CINCO OCTETOS SOBRE CONTOS
DE VIRIATO CORRÊA – 8-12/11/2016
Versificação de William Lagos.
O PEIXE
FIDALGO ... ... ... 8/11/2016
O CÃO
PIRULITO ... ... ... 9/11/2016
A
ESTRELINHA ... ... ... 10/11/2016
O RÉVEILLON DO PINTASSILGO ... 11/11/16
A LENDA
DE SANTO ELÓI ... 12/11/2016
O PEIXE FIDALGO I – 8 NOV 2016
Havia um reino no fundo do mar,
pelo grande Rei Baleia governado;
era vizir o Delfim, todo
emproado,
que mais que o rei parecia
governar!...
Todos os peixes, sem queixas, a
aceitar
dos mamíferos esse governo
conquistado,
que o Tubarão fora por eles
derrotado,
para só o Chefe de Polícia se
tornar...
Era um elasmobrânquio, na
verdade,
e não um peixe, por não possuir
espinha,
mas apenas antiquada cartilagem;
e não dispondo de popularidade,
um bom salário vendo em seu
caminho,
raciocinou que resistir seria
bobagem...
De qualquer modo, também fora
usurpador,
pois vencera e devorara o
Peixe-Rei,
mas de famílias fidalgas
lembrarei,
a conservar um certo rasgo de
esplendor...
Era o Robalo o mais autêntico
senhor
dessas famílias orgulhosas de sua
grei:
“Formosa crista nas costas
conservei,
dos reis antigos eu descendo, sem
favor!...”
E como uma boa riqueza
conservara,
habitava em amplíssima caverna,
entre anêmonas e magníficos
corais
e em sua vaidade, jamais se
misturara
com “a gentinha dos cardumes,
nessa eterna
e tola dança, ordinária por
demais!...”
De sua caverna, que chamava de
mansão,
saía apenas em ocasião brilhante,
para da corte o festim mais
elegante
ou do Dourado uma suntuosa
recepção
ou do Badejo e do Atum, em
ocasião
de oferecerem jantar mais
cintilante
e nas ceias do Linguado sempre
atuante,
ou da Lampreia aos saraus dando
atenção...
Mas quando festa davam as
Sardinhas
ou nos desfiles dos Arenques nos
feriados,
nem sequer comparecia ao camarote
do Rei Baleia; ou quando as
Pescadinhas
festivais organizavam, bem
cuidados,
seus convites atirava à sua
mascote!...
Mesmo quando o Bacalhau chegou do
Norte,
do rei das Focas oficial
embaixador:
“Esse estrangeiro não merece o
meu favor!”
declarou ao mensageiro em simples
corte.
Quando ocorreu uma greve de bom
porte
e um jornalista quis entrevistar
o grão-senhor:
“Não conheço o povo, meu caro
Redator
e opinião não posso dar de
qualquer sorte.”
Não obstante, talvez devido à sua
vaidade,
era o Robalo tratado com
respeito,
qual descendente de família tão
antiga.
Alguns troçavam dele, na
verdade...
Mas pelas costas, sem na frente
terem jeito,
não que tivesse, de fato, gente
amiga...
O PEIXE FIDALGO II
Porém um dia, grande estrondo
ressoou;
pela cidade fortes ondas se
espalharam
e muita pequena residência
desmancharam:
barco luxuoso nas cercanias
afundou!...
Dos passageiros a maioria se
salvou,
mas os tombadilhos inteiros
continuaram
e depressa os peixes todos
visitaram
e algum cardume ali depressa se
instalou!
Mas no momento em que examinaram
os porões
e a seguir inspecionaram as
despensas,
ali encontraram numerosas
provisões
e bem depressa começou feia
disputa,
os mais ferozes em escaramuças
tensas,
já do reino ameaçando a boa
conduta!...
O Rei Baleia determinou que o
Tubarão,
com seus auxiliares, o Mero e o
Espadarte,
das disputas obrigassem ao
descarte!...
