O AVARENTO GENEROSO
– 10/2/17
(Folklore
hindu, traduzido do inglês, adaptado e versificado a partir de um conto de Folk Tales and Fairy Stories from India,da
autoria de Sudhindra Nath.Ghose, por William
Lagos).
(Scrooge McDuck)
O AVARENTO GENEROSO I
Em Rajgarh, no estado de Alwar,
(*)
vivia certa vez um mercador,
vasta fortuna sempre a
acumular...
Mahajani se chamava este
senhor, (**)
que em avaro veio a se tornar,
anos depois de ter sido um
gastador,
durante o tempo em que seu pai
vivia
e sua riqueza alegremente distribuía.
(*) Pronuncie Radigári e
Aluar);
(**) Pronuncie Mahadiani, com o
“h” aspirado pelo nariz.
Porém depois que tal riqueza
herdou
e com as chaves abriu as portas
do tesouro,
o seu caráter mui rápido mudou,
logo tomado por feroz febre de
ouro
e nessa câmara secreta se
encerrou,
contando as rúpias em cem sacos
de couro,
muitos milhões depressa já
somando,
mesmo o total tendo
superestimando.
Se ao menos ele não gastasse tanto!...
O velho Chirajani, realmente,
sempre atendera do suplicante o
pranto
sem amparar os mendigos tão
somente,
mas se alguém lhe surgia de
algum canto
pedindo empréstimo, não ficava
indiferente
e contribuía para os templos
com prazer,
sem esperar qualquer retorno
receber!...
Não pedia juros, por não ser um
usurário;
é bem verdade que tinha um
contador,
tomando notas de todo o
numerário;
na data certa, era enviado um
cobrador;
e no geral, tal benefício
solidário,
logo era pago por cada devedor;
mas quando alguém adiamento lhe
pedia,
sem grande dificuldade o
conseguia.
O AVARENTO GENEROSO II
Contudo, é preciso que se diga
que se deixar enganar não
permitia;
caso a empréstimo tal soma se
condiga,
cedo ou tarde o tomador pagar
devia;
só quando alguém donativo já
persiga,
rapidamente a tal pessoa
ajudaria.
Era chamado de Bom Samaritano
ou o termo igual em seu idioma
indiano.
Mas isso não era tudo! Festas dava,
com uma pompa que raiava a
opulência;
vastos banquetes de oferecer
gostava,
seus amigos recebendo em vasta
audiência
e ainda presentes caros
enviava,
por amizade ou por benevolência
e era destarte por todos
estimado,
um largo imposto ao rajá sendo
enviado!
Mas nos negócios era muito
cuidadoso
e grandemente em seu comércio
prosperava;
com o filho único se mostrava
generoso
e lhe dizia não importar o que
gastava;
sempre que alguém se mostrava
dadivoso
cada vez mais seus lucros
aumentava,
e a preferência lhe dariam em
ocasião
os atendidos por se julgar em
obrigação!
Morreu Chirajani certo dia e
foi cremado
e seguindo os costumes dessa
terra,
sua fiel esposa deitou-se do
seu lado, (*)
anestesiada, é verdade. E o
fogo encerra
de Mahajani todo o amor já
encontrado
nos braços de sua mãe. Além da serra,
até ao Ganges, esse rio
sagrado,
seguiu cortejo muito bem
acompanhado!
(*) O costume do Suttee (Sati), hoje proibido pelo governo indiano.
O AVARENTO GENEROSO III
Mas logo após que as cinzas se
espalharam
sobre as águas do Ganges
sacrossanto,
na viagem de retorno, já o
abordaram
muitos amigos, sem respeito ao
pranto
e em vastos donativos lhe
falaram,
algum em empréstimo disfarçado
um tanto...
E Mahajani ficou logo
ressentido
com essa gente que o dinheiro
havia pedido.
Anteriormente, ele fora um
gastador
e seu pai homem muito generoso;
em seu portão, qualquer um
tinha favor
e assim pensaram ter lucro
fabuloso,
mas Mahajani não demonstrou
pendor:
“Estou de luto!” – exprimiu-se,
rancoroso,
“Péssima hora para qualquer
pedido!”
E o seu cortejo foi ficando
reduzido...
