(Folclore Mexicano, recolhido por B. Traven)
(Versão poética de William Lagos, 15/12/12)
O TERCEIRO HÓSPEDE I
No velho México, há uns duzentos anos,
habitava um pobre e triste lenhador,
que se esforçava no seu árduo labor.
Todos os dias até a noite trabalhava
e lá no fundo das matas procurava
as árvores caídas, sem enganos,
cuja madeira já se achava ressequida
e com machete era fácil de cortar,
sem precisar em demasia se esforçar.
Nunca pudera um machado adquirir:
aquela lâmina de aço, a reluzir,
custar-lhe-ia muitos meses de sua vida.
De fato, por muito tempo só pudera
catar os galhos secos e vender
os grandes feixes que podia entretecer
com as lianas encontradas pela mata,
porém um dia, enquanto andava à cata,
vira o facão que alguém por lá perdera.
O TERCEIRO HÓSPEDE II
De certo modo, fora preservada
a lâmina de aço, sem ferrugem,
o cabo desfizera-se em penugem...
Mas com uma navalha, foi serrando
um galho rijo e um cabo afeiçoando,
sua vida desde então facilitada.
O lenhador, cujo nome era Macário,
teve sua obra bem depressa melhorada,
muito mais lenha logo era cortada...
Ele dispunha de uma pedra de amolar,
que achara, pela estrada a caminhar:
servia bem para seu uso diário.
Ele afiava o machete com carinho,
a lâmina brilhando pouco a pouco,
pois se esfalfava no trabalho feito louco.
Prendeu o cabo firme com embira,
trançada bem, amarrada como tira,
mas a lâmina cedia ainda um pouquinho...
O TERCEIRO HÓSPEDE III
Então Macário encontrou um galho duro,
mas de haste bem fina e foi serrando:
fez dois tarugos e depois foi empurrando
nos buracos em que um dia houvera pregos
e no cabo que cortara, abriu dois regos,
enfiando uma cavilha em cada furo,
para cortar depois, pacientemente,
de cada lado, a ponta que sobrara;
fizera inchar o pedaço que ficara,
pondo-lhe água até ficar bem preso,
deixando o cabo perfeitamente teso
e capaz de aguentar golpe potente.
Foi desse modo que Macário conseguiu
um excelente instrumento de trabalho,
com que podia cortar um grosso galho
e aumentou suas cargas, bem contente,
vendendo, por um preço diferente,
cada acha grossa que agora produzia...
O TERCEIRO HÓSPEDE IV
Mas embora sua renda melhorasse,
seus filhos aumentaram mais depressa:
teve dez, teve doze; e depois dessa,
procurou ficar longe da mulher:
não poderia sustentar, com seu mister,
mais nenhum filho que ela lhe gerasse.
Todos os dias comia raízes e frutinhas
e fizera uma vasilha de taquara,
comprida e grossa, carregada numa vara,
que de água enchia; e assim, a toda hora,
a fome se enganava e ia embora,
enquanto mastigava umas folhinhas.
E às vezes, conseguia roubar mel,
enxotando as abelhas da colmeia,
que levava para a esposa, Rosicleia,
com as frutas que pudesse carregar,
e que seus filhos vinham logo disputar,
breve consolo para o amargor de fel...
O TERCEIRO HÓSPEDE V
Já em casa, depois de se banhar,
ia sentar-se, finalmente, à mesa.
Sua mulher lhe servia, com certeza,
uma tigela de batatas com feijão,
mas via os filhos e só de compaixão,
a maior parte acabava por lhes dar.
E enquanto as crianças disputavam
e a mulher o olhava, consternada,
ele fazia uma prece apaixonada:
“Ai, meu Deus, eu queria só pra mim
um peru inteiro, para comer assim,
sem precisar dividir com os que me olhavam!”
Depois, ia dormir, louco de fome,
mas o ditado diz: “Quem dorme, janta...”
E antes da hora em que passarinho canta,
vai ele encher no poço sua taquara,
prender ao cinto o facão por uma apara,
e logo, logo, pela mata some...
O TERCEIRO HÓSPEDE VI
E a história se repete, diariamente:
ele traz o quanto pode para casa,
mas a panela fica sempre rasa...
A comida nunca chega para tantos
e ele lenha, por trancos e barrancos,
dando o dinheiro a Rosicleia inteiramente.
