A VISITA DA MUSA &+
Novas séries de William
Lagos, 28 JUN / 2 JUL 2017
A VISITA DA MUSA I – 28 junho 17
A sacra Sappho visitou-me nesta noite, (*)
seus dentes aguçados pelo amor,
seus dedos percutidos de candor,
seu corpo inteiro em magistral rebanho.
(*) Leia “Safo”.
A sacra Sappho fez em mim pernoite,
meu corpo despertando em seu clamor:
sáfica graça em gritos de estridor,
meu coração fecundando em beijo estranho.
Como era sonho, recobrei a juventude,
robusto o corpo, com limpidez o olhar:
ante seus olhos foi plena a mocidade;
mas por um sonho, minhalma não se ilude:
dois mil quinhentos anos viu passar,
antes de em mim depositar fecundidade.
A VISITA DA MUSA II
Sob as cutículas guardei o seu pendor:
mostrou-me a musa altar em santo sexo,
de sua poética administrou-me o nexo,
em seu quíton transparente o despudor. (*)
(*) Trajo feminino grego.
A sacra Sappho meu coração de ator
tomou nos dentes em odor perplexo,
nova aurícula ali deixando como anexo,
a palpitar-me novos preitos de calor.
Assim morri e renasci nos braços
dessa que foi de Musa Décima chamada;
não fui Alkayos, tampouco seu pastor, (*)
(*) O poeta Alceu, seu mentor e seu amante.
por quem matou-se, no desprezo de seus traços:
jamais por mim teria sido desprezada,
nem morreria por tresloucado amor.
A VISITA DA MUSA III
Meus ventrículos regurgitam sangue verde,
do lar antigo de Lesbos olivais,
mas permaneço nos páramos atuais,
por mais que desse antanho o verbo herde.
Toque de artelhos que meu peito cerde,
os que pisoaram as uvas estivais
e o vinho dionisíaco em bornais
esvaíram – gota alguma ali se perde.
Nem toda noite Sappho me visita,
pois jamais me jurou fidelidade;
um vaso apenas eu fui de seu amor,
que esta manhã com mais rigor concita
a expor-me sem vergonha e sem vaidade
nos versos lésbicos de seu intenso ardor.
A VISITA DA MUSA IV
Não que escreva somente quando chega,
porque as artérias trançou-me nessa cena,
lega em minhalma sua imortal verbena
que à embriaguez dionisíaca se apega.
A sacra Sappho de esplendor me cega
e a um perpétuo escrever assim condena;
bastante certo é que existe amarga pena
bem mais cruel que os mil versos que congrega.
Pois vinho algum é assim embriagador
como o vinho que se verte num soneto:
é a musa antiga que fala por minha boca,
que não pretendo ser da estrofe possuidor;
seu é o talento que permeia o meu afeto,
só em seu retorno a minha espera louca!...
A VISITA DA MUSA V
Destarte, embora os anos se acumulem,
também a ela o são acrescentados
e se redija quaisquer versos encantados
são os seus dedos que a mente acariciem,
são os seus dentes que minha boca adulem:
nada que escrevo é meu – são emprestados
os modos sáficos e os alcaicos embalados:
mais que morfina que as estrofes me viciem!...
Em mim percebo Dionysos no controle;
contaminado já fui por mensageira;
de seu poema sou apenas transmissor
que a mente tua sem piedade esfole
quando revejas a palavra passageira:
teu próprio instante de dionisíaco esplendor!
A VISITA DA MUSA VI
Nada me resta a dizer – Sappho chegou
e a noite inteira estendeu-se no meu leito;
amor fazer de certo modo ajeito
com esse espírito que de novo se encarnou
sob minha pele e seu canto me legou,
nenhum ato de amor dom mais perfeito
que este sonho em onanismo aceito,
em que esta musa inteiramente se entregou!
Nada me resta a dizer – porém te digo
que para receber-me abras canal,
que cante o verso em marcha triunfal,
em recompensa doce de castigo,
que o verso é teu e da musa – eu não sou nada
senão a faixa de luz de tua alvorada.
