QUE FOI QUE NOS TOCOU?
(CANÇÃO SOBRE MELODIA DE TÁRREGA)
William Lagos, 19 dez 15
(Para Tristan Riet, a pedido)
Que foi que me tocou?
Apenas dedos leves,
Perdidos pelas neves
De tão pálidas mãos,
Vazios os corações.
O silencioso toque
A frase de remoque,
Amor que me abraçou.
Que foi que me tocou?
Apenas um sussurro,
Faísca em céu escuro,
Murmúrio de rubi
Dos lábios que entrevi,
A lágrima que torna
Em palidez já morna,
O cílio que restou.
Que foi que te tocou?
Agitação sutil,
A lâmina virial,
Antiga aceitação,
A farpa da emoção
A peia do calor,
Palpitação, ardor,
A luz que te acordou.
Que foi que te tocou?
A ânsia da emoção,
A pele sob a mão,
Soar de uma guitarra,
Zunido de cigarra,
A liquidez da taça,
A fluidez da graça,
O mel que se escoou.
Que foi que nos tocou?
O tom da sinfonia,
O som da nostalgia,
A faca do antanho,
A terra em amanho,
A plácida nudez,
A mescla da altivez
Que tudo transformou.
NÃO SOU EU 1 – William Lagos, 20 dez 15
Tríade sobre versos livres de Adélia Einsfeldt
Não sou eu o instante que ora apaga
Do tempo a vertigem inexorável,
Não sou eu a enchente formidável
Que cada hora do presente alaga.
Não sou eu quem a lembrança esmaga
Da madrugada no abraço já intocável
Da Lua em desamparo irreparável
De sua prisão na permanente plaga.
Não sou eu que desprezo essas imagens
Que só a Lua nos revela, sonolenta,
Ocultas para sempre à luz do Sol.
Não sou eu que abandono essas paragens
Que a luz de prata com seu fogo alenta
E se derretem na chegada do arrebol...
NÃO SOU EU 2
Não sou eu que encubro a própria face
Sob a penumbra do inelutável véu;
Que mastiguei meu pranto contra o céu
De minha boca a fim que se apagasse.
Não sou eu que a mim mesma me desgrace
Nessas lágrimas vertidas sob o arpéu
Do silêncio, que angustia qual chapéu
Que o rosto me recubra e me perpasse.
Não sou eu quem o plenilúnio toma
Entre seus dedos, qual lenço de cambraia,
Para secar essas lágrimas vertidas,
Nesse silêncio que o coração me doma
E me conduz as emoções à baia
Em que de dia se tornam reprimidas.
NÃO SOU EU 3
A tudo isso eu digo: não sou eu
E então medito... e reconheço, assim,
Que sou eu mesma, que sou tudo, sim,
Que no buscar das respostas se perdeu.
Na noite fria, meu passo se esqueceu
Do esconderijo da xirca e do alecrim...
Na noite fria, o tempo chama a mim
Para o retorno ao que ficou e adormeceu.
E quando a insônia vem ao tempo atormentar
Em seu leito de horas sem descanso,
Toda a pergunta do passado estua...
Nos ruídos fracos que não param de estalar
E ao pobre tempo atiçam do remanso,
Quando a insônia do tempo acorda a Lua...
Para comparação (feito conforme pedido da autora):
NÃO SOU EU
Não sou eu
o instante que apaga
a vertigem do tempo
não sou eu
quem abandona
na madrugada
a lua desamparada
e sonolenta revela
imagens ocultas
não sou eu
quem encobre a face
na penumbra
lágrimas vertidas
no silêncio que angustia
não sou?
sou eu, sim
quem busca encontrar
resposta
na noite fria
quando a insônia do tempo
acorda a lua.
Adélia Einsfeldt
o instante que apaga
a vertigem do tempo
não sou eu
quem abandona
na madrugada
a lua desamparada
e sonolenta revela
imagens ocultas
não sou eu
quem encobre a face
na penumbra
lágrimas vertidas
no silêncio que angustia
não sou?
sou eu, sim
quem busca encontrar
resposta
na noite fria
quando a insônia do tempo
acorda a lua.