E atendendo aos conselhos do
Cação,
para lá transferiu a instalação
da capital do reino e vasta parte
dos peixes se mudaram, sem mais arte,
distribuindo por igual a
provisão...
Ficou a corte de Baile no Salão,
o Peixe-Serra a tornar de maior
porte
as portaladas, para que o Rei
entrasse...
E os camarotes de mais alta
projeção
foram vendidos de leilão por
sorte,
a quem o preço superior pagasse.
E desta forma o Robalo tão
vaidoso
o camarote comprou do Capitão,
por vinte pérolas da melhor
coloração
e nele se instalou, muito
orgulhoso.
Contudo, em um momento tenebroso,
um solavanco ocorreu, de sopetão
e o transatlântico mudou de
posição
e a portinhola, nesse instante
lastimoso,
completamente fechada se
emperrou,
sem que ali houvesse qualquer
outra saída!
“Melhor assim!” – o Robalo até
pensou.
“Não mais preciso nos corredores
encontrar
essa ralé, que se mostrou tão
atrevida
e ousou mesmo no meu barco se instalar!”
Mas no momento em que a fome lhe
apertava,
percebeu que sair era impossível;
pelas vigias o exterior era
visível,
em que uma festa o povo
celebrava!...
Durante horas o Robalo então
gritava,
sem que o pedido de socorro fosse
audível,
chegando, enfim, à conclusão
irresistível,
que o camarote em sua tumba
transformava!
Mas finalmente, quase
desesperado,
uma Sardinha aproximou-se da
vigia
e percebendo depressa a situação,
o seu cardume rapidamente foi
chamado,
por cem Sardinhas puxada a porta
abria,
baixando a crista Dom Robalo
desde então!...
O CÃO PIRULITO I – 9 NOV 16
Em nossa casa havia um cão
espinoteado,
por nós criado desde filhotinho
no grande pátio, sem acesso a
algum vizinho
e mesmo à rua sem ser nunca
levado...
Nunca, de fato, ele fora vacinado
e se encontrasse outro cão pelo
caminho,
talvez pegasse uma doença esse
bichinho,
a que tratávamos com o maior
cuidado.
Desta forma, no viés de seu
instinto,
mesmo não sendo um cão de grande
porte,
alto ladrava para qualquer
estranho!
E em certos casos, mordeu algum
distinto
visitante ou entregador de
qualquer sorte,
tal qual se fosse de bem maior
tamanho!
Com todo mundo assim ele
implicava
que se atrevesse a cruzar nosso
portão
e se ofendia quando tal
“obrigação”
alguém da casa impedindo
contrariava.
Mas quando a fera com alguém se
acostumava,
nomeava-o “membro da matilha” na
ocasião...
Vinha o padeiro a lhe dar nacos
de pão
e em pouco tempo sua amizade
conquistava!
Mais tarde, ele adotou o
açougueiro,
o leiteiro, o verdureiro, o
jornaleiro,
que tudo em casa nesse tempo se
entregava...
Mas quando um cheiro estranho o
assaltava,
o Pirulito para morder vinha
ligeiro,
quando o infeliz pelo portão
passava!...
Por uns dois anos assim
continuava
e no portão colocamos um aviso,
que, no geral, nem sequer era
preciso:
com seus latidos bem fácil
avisava!
Com as visitas a gente o
desculpava
e ele gania, tal qual bicho de bom siso
e quando alguém lhe acariciava o
pelo liso,
lambia-lhe a mão e não mais
incomodava.
Mas ao chegar novo desconhecido,
retomava o anterior comportamento
e nos criou mais de um
constrangimento,
que alguém dizia ser mesmo
proibido
ter na cidade bicho feroz agora
e até pensamos em mandá-lo
embora...
Mas certo dia, de manhã bem cedo,
na calçada apareceu-nos um
gatinho,
muito magro, no mais fraco
miadinho:
cabia na palma, era menor que um
dedo!
