quarta-feira, 1 de maio de 2024


 

 

BUSTO DE GESSO – 13 ABRIL 1977

(Lena Horne, coadjuvante Hollywood)

 

Na sala o meu avô possuía um busto antigo

De jovem sorridente (viera lá da França):

Nos olhos marrom-claro jocosa luz fulgia,

Lembrando travessuras dos tempos de criança;

 

Cabelos ondulados pendiam sobre os ombros.

Como soltos apenas das dobras de uma trança;

O peito já mostrava, em forma fugidia,

Mulher quase menina – adolescente em dança!

 

Um dia, em que fiquei sozinho lá na sala,

Para vê-la de perto, bem junto me cheguei,

Cuidando perceber no gesso de sua gala,

 

Um lampejo de vida – e mais me aproximei

E em tributo a esta ninfa (e quase por amá-la!)

Furtivamente e a medo – seus lábios frios beijei!...

 

RELICÁRIO –24 JULHO 1978

 

Cansada um dia de guardar constante

Tesouro assaz comum, donzela nobre

Da alfombra casta que seu véu recobre

Decidiu desnudar-se nesse instante.

 

Escolheu ao acaso o seu verdugo,

Por não possuir o bem que mais queria;

E num capricho, assim se desfazia

A um tempo de sua glória e de seu jugo.

 

Depois... ergueu-se um brinde, solitária

Em taberna qualquer – da cirurgia

Sobrevivente apenas temporária;

 

Pois ficou-lhe ferida tão vazia:

Ao reduzir-se à condição de pária,

Seu coração – mais virgem se fazia!

 

REFÚGIO – 24 JULHO 78

 

Noite passada, envolta nos meus braços,

Chorou-me a esposa por perdido afeto

Que em seu coração manso e discreto,

Fizera despontar tantos abraços...

 

Assim, envolto por tão doces laços,

Rasgado de emoções tão multiformes,

Procurei consolá-la, mas disformes

Lhe gotejaram pérolas dos traços...

 

“És tudo para mim, tudo o que tenho!”

Disse marcada de profunda dor:

“Não estou preparada, porém venho...”

 

E eu – fracassei em dar-lhe meu calor,

Pois apesar de todo o meu empenho,

Noite passada – eu nem lhe fiz amor!

 

CEIFA – 26 JULHO 1985 (Irmão Parmenas)

(Baseado em Mateus 7:15-21)

 

Com vestes de ovelhas, os lobos vorazes,

Os falsos profetas de nós se aproximam

E tantas doutrinas aos homens destinam,

Quais frutos diversos de campos ferazes.

 

Responde o Evangelho com ditos verazes:

As árvores boas dão frutos que ensinam,

Porém outros frutos nos ferem, lastimam,

Nos sugam as almas – são frutos sagazes!

 

E pelos seus frutos os conhecereis:

Nem todo que invoca do Altíssimo o Nome,

Nem todo o que clama, nos céus entrará.

 

Somente o que cumpre esta Lei que consome

Figueiras estéreis, profetas e reis,

Na fúlgida pira que em chama arderá!

 

SEQUELA – 8 ABRIL 79

 

Com reverência, à pena amargo eu torno,

De amarga pena usar com reverência,

De transcrever, sincero e com paciência,

De um claro sentimento o vão contorno...

 

Com reverência em meu franzido cenho,

Por franzer-se em palavra e reverência,

Retorno em amargor de tal paciência,

A refazer dos versos o desenho...

 

Porque o tempo sofrido e sem alarde

É um tempo longo e morto e faz-se tarde

E logo já não posso estar contigo...

 

Porém melhor eu faço que esta tarde

Gaste a escrever poemas sem alarde

Por bem saber não queiras vir comigo...

 

ALIVIO –08 ABRIL 1979

 

Vivendo eu sempre assim nessa incerteza

De um desejar que nunca desejei,

De um gozar por um bem que não gozei,

De uma inconstância vil, quase tibieza...

 

Vivendo eu sempre assim tanta certeza

De não querer a quanto mais eu queira,

De não beirar o amor quando se abeira,

Nem de abordar a força em tal fraqueza,

 

Terei motivos de sobra de ilusão.

Poderei sempre achar consolação

Por não ter obtido o que não tive...

 

Pois não tentando achar, não alcancei;

À força de temer, não te beijei

E porque não te busquei, não te obtive...

 

OLOR – 08 abril 79

 

Eis-me uqui, pois ainda de teus beijos,

Rescendendo a saliva, em doce afeto,

Envolto em teu perfume tão completo,

Quanto é total  a entrega a teus desejos;

 

Eis-me aqu, pois ainda de teus braços,

Carinhado dos pelos cintilantes,

Esparsas gotas d’oiro e triunfantes.

A rebrilhar em meus seus doce traços,

 

Numa cascata etérea e fugidia,

Que recobriu-me, em plena luz do dia,

Em seu candor de lua e ardor de lume,

 

Fulgor real e ruivo de quimera,

Que a carne exuda e a carne minha altera,

Permanecendo em mim no teu perfume.

segunda-feira, 29 de abril de 2024


 

(Recuperação de antigos sonetos que estariam perdidos para sempre em um incêndio, se não tivessem sido guardados por ela em uma pasta de carinho, antes mesmo que me confessasse o seu amor).

 

DEGRADAÇÃO – 06 ABR 79

(Danielle Darrieux, apogeu cinema francês)

 

Amor um dia, em gesto cintilante

Eu te entreguei qual áureo recipiente,

De seiva estuante e de esplendor frequente,

Qual estrela matutina e chamejante.

 

Meses depois, pediste casuarinas,

Para expor em tua sala à luz mortiça;

E ao deixar de ser bela, quebradiça.

Acinzentou-se em ramas peregrinas...

