terça-feira, 29 de novembro de 2016





CINCO OCTETOS SOBRE CONTOS
DE VIRIATO CORRÊA – 8-12/11/2016
Versificação de William Lagos.

O PEIXE FIDALGO ... ... ... 8/11/2016
O CÃO PIRULITO ... ... ... 9/11/2016
A ESTRELINHA ... ... ... 10/11/2016
O RÉVEILLON DO PINTASSILGO ... 11/11/16
A LENDA DE SANTO ELÓI ... 12/11/2016

O PEIXE FIDALGO I – 8 NOV 2016

Havia um reino no fundo do mar,
pelo grande Rei Baleia governado;
era vizir o Delfim, todo emproado,
que mais que o rei parecia governar!...

Todos os peixes, sem queixas, a aceitar
dos mamíferos esse governo conquistado,
que o Tubarão fora por eles derrotado,
para só o Chefe de Polícia se tornar...

Era um elasmobrânquio, na verdade,
e não um peixe, por não possuir espinha,
mas apenas antiquada cartilagem;

e não dispondo de popularidade,
um bom salário vendo em seu caminho,
raciocinou que resistir seria bobagem...

De qualquer modo, também fora usurpador,
pois vencera e devorara o Peixe-Rei,
mas de famílias fidalgas lembrarei,
a conservar um certo rasgo de esplendor...

Era o Robalo o mais autêntico senhor
dessas famílias orgulhosas de sua grei:
“Formosa crista nas costas conservei,
dos reis antigos eu descendo, sem favor!...”

E como uma boa riqueza conservara,
habitava em amplíssima caverna,
entre anêmonas e magníficos corais

e em sua vaidade, jamais se misturara
com “a gentinha dos cardumes, nessa eterna
e tola dança, ordinária por demais!...”

De sua caverna, que chamava de mansão,
saía apenas em ocasião brilhante,
para da corte o festim mais elegante
ou do Dourado uma suntuosa recepção

ou do Badejo e do Atum, em ocasião
de oferecerem jantar mais cintilante
e nas ceias do Linguado sempre atuante,
ou da Lampreia aos saraus dando atenção...

Mas quando festa davam as Sardinhas
ou nos desfiles dos Arenques nos feriados,
nem sequer comparecia ao camarote

do Rei Baleia; ou quando as Pescadinhas
festivais organizavam, bem cuidados,
seus convites atirava à sua mascote!...

Mesmo quando o Bacalhau chegou do Norte,
do rei das Focas oficial embaixador:
“Esse estrangeiro não merece o meu favor!”
declarou ao mensageiro em simples corte.

Quando ocorreu uma greve de bom porte
e um jornalista quis entrevistar o grão-senhor:
“Não conheço o povo, meu caro Redator
e opinião não posso dar de qualquer sorte.”

Não obstante, talvez devido à sua vaidade,
era o Robalo tratado com respeito,
qual descendente de família tão antiga.

Alguns troçavam dele, na verdade...
Mas pelas costas, sem na frente terem jeito,
não que tivesse, de fato, gente amiga...

O PEIXE FIDALGO II

Porém um dia, grande estrondo ressoou;
pela cidade fortes ondas se espalharam
e muita pequena residência desmancharam:
barco luxuoso nas cercanias afundou!...

Dos passageiros a maioria se salvou,
mas os tombadilhos inteiros continuaram
e depressa os peixes todos visitaram
e algum cardume ali depressa se instalou!

Mas no momento em que examinaram os porões
e a seguir inspecionaram as despensas,
ali encontraram numerosas provisões

e bem depressa começou feia disputa,
os mais ferozes em escaramuças tensas,
já do reino ameaçando a boa conduta!...

O Rei Baleia determinou que o Tubarão,
com seus auxiliares, o Mero e o Espadarte,
das disputas obrigassem ao descarte!...
E atendendo aos conselhos do Cação,

para lá transferiu a instalação
da capital do reino e vasta parte
dos peixes se mudaram, sem mais arte,
distribuindo por igual a provisão...