E tendo pena, mais ou menos em
segredo,
para a cozinha transportamos o
bichinho,
lhe demos leite e o chamamos de
Xaninho,
de mostrá-lo ao Pirulito tendo
medo!...
Mas no momento em que o cãozinho
o viu,
ficou completamente transtornado,
não de raiva, como alguém pode
pensar;
muito ao contrário, o bichinho o
seduziu:
ele o cheirou e lambeu-o com
cuidado,
entre suas patas logo estava a
ronronar!...
O CÃO PIRULITO II
Ficou primeiro bastante
desconfiado,
o bicho estranho cheirando com
recato;
na verdade, nunca antes vira um
gato,
pelos da rua o quintal sempre
evitado;
a cabecinha lambeu-lhe com
cuidado,
saltitando a seu redor, estranho
fato,
meio estouvado, um pouco timorato,
a ganir e a correr –
apalermado!...
Mas à tarde, já os dois eram
amigos...
Xaninho estava em seu primeiro
crescimento,
Em chumaços de papel dando
tapinhas;
trepava em tudo, sem temer
perigos;
caso caísse, Pirulito, num
momento,
vinha acudi-lo, lambendo as
orelhinhas...
Sua atitude desde então mudou,
sem mais acometer os visitantes
e nem sequer ladrava como dantes,
depois que ao tal gatinho se afeiçoou.
Rapidamente Xaninho o dominou,
subindo nas suas costas em instantes,
tapinhas dando no focinho, acarinhantes,
e até unhadas Pirulito suportou!...
A sua ternura era quase paternal
e enquanto o gatinho ia crescendo,
de qualquer coisa sempre o protegendo...
E já saía em sua defesa, no final,
da família mesmo algum ciúme tendo,
temendo ansioso que lhe fizessem qualquer mal...
Nunca encontramos transformação maior:
ficara dócil, a ninguém mais atacava
quando o nosso portão atravessava:
era somente de Xaninho o protetor...
Mas dos vizinhos escutava-se o clamor
dos latidos quando o cheiro ultrapassava
os nossos muros e um
estranho farejava,
do velho instinto atiçando seu pendor!
Pirulito as suas orelhas sacudia,
sem entender exatamente o que ocorria:
com outros cães não tivera antes contato;
e como antes tão forte ele latia,
nenhum vizinho no pátio se atrevia,
nossa casa evitando com recato!...
Porém um dia, certo cão não resistiu,
muito maior que Pirulito e bem mais forte;
sem escutar mais latidos de bom porte,
pulou o portão e assim se introduziu!
Quando Xaninho e Pirulito viu,
no olhar logo mostrou sanha de morte
e avançou, arreganhando em feio corte
seus dentes, com sua baba em longo fio!...
E embora sendo um bicho bem menor,
Pirulito o amiguinho defendeu
e feroz briga logo se travou!...
Finalmente, ele espantou o agressor
e suas feridas o gatinho então lambeu,
nessa pronta gratidão que o dominou!...
A ESTRELINHA I – 10 NOV 2016
Não era assaz comum que a Lua oferecesse
uma festa em seu palácio milenar.
Quando os convites começaram a pingar
não houve alguém que não se surpreendesse.
Mas o que a todos ainda espanto maior desse
era a homenagem de caráter singular
feita à Estrela Kaphtor no próprio lar,
sem que esse nome algum já conhecesse.
Nem o Condor, de olhar fino e brilhante,
se recordou de ter visto tal estrela
e foram juntos consultar Dona Coruja.
“Não recebi convite”, -- respondeu ao Elefante,
“mas tenho aqui um almanaque” – disse ela,
que o foi buscar em sua toca um tanto suja...
E descobriu-se, então, que Kaphtor
era estrelinha sem qualquer magnitude,
que até mesmo nebulosa escude,
realmente sendo pobre de esplendor...
Ficou a gente da mata em estupor,
ante a surpresa, tida até por rude!...
“Que a Lua é doida e diariamente mude
todos sabemos... Mas isto é bem pior!”
