sexta-feira, 28 de junho de 2024

 

 

(PALAVRAS MORTAS I  (26 MAIO 2024)

(HOPE LANGE)

 

O teu abraço será o meu casulo,

na tessitura de mil beijos de seda,

nesse invólucro que teu amor conceda

meu próprio ego plenamente anulo.

 

Para teus braços, sem cuidados, pulo.

Minha bonança em ti toda se enreda,

em troca apenas de esperança leda...

Gotas de sonho lentamente engulo...

 

Nesse casulo encontro mais calor

do que na entrega que me faz o Sol

dos mais rosados raios do arrebol.

 

Mas fico inerme, em dúvida secreta:

se uma aranha sugará o meu amor

ou se me virarei em borboleta...

 

PALAVRAS MORTAS II 

 

Preciso hoje desse teu abraço,

que já vezes sem conta me negaste.

Meu coração já muita vez quebraste,

mas o soldei. sem deixar-lhe qualquer traço.

 

Das rachaduras preenchi o espaço

com as gotas de meu pulso que cortaste

e nada percebeste, quando olhaste,

achando não sofrera por teu laço.

 

Porém não foi assim.  A tua armadilha

fechou-se mais feroz que uma ratoeira

e sei que nunca dela escaparei...

 

Mas me perseguirá por toda a trilha,

até me chegue a hora derradeira,

em que meu último suspiro te darei.

 

PALAVRAS MORTAS III

 

Pois silencioso será esse suspiro,

por mais que prenhe de significado.

Não traz palavras meu suspiro alado:

palavras são mentiras em que giro.

 

Palavras são verdades com que firo

não o meu, mas coração atribulado!...

Talvez seja gentil o meu pecado,

quando alheio coração assim eu miro.

 

Casulos e suspiros são retortas,

nas quais se fervem todos os venenos,

enquanto tuas palavras mais me iludem,

 

por suas manifestações há tanto mortas,

até que abraços representem menos,

nessa quitina negra em que me escudem.

 

PALAVRAS MORTAS IV – 27 MAIO 24

 

Porque as palavras morrem, certamente,

mais facilmente do que pessoas morrem.

As nossas vidas, em geral, transcorrem

por seis ou sete décadas ou em frente.

 

Mas quanto tempo significados correm

para outra geração indiferente?

Eles se mudam mais rapidamente,

que essas novelas que os canais percorrem.

 

E desse modo, para que limbo vão

esses significados descartados?

Para que arquivo vão os excluídos?

 

Ou vão cumprir sentença de prisão,

por serem de valores desprovidos,

no esquecimento dos desencantados?

 

PALAVRAS MORTAS V

 

Em si mesmas são palavras duradouras,

em especial após inventarem a escrita.

Lá ficam elas em coroa de grafita,

bem delegadas às gerações vindouras.

 

Mas as palavras que em papiros entesouras,

não são de fato as palavras que se agita,

perdem-se as vozes, mesmo a mais bonita,

por mais anseios de ser imorredouras.

 

Após somente cinco séculos um documento

só é aparentemente compreensível

e como se restaura o significado

 

que se encontra por detrás do pensamento,

se a gravação do som só foi possível

durante as décadas do século passado?

 

PALAVRAS MORTAS VI

 

Mas as palavras não são apenas som,

elas só vivem na boca das pessoas,

elas se tornam naquilo que afeiçoas

e cada boca lhes dá seu próprio tom.

 

Significados não permanecem com

os repetidos nas mais antigas loas,

palavras más, igual palavras boas,

vão-se perdendo como beijos de batom.

 

Assim se vai o som e esvai-se a forma

e o significado é o menos permanente,

porque se inverte até frequentemente

 

e pouco ou nada se pode conservar

daquilo que há cem anos era a norma

e nos surpreende em velhos textos encontrar.

 

PALAVRAS MORTAS VII – 28 mai 24

 

Porque as palavras se perdem nos casulos

e os casulos se prendem nos abraços

e os abraços não deixam quaisquer traços,

como não deixam no ar sinais mais chulos.

 

Mas os suspiros finais, que deixam nulos

esses sons reconhecidos nos seus laços,

quando se apagam afinal os olhos baços

e os estertores se perdem em engulhos.