Ficou a corte de Baile no Salão,
o Peixe-Serra a tornar de maior porte
as portaladas, para que o Rei entrasse...

E os camarotes de mais alta projeção
foram vendidos de leilão por sorte,
a quem o preço superior pagasse.

E desta forma o Robalo tão vaidoso
o camarote comprou do Capitão,
por vinte pérolas da melhor coloração
e nele se instalou, muito orgulhoso.

Contudo, em um momento tenebroso,
um solavanco ocorreu, de sopetão
e o transatlântico mudou de posição
e a portinhola, nesse instante lastimoso,

completamente fechada se emperrou,
sem que ali houvesse qualquer outra saída!
“Melhor assim!” – o Robalo até pensou.

“Não mais preciso nos corredores encontrar
essa ralé, que se mostrou tão atrevida
e ousou mesmo no meu barco se instalar!”

Mas no momento em que a fome lhe apertava,
percebeu que sair era impossível;
pelas vigias o exterior era visível,
em que uma festa o povo celebrava!...

Durante horas o Robalo então gritava,
sem que o pedido de socorro fosse audível,
chegando, enfim, à conclusão irresistível,
que o camarote em sua tumba transformava!

Mas finalmente, quase desesperado,
uma Sardinha aproximou-se da vigia
e percebendo depressa a situação,

o seu cardume rapidamente foi chamado,
por cem Sardinhas puxada a porta abria,
baixando a crista Dom Robalo desde então!...

O CÃO PIRULITO I – 9 NOV 16

Em nossa casa havia um cão espinoteado,
por nós criado desde filhotinho
no grande pátio, sem acesso a algum vizinho
e mesmo à rua sem ser nunca levado...

Nunca, de fato, ele fora vacinado
e se encontrasse outro cão pelo caminho,
talvez pegasse uma doença esse bichinho,
a que tratávamos com o maior cuidado.

Desta forma, no viés de seu instinto,
mesmo não sendo um cão de grande porte,
alto ladrava para qualquer estranho!

E em certos casos, mordeu algum distinto
visitante ou entregador de qualquer sorte,
tal qual se fosse de bem maior tamanho!

Com todo mundo assim ele implicava
que se atrevesse a cruzar nosso portão
e se ofendia quando tal “obrigação”
alguém da casa impedindo contrariava.

Mas quando a fera com alguém se acostumava,
nomeava-o “membro da matilha” na ocasião...
Vinha o padeiro a lhe dar nacos de pão
e em pouco tempo sua amizade conquistava!

Mais tarde, ele adotou o açougueiro,
o leiteiro, o verdureiro, o jornaleiro,
que tudo em casa nesse tempo se entregava...

Mas quando um cheiro estranho o assaltava,
o Pirulito para morder vinha ligeiro,
quando o infeliz pelo portão passava!...

Por uns dois anos assim continuava
e no portão colocamos um aviso,
que, no geral, nem sequer era preciso:
com seus latidos bem fácil avisava!

Com as visitas a gente o desculpava
e ele gania, tal qual  bicho de bom siso
e quando alguém lhe acariciava o pelo liso,
lambia-lhe a mão e não mais incomodava.

Mas ao chegar novo desconhecido,
retomava o anterior comportamento
e nos criou mais de um constrangimento,

que alguém dizia ser mesmo proibido
ter na cidade bicho feroz agora
e até pensamos em mandá-lo embora...

Mas certo dia, de manhã bem cedo,
na calçada apareceu-nos um gatinho,
muito magro, no mais fraco miadinho:
cabia na palma, era menor que um dedo!

E tendo pena, mais ou menos em segredo,
para a cozinha transportamos o bichinho,
lhe demos leite e o chamamos de Xaninho,
de mostrá-lo ao Pirulito tendo medo!...