Adélia Einsfeldt
DESEJOS 1 – William
Lagos, 21 dez 15
(Sobre texto em prosa
de Roberta Pereira Souza)
Tenho desejos dentro
ao coração,
De tudo um pouco. De
sensibilidade,
Perante a vida em
gentil curiosidade,
Sem indiferença às
belezas que ali estão!
As quais contemplo em tais
versos que são
Enviados para mim com
amizade.
Quero coragem para a
realidade,
A timidez posta de
lado com paixão.
Poder então realizar
algo grandioso
E assim desejo
alcançar sabedoria:
Neutra não fique
perante o sofrimento,
Que dê lugar ao
coração, quando amoroso
E que revele em cantos
de alegria
Esses desejos que em
minhalma atento.
DESEJOS 2
Também desejo possuir
mais altivez,
Por que não possa os
olhos desviar
De quem só um carinho
vem buscar,
Sem me ocultar no
orgulho ou pequenez.
Tranquilidade ainda
desejo e sensatez:
Que ao fim do dia
possa-me deitar,
Sentir dos anjos meu
sono acalentar,
A murmurar-me os
versos que me fez.
Desejo ainda possuir
mais alegria,
A repartir com cada
apaixonada;
Que saiba sempre
sorrir com humildade,
Reconhecer a verdade
na poesia,
No encanto meigo da
jovem encantada,
Que nunca afirma
gostar com falsidade.
DESEJOS 3
Desejo sempre gostar
de minha vida:
Segredo arcano da
felicidade,
Um coração que bate de
verdade,
Contra meu peito, em
ânsia comovida.
Que doar o saiba e
nele dar guarida
A quem precisa receber
minha amizade,
Nessa esperança que
não tem maldade,
Não mais que em leve
afeto concedida.
Porque aquela que
descobre, sem desdouro,
Que realmente é amiga
e tem amigo,
Descobre em si um bem
inestimável.
Pois que saiba
repartir esse tesouro,
Por todo o tempo que o
conservar comigo,
No mágico esplendor do
imponderável!...
EXPLICAÇÃO MUNDANA I – 27 jul
07
Quando se sente fome, nada
importa:
é fome noite e dia, fome
morta,
que só deseja enterrar-se em
alimento:
e nessa fome de ti, me
descontento.
Quando se sente sede, nada
vale:
é sede a cada instante, sem
que abale,
por um momento, a ardência da
garganta:
e é tal sede de ti que assim
me espanta.
Quando nos falta o ar, sufocação
nos enche o peito, na ânsia
da emoção:
do mesmo modo te queria
respirar.
Sentir o cheiro de tua
exalação,
tomar-te o bafo por
inspiração,
até poder, em teus braços, me
afogar.
EXPLICAÇÃO MUNDANA II – 22
DEZ 15
Não pretendo tão só quero o
espiritual,
minha fome de ti é mais
premente,
minha sede de ti bem mais
potente,
encapsulada em ânsia
material.
Como o estômago se contrai,
ácido mal,
enquanto o suco gástrico,
inclemente,
suas paredes devora de
impaciente,
tal qual secura de uma rede terminal.
Como o pulmão a contrair-se
em ânsia
é essa falta de ti, de tua
presença,
cada alvéolo a acusar
reclamação;
fica o próprio coração na
redundância
da fome e sede, esvaído de
sua crença,
envolto apenas em tal
dissolução.
Com
frequência os poetas se recusam
a
seu desejo físico afirmar;
ou
ao contrário, insistem em falar
sobre
sexo e nesse tom se acusam.
EXPLICAÇÃO MUNDANA III
Hoje em dia é até assaz comum
grafismo explícito
pretendendo ser poesia;
palavras chulas que na rua
nem se ouvia,
sem mais respeito pelo gosto
de nenhum;
“cada qual dá o que tem” – e
assim algum
explicita em suas palavras
grosseria,
sem o menor pretexto de
harmonia,
bafos roubados a qualquer
frasco de rum.
O que lhes falta é ter
sensibilidade
para o sexo com ternura descrever,
o corpo humano qual maior
alvo de amor,
expondo assim sua
incapacidade,
como poetas de vanguarda
pretender
o que qualquer dos primitivos
diz melhor!
EXPLICAÇÃO MUNDANA IV
Já eu não sou assim. Busco mostrar
em cada aspecto da
fisicalidade
o quanto mostra de
sacralidade,
pois somos templos, no
espiritual falar.