 

Quando se perdem beijos nos suspiros

e os suspiros dissolvem-se no vento

e a brisa se dilui no pensamento

 

e o pensamento em derradeiros giros,

tudo dilui-se sem nos trazer um só provento,

sem sequer a ilusão de um julgamento.

 

PALAVRAS MORTAS VIII

 

E quando digo precisar do teu abraço,

talvez apenas à palavra me refira

ou à semântica que a palavra me transfira,

bem mais que com teu corpo me congraço.

 

Do corpo o significado é sempre escasso,

só uma fração da alma ele retira,

mas é a alma que realmente me suspira,

bem mais que o corpo cingido por teu braço.

 

Porque o casulo do ventre é bem concreto,

mas só abriga uma parte pequenina

e eu queria inteiro estar dentro de ti,

 

que só em espírito existe igual afeto,

sem que palavra alguma peregrina

possa expressar o quanto que senti.

 

PALAVRAS MORTAS IX

 

Quando refiro de tua palavra precisar,

nem sei o que falei, pois é mentira

a quanto a tua palvra se refira,

mesmo que nunca pretendas me enganar.

 

Porque a palavra, em seu significar

um pouco de verdade sempre tira

e dela um pouco além ainda mira,

toda palavra sendo mais um adejar,

 

algo que apenas mostra a superfície,

a crosta, a casca ou simplesmente a nata

do que nos pode em real comunicar,

 

em que a verdade à falsidão alie-se,

mesmo inconsciente, é nó que não desata,

enquanto a humanidade a balbuciar.

 

PALAVRAS MORTAS X – 29 maio 2024

 

Prefiro então escutar o teu suspiro,

por incerto que seja, pois provém

de teus pulmões, que no âmago contém

do coração a percussão e o giro,

 

que um suspiro pode ser tão só respiro,

mas representa a vida assim de quem

suspira nesse instante em que quer bem,

lá do fundo dos olhos em que miro...

 

pode indicar amor ou só cansaço,

porém não mente no seu revelar,

nem tenta simplesmente disfarçar

 

se as palavras ou então o próprio abraço,

que procuram tal suspiro interpretar

e assim o tornam em armadilha e laço.

 

PALAVRAS MORTAS XI

 

E quando digo precisar de teu casulo,

com ele aceito segurança e falsidade:

o teu carinho me envolve sem maldade,

mas não existe qualquer carinho puro,

 

que o mais claro possui laivos de escuro,

no nuançar perpétuo da verdade,

cada casulo tem rubra opacidade,

se me protege e torna mais seguro.

 

Que mal algum receberei de estranho,

mas ficarei atento à tua vontade,

consoante aquilo que o casulo me daria,

 

quer sejam fios perfeitos em tamanho,

quer sejam lãs de passionalidade,

quer as fagulhas intangíveis da magia.

 

PALAVRAS MORTAS XII

 

Por isso as chamo de palavras mortas

até mesmo as que ressumbram de verdade,

quem irá sondar a especularidade

nesses reflexos do som que me reportas?

 

Já tais palavras há muito são comportas,

pobres palavras de oca falsidade,

palavras de carinho ou em vacuidade,

com que diariamente me confortas...

 

Mas teus abraços e o som de teus suspiros,

brotados lá do fundo de teu peito,

são concertos de verdades construtivas

 

e neles vivo, partilhando teus respiros,

bem confortado e sem qualuer despeito,

mesmo mesclados com palavras vivas.

quarta-feira, 26 de junho de 2024


 

 

GENTES MORTAS 1 – 21 MAIO 24

JESSYE NORMAN, cantora lírica

De quais gentes me brota a inspiração?

De que ínvios rincões da humanidade

me atingem gritos de desesperalidade

ou ao contrário, de plena exultação?

Essas gentes já mortas aonde estão,

como  alcançaram ampla hospitalidade

deste meu cérebro a curta opacidade,

em minhas meninges como penetrarão?

Certo é que este altissonante versejar

não me parece originar-se em mim apenas:

de onde sopram as urtigas e verbenas

que de meus dedos sem pudor irão pingar?

Será que escuto vozes mudas ao luar

ou ao meio-dia insolentes cantilenas?

GENTES MORTAS 2

De que órgão de tubos e caniços

escuto essa intangível vibração?

Será que são as cuias que ali estão

sobre aramados de tão magro viço?