“Logo ela que ao Sol tão só acena!
Às vezes de manhã, outras à tarde
e nunca mesmo para festa o convidou!”
“Seria melhor nos afastarmos dessa cena,
mas se a Lua se irritar, que Deus nos guarde!
Caso se pise nessa estrela que chamou!...”
Somente bichos a Lua convidara
e realmente, só os de maior nomeada:
O Condor, a Hárpia, a Águia Dourada;
Leão e Tigre e Elefante ela chamara...
O Jubarte, a Baleia e – coisa rara!
o Cachalote e a Orca desvairada,
a Toninha, o Delfim e o Peixe-Espada,
mas de nenhum ser humano se lembrara!
Disse o Elefante: “Tenho medo de pisar
nessa Estrelinha, pois não enxergo bem!”
Falou a Cegonha: “O ruflamento de minhas asas
pode a luzinha da coitada até apagar!...”
Mostrou receio o Manatim, também:
“Posso bufar e apagar centelhas rasas!...”
Mas recusar o convite era impossível,
que era a Lua criatura de veneta!...
“Se perceber que sua lista está incompleta,
pode ofender-se e fazer algo imprevisível!”
“Pode as marés erguer de modo incrível
e inundar até metade do planeta!”
E aos convites um aviso então completa:
de luar um ônibus lhes fizera disponível!...
Destarte se aprontaram os convidados,
tomando assento nos raios de luar,
estacionados nas praias ou no campo,
como passagem os convites enviados.
Mas o Rei Leão se lembrou de comentar:
“De outra feita, vai homenagear o Pirilampo!”
A ESTRELINHA Ii
Da Lua o castelo todo resplandecia,
os animais de fraque e de gravata,
que de fato nunca usavam pela mata,
mas da ocasião a grande gala merecia.
Somente a Kaphtor nunca surgia:
já alguns olhavam pelo chão, à cata...
“Será que ela não se enganou na data?”
“Em breve, chega,” – a Lua respondia.
Logo a seguir, a criadagem distribuía
entre os convivas chapéus feitos de geada
e mantas de sereno para os aconchegar,
indumentária contra a pele fria...
“Mas este trajo não nos aquece em nada!
Será que a Lua nos pretende resfriar?...”
Mas distribuíam bebida os Vagalumes
e os Fogos Fátuas lhes traziam canapés,
as Auroras Boreais a dançar balés,
lançando os Fogos de Santelmo belos gumes
de espadas em malabarismos como lumes
e os convidados já bebiam alguns cafés,
muitos sentando, a descansar os pés:
troças se ouviam aonde quer que rumes...
Quando os serventes eram interrogados,
nenhum deles conhecera a homenageada:
“O senhor terá de perguntar à Dona Lua.”
Com indiscrição respondiam alguns criados:
“Ela que deu na Lua Nova uma passeada,
da Via Láctea percorrendo a rua...”
Mas como a ceia tanto demorava,
se empanturraram de sanduíches os convivas,
muita champanha deixando mais ativas
as línguas. (Também
muitas tolices inspirava!)
De vez em quando, alguém no pé pisava
de quem mais galanteava as belas divas,
mais do que a estrela afirmando ser esquivas...
(Certo temor as gargalhadas amainava.)
Mas começavam mesmo a sentir frio,
tais agasalhos sem esquentar jamais,
já parecendo realmente os resfriar!...
A multidão a estremecer nesse arrepio:
Essa
Estrelinha não chega nunca mais?
Será que
vai essa homenagem recusar?
À meia-noite, a Lua proclamou
que Kaphtor dali se aproximava;
lá do terraço a luzinha se enxergava,
que pouco a pouco pelo céu já se ampliou...
E cresceu mais e então mais aumentou!
Tal qual de Sirius o tamanho aparentava,
mas de crescer a estrela não parava:
maior que a Lua a seguir se demonstrou!
De fato, mais do que o Sol era gigante!