E desta forma, não restrinjo
o meu cantar
ao gentil córrego da
musicalidade,
mas em rimas de versos, na
verdade,
termos médicos introduzir e
apresentar.
Que não existe amor sem
objeto,
seja da mãe ou do
colecionador,
ninguém de fato busca o
imaterial;
e mesmo Deus tantos fazem ser
concreto,
perante estátuas se ajoelham
com fervor,
vendo o divino em seu formato
corporal...
REGRAS DA VIDA XXXIII (33) – 27 jul 07
Mantenha a fé. Sempre que uma promessa
por seus lábios passar, nunca se esqueça.
Nunca se esquive ao cumprimento dessa
palavra dada seja a quem for que a peça.
Existem ainda os antigos sentimentos:
a honra e a lealdade, os firmes pensamentos,
coragem e apoio, em todos os eventos,
fidelidade e constância nos momentos
em que somos necessários; a confiabilidade,
a força que conduz à honestidade
e assim à estranha dependabilidade...
Mas cumpra você mesma. Não procure
os outros converter, só não descure
de sempre demonstrar sinceridade...
LAMENTANDO OS LIMITES... I –
27 jul 07
Eu sempre fiz assim. Não
importa o quanto
tenhas falhado em cumprir as
tuas promessas,
as minhas eu mantive, inda que
o pranto
as faces me sulcasse, pois não
cessas
de demonstrar, em tua
oscilação,
como és levada, no soprar dos
ventos...
Nunca te pude dominar o
coração
e nem sequer sopesar-te os
pensamentos...
Mas pouco importa, pequeno
mal-me-quer:
sempre serei constante e bem
leal,
quaisquer que sejam as tuas reações...
É assim o teu feitio, sendo
mulher:
sou fiel pelos dois, ainda que
mal
consiga alimentar-me de
ilusões...
LAMENTANDO OS LIMITES... II –
23 DEZ 15
Mas nem por isso pretendo ser
o forte
e o sustentáculo de nossa
relação;
por longos anos marchamos mão
em mão,
qualquer que seja da
vicissitude o porte;
e inda que tenhas muita vez
talhado em corte
minhas ingênuas esperanças em
botão,
com frequência reconheço outra
ocasião
em que o meu desapontar levaste à morte.
Não fui a vítima a cada marco
do caminho,
por mais que agora, com
equanimidade ,
vez por outra ainda encontre
dissensão,
tal qual gravei em velho
pergaminho,
escrita com meu sangue em
equidade
porém tingida por igual de tua
emoção.
LAMENTANDO OS LIMITES III
O que sempre lamentei foram
fronteiras
que me impediram de chegar
mais perto,
mesmo chegando de coração
aberto,
pois me chagaram palavras
zombeteiras.
O que sempre lamentei foram
tais beiras
que me impediram de deixar o
meu deserto,
no enfrentamento de atroz
destino incerto
no dardejar de tuas palavras
derradeiras.
Pois me dizias não ser tua
natureza
meiga e gentil, muito menos
carinhosa:
se não gostasse, então me
fosse embora;
contudo, em teus momentos de
fraqueza,
me fizeste jurar, a face
lacrimosa,
que não partisse, por mais
dura fosse a hora.
LAMENTANDO OS LIMITES... IV
E quando vi que a animais ou à
parentela
reservavas o carinho que
negavas.
embora fosse em mim que te
apoiavas,
sem receberes dos teus preces
nem vela,
meu coração rasgou-se na procela
dessas negaças com que me
cortavas,
das palavras de esmeril que me
lançavas,
desse desdém violento que
congela.
Hoje percebo que já te
transformaste,
talvez querendo tornar-te o
bem-me-quer,
depois de tanta pétala
arrancada;
mas ainda o talo seguro que
deixaste
e continuo a te amar, sendo
mulher,
que permanece, afinal, sendo
adorada...
NATAL GAÚCHO I – 24 DEZ 15
Papai Noel chegou numa charrete,
que puxavam seis vacas leiteiras...
Velhas juravam serem verdadeiras
(E discutir com vovós ninguém se mete!)
