos
some-se
a fome e o cansaço se esvaía...
Estão
deitados sobre o musgo, na verdade,
e
os anjos formam escudo impenetrável:
eles
nem sentem qualquer frio, qualquer perigo,
o
sorriso nos seus rostos é adorável,
nessa
ilusão de total felicidade,
na
Terra do Cuco das Nuvens, fantasia
que
traz à alma e ao corpo doce abrigo...
E
assim dormem, durante a noite inteira...
Seus
pais, porém, vagam doidos pela mata,
uma
lanterna nas mãos, em sobressalto,
sem
que o cansaço a cada um abata,
nesse
temor que a ausência mais ligeira
faz
emergir no paterno coração,
a
percorrer do chão cada ressalto...
JOÃO
E MARIA VII
Amanhece... E a gentil Fada do Orvalho
derrama
pingos de geada nas suas testas.
As
duas crianças acordam e percebem,
pelo
canto dos pássaros em festas,
que
só dormiram sob espesso galho,
sem
o teto habitual de sua casinha:
gotas
de orvalho nas mãos juntam e bebem.
Só
então se lembram de que estão perdidos...
Durante
a noite murcharam as framboesas,
mas
há esperança nova no arrebol...
Começam
a andar, em incertezas,
por
arredores até então desconhecidos...
Nunca
estiveram nessa parte da floresta,
mas
é mais fácil marchar à luz do sol...
Quando
as brumas se dissipam por completo,
à
frente deles aparece uma casinha...
Por
um momento, até pensam ser a sua,
mas
a ilusão se esvoa, depressinha...
Bem
diferente é dessa casa o teto,
marrom
escuro, igual que chocolate...
Duas
janelas de alcaçuz dão para a rua...
Paredes
lisas, parecendo massapão,
massas
folhadas, biscoitos incrustados,
a
chaminé é toda feita de glacê...
O
caminho é de pasteis bem encaixados,
De
um lado se ergue um forno com fogão
e
dele escapa um cheiro delicioso,
que
sua gula desperta, ora se vê!...
JOÃO
E MARIA VIII
Ao
redor, há uma porção de bonequinhos,
todos
feitos de merengue e massapão,
do
seu tamanho, garotos e meninas,
os
seus enfeites e até cada botão
são
feitos de gemada e de docinhos
e
os seus rostinhos desenhados em confeitos,
iguais
que os bolos de confeitarias finas...
Eles
pensam ainda estar sonhando;
bem
devagar, vão tocando nas paredes,
mel
e açúcar sai na ponta de seus dedos...
Em
igual situação, também não cedes?
Logo
pedaços os dois vão retirando,
cada
um deles com melhor sabor...
Quais
serão dessa casa os seus segredos?
Abre-se
a porta e sai a feiticeira;
joga
uma corda, buscando prender João;
porém
ele se desvia, já assustado...
“A
corda é açúcar-cândi”, diz-lhe então,
numa
voz bem melíflua e chamadeira...
Mas
quando os dois começam a fugir,
um
mau encanto sobre eles é lançado...
A
bruxa, assim, as crianças paralisa
e
empurra os dois pela porta da cabana;
Enfia
João dentro de uma gaiola
e
põe Maria a varrer a sua choupana.
Depois
os braços de João, gentil, alisa
e
considera o menino bem magrinho,
com
pouca carne para a sua esfola...
JOÃO
E MARIA IX
Começa,
então, a enchê-lo de comida,
para
deixá-lo, bem depressa, mais gordinho...
Maria,
contudo, lhe parece em bom estado,
faces
rosadas, já está bem mais fofinha...
Então
a leva para o forno, sem mais lida
e
lhe dá ordens de trazer lenha para o fogo,
pois
nem sequer quer trabalhar pesado!...
Enquanto
espera que seu forno aqueça,
em
que pretende jogar Maria inteira,
ela
lhe ordena dar mais comida a João!...
Mas
esquecera sua varinha a feiticeira
e
aproveitando a agradável distração,
Maria
quebra o encanto da gaiola,
assim
dando liberdade a seu irmão!...
Ela
sai, deixando João com a varinha...
Mas
acha o fogo estar pronto a feiticeira!
Abre
sua porta e diz à garotinha:
“Olhe
de perto, se o calor dessa lareira
já
está bom para se assar galinha...”
Porém
Maria finge não saber,
enquanto
João por detrás dela se avizinha...
E
quando a bruxa chega junto à porta,
os
dois juntos lhe dão forte empurrão!
Trancam
a porta com a magia da varinha
e
enquanto a velha suplica por perdão,
os
dois se abraçam, pois nenhum se importa
com
os gritos da feiticeira canibal
e
em torno ao forno, fazem uma dancinha!...
JOÃO
E MARIA X
E
de repente, ocorre uma explosão!
A
bruxa morta se faz em mil pedaços,
some
a choupana e surgem dez crianças
a
sacudir merengue de seus braços:
eram
os bonecos que pareciam massapão!
Pedem
que nelas toquem com a varinha,
pois
voltar para seus pais têm esperanças!...
Quando
tocadas, recobram movimento
e
se põem a dançar com os dois irmãos...
Pedem
depois que as toquem novamente
e
então somem, quais pequenos furacões.
Voltam
às casas de seus pais nesse momento
e
a varinha se quebra e torna em poeira,
mal
não fará no futuro a qualquer gente!...
A
explosão atrai a mãe e o pai,
que
encontram sãos e salvos João e Maria!
E
então se abraçam, no maior alívio...
Mas
nas ruínas da choupana algo luzia
e
a remexer nas cinzas o casal vai,
onde
encontra um panelão cheio de ouro!
É
o suficiente para anos de convívio!...
João
e Maria retornam para o lar
e
Peter monta uma fábrica de vassouras,
para
aplicar melhor esse dinheiro.
João
conheceu uma mulher de tranças louras
e
Maria encontrou um garboso cavalheiro
e
no devido tempo, vinda a idade,
foram
os dois bem felizes se casar!...
EPÍLOGO
E
quanto à bruxa? Existe até quem diga
que
um feiticeiro recolheu os seus pedaços
e
como tanto doce ela fizera
até
guardava dentro em si certa doçura...
O
feiticeiro, com condão e grande figa
uma
pasta preparou, deu uns amassos,
a
mistura foi assando, igual que pão,
mel
e hortelã na massa acrescentara,
cravo
e canela e especiaria pura,
e
para sua despensa a transportara,
virada
em bolo de doce massapão!...