Nas dependências do palácio nem entrava!
Do seu calor os agasalhos protegiam...
O céu inteiro dominava, triunfante!...
E a compreensão sobre todos se espalhava,
sem mais julgar pela aparência o quanto viam!...
O RÉVEILLON DO
PINTASSILGO I – 11/11/16
Em certo fim de ano, um réveillon
o distinto Pintassilgo organizou
e todos os bichos de asas convidou
para uma festa do maior bom-tom!...
Chegou um convite até à Formiga nesse tom!
Mas eu
não sou alada... – ela pensou.
Meu
casamento as minhas desgastou,
só tive
asas durante aquele sonho bom...
Porém
decerto o Pintassilgo ainda acredita
que assim
disponha de tal facilidade...
Ai, como
eu quero voar à sua mansão!...
Vou
comprar asas e mostrar-me bem bonita,
dotada
ainda da aérea faculdade,
de
aviadora assumindo a profissão!...
Pois a Formiga sempre fora diligente
e amealhara bem rendosa economia...
Com tal dinheiro um par de asas compraria,
indo ao casulo da Mariposa num instante!...
Mostrou-lhe a outra olhar meio intrigante:
“Tem bem certeza do que comprar queria?”
Mas a Formiga não se humilharia:
“Pago o seu preço!” – disse, num rompante!
“Pois muito bem... Guardei as asas de minha avó
quando se foi... Eram asas bem bonitas,
que não quis enterrar no cemitério...”
“Poso ajudá-la a prendê-las com cipó
ou então empregar um par de fitas...”
E disse o preço que era um despautério!...
Mas a Formiga pagou sem titubear
e a Mariposa até lhe deu aulas de voo...
A princípio, ela sentiu um certo enjoo,
porém depressa conseguiu se acostumar!
Na costureira o seu vestido foi buscar
e para a festa lançou-se num revoo!...
A minha
poupança num capricho eu roo,
mas vale
a pena do festim participar!...
Naturalmente, você bem deve lembrar
da fábula da Formiga e da Cigarra,
uma sempre trabalhadora e aplicada,
passando a outra apenas a cantar,
durante a noite fazendo a maior farra:
chegado o inverno, não guardara nada!...
Naturalmente, esmola fora lhe pedir
e não lhe dera sequer uma migalha:
“Sua cantoria coma agora como palha,
de mim não irá um grãozinho conseguir!”
Mas com seu canto ela soubera atrair
de admiradores bastante grande malha;
a sua penúria pelas árvores se espalha:
deu-lhe o Besouro bom
lugar em que dormir.
E o Escaravelho, o Gafanhoto, até o Grilo
a receberam em suas tocas também:
ainda cantava e dançava muito bem!...
Fazendo mesmo uma Campanha do Quilo
e a ajudaram a construir casinha:
todos a amavam e virou quase rainha!...
O RÉVEILLON DO
PINTASSILGO II
Mas a sua história ela contara, simplesmente:
pegou a Formiga reputação de miserável;
muita gente até deixou de ser amável,
mas com lojinha atraíra muita gente...
E então vendera o alimento ao indolente,
mediante um preço que lhe era bem rentável,
acumulando poupança bem considerável
(e até ajudara a mais de um indigente!)
Mas conservou a sua fama de avarenta,
mesmo que agora, em função de sua riqueza,
abertamente não a tratassem mal...
Contudo a alta sociedade não frequenta,
por ser inseto sem qualquer nobreza...
Porém
agora a reconheciam, afinal!...
Assim, mesmo com certo esforço, embora,
voejou até a mansão Dona Formiga...
Na escadaria encontrou sua inimiga,
a Cigarra, acompanhada nessa hora
pelos rapazes em que pensara, outrora,
tal qual sendo do cortejo Dama Antiga!...
A Formiga se escondeu e fez-lhe figa:
Vagabunda! Está causando minha demora!