Mas no momento em que o cãozinho o viu,
ficou completamente transtornado,
não de raiva, como alguém pode pensar;

muito ao contrário, o bichinho o seduziu:
ele o cheirou e lambeu-o com cuidado,
entre suas patas logo estava a ronronar!...

O CÃO PIRULITO II

Ficou primeiro bastante desconfiado,
o bicho estranho cheirando com recato;
na verdade, nunca antes vira um gato,
pelos da rua o quintal sempre evitado;

a cabecinha lambeu-lhe com cuidado,
saltitando a seu redor, estranho fato,
meio estouvado, um pouco timorato,
a ganir e a correr – apalermado!...

Mas à tarde, já os dois eram amigos...
Xaninho estava em seu primeiro crescimento,
Em chumaços de papel dando tapinhas;

trepava em tudo, sem temer perigos;
caso caísse, Pirulito, num momento,
vinha acudi-lo, lambendo as orelhinhas...

Sua atitude desde então mudou,
sem mais acometer os visitantes
e nem sequer ladrava como dantes,
depois que ao tal gatinho se afeiçoou.

Rapidamente Xaninho o dominou,
subindo nas suas costas em instantes,
tapinhas dando no focinho, acarinhantes,
e até unhadas Pirulito suportou!...

A sua ternura era quase paternal
e enquanto o gatinho ia crescendo,
de qualquer coisa sempre o protegendo...

E já saía em sua defesa, no final,
da família mesmo algum ciúme tendo,
temendo ansioso que lhe fizessem qualquer mal...

Nunca encontramos transformação maior:
ficara dócil, a ninguém mais atacava
quando o nosso portão atravessava:
era somente de Xaninho o protetor...

Mas dos vizinhos escutava-se o clamor
dos latidos quando o cheiro ultrapassava
os nossos muros e  um estranho farejava,
do velho instinto atiçando seu pendor!

Pirulito as suas orelhas sacudia,
sem entender exatamente o que ocorria:
com outros cães não tivera antes contato;

e como antes tão forte ele latia,
nenhum vizinho no pátio se atrevia,
nossa casa evitando com recato!...

Porém um dia, certo cão não resistiu,
muito maior que Pirulito e bem mais forte;
sem escutar mais latidos de bom porte,
pulou o portão e assim se introduziu!

Quando Xaninho e Pirulito viu,
no olhar logo mostrou sanha de morte
e avançou, arreganhando em feio corte
seus dentes, com sua baba em longo fio!...

E embora sendo um bicho bem menor,
Pirulito o amiguinho defendeu
e feroz briga logo se travou!...

Finalmente, ele espantou o agressor
e suas feridas o gatinho então lambeu,
nessa pronta gratidão que o dominou!...

A ESTRELINHA I – 10 NOV 2016

Não era assaz comum que a Lua oferecesse
uma festa em seu palácio milenar.
Quando os convites começaram a pingar
não houve alguém que não se surpreendesse.

Mas o que a todos ainda espanto maior desse
era a homenagem de caráter singular
feita à Estrela Kaphtor no próprio lar,
sem que esse nome algum já conhecesse.

Nem o Condor, de olhar fino e brilhante,
se recordou de ter visto tal estrela
e foram juntos consultar Dona Coruja.

“Não recebi convite”, -- respondeu ao Elefante,
“mas tenho aqui um almanaque” – disse ela,
que o foi buscar em sua toca um tanto suja...

E descobriu-se, então, que Kaphtor
era estrelinha sem qualquer magnitude,
que até mesmo nebulosa escude,
realmente sendo pobre de esplendor...

Ficou a gente da mata em estupor,
ante a surpresa, tida até por rude!...
“Que a Lua é doida e diariamente mude
todos sabemos... Mas isto é bem pior!”

“Logo ela que ao Sol tão só acena!
Às vezes de manhã, outras à tarde
e nunca mesmo para festa o convidou!”

