BOLHAS DE SABÃO I
Eu gostaria que meu coração,
na busca pelo arco-íris de beleza,
na conquista das nuvens, com certeza,
se transformasse em bolha de sabão,
soprada assim, pela respiração
de um hálito gentil, em sua pureza,
todo o ar contido, com delicadeza,
seria doçura de infantil noção;
sobre as asas do vento voaria,
rutilante, fragrante, multicor,
tão leve quanto o vento em permanência,
até que, em breve, a bolha explodiria
o seu ar interior, num só fulgor,
a se fundir no céu, em vaga essência...
BOLHAS DE SABÃO II
Se for pensado bem, não é, afinal,
o que transcorre mesmo em nossas vidas?
alguém nos assoprou, nas incontidas
vagas do vento, em vôo matinal...
A Terra inteira, tigela do irreal,
as tempestades a soprar, contidas
num silvo poderoso, imensas lidas
em cada tromba d'água sideral!...
E quem nos diz, se ao topo dos ciclones,
não se formam outras bolhas de sabão?
Que na luz desse esfuziante turbilhão
novas estrelas, miríades de clones,
não se achem assim em criação,
tais como o brilho das lavas de um vulcão?
BOLHAS DE SABÃO III
A cada impulso o vento mais borbulha
e se transforma em vidas em botão:
são gotas brancas as bolhas de paixão,
como as sementes guardadas numa tulha;
bolhas de neve, que a emoção debulha:
em cada cerejeira há uma canção,
nessas pétalas que leva o turbilhão
e que os caminhos, num carpete, entulha;
somos todos assim, gotas de vento,
milhões de vidas brancas que se perdem,
apenas bolhas em estouro iridescente;
voamos em suave movimento,
até explodirem os sonhos que se herdem,
numa película de lúcida semente.
BOLHAS DE SABÃO IV
Pois toda vida humana é apenas bolha,
que, às vezes, só refulge num instante
e então se embota, pouco interessante,
para servir de luz que o sol escolha;
de outras vezes, enverdece feito folha,
reflete a flor e o fruto mais fragrante,
grande o bastante para ser mirante,
do vento e chuva que seu filtro molha;
mas todas têm destino semelhante:
as pequenas duram mais, sendo modestas,
que o fulgor das que expandem nessas festas,
levando-as a implodir, nesse extasiante
frescor de alma, que lhes revela a carga:
brilho fugaz, que num luzir se alarga!...
BOLHAS DE SABÃO V
A obra inteira humana é semelhante:
uma bolha que cresce, lentamente,
ou que se expande num fragor luzente,
até ocupar um trono triunfante.
Mas termina a expansão desse semblante
e igreja e império, arte ou meramente
uma explosão demográfica frequente
sempre reflui, passado o seu instante.
É apenas vaivém de outra maré:
a bolha cresce e encolhe qual luar;
a bolha aumenta e acaba num estouro;
a bolha se definha e perde a fé,
ou se reduz a umidade, em luz sem par,
gota implodida numa bolha de ouro.
BOLHAS DE SABÃO VI
Mesmo assim, eu queria ser a bolha
a iluminar os céus, breve fulgor,
pequena estrela, doce como o amor,
apenas a regar mais uma folha,
nesse livro da vida, sem que escolha,
por um momento, volume ou seu valor:
aumenta a íris a cada resplendor
e estanca a morte sem que a vida encolha;
nessa leve ablução, toda a energia,
aprimorada pela distropia,
se esparze como gotas de luar...
E assim eu quero ser: nessa harmonia,
por toda a atmosfera me espalhar
qual uma lágrima que brota em cada olhar...
BOLHAS DE SABÃO VII
Se eu me tornar em bolha de sabão,
que seja inteiramente o conteúdo
que, com fina película, eu escudo,
o resultado de tua expiração.
Eu flutuarei ao redor da inspiração
que me concede o bafo em que me iludo:
nada direi: serei arco-íris mudo,
de teu hálito somente a difração.
Parece pouco, sim, é quase nada,
mas prender em meu corpo o teu respiro,
por mais me trame um sonho passageiro,
é abstração da alma iluminada,
pois só ao redor de ti inteiro giro,
até o momento do instante derradeiro.
BOLHAS DE SABÃO VIII
Também a Terra é bolha de sabão,
assoprada por cachimbo de gigante:
o sopro dos vulcões é a delirante
massa gasosa de tal respiração.
Outros planetas, na mesma gestação,
foram soprados ao sabor do instante,
são bolhas de sabão, concomitante
o surgimento do esférico condão.