Dizia a história que, tal como confete,
elas voavam pelo céu, muito lampeiras
e mil presentes derramavam, bem certeiras,
nos ranchinhos do peões, do vento ao flete.,,
Papai Noel era gordo e não cabia
em sua charrete aquele vasto saco,
que dizem em suas costas carregar;
mas junto aos ubres das vacas se movia
e após tirar sua lista do casaco,
ia os presentes, em vez de leite, a ordenhar!
NATAL GAÚCHO II
Um guasca estranhou que não puxassem
a sua charrete parelhas de cavalos...
Papai Noel explicou que ao atrelá-los
outros gaúchos talvez mesmo se zangassem.
“Bá, tchê, bons cavalos que se achassem
seriam os Crioulos, mas atá-los
à minha charrete poderia machucá-los,
acostumbrados que estão que só os montassem.
“Em puxar charrete não achariam graça,
já que somente ser montada permitiam,
mas seu orgulho ofenderiam outras sortes!
“Caso pegasse pingos de outra raça
podiam puxar bem, mas não serviam:
para o Natal precisavam ser bem fortes!”
NATAL GAÚCHO III
“Enquanto as minhas parelhas de vaquinhas,
são tão dóceis e mansas como renas,
mas no Rio Grande eu empregaria apenas
o quanto agrade ao sorriso das prendinhas!
“São as ovelhas muito pequeninhas
para os céus deste pampa são ajenas
e burros empacariam nesta cenas;
assim reuni minhas vacas, coitadinhas!
“Porque estou velho e já não posso carregar
o pesadíssimo saco de brinquedos:
dentro do ubre das vacas coloquei!...
“E a cada vez em que cheguei a algum lugar,
procurei em minha lista quais segredos,
para com o leite das vaquinhas fabricar!...”
USUFRUTO I –
27 jul 07
No geral, o
que se tem por romantismo
é o encanto
dos amantes enlaçados...
Mas, na
verdade, os ideais romantizados
são justamente
aqueles em que abismo
separou, de
forma quase intransponível,
os que apenas
se olhavam, de mansinho:
sentimentos a
crescer, devagarinho,
no fígado e na
mente incompreensível...
São os que
atraem românticos reais:
não a posse
transitória e passageira,
mas o gozar da
fina dor da ausência...
Pois que é ao saber
que não terá jamais
o alvo do
desejo, é que se abeira
da fruição
desse ideal de permanência...
USUFRUTO II –
25 DEZ 15
São os
hormônios que enlaçam os amantes,
mas aos
românticos o que prende é a solidão:
caso obtenham
uma real satisfação,
depressa
afloram-lhes sentimentos inquietantes,
pois amor já
não se mostra como dantes,
após seu
usufruto. Não é só por ambição
de outros
pares ter, nem sequer comparação
entre os
momentos atuais e equidistantes.
É muito mais a
saudade do impossível,
essas lembranças
do que nunca se viveu
o peito a
desejar o intransponível,
o amor da
ausência do que não viu jamais,
o sabor de
qualquer mundo que morreu,
qual quem
recorde da infância de seus pais.
USUFRUTO III
Mais que
pinturas, hoje há a fotografia,
em branco e
preto e cinza amarelado,
as coloridas
em tom mais desbotado,
as digitais
restaurando o que fugia...
Sempre é
possível restaurar o quanto havia
sido gravado
dos luzeiros do passado,
os reflexos do
sol no rosto amado,
as sepulturas
branquejantes da elegia...
Existe mesmo
quem demonstre devoção
por tais
retratos de rostos desmanchados
mais do que às
imagens que têm no coração,
para, afinal,
só conservar recordação
desses
momentos fugazes registrados ,
enquanto a
mente já olvidou a real feição...
USUFRUTO IV
Igual que o
amor por amantes recordados,
não tais como
eles foram, com defeitos,
às carnais
condições antes sujeitos,
mas somente em
instantâneos conservados.
Romeu e
Julieta, veja bem, nos são lembrados
não por
abraços ou carinhos mais perfeitos,
mas sim porque
morreram, frios peitos,
por veneno ou
por adaga perfurados.
E assim Paolo
e Francesca, trucidados
pelos ciúmes
de seu marido e irmão:
felizes
fossem, ninguém mais os lembraria,
pois
encarnamos nos instantes apressados
desses amores
mais de imaginação
que buscamos
aos que a vida nos daria.
