sábado, 11 de novembro de 2017





VOLÚPIA E MAIS – 19/28 AGO 17
SONETOS ERÓTICOS DE WILLIAM LAGOS
(Em parte fertilizados por inspirações da década de 80 do século passado.)

VOLÚPIA I – 19 AGO 2017

Nenhum fruto nasce sem que pereça a flor,
nenhuma aurora surge sem a noite perecer;
para nascer alguma vida é preciso outra morrer,
bebê não surge sem o sangue ao mundo expor;

não nasce uma criança sem o vaso constritor
sem o esperma em cabedal primeiro receber,
morrem então milhões, somente um a escolher
o cone de atração sobre um óvulo receptor.

Assim, eu me perdi no divinal amplexo,
em orgásmico prazer, mas não em busca dele,
na insistente caça de um mais completo nexo,

que orgasmo é só centelha, a luz que nos apele
para o túnel rosado que nos convida ao sexo,
até que esta insistência a nova vida sele. 

VOLÚPIA II

E quando em minhas noites a súcubo traiçoeira
me vem a conduzir a um gozo inesperado,
em ereção me investe, inteiro conquistado,
sem o sono desfazer no qual de mim se abeira;

um vezo de adultério me prende o corpo inteiro,
no sonho multicor o prêmio cobiçado,
suas coxas me arrastando ao onírico pecado,
até de mim tomar a gota derradeira...

E sem sequer se pode nomear masturbação,
sem que haja um apalpar exceto espiritual:
demônios femininos são anjos, afinal,

causando inesperada e plena excitação,
roubando integralmente, porém ser causar mal,
salvo ao exército dotado a breve duração.

VOLÚPIA III

De fato, ao acordares, não encontras nos lençóis
a mancha acinzentada de uma simples polução;
a próstata, contudo, cumpriu a sua função,
orgasmos expelindo em mil pequenos sóis!

Na noite dessa orgia composta de faróis,
as lâmias te esgotaram até a satisfação;
contudo, não a tua – a fome da paixão
com que colhem as sementes para novos arrebóis.

Afirmam que transportam (os monges exorcistas)
a semente que roubaram para seus reais amantes,
os íncubos, a que dotam do sêmen das conquistas,

para mulher assaltarem em sonhos delirantes,
de preferência freiras, exaustas dessas listas
de terço e ladainhas, em repousos inconstantes.


VOLÚPIA IV

Do Malleus Maleficarum seguindo as instruções,
tais monges interrogam as pobres virgens velhas
e as submetem mesmo a torturas tão parelhas
às que julgam ocorrer após as danações!...

E as pobres monjas tristes, sem ter malversações,
sem traírem o Esposo, do convento sob as telhas,
alianças nos dedos, num professar de abelhas,
acabam confirmando ao fim das confissões,

que os íncubos as teriam, mesmo virgens, fecundado
com o sêmen que as súcubos teriam recolhido,
já que eles mesmo não têm nem terão qualquer semente;

desculpa conveniente para o sêmen derramado
por qualquer confessor, indigno e perdido,
usufruindo assim de sua vítima inocente!...

VOLÚPIA V

Não creio em tais insídias.  Só sei que bem frequente
orgasmos dei à noite, em onírico esplendor,
quando me achava só, ausente de um amor,
sem haver um onanismo que os provocasse, urgente.

Uma exceção não sou, sei bem naturalmente:
tais sonhos eu recebo em espasmos, sem temor;
meu cérebro animal tão só seu construtor,
volúpia usufruindo em sono intermitente.

É apenas secreção, não mais que emunctório,
como as fezes ou a urina, a lágrima e o suor,
sem nada de pecado a conspurcar cibório,

no orgasmo cintilante dessa voluptuosidade
que invade o solitário a quem não cabe amor
e nem sequer em si procura a saciedade!