Dessa forma, quando em casa
retornou,
não quis saber de grandes
donativos
e nem banquetes funerários
realizou,
contra os costumes paternos
permissivos;
não deu presentes; nem ao
templo contemplou
e quando alguns pedintes mais
ativos
recorreram à sua esposa,
recusou:
“Esses abutres só nos querem
explorar,
sem coisa alguma, na verdade,
precisar!...”
“Primeiro, eu vou fazer o
inventário
para ver qual seja a soma que
restou;
só depois pensarei ser
solidário.”
Mas os pedidos constantemente
adiou
e foi pegando fama de
usurário...
Quando as palavras insolentes
escutou,
em consequência ainda mais se
endureceu:
só os verdadeiros mendigos
atendeu!
O AVARENTO GENEROSO IV
E ao se dar conta ter bem menos
riqueza
do que esperava, ficou até
ofendido!
Aos negócios retornou, com
esperteza;
por mais arguto que seu pai foi
logo tido
e logo os lucros chegaram, com
presteza,
tudo em sua câmara sendo
recolhido...
Não era avarento, de fato, no
começo,
mas por suas rúpias de ouro
tinha apreço!
E facilmente muitas brechas
descobriu;
cortou os contatos que agiam
com má fé,
maus funcionários igualmente
demitiu,
que desviavam seus lucros ou
até,
por ineficiência e delongas que
então viu,
em suas empresas logo tomando
pé,
e embora agisse com escrúpulo e
honestidade,
multiplicou os seus ganhos, na
verdade!
Mas essa gente que lhe
explorava o pai
abertamente começou a murmurar;
antigas dívidas depressa a
cobrar vai,
trapaça alguma agora a lhe
escapar;
não lhe choviam bênçãos quando
sai,
porém se fez muito depressa
respeitar;
e então pensou outras despesas
diminuir
por onde o ouro não parava de
fluir!...
Logo o excesso de criados
diminuiu
e das vezes em que a esposa
protestava,
ele dizia: “Toda essa gente te
iludiu,
no máximo, um só quarto nos
bastava:
muito dinheiro no seu bolso
assim sumiu,
enquanto, sem trabalhar, se
banqueteava!”
Contudo os guardas em nada
diminuiu
e mais defesas para o tesouro
construiu!
O AVARENTO GENEROSO V
Era Mahajani por demais
inteligente
para não dispensar sua
segurança;
outras despesas podaria,
certamente,
e as contas de sua esposa, sem
tardança,
a bela Devaditha, examinou
frequente,
para cortar desperdícios à bonança,
pois sua fortuna via crescendo
sem parar,
porém bem menos do que queria
acumular!
Logo a seguir, parou de tomar
vinho,
algo que antes consumia até
frequente.
Devaditha o repreendia com
carinho:
“Meu querido, você é o
presidente
da Guilda dos Comerciantes. Ser
mesquinho
só contraria o seu dever
premente
de oferecer, com frequência,
algum jantar
a seus colegas, para a casa se
alegrar!”
“Mas é isso justamente que não
quero!
Mesmo bebendo em qualquer outro
lugar,
a obrigação de oferecer
depressa gero!
Se bebo em casa, volto a me
acostumar!
Convites para jantar, sou bem
sincero,
em casa alguma passaremos a
aceitar!
Quaisquer convites precisarão
ser retribuídos
e assim ficamos ainda mais
empobrecidos!”
“Mas querido, para que juntar
dinheiro?
Os deuses não nos deram
descendência,
quem das riquezas se tornará o
herdeiro?
Parentes longe... Ou então, Sua
Excelência,
nosso Rajá, as confisca bem
ligeiro,
após sua morte, sustentando sua
opulência...”
“É até bom que filhos não
tenhamos!
Quanto mais filhos, tanto mais
gastamos!”
O AVARENTO GENEROSO VI
Logo a seguir, pôs-se ele a
implicar
com as passas de uva no
alimento.
“Comendo passas, posso querer
voltar
a beber vinho – são uvas sem
fermento!”
Depois o açúcar proibiu-a de
comprar:
“É muito caro e provoca
engordamento!”
A pobre esposa já não sabia o
que fazer:
por sua avareza começando a
enlouquecer!
Mais adiante, para evitar ser
abordado,
só roupas simples na rua pôs-se
a usar;
e quando alguém demonstrava-se
espantado,
ele afirmava sua religião
recomendar
não fosse o luxo ante os pobres
ostentado;
já que na Índia existem seitas
de pasmar,
até pensaram que humildade
demonstrava...