Uma bolha já estourou, além de Marte,
e antes de Júpiter, pequenos fragmentos,
nas gotas de asteróides numerosos;
também cometas surgiram desta arte,
gerados pelos céus, em mil portentos,
novéis arco-íris em nuance esplendorosos.
BOLHAS DE SABÃO IX
De um só cadinho nasceu minha geração:
iridescentes gotas assopradas,
na atmosfera social amarfanhadas,
pelos caprichos da antiga promoção.
Houve bolhas ovais, bolhas quadradas,
todas brotando da mesma exalação,
gotas em cruz, em espingarda, em vão,
pelos ventos sociais reprojetadas.
Mas houve novas brisas de entremeio:
as pobres bolhas perderam direção,
atoleimadas como nuvens mortas...
Recalcitrantes bolhas em retortas,
cuja esperança mortalmente veio,
como bolhas de ar no coração...
BOLHAS DE SABÃO X
Bolhas de sangue brotando da paisagem
marcada outrora por purpurações
cardinalícias, impuras ilusões
dessas bolhas de linfa em pespontagem...
Bolhas de lava brilham dos vulcões,
determinadas desde a prima aragem
a demarcar, em cinza malandragem,
os óvulos perpétuos das canções...
São essas bolhas, suores feitos pedra,
brotando pelas goelas pubescentes
que um novo mundo alvitram de estridor,
basalto rubronegro, em que só medra
o cardo multicor de espinholentos
fetiches escarlates de esplendor.
BOLHAS DE SABÃO XI
Bolhas de suor brotando de meu rosto,
irradiadas pelos dedos do poente,
pequenos sóis tais gotas, no iminente
esgotar de minha mágoa e meu desgosto,
bolhas de cor e ardor, bolhas de mosto,
irisadas à luz do sol nascente,
bolhas benditas, bolhas de minha mente,
a pelejar na toada e sonho posto...
Essas luas que na testa se incendeiam,
mil estrelas de anil ao sol do sul,
mil outras almas a escorrer-se em rios,
que o corpo inteiro de bolhas me permeiam,
na igual levitação de um dia azul:
bolhas da morte em incontáveis fios...
BOLHAS DE SABÃO XII
A vida é essa menina caprichosa
que nos segura na ponta de um cordão:
preso no fio se encontra só um balão,
bolha de gás, flutuando, melindrosa,
Não nos convém seja a vida cor-de-rosa:
tal arbusto traz de espinhos profusão;
ao colher uma rosa, o coração
pode estourar, por ser bolha gasosa.
Muito melhor é o azul do firmamento --
ou ser galhos, folhas secas, mesmo pó,
que não nos possa conduzir a uma explosão;
Mas a vida, em seu volúvel sentimento,
nos abandona num instante só:
basta que abra os dedos de sua mão!...
BOLHAS DE SABÃO XIII
E quando a vida decide abrir a mão,
rompido o fio de prata, para aonde,
em que nuvem ou estrela é que se esconde,
inteiro ou rebentado, o meu balão?
Para onde irá, quiçá, a expiração,
qual será o firmamento que então sonde
o gás desta minha bolha, qual o aonde,
em que se perca tal perspiração?
Se rebentar a película, teu ar
se espalhará em chuva seminal
e eu ficarei pendurado e sem ter dono;
mas se esse gás na bolha conservar,
será um amor egoísta e sem final:
bolha e sabão no abraço do abandono...
BOLHAS DE SABÃO XIV
No baraço do fio desses balões,
no simples sopro do vapor carbônico,
as multicores bolhas do canônico,
gregoriano coral dos corações,
se retorcem nos céus, em multidões,
presas de leve, apenas, catatônico
o cordão tenso em salmodia harmônico,
harpas eólias no jogo das monsões;
rodopiam no céu, bolhas de seda,
no tegumento da maior finura,
plena a constância a seu total perjúrio;
no zarzuelar do vento, a bolha é leda,
cortinas de balões, na imensa altura,
enovelados em bolhas de murmúrio.
BOLHAS DE SABÃO XV
São estas bolhas de vidro e de passado,
bolhas de areia, bolhas de ampulheta,
bolhas do vinho mais puro na galheta,
bolhas de ossos em crânio transpassado,
são estas bolhas de carne, lado a lado,
explodindo no crescendo dessa meta,
no leite do sabão, estranha teta,
que cria bolhas num pilão rachado...
Minhas bolhas de sabão são mil quimeras:
sonhos inúteis reluzindo a esmo...
Não obstante, eu quero ser a bolha
que brotou de teus lábios, par de feras,
nessa tocaia que provoco eu mesmo,
bolha de âmbar na ponta de uma folha...