CHUVARADA I – 20 AGO 17

Cada estrela no céu é qual suave janela,
por onde sua saída reflete-se num brilho,
gametas me procuram, sideral seu trilho,
cada estrela no céu a torre mais singela,

cada estrela do céu farol de uma procela,
defesa dos recifes, arame em fino atilho,
égua de luz a quem albardo firme e encilho,
buraco de alfinete na indumentária bela,

camisola azul-escuro em que dormita a aurora,
antes de se acordar, ainda estremunhada,
ostentando a nudez, um tanto desleixada,

cabelos a esparzir em sua primeira hora,
como laços de luz; e enjoada e desgrenhada
a noite agarra o manto e após se vai embora.

CHUVARADA II

Porém durante a noite derrama chuva escura,
borrifos em botão por toda a madrugada
e as cores do poente vai reduzindo a nada,
os raios do luar fruta fina e bem madura;

as pedras se derretem em mucilagem pura
e cada caule brilha, feroz gume de espada,
na cópula da Terra, de luz ali encantada,
caçando algum refém, restos de sol e agrura.

Cada estrela do céu outro laivo de agonia,
um túnel cristalino, uma gentil voragem,
sugando a mente e os pés na morte desse dia,

Cada estrela do céu fosca gota deslumbrante,
a morte a me queimar integra-me à paisagem,
em breve estremecer e em pasmo delirante.

CHUVARADA III

Cada estrela do céu é a lâmia que me esgota,
que leva minha semente a outra dimensão;
eu não compreendo bem qual seja sua razão,
meu falo a conduzir a tal esfera ignota;

cada estrela no céu novo universo adota,
o fruto dos testículos fertilizando então
a fada expectante, copioso galardão
de chuva inversamente, alçada como frota

e destas filhas minhas, em singular incesto,
recebo sêmen novo, em vasta inspiração,
cada estrela que tomba gentil palimpsexto,

quando apago do céu o manuscrito antigo
e planto com meu sangue escrita em brotação,
sem temor de qualquer mal ou recear algum perigo.

CHUVARADA IV

Cada estrela do céu é cornucópia altiva,
um canto de trombeta, de fole e sacabuxa,
cada estrela no céu desmesurada bruxa,
sabbath a convocar em campainha impura,,

que então fecunda a mim na graça de uma diva,
mil flechas de estelar em dolorosa ducha,
a estrela desce à terra, sua prenhez já murcha,
desgastada de cópulas em agônica doçura.

A estrela desce a mim, sem ter azul celeste
e o busca nos meus olhos da forma mais estranha,
buscando a melanina em diagonal agreste;

a estrela vem demente, meu sêmen a reveste
e volta para o céu, depois que a mente lanha
e novo cosmos brota do esperma que ela apanha.

POEIRA DE FUGAS I – 21 AGO 17

Desde que te encontrei, sinto-me puro;
amor é dúvida, igual que uma promessa,
não sendo dívida, cujo cobrar não cessa,
mas voluntária doação em que perduro.

Antes de te encontrar, amei no escuro:
a carne contra a carne ali se engessa,
sem interesse por qualquer vida pregressa,
apenas sexo no material mais duro.

Não que te erga sobre um pedestal
e não deseje tuas coxas cintilantes,
o musgo perfumado que vejo em tua vagina;

só almejo muito mais que orgasmo triunfal,
mais do que as pérolas de amores gotejantes,
mais do que um lábio que a outro lábio inclina.

POEIRA DE  FUGAS II

O sexo que antes fiz foi prazer em desafogo,
os beijos que suguei sabor de terciopelo,
a cópula integral introspecção de apelo,
a entrega vaginal a posse de meu rogo.

O sexo que fiz foi triste olvido logo,
os seios que lambi um coquetel de gelo,
os pelos de outros púbis tentacular flagelo,
a dança de tais coxas mesmerizado fogo.

Porém contigo fiz o amor, não a atração,
as carnes copularam em cromossoma e pele,
espíritos trançados, passado que cinzele,

na lâmina do peito tatuagem de emoção,
foi muito mais que coito e até se o não houvera,
seria um fecundar da alma nessa espera.