Mas por que tanto por dinheiro se esforçava?
Foi Devaditha consultar um
sacerdote
muito afamado por curar os
alienados;
pagou a consulta com parte de
seu dote,
cujos valores continuavam
intocados,
seus animais multiplicados em
rebote,
seu ouro e jóias mantidos
separados,
que seu marido jamais tentou
gastar,
seu dote tendo amplo direito de
tomar!
Ela explicou como estava diferente
o seu marido, tantas despesas a
cortar,
auxilio aos pobres já negando
totalmente,
mesmo os monges mendicantes a
expulsar!
Em suas rasas escudelas,
realmente,
nem sequer bolo de arroz
depositar!
Foi seu relato diagnosticado,
sem desdouro:
“Foi dominado pelo demônio do
ouro!”
O AVARENTO GENEROSO VII
Mas solução não lhe indicou o
estudioso:
“Perante os deuses poderemos
suplicar;
porém no mundo material é
poderoso
nosso Rajá – pode sua queixa
apresentar...”
“Isso está fora de questão: é
vergonhoso
e como eu disse: no que é meu
não quis tocar!
Ele apenas já não quer gastar o
seu,
só acumula o quanto Vishnu lhe
deu!...” (*)
(*) O Deus Filho na Trindade
Hindu, com Brahma e Shiva.
Não obstante, em sua vida
comercial,
mal se notavam ainda
diferenças...
Nunca emprestara a juros,
afinal,
mas as barganhas tornavam-se
mais tensas;
Lucros maiores ele busca, é natural,
Suas exigências um pouco mais intensas!
Apenas ficava mais horas no
armazém,
os seus estoques a conferir
também.
E quando frequentava as assembleias
da corte do Rajá, vestia-se
bem;
de cada imposto pagava suas
corveias,
mas percebiam que voltava a pé,
também,
justificando as suas
excêntricas ideias:
“Manter-me em forma física
convém;
assim poupo meus cavalos e a
carruagem!”
Guarda-costas a protegê-lo em
vassalagem.
Mas certo dia, retornando do
castelo
por miserável botequim ele
passou
quando espetáculo inusitado
fê-lo
estacar ante visão que o
impressionou;
um camponês, usando o trajo
mais singelo,
todo empoeirado, cantar ele
escutou:
“Bebo aguardente a cada vez que
quero, (*)
canto bem alto, alegre e com
esmero!...”
(*) Cachaça barata.
O AVARENTO GENEROSO VIII
Mahajani encarou-o,
surpreendido.
Mas como é tolo esse pobre infeliz!
Anda descalço, de trapos só vestido,
todo empoeirado e alegre ainda se diz!
Possui decerto um tesouro escondido,
um chifre mágico, igual que sempre eu quis!
Mas está bêbado!... Quem sabe, conversando,
onde se encontra me acabe revelando?...
Foi Mahajani então se
aproximando:
duas cestas cheias percebeu no
chão
e um bambu grosso na parede se
amparando.
O miserável era um carregador, então!
Decerto estava somente descansando,
a pior bebida a lhe aquecer o coração,
iscas de peixe comendo com mão suja,
cascas de pão misturadas de lambuja!...
Por que me olha assim, tão malicioso?
Será acaso Kuvera, deus da riqueza?
Só disfarçado nesse aspecto seboso?
O próprio Krishna se disfarça, com certeza!
Então o homem acenou-lhe,
prestimoso,
oferecendo-lhe partilhar de sua
pobreza!
Que ali bebesse de seu copo de
aguardente
e algumas iscas consumisse,
simplesmente!
Meio hesitante, acedeu a seu
convite,
os seus guardas a deixar bem
espantados;
embora o nojo seu coração
agite,
nariz e boca pelo álcool
requeimados,
porém levando adiante o seu
palpite,
“Onde tesouros podem ser
achados?”
“Primeiro beba a canha, caro
amigo,
depois o ouro em seu lugar
antigo!...”
O AVARENTO GENEROSO IX
Tomou outro gole: “Mas onde se
acha ouro?
“Bem aqui.” – falou, mostrando
seus farrapos.
“É na vida do campo que há
tesouro
e a aguardente nos aquece mais
que trapos,
mais que moedas em seus sacos
de couro,
mas é preciso se viver melhor
que os sapos;
não há tesouro para moradores
da cidade,
menos ainda para avarentos de
verdade!”