Será que são esponjas a serviço

de qualquer canto de mata no rincão

ou das corticeiras avermelha-se a canção,

de uma mata ciliar o som castiço?

Será o vento soprando nas tabuas

ou por entre as solidagas seminuas,

a sacudir sementes que repartirão

ou pelas várzeas se enrolam as lianas,

nesse capim de azevém e de campanas

que dentre as brisas se fazem brotação?

GENTES MORTAS 3

De quais pedras jazendo sobre o vale

descem as vozes mortas sem sossego

para as lianas rangendo no arvoredo,

nessa voz permanente que não cale?.

Será que existe da samambaia um xale

a murmurar soluços de segredos,

as pedras a rangir flores e medos,

areias finas em prefigura de algum caule?

Será que as gentes mortas se tornaram

em pedregulhos, caolim e pedra-moura,

em cada nuance a frágua de um tesouro,

em pedra-pomes suas vozes misturaram,

nesses resquícios em que o sol ainda doura,

voz de tambores a percutir-me o couro?

GENTES MORTAS 4 – 22 maio24

Será então que me brota dos pelegos

essa nuance eventual de carne morta,

esse aroma apodrecido que me corta

e que me fita sem orgulho em olhos cegos?

 

Será que ressequidos ainda há apegos,

sem que a artéria seca ainda se importa

e algo do sangue já vertido ainda me exporta

pelo calor dissipado em vãos arpejos?

Esses pelegos sacudindo ao vento,

depois de serem relegados ao relento

e balbuciando assim seus desenganos

para a pastagem de um coração humano,

sem fazer parte do aquerenciado plano,

somente o pelo farfalhando seus afanos?

GENTES MORTAS 5

Será que há outros sob os pés de samambaias,

que em Portugal chamam fetos sem segredos,

meninos mortos, que não cresceram ledos,

ali plantados como tantas faias

ou ali ainda se sacodem largas saias.

bem sob a terra ao percutir dos dedos,

de qualquer modo a transmitir albedos

para meu cérebro envolto em tantas mayas?

Por certo tíbias percutem sentimentos

do que viveram em tristezas e pecados,

ouço o crotalo sem saber seus lados,

talvez soem simplesmente guizos belos,

mas  a seu som meus dedos formam gelos,

haverá sabedoria em tais lamentos?

GENTES MORTAS 6

Será que encontro inspiração na cruz limosa,

feita por tíbias com tendões atadas,

nesses anúncios de tão pequenos nadas,

restos defuntos de uma vida esperançosa;

não que escute estalares de almofadas,

quem jaz ali não tem mortalha mais garbosa,

está talvez desmantelado e qualquer rosa

entranhou-se nas costelas desmanchadas,

apenas vejo ali macabro instante,

ao passo que uma vida segue avante,

tal gente morta talvez gerasse um só espinho

e contra as hastes ressequidas murmurasse,

num assobio que apenas me espelhasse

pobre refrão a atravancar o meu  caminho.

GENTES MORTAS 7 — 23 maio 2024

Que gente morta ali vai borbulhar,

no crocitar em quariqui de um sapo

ou no crotalo de amarelo papo,

que serpenteia ao longo do caudal?

Talvez alguém me sussurre no fanal

de flores belas que surgem dessa lama,

qual pobre gente que fez ali sua cama

e ainda me fala sem querer meu mal.

Quem dera que a canção desse sapinho

se pudesse transmutar em um soneto,

para saltar ao coração de gente viva;

quem dera se as pedras do caminho

trinassem algo, num cantar secreto,

para as jóias rebrilhantes de minha diva!

GENTES MORTAS 8

Será a mata plena em solidão

a fonte arguta de meu novo poema,

de que forma ressurgir em doce pena

o cipoal que se cruza na ocasião?

Seria a clareira a me surgir de sopetão

por entre as casuarinas, como gema,

a sacudir suas agulhas nesse lema,

para atrair-me ao assombrar da escuridão?

Que o cipoal recorda esse torneio

de cada verso em que me emaranho,

que me enleia em dédalo tamanho

para atrair-me à labirintina concussão,

mas cada poema redijo sem receio,

mesmo que saiba qual estranha sensação

pode afinal resultar em inspiração?