POEIRA DE FUGAS III

Amores anteriores foram só consumação
e logo se partiram em fragmento e poeira,
restaram secreções na pele dessa esteira,
dois corpos afastados sem fome de ilusão.

Um rápido desejo mais como obrigação,
como quem apressurado de lavatório abeira,
um tédio delirante sem prenda derradeira,
em rápida partida para outro corpo então.

Porém o nosso amor de fuga foi à prova,
dois corpos feitos um em crepitar de estrela,
uma porção complexa que sempre se renova.

Assim não houve poeira após o turbilhão,
não foi mera atração pelos quadris da bela,
mas pleno copular do ventre e coração!

VERRUMAS I – 22 AGOSTO 2017

PELA SENDA DA POESIA SEGUE A ALMA ESFARRAPADA,
EM CADA VERSO DEIXANDO À BORDA DA VEREDA,
UM TRAPO DE VIRTUDE, UM PAVIO QUE DALMA CEDA,
OS PÉS ENSANGUENTADOS EM PASTA MACULADA.

NA SENDA ESSA POESIA REPRESENTA A NAMORADA
E O PURO SENTIMENTO EM BALBUCIAR ENREDA,
O AMOR CARNAL REJEITO, O ESTELAR SÓ QUEDA,
PÉS MÉTRICOS NAS COSTAS, QUAL COXA ENTRELAÇADA.

EM CADA ARQUEJO SE APROXIMA O CORTE DA CESURA,
NA RAPIDEZ DO RITMO DESSA CÓPULA DOURADA,
A CARNE A PERFURAR EM GIRO DE VERRUMA,

EM CADA RIMA FEITA O ESPERMA AINDA PERDURA
E O FILHO SURGE LOGO, PARTEIRA EXPERIMENTADA
E O FECHO EM ADULTÉRIO A NOVO POEMA RUMA.

VERRUMAS II

O SEXO DO VERSO É MUITO MAIS PREMENTE,
QUARTETO QUE PROCURA A CÓPULA GRUPAL,
TERCETOS QUE SE ABREM À CONJUNÇÃO CARNAL,
QUATORZE VERSOS NUS EM ORGIÁSTICO PRESENTE.

PORÉM NÃO SE SEPARAM APÓS A LUZ NASCENTE,
É COMO SE SOFRESSEM A PENA DO INFERNAL,
QUATORZE CORPOS NUS EM GOMA PERENAL:
NÃO POSSO LEMBRAR UM SEM QUE OUTRO SURJA À FRENTE.

SÃO PRESAS POR VERRUMA ESSAS PALAVRAS DOCES,
EM FERROS DE ARCABOUÇO ESTÃO ARREBITADAS,
NA GRADE PROCESSUAL DE CRAVOS MARTELADOS,

PERDIDOS PARA SEMPRE EM METÁFORA DE POSSES,
QUATORZE FRASES PRESAS EM TINTA AGRILHOADAS,
NESSE OFEGAR FINAL DE QUATORZE CONDENADOS!...

VERRUMAS Iii

ERAM PALAVRAS SÓS NA VASTA SOCIEDADE
DE VELHO DICIONÁRIO, TÃO BEM CATALOGADAS,
EM ORDEM ALFABÉTICA ASSIM CLASSIFICADAS,
APENAS AS CABEÇAS COM REAL AFINIDADE.

PORÉM CHEGOU O POETA EM MALICIOSIDADE,
MENTINDO QUE SERIAM POR ELE LIBERTADAS
E AS RETIROU DALI QUAIS VIRGENS ESTUPRADAS
EM lupanar LEVANDO-as A TOTAL PROMISCUIDADE.