DECEPÇÃO I – 10 mar 2006
Já estou tão sóbrio ao fim desta quinzena...
Tanta esperança doida que eu sentia
Eu vi desvanecida em quarentena,
Na quintessência apenas da euforia...
Que não espero agora o meu desejo
Tornar-se material, fazer-se vivo,
Nem jamais ver dos olhos quanto almejo,
Num triunfar de aroma redivivo...
E nem anseio mais: estou vazio --
Emurcheci: o sonho meu de estio
Acidulou-se em gargalhar de inverno;
E agora só me resta em meu retiro
Que possa contemplar-te em meu suspiro,
Sem nunca mais te ver no mundo externo.
DECEPÇAO II – 29 JUNHO 17
Se em inglês fosse, decepção seria “engano”
e não somente um desapontamento,
o meu cantar apenas fraudulento,
qual miosótis em despudor ciano.
Fosse em inglês, se voltaria o meu afano
para uma burla, em deliberadamento
ou vigarice perante um julgamento,
que fosse o verso versado em tom profano,
na pretensão de ser canto sagrado;
que por alguém que em nada me prendeu
eu pretendesse ter o íntimo enlutado;
porém é português e o desaponto
de nunca mais te ver foi todo meu,
do perspírito desfiado o seu pesponto...
DECEPÇÃO III
Seria minha tristeza nada mais que um alinhavo,
no fingimento de um cerzir mais permanente;
que meu amor não passasse de indecente,
pequeníssima traição de um falso escravo;
que meu amor pretendesse ânimo bravo,
em covardice apenas insolente,
meu amor imperpétuo e complacente,
traços de sangue que do peito eu lavo;
que fosse amor apenas de alfaiate,
algum cliente mais vaidoso no adular,
só para dele receber um pagamento,
que tal confecção alegre acate,
embora nela fosse de fato me esforçar,
tanto quanto me permitisse o julgamento.
DECEPÇÃO IV
Mas como disse, isto escrevo em português,
marcado assim por desapontamento
apodrecido sem amadurecimento,
o pobre amor pelo amor que não se fez;
amor de pobre, esculpido em triste grês,
contra a parede do céu em portamento,
contra a parede do sonho mais atento,
nessas perdidas linhas que me vês;
menor de fato que qualquer decepção,
porque jamais se aprestou em tentativa,
seu próprio desaponto em frustração;
mas por mais que fora apenas falsidade,
por um momento devorou-me o coração,
falso esse verso, mas virente minha saudade!
MILAGRE I – 1963?
eu hoje trabalhei num solo de
esmeraldas,
onde o limo da terra, ao
saibro misturado,
tornou-se como jóia, qual da
montanha às faldas
é arrancado à rocha o
prêmio cobiçado.
estranho assim gerasse a negra
podridão,
desta argila sem vida um sonho
de beleza...
qual de alma humana a força da
oração
arranca as nuas cores em toda
a sua pureza.
assim em nossas vidas o Santo
Operador
afunda os sábios dedos e molda
a Sua vontade,
tornando-nos benditos: em Seu
poder nos cria...
pudéssemos também assim moldar
magia:
em cada coração gerando o
santo Amor,
forjado desde a lama que forma
a humanidade...
MILAGRE II – 30 JUN 2017
quando escrevi desta série a
inicial,
estava abrindo uma piscina a
picareta;
não é piada ou informação
secreta,
tão somente o meu esforço natural;
mais que ao solo ferir ou
fazer mal,
mais que a piscina qual final
coleta,
a intenção que nutria mais
dileta
era meus músculos acrescer em
triunfal
consequência de um digno
trabalho
e não apenas de frequência a
academia,
que na verdade, por dentro
nunca vi;
mas no alvião e na pá a areia
espalho
então a terra arrancada à
rocha fria,
nessa tarefa espantosa que
empreendi.