“Seria melhor nos afastarmos dessa cena,
mas se a Lua se irritar, que Deus nos guarde!
Caso se pise nessa estrela que chamou!...”

Somente bichos a Lua convidara
e realmente, só os de maior nomeada:
O Condor, a Hárpia, a Águia Dourada;
Leão e Tigre e Elefante ela chamara...

O Jubarte, a Baleia e – coisa rara!
o Cachalote e a Orca desvairada,
a Toninha, o Delfim e o Peixe-Espada,
mas de nenhum ser humano se lembrara!

Disse o Elefante: “Tenho medo de pisar
nessa Estrelinha, pois não enxergo bem!”
Falou a Cegonha: “O ruflamento de minhas asas

pode a luzinha da coitada até apagar!...”
Mostrou receio o Manatim, também:
“Posso bufar e apagar centelhas rasas!...”

Mas recusar o convite era impossível,
que era a Lua criatura de veneta!...
“Se perceber que sua lista está incompleta,
pode ofender-se e fazer algo imprevisível!”

“Pode as marés erguer de modo incrível
e inundar até metade do planeta!”
E aos convites um aviso então completa:
de luar um ônibus lhes fizera disponível!...

Destarte se aprontaram os convidados,
tomando assento nos raios de luar,
estacionados nas praias ou no campo,

como passagem os convites enviados.
Mas o Rei Leão se lembrou de comentar:
“De outra feita, vai homenagear o Pirilampo!”

A ESTRELINHA Ii

Da Lua o castelo todo resplandecia,
os animais de fraque e de gravata,
que de fato nunca usavam pela mata,
mas da ocasião a grande gala merecia.

Somente a Kaphtor nunca surgia:
já alguns olhavam pelo chão, à cata...
“Será que ela não se enganou na data?”
“Em breve, chega,” – a Lua respondia.

Logo a seguir, a criadagem distribuía
entre os convivas chapéus feitos de geada
e mantas de sereno para os aconchegar,

indumentária contra a pele fria...
“Mas este trajo não nos aquece em nada!
Será que a Lua nos pretende resfriar?...”

Mas distribuíam bebida os Vagalumes
e os Fogos Fátuas lhes traziam canapés,
as Auroras Boreais a dançar balés,
lançando os Fogos de Santelmo belos gumes

de espadas em malabarismos como lumes
e os convidados já bebiam alguns cafés,
muitos sentando, a descansar os pés:
troças se ouviam aonde quer que rumes...

Quando os serventes eram interrogados,
nenhum deles conhecera a homenageada:
“O senhor terá de perguntar à Dona Lua.”

Com indiscrição respondiam alguns criados:
“Ela que deu na Lua Nova uma passeada,
da Via Láctea percorrendo a rua...”

Mas como a ceia tanto demorava,
se empanturraram de sanduíches os convivas,
muita champanha deixando mais ativas
as línguas.  (Também muitas tolices inspirava!)

De vez em quando, alguém no pé pisava
de quem mais galanteava as belas divas,
mais do que a estrela afirmando ser esquivas...
(Certo temor as gargalhadas amainava.)

Mas começavam mesmo a sentir frio,
tais agasalhos sem esquentar jamais,
já parecendo realmente os resfriar!...

A multidão a estremecer nesse arrepio:
Essa Estrelinha não chega nunca mais?
Será que vai essa homenagem recusar?

À meia-noite, a Lua proclamou
que Kaphtor dali se aproximava;
lá do terraço a luzinha se enxergava,
que pouco a pouco pelo céu já se ampliou...

E cresceu mais e então mais aumentou!
Tal qual de Sirius o tamanho aparentava,
mas de crescer a estrela não parava:
maior que a Lua a seguir se demonstrou!

De fato, mais do que o Sol era gigante!
Nas dependências do palácio nem entrava!
Do seu calor os agasalhos protegiam...