E ASSIM AS ENCRAVOU NESSE NEXO GRUPAL,
FEZ FURO AQUI E ALI E AOS POUCOS ENCAIXOU,
PALAVRAS MASCULINAS, PALAVRAS MATERNAIS,

E NUM PERPÉTUO SEXO ENVOLVEU-AS, AFINAL,
QUATORZE VERSOS NUS EM BORDADOS ENFAIXOU,
GERANDO SEU SONETO, SEU FILHO... E NADA MAIS...


CARTAPÁCIO I – 01 mar 1980

Por adúltera que seja a vã delícia,
Por desleal volúpia que nos deixe,
Por incerta saudade nos desleixe,
Aos olhares alheios da malícia;

Por condena invejosa, que se enseje,
Por nefário amargor, que se elicia,
Por insídia nefanda, em nostalgia
De os outros ver no bem que não se beije;

Por véu de hipocrisia derradeira,
Por convenção social tão definida,
Que o que se faça, seja bem matreiro,

Por tótem e tabu, jaula partida,
Por ídolos de barro soerguida,
Gozar teu beijo eu quero por inteiro!...

CARTAPÁCIO II – 23 AGO 17

Pois essa espera impura, noção condenatória,
Jamais nos traz virtude, apenas rebeldia,
Ao invés de puro amor, a busca de uma orgia,
Que em ausência de ocasião se faz masturbatória.

Os versos desse antanho, em voz peremptória,
De fato descreviam postergar a companhia,
Depois a refulgir em plena melodia,
Da qual alguém diria ter sido uma vitória.

Mas Pirro, o general, jamais foi derrotado,
Só perdeu tanta tropa após uma batalha,
Que se julgou perdido, embora houvesse glória.

E a “vitória de Pirro”, no brocardo consagrado,
Revela após o amor igual noção na talha
Do preço e compromisso de nota promissória.

CARTAPÁCIO III

Palavras têm sentido que aos poucos vai mudando:
Um termo havia na missa, a “Ejaculatória”,
Indicando exclamação, convocação de glória;
Em livros mais antigos tal termo se encontrando;

Vem assim ejacular, sem sexo indicando,
Imperador ou bispo, em frase peremptória.
Que explode pela boca de forma consistória,
Apenas um comando ou surpresa revelando!

“Fazer amor”, também, era apenas galanteio
Ou no amor cortesão, espirituosa troca,
Antes de referir do amor sexual meneio...

Mas hoje também vejo, em desapontamento,
Que ninguém mais emprega o termo que o invoca,
Mas “transa” ou “trepa” apenas em sexo violento.

CARTAPÁCIO IV

E tantas vezes vê-se, naquela antiga história,
A troca de carinhos gentis em palavreado,
Talvez hipocrisia, talvez mesmo falseado,
Mas coisa mais suave do que se escuta agora!

Em que momento, penso, na guerra ou na vitória,
Falar mais obsceno tornou-se consagrado,
Perante uma plateia o termo declamado,
A conspurcar o hoje com cacos de sua escória!

Quando seria possível obter-se igual efeito
Ou até muito melhor de forma mais sutil...
Não que de tais palavras eu tenha nojo ou medo,

Mas guardo para mim constante esse direito
De referir por “pênis” o meu membro viril,
Porém seus nomes chulos mantendo num degredo!

Vapidez 1 – 02 mar 1980

Não saberei dizer, mulher que adoro,
Se tens amor por mim, se pelo vinho.
Não saberei dizer se teu carinho
Foi matizado assim pelo decoro...

E por isso ocultou-se durante tantos meses...
Ou só ao perceber estar quase perdida,
Por evitar mostrar o peito malferida
Finalmente mais fundo mostrar quanto me prezes.

Ou se foi, ao contrário, apenas reprimido,
Em leve espuma gris, já quase à flor da pele,
Amor bastante de afogar-se nele...

E que os goles dourados, rebrilhantes,
Quebrassem de fugazes tais instantes
E nos teus braços enfim fosse acolhido.

Vapidez 2 – 24 ago 2017

Por vários anos, carícias tão somente,
Mais que a presença, a ausência foi frequente,
Porém na ausência a imagem mais silente,
Bem mais distinta que na tua presença.