Mas na hora de comer, a criançada,
que comeu pouco e ainda está faminta,
nada lhe pede, mas fazem que ele sinta,
com a força de seus olhos esgazeados
e ele cede sua tigela aos esfomeados,
comendo muito pouco ou quase nada!
E sempre ergue seus braços para o céu:
“Ai, meu Deus, eu queria só pra mim
um peru inteiro, para comer assim!...”
Logo em seguida, se joga a ressonar,
a fome adiando, sem poder matar,
nessa tristeza que o envolve como um véu.
O TERCEIRO HÓSPEDE VII
Um dia, ao acordar de madrugada,
Sentiu um cheiro de peru assado,
Mas a seguir se virou para o outro lado...
É só um sonho bom... fica a pensar.
Pouco depois, quando vai levantar,
chega sua esposa, com jeito de cansada
e lhe entrega alguma coisa bem pesada,
envolta numa toalha: “Vai embora,
antes que acordem as crianças nesta hora.”
“Este é o peru que tanto desejavas:
eu fui juntando o dinheiro que me davas,
come-o inteiro e não deixes dele nada...”
“Mas e tu, não comes um pedaço?”
“Se eu tirar, não será um peru inteiro.
Eu me esforcei e levantei primeiro...”
“Quero que o comas todo, integralmente.
Há muitos anos quero dar-te este presente:
vai comer, com meu amor e meu abraço!...”
O TERCEIRO HÓSPEDE VIII
“Mas, e as crianças?” perguntou Macário.
“É teu trabalho que lhes dá comida;
é muito justo, que uma vez na vida,
possas comer o teu peru inteiro.
Mas agora, pega logo e sai ligeiro,
tens de cumprir o teu labor diário...”
Macário agradeceu, profusamente,
e despediu-se da esposa, com um beijo.
Andava rápido, movido por desejo...
O peru estava quente no seu braço:
“Ah, comeria, sem deixar um traço!
O seu estômago cheio, finalmente!...
Assim pensando, se embrenhou no mato,
até chegar à clareira, muito urgente,
em que estava trabalhando, ultimamente.
O seu peru pendurou firme num galho
e passou toda a manhã no seu trabalho,
água na boca, pelo peru em seu prato!
O TERCEIRO HÓSPEDE IX
Depois, lavou-se na água do riacho
e então sentou-se para abrir sua toalha:
o alimento recompensa a quem trabalha...
Ficou sentindo o cheiro delicioso.
Nunca vira peru assado mais formoso:
Nem no espeto, nem no forno e nem no tacho!
Examinou seu peru, antegozando
o sabor de sua carne e seu tutano,
para guardar na lembrança mais de ano.
Ergueu as mãos para dar graças a Deus,
que cedo ou tarde ajuda os que são seus
e com uma folha foi a lâmina limpando.
Mas no momento em que ia dar-lhe um talho,
apareceu perante ele um peregrino,
blusa branca de peão, seu rosto fino...
E lhe pediu, bastante meigamente:
“Meu amigo, corro a terra diariamente:
dê-me um pedaço de peru por meu trabalho...”
O TERCEIRO HÓSPEDE X
Macário logo viu não ser qualquer
o viajante que surgira de repente:
era o próprio Jesus, ali presente.
Descia à Terra, para fazer o bem
e que decerto auxiliara também,
na compra do peru, a sua mulher...
Andava esfarrapado e quase nu
e parecia estar com fome, realmente,
mas Macário não estava complacente.
“Para eu poder comer esta ave inteira,
minha esposa se esfalfou, trabalhadeira:
não posso dar-lhe um pedaço do peru!”
El Peregrino suspirou de compaixão:
“Está certo, meu amigo, passe bem,
que algumas frutas eu acharei, também.”
“Dou-lhe minha bênção e todo o meu carinho;
Aproveite o seu peru; não sou mesquinho.”
E deu-lhe as costas, em comiseração.
O TERCEIRO HÓSPEDE XI
Sentiu algum remorso o lenhador,
mas Rosicleia se esforçara tanto!
Podia ver-lhe as lágrimas de pranto,
quando lhe pode entregar o seu presente
e como ele ficaria indiferente?
Preparara-lhe o peru com tanto amor!
Ergueu os braços para a Deus agradecer
e levantou bem depressa o seu facão...
Mas uma sombra lhe cobriu a mão!...
Ergueu os olhos, cheio de surpresa:
chegara outro, de oposta natureza,
bem alto e magro, de estranho parecer...