O céu inteiro dominava, triunfante!...
E a compreensão sobre todos se espalhava,
sem mais julgar pela aparência o quanto viam!...

O RÉVEILLON DO PINTASSILGO I – 11/11/16

Em certo fim de ano, um réveillon
o distinto Pintassilgo organizou
e todos os bichos de asas convidou
para uma festa do maior bom-tom!...

Chegou um convite até à Formiga nesse tom!
Mas eu não sou alada... – ela pensou.
Meu casamento as minhas desgastou,
só tive asas durante aquele sonho bom...

Porém decerto o Pintassilgo ainda acredita
que assim disponha de tal facilidade...
Ai, como eu quero voar à sua mansão!...

Vou comprar asas e mostrar-me bem bonita,
dotada ainda da aérea faculdade,
de aviadora assumindo a profissão!...

Pois a Formiga sempre fora diligente
e amealhara bem rendosa economia...
Com tal dinheiro um par de asas compraria,
indo ao casulo da Mariposa num instante!...

Mostrou-lhe a outra olhar meio intrigante:
“Tem bem certeza do que comprar queria?”
Mas a Formiga não se humilharia:
“Pago o seu preço!” – disse, num rompante!

“Pois muito bem... Guardei as asas de minha avó
quando se foi... Eram asas bem bonitas,
que não quis enterrar no cemitério...”

“Poso ajudá-la a prendê-las com cipó
ou então empregar um par de fitas...”
E disse o preço que era um despautério!...

Mas a Formiga pagou sem titubear
e a Mariposa até lhe deu aulas de voo...
A princípio, ela sentiu um certo enjoo,
porém depressa conseguiu se acostumar!

Na costureira o seu vestido foi buscar
e para a festa lançou-se num revoo!...
A minha poupança num capricho eu roo,
mas vale a pena do festim participar!...

Naturalmente, você bem deve lembrar
da fábula da Formiga e da Cigarra,
uma sempre trabalhadora e aplicada,

passando a outra apenas a cantar,
durante a noite fazendo a maior farra:
chegado o inverno, não guardara nada!...

Naturalmente, esmola fora lhe pedir
e não lhe dera sequer uma migalha:
“Sua cantoria coma agora como palha,
de mim não irá um grãozinho conseguir!”

Mas com seu canto ela soubera atrair
de admiradores bastante grande malha;
a sua penúria pelas árvores se espalha:
deu-lhe o Besouro  bom lugar em que dormir.

E o Escaravelho, o Gafanhoto, até o Grilo
a receberam em suas tocas também:
ainda cantava e dançava muito bem!...

Fazendo mesmo uma Campanha do Quilo
e a ajudaram a construir casinha:
todos a amavam e virou quase rainha!...

O RÉVEILLON DO PINTASSILGO II

Mas a sua história ela contara, simplesmente:
pegou a Formiga reputação de miserável;
muita gente até deixou de ser amável,
mas com lojinha atraíra muita gente...

E então vendera o alimento ao indolente,
mediante um preço que lhe era bem rentável,
acumulando poupança bem considerável
(e até ajudara a mais de um indigente!)

Mas conservou a sua fama de avarenta,
mesmo que agora, em função de sua riqueza,
abertamente não a tratassem mal...

Contudo a alta sociedade não frequenta,
por ser inseto sem qualquer nobreza...
Porém agora a reconheciam, afinal!...

Assim, mesmo com certo esforço, embora,
voejou até a mansão Dona Formiga...
Na escadaria encontrou sua inimiga,
a Cigarra, acompanhada nessa hora

pelos rapazes em que pensara, outrora,
tal qual sendo do cortejo Dama Antiga!...
A Formiga se escondeu e fez-lhe figa:
Vagabunda!  Está causando minha demora!

Pois a Cigarra, com seu trajo dourado,
a todos os rapazes namorava:
sorria a um e a outro acariciava,

com a ponta dos dedos, gentilmente,
cada um deles facilmente dominando,
pela famosa cantora se encantando!...