INCOMPETÊNCIA I –
27 jul 07
Se eu tivesse
vassoura, iria, sem demora,
aborrecer as
fadas que percebo ao vento...
O dia
amanheceu... Nesse portento
que se repete
diariamente. A mansa hora
é fulgurante da
alvorada na penhora;
a cada dia,
entretanto, atrasa o alento...
É fugidia,
inconstante em alimento,
pequena
imensidão, nada e senhora...
Vassoura não
tomei empós amor perdido,
porque as fadas
que se pode enfeitiçar
tornar-se-iam
reais e bem concretas...
E o amor
inútil que me tem ferido,
perdura em
piaçava, ao dealbar,
nos suspiros de
palha dos poetas...
INCOMPETÊNCIA II
– 26 dez 15
Embora traga em
minha mão direita
uma estrela que
pretende a profecia,
demarcada no
ventre, qual se via,
desde criança,
cinco pontas e perfeita,
jamais o meu
porvir a mente aleita:
nunca soube o que
à frente encontraria,
pudesse embora
fingir possuir magia
perante ingênua
que a afirmação aceita.
Soube apenas
transformar-me num poeta,
por mais que
muito eu tenha relutado,
sem vidente me
tornar e nem profeta...
Mas se pudesse
retornar ao meu passado,
sabendo o que ora
sei e que me afeta,
talvez tivesse
tal futuro rejeitado...
INCOMPETÊNCIA III
Li certa vez,
entre contos inserida,
a velha Lenda da
Espera Dolorosa
que uma fada, a
imaginar-se generosa,
a uma princesa
houvera concedida...
Era menino então,
mas a ferida
inseriu-se no meu
peito, pegajosa,
na inquietação
pululante e venenosa:
seria assim a
espera de minha vida...?
Assim sempre eu
esperei pelo futuro,
sem nele achar
solidez das esperanças,
atravessando
longo trajeto duro,
sempre dando de
alívio algum suspiro,
na insensatez de
encontrar horas mais mansas
a cada vez que a
um novo ano me confiro.
INCOMPETÊNCIA IV
Ano após ano na
conserva da esperança
do calendário não
confio o dealbar,
cada manhã na
permanência do encarar,
em meus olhos o
desaponto da criança...
E até o ponto que
a memória alcança
dessa esperança
só pude desconfiar,
as circunstâncias
em igual desafiar:
qual grades de ar
ou pontiaguda lança.
Mas o esforço,
diariamente, foi constante;
dancei fremente
com a adversidade,
pensando a
dobraria com potência;
portas fechadas
no derradeiro instante,
mas a esbater-me
com pertinacidade
contra essa
espera da tenaz incompetência.
CANTO INDECISO XXIV – 27 jul
07
Não sei se Deus me busca ou
busco Deus;
na verdade, Ele tem mais o
que fazer
do que pensar em mim.
Pois são os meus
talentos que me levam a
crescer...
Já nasceram
comigo. Se usei mal,
é apenas meu problema; e a
consequência
sou eu que sofrerei, nesta
cabal
demonstração de minha
insuficiência...
Mas conhecer que sou o
responsável
por meu destino, meio caminho
andado
já se tornou... Agora,
é combater
qualquer dificuldade imponderável
que encontre pela frente.
Aliás, o fado
que sempre desposei no meu
viver.
INTERCLUBES I – 5 ago 07
É surpreendente como se entusiasmam
esses que vivem ao redor de mim,
por resultados de jogos... Vejo, assim,
a transcendência morna em que se pasmam...
Pois que importância tem um campeonato,
que torna a ser de novo disputado...?
Para que conduzirá tal resultado,
senão o breve registro de tal fato
num almanaque... Apenas estatística,
um gozo aleatório... Intimorato,
mas curto revestir de breve glória...
Nada que possa, afinal, por estocástica,
deixar de ser previsto... Esse retrato
amarelado em névoa pela história...
INTERCLUBES II – 27 DEZ 15
Quem se recorda da grande maioria
dos jogadores no passado celebrados
ou dos atletas pelo esporte deflorados:
corpos queimados por desgaste de energia?
E quem recorda dos heróis de fantasia
que então tiveram seus momentos consagrados
nos palcos ou nas rádios ou gravados,
danças ou cantos que o antanho permitia?