Como se pode ter imagem frente à frente,
Quando se pode encarar presença densa,
Quando a figura se torna mais intensa
E de tornar-se imagem apenas faz-se infensa?

Mas a ilusão entrou assim em picnose:
De suas células os núcleos destruídos,
Na realidade de visual fagocitose,

Quando a verdade devorou o sonho,
Seus fantasmas em aroma dissolvidos,
No sensabor de um insípido bisonho.

Vapidez 3

Vapidez pode ser apenas coisa insípida
Ou no sentido oposto, exalação;
Em tua presença há feroz percepção,
Em tua ausência me envolvo só na onírica,

Alucinada imagem, qual em bruma etílica,
A ti concebo tão só em imaginação
E te conservo tão somente no pulmão,
Tal qual te exale nas fímbrias da metílica.

Essa imagem, contudo era só minha,
Somente ao cérebro devia exultação,
Enquanto o ser real me traz o orgasmo.

Hoje contemplo os membros da rainha,
Diluída a imagem, não passava de ilusão,
Mas obteve-se real ganho nesse pasmo?

Vapidez 4

O que é certo é que eu amava tal imagem,
Mas sem por ela jamais onanizar,
Era o sonho mais suave de todo o meu pensar,
Para o reino de Morfeu a mais gentil carruagem...

E agora que te abraço com voragem,
A própria imagem põe a si em masturbar
E a cada vez mais pálida vem a se tornar,
Vagos contornos sobre a real paisagem.

Fui então eu que abandonei a imagem cara
Nesse adultério com a mulher real
Ou ela esvai-se em sangue de ciúme?

Pois em tríade, por mim, a conservara,
Mas sem pendor de lésbico fanal,
Também ao homem desertou em azedume...

SEDEX I – 03 mar 1980

Confio em ti, que de esperar bem sabes
E tanto de confiar, tens esperado;
E tanto de me amar, tens sopesado
A escala de valores, onde acabes

Por me saber valendo, em peso forte,
Mais que outros pesos tantos de tua vida...
Já que, em teu coração, abriu ferida
Um beijo azul selando a nossa sorte.

Confio em ti, que de esperar és rica:
Que de amor sejas rica e de confiança,
Por que razão exista de esperança.  

Confia em mim, porque confiar se aplica,
No meu amor, tão cheio de bonança,
Quando a certeza de teu amor se indica...

SEDEX II – 25 AGOSTO 2017

Confiar não podes em pendor testicular,
bem mais que o sêmen, querendo o coração,
sem dar somente morada de ocasião,
antes de inteiro o teu peito partilhar.

Metáfora é o “coração” bem singular,
contraposto contra o sexo em rubra união,
como se a alma habitasse a locação
em que carmim se vê tal órgão latejar!...

Não me confiaste, para a entrada triunfal
conceder-me da vulva nos refolhos,
antes de ter de meu espírito a certeza;

mas nessa entrada no átrio vaginal,
talvez a alma naufragasse nos escolhos,
pelas Trompas de Falópio na aspereza...

SEDEX III

Do tal Falópio em mim há aborrecimento,
já que tuas trompas somente a  ti pertencem,
condescendendo que para mim se adensem,
numa entrevista de congraçamento.

Igual é Eustáquio, que tem merecimento
nesses canais em que sons mais se condensem;
mas tais Trompas são minhas e convencem
minhas cocleias desse ar em vibramento

que origem dá à percepção sonar,
como outras trompas em feitiço milenar
dão origem a nós, pequenos seres;

ambas não sopram, que podem só sugar
semente e som, vida e canto a originar,
nessa velhíssima epopeia dos prazeres!...

SEDEX IV

Destarte, ambas as trompas são canais,
a transmitir, cada qual, a sua mensagem;
traz uma o som em vasta perpassagem
e traz a outra toda a vida dos mortais.