Mas o tempo foi passando, o por-do-sol
tendo ficado para trás há muito tempo,
presa a Formiga naquele contratempo,
enquanto a outra reluzia qual farol!...

A escada então subiu, de caracol,
que à entrada conduzia em bom assento;
passou por ela sem mostrar conhecimento,
mostrou o convite ao porteiro, o Rouxinol...

Contudo, este mostrou contrariedade
e o convite releu por várias vezes...
Finalmente, lhe pediu: “Tenha a bondade

de esperar por um momento.” Com vivacidade,
esvoaçou pelo vestíbulo, tal se arneses (*)
lhe impedissem a naturalidade...
(*) Arreios para prender o arado.

Dom Pintassilgo, a seguir, apareceu
e saudou a Cigarra qual princesa,
para depois a fitar com estranheza:
“Este convite, Dona Formiga, não é meu!”

“Já muitas vezes a senhora me ofendeu,
minhas plantações a roubar com esperteza,
recebê-la seria estranha gentileza...
Para outra festa, certamente, o recebeu...”

A Formiga, na maior humilhação,
ainda mais na presença da Cigarra,
foi descendo a escadaria, desolada...

Mas a Cigarra, por pura compaixão,
rapidamente pelo ombro a agarra:
“Dom Pintassilgo, ela é minha convidada!”

EPÍLOGO

O Pintassilgo, contrafeito, enfim falou:
“Bem, se é assim, ela pode então entrar...”
Mas reclamaram diversos convidados:
“O meu alpiste,” disse o Sabiá, “ela roubou!”
Falou o Canário: “Do meu nada pude achar!”
“Por ela são todos os celeiros assaltados!”
E a Formiga, sob insultos – triste barra!
saiu chorando: Como eu queria ser Cigarra!

A LENDA DE SANTO ELÓI I – 12 nov 2016

Não se encontrava mais famoso ferrador,
em toda a Grécia, do que um certo Elói,
cujo trabalho na bigorna sói (*)
ser mais perfeito que o de algum competidor!
(*) Costuma.

Naturalmente, trabalhava com ardor:
o seu malho as asperezas logo rói,
o ferro e o bronze com presteza mói,
sem limalhas deixar a seu redor!...

Cada freguês que na oficina entrava,
quando saía, publicava seus louvores:
“Não há no mundo melhor forjador!”

As ferraduras com desenhos enfeitava,
ferrava os bichos sem lhes causar dores,
suavemente acalmando o seu temor!...

Muito habilmente, espadas fabricava
do melhor bronze ou ferro, nesse espaço,
não se aprendera ainda a forjar aço,
mas toda arma que fazia não quebrava!

Capacetes ele também confeccionava
e couraças a demonstrar perfeito abraço
para o peito do guerreiro: em puro traço,
braceletes e anéis igual forjava!...

E lhe diziam: “Elói, és de fato um joalheiro!
Era com ouro que deverias trabalhar!”
Mas respondia, com orgulho: “Eu sou ferreiro!”

“Minha maior vaidade é a ferradura,
pois levam anos para se desgastar,
durando mais que qualquer outra dura!...”

Mas finalmente escutou tanto elogio
que tabuleta forjou em filigrana:
ELÓI, MESTRE DOS MESTRES, que proclama
MESTRE ACIMA DE TODOS SER CONFIO!

Os seus colegas se ofenderam no seu brio,
mesmo quem antes louvores lhe derrama:
“Presunçoso se tornou por tanta fama!
Sua forja é boa!  Ele não malha em ferro frio!”

Mas realmente sempre mais se aperfeiçoava
e vinha gente com numerosas encomendas
de toda parte – e já se via assoberbado!...

E de ferrar os animais não descurava,
mas tempo e clima são coisas bem tremendas
e enfim dispôs-se a contratar um empregado...