Como a de um Charro era sua vestimenta:
um salteador, que percorria a Terra,
todo de negro, vestido para a guerra,
moedas lhe pendiam do chapéu
e bem depressa, dissipou-se o véu:
era o diabo, que todo o cristão tenta!
O TERCEIRO HÓSPEDE XII
“Estou com fome, meu querido amigo,
dê-me um pedaço desse seu peru!”
Macário percebeu-lhe o olhar cru,
sua maldade refletida em ameaça,
porém julgou possuir de Deus a graça
e não mostrou temor ao inimigo...
“Lamento muito, mas vai-me desculpar;
minha esposa passou a noite cozinhando,
para eu comer sozinho se esforçando.”
“Não reparti com ela ou com meus filhos:
volte depressa a seus estranhos trilhos,
pois nem um pedacinho vou-lhe dar!...”
El Charro praguejou e foi-se embora,
ameaçando fazer-lhe grande mal.
Sabia Macário que tal ser infernal
só poderia vencê-lo em tentação
e com fervor, dirigiu nova oração
para que os céus o protegessem nessa hora!
O TERCEIRO HÓSPEDE XIII
Mas no momento em que o peru ia partir,
uma terceira figura apareceu
que, num relance, logo conheceu,
com sua sotaina negra e sua gadanha,
que mil vidas cortara na sua sanha,
que ele era a Morte pode logo deduzir!...
“Eu sou El Magro,” disse-lhe a figura.
“Vai querer dar-me um pedaço de peru?”
A ambição lhe marcava o rosto nu
e Macário já não podia recusar,
porque, no mínimo, poderia adiar,
por algum tempo, sua morte já segura...
“Pois venha, então, para me acompanhar,”
falou o lenhador, logo em seguida.
Se ele morresse, quem daria comida
a tantas bocas que em casa o aguardavam?
E logo todos dois se banqueteavam,
cada um a sua metade a mastigar...
O TERCEIRO HÓSPEDE XIV
Meio peru, na verdade, lhe bastou:
seu estômago era pequeno e encolhido
e a ave inteira nem teria comido
e alegrou-se seu estranho companheiro,
após comerem os dois peru inteiro
e na sotaina as mãos ele limpou...
“Há muitos séculos não comia tão bem!
Vocês, humanos, me tratam muito mal.
Que tenham medo de mim, é natural,
pois nunca sabem o que espera do outro lado;
cada um teme o castigo do pecado
e muitos deles têm razão também!...”
“Porém você tratou-me hoje diferente.
Para você, morrer seria descanso,
de mim seu medo realmente é manso...”
“É por seus filhos sua preocupação
e só por isso, vou mostrar-lhe compaixão
e lhe darei um tesouro bem potente!”
O TERCEIRO HÓSPEDE XV
“Dê-me a taquara em que guarda sua água!”
Macário obedeceu, sem nem pensar.
De um só trago viu El Magro a esvaziar.
Podia enchê-la no riacho, facilmente,
mas o outro tinha intenção bem diferente
e o contemplou com expressão de mágoa.
“Vai-me levar ao Paraíso, em recompensa?
E quem irá cuidar de minha mulher
e de meus filhos, sem este meu mister?”
“Ou quem fazer com que morram de fome?
São jovens vidas que você mais come!...”
Disse-lhe El Magro: “Não é o que você pensa.”
E levantou-se, batendo com o pé,
aqui e ali e pelo chão cuspindo...
Macário persignou-se. Estava findo
Esse breve adiamento que alcançara;
pensava ver que El Magro se zangara
e encomendou-se a Deus, com muita fé.
O TERCEIRO HÓSPEDE XVI
Mas de repente, viu quando jorrou
uma fonte na clareira, de água pura:
nela inclinou-se a estranha criatura
e sua taquara encheu inteiramente.
A fonte cessou de fluir, incontinenti!
E o viajante para ele retornou.
“Nem toda morte tem de ser obrigatória,”
disse ele, com os olhos reluzindo.
“Eu sei que poucas vezes sou bem-vindo.”
“Sempre apareço em caso de doença
e dependendo do poder da crença,
as almas levo para o Inferno ou a Glória!”
“Mas agora, eu lhe dou a Água da Vida!
Caso me encontre postado à cabeceira,
a morte da pessoa é bem certeira...”