Para a vida segue o sêmen em carruagem,
pelos sinuosos meandros vaginais;
por misteriosos meandros cerebrais,
o som se insere para a cerebral paisagem.

E as palavras de amor que se murmuram
e pelas Trompas de Eustáquio são levadas,
para as Trompas de Falópio abrem caminho

se o som o sexo mutuamente auguram
percepções de maravilhas encantadas:
cerebral gozo em vaginal carinho!...

CELEBRANTES I – 4 mar 80

Nós temos testemunhas... complacentes.
Talvez partilhem mesmo nosso amor
ou, num suspiro apenas, com fervor,
desejem nos tornemos permanentes.

Que em nossa bússola louca de erradia,
não haja mais ponteiros tontiformes,
não haja mais amores desconformes,
mas duas vozes na mesma melodia...

Naquela meiga e morna nostalgia,
relva nos braços, carne em plenilúnio,
desafiando o fado do infortúnio;

naquela mesma e simples luz de antanho,
naquele igual fervor em que me assanho
a te possuir, à luz do meio-dia!...

CELEBRANTES II – 26 AGO 17

Serão voyeuses nossas testemunhas,
tendo prazer só no prazer de observar,
no melancólico cantochão de lupanar,
sua pele a acariciar com brandas unhas?

Suas orgias em cruz de várias cunhas,
as vergastas em sibilo a murmurar...
Será que pensam estar a conspurcar
esta pureza que dentro em ti supunhas?

Será que querem tão somente delinquir,
satisfação nas más ações que praticaram,
sem que de fato se envolvam em adultério?

Será que buscam tão somente perquirir,
com olhos ímpios, os dotes que levaram
à decadência sexual de um monastério?

CELEBRANTES III

Sempre há videntes para a pornografia,
mas nem sempre é pornográfica essa ação;
nem sempre existe aqui malversação:
bem generosa será talvez a sua valia!...

Condescendência, depois que alguém sentia
que já deixou para trás toda a ocasião
e tem prazer vicarial na situação
de a outrem prover o que não mais teria?

Sempre se encontra qualquer sexualidade
em tais atos de complacente proteção
e de algum modo existe, em tal presença,

um certo amor sem buscar fertilidade,
qual casamento por procuração,
sem qualquer consumação que o amor adensa.

CELEBRANTES IV

Será que existe aqui um despudor,
exibição com laivos de vaidade
ou indiferente e total sinceridade
quanto à visão que tem seja quem for?

E qual é o preço deste destemor,
como dar às testemunhas saciedade,
qual o ritual a compensar saudade
desse tempo em que possuíam mais vigor?

A maioria das pessoas simpatiza,
ao ver nas ruas um casal de namorados,
porém outra fração sofre de inveja;

mas quem amparo a dois amantes visa,
talvez só lembre dos prazeres olvidados,
sua recompensa o próprio ardor que enseja... 

Empecilho 1 –  [datado “MAR the First”.]

Que estranho não consiga nesta noite,
Embora assim para escrever desperto,
Descrever, no esplendor do meu afoite,
Quanto de mim tua alma chegou perto!...

Ou, quem sabe, é um assomo de pudor,
Que assim me impede, em gesto de cautela,
Revelar a expressão do nosso amor,
Brilhante e breve, qual luzente vela...

Não que seja furtivo de meus deuses,
Que neles não confie...   mas, talvez,
Melhor me fora furtar-me a teus adeuses,

Por não lembrar instantes de maciez,
Quando perdido em chama de desejo,
Teu corpo desnudei em arcano beijo.

Empecilho 2 – 27 agosto 2017

Antes que houvesse a livre permissão
Para os amantes juntos convivessem,
Como hoje vejo, vi antes que estivessem
Autorizados a conubial consumação,

Era diversa a sociedade na ocasião,
Mas às décadas assisti que nos trouxessem
Os anticoncepcionais aos que quisessem
A busca do prazer sem apreensão.