Mas encontrar bom aprendiz não era mole!
Não se queriam submeter os concorrentes.
Os que chegavam eram bem ineficientes
e só serviam para assoprar seu fole!...

Sua ineficácia pouco ou nada então console:
o minério derretiam-lhe, obedientes,
mas com as faíscas ficavam alguns doentes
ou quando a água fervente a mão lhe esfole!

Embora Elói muito pouco descansasse,
mal tendo tempo para treinar um aprendiz
as encomendas então se acumulavam,

mas seu orgulho não permitia que deixasse
de realizar essa tarefa que mais quis:
as ferraduras que constante encomendavam!

A LENDA DE SANTO ELÓI II

Certo dia, apareceu-lhe um rapazinho,
com ar cansado e que mesmo manquejava
e a posição de aprendiz solicitava,
sua musculatura de aspecto mesquinho...

“Não tenho tempo para ensinar do comecinho,”
foi declarando para o que chegava.
“Se experiência não me demonstrava,
vai logo embora!” – respondeu-lhe, sem carinho.

“Mas eu já trabalhei noutra oficina,
conheço bem esse trabalho de ferreiro,
mas com o senhor me desejo aperfeiçoar...”

Elói pegou-lhe a palma, achando-a fina:
“Onde se acham os calos do primeiro
trabalho que me afirmou já realizar...?”

“Minhas mãos aliso porque passo areia,
mas sei fazer alguma ferradura...”
“Então me mostre, com igual lisura,
para ver se hoje a mim não negaceia...”

Para surpresa de Elói, nada receia
o rapazinho e com desenvoltura
logo forjava uma peça muito pura,
igual às do ferreiro e em nada feia!...

“Porém não basta saber ferro malhar;
trago um cavalo para você ferrar!...”
E foi buscar um bagual pouco domado!

Em seu horror o rapazinho viu cortar
uma pata do animal, sem mais cuidado,
nem escutando a alimária relinchar!

“Mas o que é isso?  O animal quer me matar?”
“Não, meu senhor, assim ferro mais fácil.”
E cravou a ferradura em gesto grácil,
para a seguir a pata inteira rejuntar...

As outras três logo após indo talhar,
todas ferrando de tal forma impossível,
Elói olhando esse processo incrível,
sem o cavalo em nada machucar!...

Elói então o aceitou como aprendiz,
fingindo conhecer aquele jeito
e o enviou para a sucata lhe trazer...

Mas a torcer de espanto o seu nariz,
sem compreender como aquilo fora feito:
Mas se ele o fez, também eu posso fazer!

Logo a seguir lhe apareceu bravo guerreiro,
o seu cavalo a lhe trazer para ferrar...
Com imprudência, foi Elói logo cortar
a pata do animal – talho certeiro!...

Mas o ginete se pôs logo a sangrar!...
“Mataste minha montada, mau ferreiro!”
Ergueu sua espada, furioso, o cavaleiro,
só então o aprendiz a retornar...

“Calma, senhor!... Tudo vai se resolver!”
E o processo repetiu, bem facilmente:
de novo a vida do animal assim reluz!...

“Tu me salvaste!” – foi Elói reconhecer.
“Mas como fazes um tal milagre ingente?”
“Ora, é fácil,” disse o outro.  “Eu sou Jesus!”

Esta lenda é adaptada de um antigo mito helênico.  O estranho aprendiz era Hefesto ou Vulcano, o ferreiro dos deuses, coxo por sua vez, algo bem mais lógico do que colocar Jesus na forja, que era um carpinteiro... Em ambos os casos, o orgulho do ferreiro foi punido sem lhe trazer maiores consequências, coisa rara no folklore grego: ao Cristianismo se converte ou se torna aprendiz na forja do deus.  Igualmente adaptei alguns finais: nos contos de Viriato Corrêa o Robalo morre de fome e o Pirulito acaba por matar o gatinho.

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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