Pois a Cigarra, com seu trajo dourado,
a todos os rapazes namorava:
sorria a um e a outro acariciava,
com a ponta dos dedos, gentilmente,
cada um deles facilmente dominando,
pela famosa cantora se encantando!...
Mas o tempo foi passando, o por-do-sol
tendo ficado para trás há muito tempo,
presa a Formiga naquele contratempo,
enquanto a outra reluzia qual farol!...
A escada então subiu, de caracol,
que à entrada conduzia em bom assento;
passou por ela sem mostrar conhecimento,
mostrou o convite ao porteiro, o Rouxinol...
Contudo, este mostrou contrariedade
e o convite releu por várias vezes...
Finalmente, lhe pediu: “Tenha a bondade
de esperar por um momento.” Com vivacidade,
esvoaçou pelo vestíbulo, tal se arneses (*)
lhe impedissem a naturalidade...
(*) Arreios para prender o arado.
Dom Pintassilgo, a seguir, apareceu
e saudou a Cigarra qual princesa,
para depois a fitar com estranheza:
“Este convite, Dona Formiga, não é meu!”
“Já muitas vezes a senhora me ofendeu,
minhas plantações a roubar com esperteza,
recebê-la seria estranha gentileza...
Para outra festa, certamente, o recebeu...”
A Formiga, na maior humilhação,
ainda mais na presença da Cigarra,
foi descendo a escadaria, desolada...
Mas a Cigarra, por pura compaixão,
rapidamente pelo ombro a agarra:
“Dom Pintassilgo, ela é minha convidada!”
EPÍLOGO
O Pintassilgo, contrafeito, enfim falou:
“Bem, se é assim, ela pode então entrar...”
Mas reclamaram diversos convidados:
“O meu alpiste,” disse o Sabiá, “ela roubou!”
Falou o Canário: “Do meu nada pude achar!”
“Por ela são todos os celeiros assaltados!”
E a Formiga, sob insultos – triste barra!
saiu chorando: Como eu
queria ser Cigarra!
A LENDA DE SANTO ELÓI I – 12 nov 2016
Não se encontrava mais famoso ferrador,
em toda a Grécia, do que um certo Elói,
cujo trabalho na bigorna sói (*)
ser mais perfeito que o de algum competidor!
(*) Costuma.
Naturalmente, trabalhava com ardor:
o seu malho as asperezas logo rói,
o ferro e o bronze com presteza mói,
sem limalhas deixar a seu redor!...
Cada freguês que na oficina entrava,
quando saía, publicava seus louvores:
“Não há no mundo melhor forjador!”
As ferraduras com desenhos enfeitava,
ferrava os bichos sem lhes causar dores,
suavemente acalmando o seu temor!...
Muito habilmente, espadas fabricava
do melhor bronze ou ferro, nesse espaço,
não se aprendera ainda a forjar aço,
mas toda arma que fazia não quebrava!
Capacetes ele também confeccionava
e couraças a demonstrar perfeito abraço
para o peito do guerreiro: em puro traço,
braceletes e anéis igual forjava!...
E lhe diziam: “Elói, és de fato um joalheiro!
Era com ouro que deverias trabalhar!”
Mas respondia, com orgulho: “Eu sou ferreiro!”
“Minha maior vaidade é a ferradura,
pois levam anos para se desgastar,
durando mais que qualquer outra dura!...”
Mas finalmente escutou tanto elogio
que tabuleta forjou em filigrana:
ELÓI,
MESTRE DOS MESTRES, que proclama
MESTRE
ACIMA DE TODOS SER CONFIO!
Os seus colegas se ofenderam no seu brio,
mesmo quem antes louvores lhe derrama:
“Presunçoso se tornou por tanta fama!
Sua forja é boa! Ele não
malha em ferro frio!”
Mas realmente sempre mais se aperfeiçoava
e vinha gente com numerosas encomendas
de toda parte – e já se via assoberbado!...
E de ferrar os animais não descurava,
mas tempo e clima são coisas bem tremendas
e enfim dispôs-se a contratar um empregado...