GENTES MORTAS 9

Talvez devesse inspirar-me a cordilheira

que Neruda descuidado rejeitou,

mas diferente breviário me alentou,

não penso em sangue a sibilar na esteira;

talvez devera me inspirar a cremalheira

que tanta pedra artificial gerou,

mas diferente é a planta que animou

o meu espírito e que de mim se abeira.

Ou então será a linha do horizonte,

nessa cópula do ar com cada serra,

a me escorrer da inspiração a fonte,

mas quem morreu a contemplar o arco

que pinga cada gota do céu com a dura terra,

por que deveria então soprar meu barco?

GENTES MORTAS 10 – 24 maio 24

Outros dirão que me projeta a Lua,

seus fios gélidos a aquecer-se em mim,

como feixe de ossamenta carmesim,

enquanto penso em vão senti-la nua,

pois tem dois chifres agudos como pua,

quando crescente, em seu trajo de arlequim,

mas não fecunda assim o meu jardim –

seria a Lua que sobre mim atua?

Ou ao contrário, vou procurar no asfalto

Esse negror patético de um verso,

ansiando por piscar revoluteante,

oculta a pedra antiga em tal ressalto,

essas feridas de esplendor inverso,

em que se hemoptisa meu sonho palpitante.

GENTES MORTAS 11

Há gentes mortas transmutadas em edifícios

ou simplesmente em casas paroquiais;

para o soneto a religião cobra demais,

ao permitir seu poder de precipício,

pois cada verso traz seu próprio malefício,

mesmo se alegre ou em cantos triunfaus

e ao mesmo tempo inspira sempre mais,

ao menos traços de um futuro frontispício.

Não sei por onde me assediam os chacais,

por que me espreitam de soslaio os jacarés,

Cada soneto pode ser um usucapião

desses molhes que apodrecem junto aos cais

ou os crucifixos metalicos das fés,

quais centopeias a me roer o coração.

GENTES MORTAS 12

Quiçá de insetos é que me brote a inspiração,

que afinal, sempre existe um louvadeus,

em seu bote preparado para os seus

vitimizados em cada refeição

e é de pensar qeu me mastigue o coração,

em mil partes remontando até os judeus,

dos sacerdotes cristãos sonhos ateus,

o meu sangue a dispersar na solidão.

Sou peregrino a aguardar meu sacrifício,

No  tempo e espaço das franjas de minhalma,

ao partilhar.da eucaristia dos mortais,

que só sussurram  sem sequer fazer bulício,

nas cristalinas vastidões da calma,

até que eu forje arcobotantes materais.

GENTES MORTAS 13 – 25 maio 2024

A inspiração, dir-me-ão, vem da cascata,

que do subsolo se alça em hesitação,

ou que se explode quase em borbotão

e se expande a degolar a verde mata;

logo outro filete de água se desata,

dentre três pedras, com olhos em botão,

a cortar gluglulejante toda a vegetação,

até outras pedras com quais se debata;

mas o que traz à superfície a simples fonte,

essa deidade ctônica e espeleológica,

a gente morta que no subsolo dorme

e com seus velhos sonhos, pobre arconte,

sem a sigízia de amor, sem qualquer lógica,

no ar se espalha enquanto  a imagem forme.

GENTES MORTAS 14

Ou é o relâmpago que amplia o coração,

em inesperado e metálico esplendor,

derrete a carne em versos de pavor,

em sua beleza de tonitruante divisão

ou será seu seguidor, surdo trovão,

que a seguir se enlaça em estridor,

que virá a dominar-me por temor,

nessa crueza triunfal de sua canção.

Lembra seu canto o pomo das Hespérides,

cuja conquista foi da hercúlea sensação

ou o rebanho dos bois de Gerião,

nesses arcanos repicar das efemérides,

ou o poder emanado deste a terra,

circumbrilhante nessa saga em que se encerra.

GENTES MORTAS 15

Tomo os olhos que saem dessas necrópoles,

de algum modo os transformo em emoção,

na busca álgida de uma nova sensação,

que em si contém minúsuclas metrópolis;

eu serei para esses olhos a egópolis,

somente em mim encontrarão aceitação,

podem contar-me vingança sem perdão,

mas em mim construirão as suas demópolis

e cada veso que sangrar de minhs falanges

será o sangue de ossos ressecados,

que assobiam em louvor dos assombrados

e em mim seus lábios se tornarão alfanges,

a sua boca eu serei em metempsicose,

em meu peito doentio a dourar cada neurose.