MILAGRE III
e realmente, após rugir de
tempestade,
em verde limo a lama rebrotou;
a inspiração em verde igual
jorrou
dentro em meu coração, sem
falsidade;
corri a casa, temendo que a
vaidade
dos verdes versos que a musa
me enviou
se perdesse com a lama que
afastou,
mostrando abaixo ulterior
tonalidade.
regime algum meu corpo
transmutou,
nem série de exercícios
calculada:
da força muscular guardei o
orgulho
bem mais legítimo que assim se
demonstrou,
obtida com machado, pá e
enxada,
enquanto o solo submetia a meu
esbulho.
MILAGRE IV
poucas vezes vi um verde tão
formoso,
embora baço, em seu tom
esmeraldino;
à luz do sol, certa vez,
escutei sino:
insolação em seu início
vagaroso...
não foi em dia igual – mas
prestimoso
ao chuveiro do lar então me
inclino;
sequela alguma deixou de que
me atino,
deu-lhe a água fria um combate
vigoroso.
mas esse solo de esmeralda
registrei
em algum ano da distante
mocidade,
sequela essa que em mim foi
permanente;
brotou em sonetos e aos versos
me curvei,
jamais tal senda abandonando
de verdade,
na insolação poética da mente.
FATALIDADE I - Irmão Parmenas,
JAN 30, '69.
(Para Mauro Diogo Jardim,
o “Irmão Matias”).
Se quiséssemos todos andar de
fronte erguida,
Permeando destemidos as vagas
do infortúnio,
Na certeza de que o sol ou
claro plenilúnio *
Denúncia não dariam da falta
cometida;
Se nossos sentimentos, desejos
e ilusões
Pudéssemos aos outros, bem
claros, revelar,
Quão mais fácil seria o nosso
perpassar
Pela estrada da vida – na paz
dos corações!...
Por que tão falsamente se
tratam os humanos?
E se burlam; e escondem
os nobres sentimentos
No sarcasmo; em ciúme; no
cinismo mais mordaz!...
Se na sinceridade o homem
fosse audaz,
Tanto ideal revelara à luz dos
pensamentos,
Quanta pena poupara ao longo
de seus anos!...
FATALIDADE II – 1º JUL 2017
Naturalmente, eu sou o Irmão
Parmenas,
Um dos primeiros diáconos de
antanho,
Os versos que escrevi, em
ideal amanho,
Sua autoria esconder querendo
apenas.
Que de outrem fossem as
lúcidas verbenas,
Pensava eu, em timidez
tacanho,
Sem desejar aos irônicos dar
ganho,
Que maculassem, por despeito,
as açucenas
Que me punha a redigir no
tempo antigo,
Inspiradas nas Sagradas
Escrituras:
Fossem de um monge que somente
eu traduzia;
Que o desvendassem sequer
houve perigo;
Quem leu tais versos mostrou
tão só ternuras,
Sem desconfiar que
inteiramente os redigia.
FATALIDADE III
Certa ocasião, pertenci à
Irmandade
De Santo André, ao apóstolo
homenagem;
Éramos sete – e em gesto de
passagem
Ao diretor sugeri, sem
falsidade,
Que adotássemos os nomes, na
verdade
Daqueles Sete que serviam na
estalagem
As refeições submetidas à
voragem
Dos primeiros cristãos dessa
cidade,
A secular capital, Jerusalém,
Que tanto sangue viu verter,
também,
Sob pretexto de defender a
religião;
Foi assim realizado tal
sorteio;
Tirei o nome de Parmenas, sem
receio,
Desapontando quiçá meu coração.
FATALIDADE IV
Esperava um nome ter mais
conhecido,
Do que Parmenas, um herói
pouco lembrado;
A outro coube o Estêvão
apedrejado;
O Irmão Prócoro como bispo foi
ungido.
Soube depois já terem falecido
Diversos desses jovens que ao
pecado
Pretendiam combater no
instante asado,
Trágica morte o novo Estêvão
padecido.
Talvez apenas por mim seja
lembrada
Do pseudônimo a esquecida
origem,
Que nesses versos do antanho
registrei,
Quer seja apenas a memória
desvelada,
Dessa falsa modéstia dos que
fingem
Não fazer versos, como então
os meus calei.
VOLTA I – 12 abril 81
Entendes o que quero...?