Mas este homem é Kuvera, certamente!
Pensou Mahajani, olhando o
embriagado.
As instruções descreveu-me claramente:
devo aguardente beber sem mais cuidado,
devo mudar-me para o campo, incontinenti,
usando um trajo sujo e esfarrapado!...
Primeiro esmolas dando, o que é pior!
Mas o tesouro, no final, será maior!...
Chegou em casa, já bem fora de
hora,
seus guarda-costas bastante
aborrecidos,
as iscas de peixe vomitando sem
demora,
a cabeça a lhe doer... Dava gemidos
e pela casa deambulava... A
esposa implora:
“Mas por que dás esses passos
desmedidos?”
“É minha cabeça que me dói,
tremendamente!”
(Era a ressaca daquela péssima
aguardente!)
E Devaditha ficou ainda mais
surpresa
quando o marido lhe entregou
rúpia de ouro:
“A cura eu sei, com a máxima
certeza:
Compre dois odres de aguardente
de bom couro.
Lembra as acácias de maior
beleza
que temos lá no campo, meu
tesouro?
Enterre os odres por entre suas
raízes!”
Falou-lhe Devaditha: “Farei o
que me dizes...”
O AVARENTO GENEROSO X
“Vou mandar os criados
arrumarem
a casa de campo, na nossa
fazenda...”
“Não, minha querida. Caso te escutarem
vão desconfiar... Prepara antes
a tenda
sob as acácias... Lá sozinho me
deixarem
será preciso. Eu vou seguir a senda
do ascetismo durante vários
dias,
a consultar os deuses e meus
guias...”
E enquanto a boa esposa se
ausentava,
Mahajani abriu a porta do
tesouro
e com um suspiro que sua alma
atormentava,
de lá tirou quatro sacos de bom
couro;
sabia o quanto cada qual deles
guardava:
era um milhão de rúpias de bom
ouro!
E invocando a ajuda dos
criados,
num carroção foram os quatro
colocados!
E foi então até o palácio do
Rajá,
que de imediato lhe concedeu
audiência.
“Majestade, um milhão de rúpias
há
nos quatro sacos. Peço-lhe leniência
para ao tesouro doá-los desde
já!...”
O bom rei escutou-o, com
paciência.
“Tem certeza do que está fazendo?”
“Majestade, é exatamente o que
pretendo!”
O Rajá aconselhou-se com o
Vizir
e igualmente com seu
tesoureiro.
“Majestade, é preciso concluir
que alguma coisa ele quer! É interesseiro,
até se queixa quando precisa
contribuir
com os impostos, embora pague
bem ligeiro;
decerto busca lhe pedir algum
favor,
muito maior que dessas rúpias o
valor!”
O AVARENTO GENEROSO XI
“Meu bom Mahajani, disse o Rajá
então,
muito agradeço sua
generosidade,
mas os costumes contraria da
nação.
Se um donativo quer dar mesmo,
de verdade,
vá ao templo de Vishnu e ali
faça doação
para seus monges, que fazem
caridade
e saberão lhe atribuir melhor
destino,
tal qual os orienta seu oráculo
divino...”
Foi Mahajani então a seu
santuário,
mas tampouco os sacerdotes
aceitaram;
“De seu remorso não será o deus
beneficiário;
muito já os pobres monges se
queixaram
de ser tratados de um jeito
atrabiliário;
de generoso sempre a seu pai
chamaram;
vá distribuir essa riqueza com
cuidado...”
Para sua casa retornou
desapontado!...
Falou então para a bela
Devaditha:
“Minha querida, mande apregoar
pela cidade
que pretendo hoje atender
qualquer desdita;
que venham logo à nossa
propriedade;
e a todos distribua, qual seu
coração dita,
deste milhão de rúpias a
integralidade!
Sob as acácias minha tenda preparou?”
“Marido, eu fiz exatamente o
que mandou!”
“Mas querido, você parece
embriagado!
Qual a razão de um tal
comportamento?”
“Fui por oráculo de Kuvera
aquinhoado!
Se obedecer-lhe as instruções
neste momento
vasto tesouro há de ser-me
revelado!
Faça o que peço e me dará
contentamento!”
E na saída, seus guarda-costas
dispensou
e a mais perversa das ideias o
assaltou!