Que da memória de uns poucos desvanecem,
não mais a venerar deuses de barro,
muito menos os defuntos campeonatos,
cujos antigos disputantes logo esquecem...
Resta somente desjejum magro e bizarro
dos novos jogos ainda não travados...
INTERCLUBES III
E quem recorda as celebrações sociais?
Miss Isso, Miss Aquilo, quem recorda?
Talvez Miss Envelhecida, quando acorda,
ao cheiro etérico de novos carnavais...
E quem recorda as missas triunfais,
as numerosas procissões que antanho aborda?
Participar de alguma alguém concorda,
mas foram mortos que então marcharam mais.
Quando é difícil de nós mesmos recordar
tantos eventos de um passado transitório...
Quem consegue discernir entre mil beijos?
Só uns poucos deles na mente a se gravar
nos cintilantes pensamentos desse inglório
perpassar de tais instantes benfazejos...
INTERCLUBES IV
Mais do que tudo, esse esporte coletivo
é momentâneo. Se mal se
pode usufruir
de nossas próprias vitórias a luzir,
quando o triunfo se demonstra logo esquivo!
Então por que essa catarse do cativo
público... que aplaude e geme sem sentir
mais que um instante de fervor, meio a fugir
de seu próprio dia-a-dia sem motivo?...
Morto esse jogo ao derradeiro apito,
fica a vitória ou a revanche em ansiedade
e novamente o dispêndio de energia,
ânsia tribal em triunfante grito,
canibalismo a espreitar dessa vaidade
que cada piercing e
tatuagem denuncia...
GIESTA CORTADA I – 28 DEZ 15
Há tempos que não voo. A gravidade
se assenhoreou de mim. Eu só flutuo
por sobre as sombras. Em minhalma ruo (*)
sobre os praias sem mar da humanidade.
(*) Flexão do presente do verbo “Ruir”.
Algumas vezes, até penso que minha idade
estou sentindo, pois já não mais aguo (*)
os canteiros da mente por que fluo,
contemplo versos secos, sem maldade...
(*) Flexão do presente do verbo “Aguar”.
Lembro que antes estuavam de energia...
Ainda flutuo, é certo, não caminho,
não me arrasto pela terra que me puxa;
mas essa força que tão fácil eu vencia,
que assoberbava com dois cálices de vinho,
me esmaga contra o solo, em fria ducha.
GIESTA CORTADA II
Mas não é bem assim que me acontece:
é que não posso mais dar vencimento
a tanta coisa em meu envolvimento:
faz-me pesado tal qual antiga prece.
Essa rede de deveres me entontece
e mal consigo, no seu prestamento
retomar a dianteira; em tal atrasamento
se esvai minha energia e me enlanguesce.
Contudo luto, sem espera na esperança;
esse é o problema.
Só aguardo completar
o presente trabalho e outro aceitar,
sem vislumbrar farol em que bonança
me possa conceder a recompensa
por todo o esforço de minha vida extensa.
GIESTA CORTADA III
Antigamente, em meus sonhos, eu voava
por sobre cada precipício violento,
de cores vivos os campos em portento
e os pios de muitas aves escutava;
o próprio vento meu rosto acariciava;
de meus músculos a sensação de forte alento;
quando sentia interromper-se o movimento,
um choque desde o solo me alcançava.
Porém não voo mais.
Eu só flutuo,
após um breve impulso nas calçadas,
trinta metros talvez ou ainda mais;
então me apoio e novamente eu fluo,
sem que as pessoas me olhem espantadas,
em ultrapassagens totalmente naturais...
GIESTA CORTADA IV
Ai, quem me dera que flutuasse nesta vida!
Mas só flutuo no fluir de minhas canções,
na giesta antiga das velhas gerações,
tal qual El Cid ou o Gil Blás de vasta lida...
A flor de giesta é pequena e desvalida,
amarela e gentil em brotações;
meu avô sempre as plantou em profusões,
também romântico e sem riqueza recolhida.
E ainda julgo que nos versos eu flutuo,
sem mais voar pela poesia infinda;
a técnica ali está, pérfida e linda...
Mas me contemplo com certo esgar de amuo:
quantos versos para trás, quantos à frente?
Giesta cortada, mas de seiva ainda presente...