Vez primeira
Não era o descair da
casuarina,
Mas a escorreita imagem na
rotina
A se esvair da
mente... derradeira.
Essa visão melíflua da
memória,
Perdida apenas em lembrança
morna,
Empolgada de olvido...
Só retorna
Quando a modorra superpassa a
glória.
Intermitência apenas...
cintilante,
Que ressurgira em tépido e
intrigante
Instante meigo de luz e
expectação:
Que me contasses
tudo... sem reserva,
Qual se abre a flor e qual nos
cresce a erva,
No [e]terno rebrotar... do
coração.
VOLTA II – 2 JULHO
17
Existe em nós bem mais
vasta intimidade
no palpitar dos lábios em
palavras,
no redigir das mais
sinceras lavras,
que no cumprir da ritual sensualidade,
que existe nessa oferta a
veleidade
de segredos transmitir-se
como larvas,
na exposição ingênua de
horas parvas,
que no outorgar-se para a
sexualidade.
Do corpo inteiro o sexo se
lava,
sem marcas nos deixar, se
for normal,
sem equimoses que gerou
brutalidade,
mas a palavra que na boca
não se trava,
não sairá com qualquer
banho lustral,
mas solta fica por toda a
eternidade.
VOLTA III
Hoje em dia isto é certo
mais ainda,
a gravidez feita em
deliberação,
tantas defesas em total
disposição,
no fim do sexo, só a
luxúria finda;
mas no fim da confissão, a
voz infinda
sempre nos pode condenar
sem proteção,
não mais segredo as coisas
que se dão,
não mais secreta cada
verdade vinda,
que não podemos ungir
nossas cocleias
como se lava ouvido externo
e labirinto,
os verbos bailam no
cérebro do ouvinte
e mesmo sem traição das
epopeias,
quando em orelha
compartilho quanto sinto,
parte de mim se esvai sem
mais requinte.
VOLTA IV
Na confidência sob a casuarina
abriu-se o ventre de forma
passageira,
abriu-se a boca em revelada
esteira,
a compartir-me teus sonhos de
menina
e dessa forma, confundiu-se a
sina
muito mais que por cópula
ligeira,
nessas tranças de vime e de
videira,
aberta assim da alma a mansa
mina
e o que retorna é muito mais
que orgasmo,
que se completa no nitrir das
explosões,
algo de santo, de mel e de
animal,
mas é o interior da alma que
nos pasma,
quando se fazem num só dois
corações
e a carne inteira se rende ao
imaterial.
DENIAL -- 13 April 2006
when shall i see You?
Your face is dew
over a dry patch,
Your smile a batch
of promises untold,
Your mind a manifold
trove of bliss ahead,
'tis wine, ‘tis a meal of bread
to still my hunger,
a spring for longer
quenching of thirst
and yet, not a merest
filament, although i grope,
for threadbare wisps of hope.
MULETEERS – 19 abr 2006 (translated)
Angels expelled from a heavenly shelter
Are all of us whom you dub, 'the artists';
We all mistuned while playing the harpists
And our beryl-made wings a-swelter
Were burnt down and blown away by winds,
In such a way that as wings they became
So useless, they so flawed and wispy came,
That we fell down, bringing no awe to minds.
For one purpose only: to find out
Whether we could, from our predicament,
Stealthily harvest a new contentment,
Collecting all pain life afforded us about,
Only to change it in feathers, uttermost,
To recompose the wings once we lost.
Minha própria tradução de meu soneto
bem mais antigo que retranscrevo abaixo:
ALMOCREVES (1969?)
Anjos expulsos do celeste asilo
Somos nós todos que chamais de artistas;
Desafinamos no mister de harpistas
E nossas asas, feitas de berilo,
Foram queimadas ao sabor dos ventos,
A ponto tal que tais asas imperfeitas
Tornaram-se; a tal ponto rarefeitas
Que aqui tombamos sem causar portentos,
Somente para ver se aos sofrimentos
Pudéramos furtar contentamentos,
Ao coletar das dores que sofremos;
Da vida recolhendo amargas penas
Que, recolhidas, servirão apenas
Por recompor as asas que perdemos.
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