O AVARENTO GENEROSO XII
“Servos fiéis, estou sendo
perseguido
por um ator que busca em tudo
me imitar;
em minha ausência, é possível
que o bandido
aqui apareça e pretenda os
enganar;
até o rosto transformou esse
fingido,”
foi Mahajani em tal impulso a
explicar.
“Caso apareça, expulsem-no na
hora
ou tomará o meu lugar sem mais
demora!”
Dito isso, saiu andando pela
estrada
e em certo ponto, viu um
mendigo esfarrapado;
os trapos quis trocar por sua
roupa enfeitada.
mas seu desejo foi depressa
contrariado:
“Dê-me moedas de cobre e não
será chamada
a atenção, nem pensarão tê-lo
assaltado;
não serve a prata que me quer
oferecer;
se tiver ouro, vão acabar por
me prender!...”
E lhe entregando todo o troco
que possuía,
deixou o mendigo em sua tanga
unicamente,
passando a usar os farrapos que
queria,
das roupas finas a fazer trouxa
somente;
e caminhou até as acácias, em
que havia
a tenda pronta e os dois odres
de aguardente,
que se pôs a deglutir sem mais
cuidado,
até cair num estupor de
embriagado!...
Enquanto isso, consoante as
instruções,
Devaditha um pregoeiro
contratara,
pela cidade a proclamar às
multidões
que Mahajani em generoso se
tornara
e atenderia a quaisquer
reclamações
de quem ajuda em sua mansão
buscara!
Dessa notícia a maioria a
duvidar,
somente aos poucos se viu gente
aproximar.
O AVARENTO GENEROSO XIII
Mas quando esmola os primeiros
lá pediram,
Devaditha lhes distribuiu
rúpias de ouro!
Logo uma fila se formou e
alguns viram
que mais pedir poderiam sem
desdouro!...
Os guardas a todos o acesso
permitiram,
logo esvaziados os quatro sacos
de couro!
E como Mahajani não lhe deixara
as chaves
do seu tesouro, começou a
distribuir aves!
Depois as cabras, ovelhas, até
o gado
e finalmente, mesmo o grande
carroção
que deu a camponês mais
exaltado,
sem que nunca diminuísse a
multidão;
mas declarando o tesouro já
esvaziado,
mandou ao Rajá pedir a
proteção,
depois de ter até os móveis
entregado,
querendo a gente cada vez maior
bocado!
Dois dias depois, já passada a
bebedeira,
Mahajani se acordou, tudo
esquecido!
Mas o que é isso? Que
tremenda asneira!
Estou apenas em farrapos envolvido!
Olhou em volta e reconheceu a
inteira
propriedade em que havia
adormecido.
Estava a casa trancada
totalmente,
porta e janelas já forçando de
impaciente!
Pôs-se então a retornar para a
cidade,
tendo encontrado diversos
camponeses,
todos gabando a generosidade
de Mahajani, empurrando rezes
ou ovelhas, até galinhas, na
verdade
e ao indagar, desconfiaram dele
às vezes.
“Vá à sua casa,” alguns outros
lhe disseram.
“Algo lhe dão, do mesmo modo
que nos deram!”
O AVARENTO GENEROSO XIV
Mahajani demonstrou sua
irritação:
“Esses cavalos e a carroça me
pertencem!”
Todos se riram da sua
pretensão:
“Essas palavras a ninguém
convencem!...
Você é mesmo o tal ator
espertalhão:
ser o nosso benfeitor só quer
que pensem!
Toda Rajgarh já sabe dessa
história:
quer assumir de Mahajani a
glória!...”
E como ele insistisse, o
empurraram
e seu caminho seguiram, às
gargalhadas.
Sem entender porque o assim
trataram,
Mahajani avançou, largas
passadas
até sua casa e então viu como
levaram
os seus bens em quantidades
desusadas!
Mas quando novamente protestou,
quem os móveis carregava... o
espancou!
Pior ainda, quando sujo e
lastimado,
apresentou-se em frente do
portão,
pelos seus guardas foi logo
barrado;
mesmo os tratando pelo nome na
ocasião,
mais uma vez foi por eles
empurrado,
por mais que reafirmasse a sua
condição!
E como a tropa do Rajá ainda lá
estava,
veio o oficial para saber do
que passava.
“É esse ator a imitar nosso
patrão!