 

Não resistindo à geada matutina,

Furtada a estrela pela ventania,

Viçoso fora o nosso amor outrora,

 

Tornou-se cinza, tal que a casuarina;

E como a casuarina, veio um dia,

Em que tiveste de lançá-lo fora...

 

BAILE – 08 abril 1979

 

Tenho da vida grão ressentimento,

Pelo bem que não tive e não terei,

Pois tanta coisa de simples não gozei

Na hora aprazada e em seu gentil momento.

 

Fiquei aqui suplicando desatinos,

A mastigar aromas e perfumes,

Mesclados de palor e de azedumes

Pelo velório de sonhos peregrinos...

 

Que meus dias à toa se escoassem,

Que meus desejos nada realizassem

É afinal, destino bem comum...

 

Mas que eu fosse tão fértil em desejos!

Que desejasse, enfim, ter tantos beijos

Quantos sonhei e não vivi nenhum!

 

ENREDO – 7 abril l979

 

Pois fazer mil sonetos é bem fácil:

É não fazer o quanto mais se deve,

É nunca responder quem nos escreve,

É não aventurar-se ao bem mais grácil;

 

É ficar sempre isento de alegria,

É privar sempre de amor o coração,

É guardar-se somente na ilusão,

É fingir não sentir quanto sentia;

 

É maanter-se no escuro em claro dia,

É faminto ficar-se de desejo,

É pretender-se surdo à malodia;

 

É fugir-se do ardor ao puro ensejo,

É furtar-se aos aromas da elegia,

Para perder-se no sonho de teu beijo...

 

 

 

 

 

sábado, 27 de abril de 2024


 

 

TRÊS SORRIOS 1—17 ABRIL 2024

(Elle e Dakota Fanning)

 

Vou coletar cada um de teus sorrisos,

Para usar como alfinetes de gravata,

Cada um seu dia, cada qual sua data,

De meus troféus os principais incisos.

 

Vou roubá-los de ti sem dar avisos,

De minha boca para guardar em casamatas,

De tues lábios a brotar feito cascatas,

Sem o sardônico casquinar de quaisquer risos.

 

Nem sempre mostras sorrisos incisivos,

Certas vezes somente a boca entortas,

Que estivesses contra mim então julgava,

Mas por trás dela havia outros esquivos,

De teu amor fechadas as comportas,

Era o fervor que de tua alma se ocultava...

 

TRÊS SORRIOS 2

 

Ai,teus sorrisos como me devoram1

Vejo-me preso por detrás das comissuras,

As tuas narinas arquejando puras,

Para meus olhos meiga visão que adoram!

 

Por trás dos lábios teus sorrisos moram,

As comissuras podendo ser bem duras,

Para meu mal a retardar-me as curas,

Mas de repente tuas feições se douram.

 

Vejo a saliva num relance repentino

Logo se esconde, a imagem permanece

E minha tristeza se esvai do pensamento,

Ouço tua voz como um guizo  em desatino,

Cada sorriso qual vastidão de prece,

Cada surpresa a dominar meu julgamento!

 

TRÊS SORRIOS 3

 

Teu sorriso eu ostento qual medalha,

Mas somente para mim no meu espelho,

Nova a alegria em meu rosto velho,

Pelas linhas de expresão percorre a calha.

 

Mas quando chega o sorriso e não me falha,

Rejuvenesço em chibatear de relho,

Todo o meu coração então destelho,

Que entre o sorriso através de minha  muralha!

 

Que a ti pertenço sei inevitavelmente

Com três sorrisos um dia me tomaste,

Um de teus lábios e outros de teus seios,

Cada mamilo imantado inteiramente,

Como sorriso no instante em que o mostraste,

De mim roubando os mais fatais receios!

 

AVES DE ARRIBAÇÃO I – 18 ABR 24

 

Em meus ombros pousaram avezinhas,

bicando meus lóbulos com delicadeza,

seus chilreios que escutasse com firmeza,

vozes antigas em arcanas ladainhas,

pois me cantaram suas coplas pequeninhas,

uma à direita e a outra com certeza,

a revisitar dos ancestrais pura leveza:

canção de antanho, quem sabe donde vinhas?

 

Cada bicada, ao invés de me sangrar,

sangue no interior da mente me insuflava,

as escanções de mil aedos falecidos,

seu corpo descarnado, sem mais poder cantar,

mas a sua mente sobre a minha derramava

versos sem dono, há gerações já esquecidos.

 

AVES DE ARRIBAÇÃO II

 

Elas vinham de outros continentes,

buscando o sol no acalanto do verão,

sempre migrando em sua eterna arribação,

para o sul e para o norte permanentes;

mas não vinham em mim buscar, contentes,

pradarias de verdura e de amplidão,

nem os insetos de uma nova geração,

porém trazer-me palimpsextos reverentes.

 

Quiçá mil vates perdidos na distância

haviam em seus remígios se amparado,

talvez em tais seres alados reencarnado,

seus bicos cheios de velhices e de infância,

ao invés de andar à busca de alimento,

só a meus ouvidos a vir trazer alento.

 

AVES DE ARRIBAÇÃO III

 

E eu as escutei, meus ombros fortes

a lhes servir de gaiola e de poleiro,

fiquei bebendo cada canto derradeiro,

em mim reunindo suas vidas e suas mortes,

sagas e giestas dos mais amplos portes,

das cançonetas e acalantos o som inteiro,

canções de guerra e de sexo altaneiro,

canções de amor de tão variadas sortes.

 

E que podia fazer, após ter escutado?

Anos a fio me puz a digitar,

tantos poemas etéreos de além-mar

e aqui  exponho a ti seu resultado,

dentes apenas a mastigar suas rimas,

dores mesquinhas e alegrias peregrinas!...