Mas encontrar bom aprendiz não era mole!
Não se queriam submeter os concorrentes.
Os que chegavam eram bem ineficientes
e só serviam para assoprar seu fole!...
Sua ineficácia pouco ou nada então console:
o minério derretiam-lhe, obedientes,
mas com as faíscas ficavam alguns doentes
ou quando a água fervente a mão lhe esfole!
Embora Elói muito pouco descansasse,
mal tendo tempo para treinar um aprendiz
as encomendas então se acumulavam,
mas seu orgulho não permitia que deixasse
de realizar essa tarefa que mais quis:
as ferraduras que constante encomendavam!
A LENDA DE SANTO ELÓI II
Certo dia, apareceu-lhe um rapazinho,
com ar cansado e que mesmo manquejava
e a posição de aprendiz solicitava,
sua musculatura de aspecto mesquinho...
“Não tenho tempo para ensinar do comecinho,”
foi declarando para o que chegava.
“Se experiência não me demonstrava,
vai logo embora!” – respondeu-lhe, sem carinho.
“Mas eu já trabalhei noutra oficina,
conheço bem esse trabalho de ferreiro,
mas com o senhor me desejo aperfeiçoar...”
Elói pegou-lhe a palma, achando-a fina:
“Onde se acham os calos do primeiro
trabalho que me afirmou já realizar...?”
“Minhas mãos aliso porque passo areia,
mas sei fazer alguma ferradura...”
“Então me mostre, com igual lisura,
para ver se hoje a mim não negaceia...”
Para surpresa de Elói, nada receia
o rapazinho e com desenvoltura
logo forjava uma peça muito pura,
igual às do ferreiro e em nada feia!...
“Porém não basta saber ferro malhar;
trago um cavalo para você ferrar!...”
E foi buscar um bagual pouco domado!
Em seu horror o rapazinho viu cortar
uma pata do animal, sem mais cuidado,
nem escutando a alimária relinchar!
“Mas o que é isso? O
animal quer me matar?”
“Não, meu senhor, assim ferro mais fácil.”
E cravou a ferradura em gesto grácil,
para a seguir a pata inteira rejuntar...
As outras três logo após indo talhar,
todas ferrando de tal forma impossível,
Elói olhando esse processo incrível,
sem o cavalo em nada machucar!...
Elói então o aceitou como aprendiz,
fingindo conhecer aquele jeito
e o enviou para a sucata lhe trazer...
Mas a torcer de espanto o seu nariz,
sem compreender como aquilo fora feito:
Mas se
ele o fez, também eu posso fazer!
Logo a seguir lhe apareceu bravo guerreiro,
o seu cavalo a lhe trazer para ferrar...
Com imprudência, foi Elói logo cortar
a pata do animal – talho certeiro!...
Mas o ginete se pôs logo a sangrar!...
“Mataste minha montada, mau ferreiro!”
Ergueu sua espada, furioso, o cavaleiro,
só então o aprendiz a retornar...
“Calma, senhor!... Tudo vai se resolver!”
E o processo repetiu, bem facilmente:
de novo a vida do animal assim reluz!...
“Tu me salvaste!” – foi Elói reconhecer.
“Mas como fazes um tal milagre ingente?”
“Ora, é fácil,” disse o outro.
“Eu sou Jesus!”
Esta lenda é adaptada de um
antigo mito helênico. O estranho
aprendiz era Hefesto ou Vulcano, o ferreiro dos deuses, coxo por sua vez, algo
bem mais lógico do que colocar Jesus na forja, que era um carpinteiro... Em
ambos os casos, o orgulho do ferreiro foi punido sem lhe trazer maiores
consequências, coisa rara no folklore grego: ao Cristianismo se converte ou se
torna aprendiz na forja do deus.
Igualmente adaptei alguns finais: nos contos de Viriato Corrêa o Robalo
morre de fome e o Pirulito acaba por matar o gatinho.
Recanto das Letras > Autores
> William Lagos