Ainda anteontem o nosso amo
preveniu
que encontrara na cidade
espertalhão
que o imitava; e com firmeza
nos pediu
que não o deixássemos entrar em
sua mansão
por melhor que parecesse a quem
o viu!...”
Nada adiantou que Mahajani
ainda gritasse
e para o nome do Rajá até
apelasse!...
O AVARENTO GENEROSO XV
O oficial decidiu-se,
finalmente:
“Para o Rajá apelaste; ao Rajá
vais,
mas como um preso bastante
impertinente!”
E Mahajani, ao protestar ainda
mais,
foi amarrado e em suas roupas
de indigente,
foi arrastado, nos costumes
habituais,
e numa cela depressa
encarcerado,
pelos soldados sem mais pena
abandonado...
Mas tanto no seu cárcere
reclamou,
que chegou a apanhar do
carcereiro!...
O Grão-Vizir, não obstante, o
visitou
e grande dúvida desenvolveu
ligeiro;
que o tratassem muito bem
recomendou:
“Talvez seja o comerciante
verdadeiro!”
E foi logo aconselhar o seu
Rajá:
“Investigação hoje abrir se
deverá!...”
E de fato, em parte alguma se
encontrou
outra pessoa igual ao
comerciante.
Devaditha logo a seguir se
convocou,
para ver se ela afirmava ser
meliante
ou seu marido quem se
aprisionou.
Foi então banhado e recebeu
trajo elegante.
“Ele de fato parece ser o meu
marido,
mas permita que por mim seja
inquirido...”
“Devaditha, sou eu!...” – disse
o coitado.
“O que anteontem pediu que lhe
comprasse?”
“Dois odres de aguardente
fabricado
em qualquer destilaria que se
achasse!”
“Onde pediu que isso fosse
colocado?”
“Sob as acácias e que uma tenda
levantasse.”
“E por que ordenou a
distribuição
de seu dinheiro com tanta
profusão?”
O AVARENTO GENEROSO XVI
“Porque um oráculo do grande
deus Kuvera
tais instruções me havia
transmitido:
que fosse ao campo e aguardente
ali bebera,
vestindo trapos que houvesse
adquirido;
que desse esmolas do que me
pertencera,
para me ser tesouro imenso
concedido!...”
“E as belas roupas que ao sair
usava?”
“Deixei perto da aguardente que
tomava!”
“Senhor Rajá, este é mesmo meu
marido!”
Mas o Vizir aconselhou,
prudentemente:
“Que até seu campo ele seja
conduzido
e nos demonstre aonde o trajo
conveniente
deixou oculto, tudo assim
esclarecido...”
E sob a tenda o encontraram,
realmente.
mas já a esposa, ao longo do
caminho.
o acariciava, no maior carinho!...
E foi assim Mahajani reenviado
para sua casa, que achou meio
vazia.
“Povo demais pelo pregão foi
convocado;
de seu tesouro as chaves não
possuía...”
“Querida, agiste sem o menor
pecado!”
E quando a guarda sua punição
temia,
teve ao contrário bom aumento
de salário
e mais um bônus de seu amo
solidário!
Logo depois de haver tudo
inspecionado,
ainda retinha a maior parte de
seu ouro;
novos móveis e mais gado foi
comprado,
nenhum pedinte doravante a ter
desdouro.
E para sua surpresa, um mês
passado,
Devaditha estava grávida! “Eis o tesouro
que me foi por Kuvera
prometido,
após o conselho do oráculo ter
cumprido!”
EPÍLOGO
E Devaditha lhe deu um belo
herdeiro
e no outro ano ainda ganhou uma
menina!
Nos seus negócios foi menos
altaneiro,
mas de obter grandes lucros
tinha a sina;
e sem mais ser só por ouro
interesseiro,
para dar festas e banquetes já
se inclina,
sempre louvado por tal
generosidade
que finalmente lhe granjeou
felicidade!
Do deus Kuvera seria de fato
mensageiro
o tal carregador, bem disfarçado?
Por Mahajani foi buscado bem
ligeiro,
que desejava vê-lo bem
recompensado:
ninguém, contudo, recordava o
pegureiro, (*)
que nunca mais, de fato, foi
achado!
Mesmo em Roma e até na Bíblia
se menciona
que um disfarce anjo de Deus às
vezes toma!
(*) Montanhês, pastor de
cabras.
Recanto das Letras
> Autores > William Lagos