Tive tempo de assistir a sociedade
Despir-se aos poucos de sua hipocrisia:
Não mais a outra cidade a jovem ia,

Para ao sexo entregar-se em saciedade,
Que hoje recebe qualquer na própria cama
Tantos amantes quanto o corpo lhe conclama!

Empecilho 3

É tal qual se, nos tempos do passado,
O preconceito só encarasse a gravidez,
Não contra o sexo em que parceiro vês,
Qualquer casal bem rápido trocado.

Tive tempo de assistir ao descuidado
Más moléstias contraindo por sua vez
E por questão de saúde, a cada mês,
Mais o governa aceitando o novo estado,

Vindo por certo o estigma a banir,
Generoso a distribuir gratuitamente
Os meios de impedir sua difusão,

Que hoje o estigma se encontra em contrair
Essas moléstias transmitidas sexualmente
Por tanta cópula realizada sem paixão!

Empecilho 4

Porém na década em que redigi o soneto
Que encabeça esta série retomada,
Era igual a atividade praticada,
Porém às escondidas, em secreto...

Da hipocrisia era o sexo objeto,
Muito especial por quem já quase nada
Fora na vida sexual aquinhoada:
Passado o gozo, torna-se o sexo abjeto!

E nessa época, quando eu me atrevia
A falar do sexual abertamente,
Aberta achei ou oculta repreensão...

E mesmo hoje, ainda encontro – quem diria?
Quem julgue ter direito impertinente
De reprovar o que já fez noutra ocasião!

PRIORIDADE I –  12 out 81

Em posição fetal, teu corpo morno,
enrodilhado e meigo no sofá
e os dedos insistentes, porque já
sozinhos nos deixaram os de entorno...

Tão logo a porta cerrada se encontrasse,
a boca tu me abriste e os dedos quentes,
na nuca e nos meus ombros, mais ardentes
do que jamais no outrora te abraçasse...

E o beijo sem demora, de audacioso,
revolve-se nos seios, perfumoso,
enquanto a língua descende até o limite

que de orgasmo derrame teu clitóris,
antes que a carne toda me devores,
no ardor do olhar, que ao gozo me concita!

PRIORIDADE II

Nem sempre, quando eclode o amor primeiro
entre um casal, o orgasmo é surpreendente;
depois de adiado, o desejado é tão premente
que esse prazer se esgota mais ligeiro...

há uma ansiedade pelo espasmo derradeiro,
ante o que foi negado anteriormente,
se o desempenho será mesmo o mais veemente
ou degradado em triste fato corriqueiro...

de outras vezes, ocorre até o contrário,
quando se esbate em ocasião inesperada
e a alma explode com o  sêmen derramada,

quando as coxas se contraem em relicário,
enquanto os haustos dos pulmões são expelidos
em feroz série de gemidos incontidos.

PRIORIDADE III

Só depois que se cumpriu o desejado
a um certo tempo, não mais dúvida ou promessa
é que o delírio um do outro se confessa
e o corpo inteiro nesse dom faz-se integrado.

Sem mais se precisar ter o ventre preparado,
desde que tal oportunidade permaneça
e que qualquer insegurança a gente esqueça,
quando o falo já foi pela vagina consagrado!

Há de fato mais prazer na permanência,
na concessão de real continuidade
que em puro e simples concluir penetração

de um corpo pelo outro, numa ardência
que não busca prometer perpetuidade
e nem pretende oferecer continuação.

PRIORIDADE IV

Contudo existe um beijo inesperado
que nos provoca uma tão grande exultação,
um permanente combustível de ereção,
no repetir de cada orgasmo conservado.

É quando amor se manifesta desvairado,
quando a vertente cascateia em profusão,
bem certamente quando ocorro a ovulação
e o ventre anseia afinal ser fecundado.

Nessa armadilha que brota desde o antanho,
quando cada antepassado canta em coro,
quando cada descendente nos aprova,

velha serpente de um fragor tamanho,
em copular desprovido de decoro,
no qual a raça inteira se renova!...

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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