“Mas se estiver aos pés, eu posso adiar:
basta uma gota e posso me afastar
e conceder-lhe uma certa sobrevida...”
O TERCEIRO HÓSPEDE XVII
“Porém da água se aproveite bem,
que é quanto lhe darei por seu peru.
Só você poderá ver-me a olho nu.”
“Se me encontrar parado aos pés da cama,
num copo uma só gota se derrama.
Encha depois com mais água também.”
“Pois quem bebê-la, logo sarará!
Mas veja bem onde está seu benefício:
nunca cobre, porque será um vício!...”
“Porém todos presentes lhe darão
e à porta de sua casa lhos trarão
e facilmente, você enriquecerá...”
“Mas de novo, se me achar à cabeceira,
diga logo à família, francamente,
que vão chamar o padre, prontamente,
Para que lhe administre a extrema-unção.
Não desperdice água, que esses vão,
bem certamente, à sua morada derradeira...”
O TERCEIRO HÓSPEDE XVIII
O seu Terceiro Hóspede partiu
e Macário até pensou ter sido um sonho.
Olhou os ossos do peru, tristonho...
Comera, realmente, só a metade?
Mas na barriga sentia saciedade
e os ossinhos na toalha ele reuniu.
Pois serviriam para engrossar a sopa.
Durante a tarde toda, cortou lenha,
pois come bem quem energia tenha.
Pôs na cabeça um feixe muito grosso,
sentia estar uns dez anos mais moço,
músculos fortes a lhe esticar a roupa...
Mas na viagem de volta, duvidava,
pensou até em beber aquela água,
pela metade do peru sentindo mágoa.
Mas era inverno e sua sede era pouca.
Chegando em casa, viu a esposa quase louca
e perguntou-lhe por que ela chorava...
O TERCEIRO HÓSPEDE XIX
“É o Reginito,” disse ela, em desespero.
“Está doente, acho que vai morrer!...”
Chegando à esteira, pode logo perceber.
El Magro estava perante os pés parado!
Por um instante, ficou atarantado
e o outro o contemplou, de olhar severo...
Pediu uma cuia d’água e lha trouxeram
e dentro dela um pouco da água derramou;
deu-a à criança, que logo após sarou...
Contudo, o olhar de El Magro lhe fez ver
que água demais ali fora verter
e bem depressa ambos se entenderam.
Foi Macário cortar outra taquara,
que encheu inteira, tirando água do poço;
guardou a outra em seu telhado grosso.
Que era feito de bambu e de sapé.
Na água mágica, agora tinha fé:
“Não mexam nela!” falou, com voz bem clara.
O TERCEIRO HÓSPEDE XX
Mas os vizinhos que em sua casa estavam,
para a pobre Rosicleia consolar,
viram o menino depressa se curar.
E entre si ficaram cochichando...
Já no outro dia, o estavam procurando:
em sua rua outros doentes se encontravam.
Macário, no começo, recusava,
mas sua mulher se pôs a insistir tanto,
que teve pena de escutar-lhe o pranto.
Foi visitar as outras casas em sua rua.
Parado aos pés de cada esteira nua
El Magro sorridente se encontrava.
Macário então pedia um recipiente,
caneca ou xícara ─ e nelas derramava
uma pequena gota e a misturava
com qualquer água que por ali tivessem,
porque depois que os doentes a bebessem,
sempre sua cura chegava, de repente.
O TERCEIRO HÓSPEDE XXI
Todos ficavam muito agradecidos
e lhe traziam os presentes que podiam,
pois a cura quase todos conseguiam.
Porém se via El Magro à cabeceira,
ele dizia que a morte era certeira
e recusava todos os pedidos...
Passou-se o tempo, seus filhos estudaram,
Macário comprou nova moradia,
a cortar lenha nem sequer mais ia...
Pois a promessa de El Magro se cumprira!
E o pagamento que ele jamais pedira,
esses presentes amplamente compensaram.
Sua fama se espalhou pela cidade,
pela província e no país inteiro.
Diziam os médicos que era um feiticeiro.
Mas ele ia à missa com frequência
e os padres lhe mostravam deferência,
pois contribuía com regularidade...
O TERCEIRO HÓSPEDE XXII
Chegou-lhe a fama até o governador,
que tinha o título, então, de vice-rei
e governava o país com dura lei!...
Os cirurgiões se queixavam de Macário,
porque lhes reduzia o numerário
e o vice-rei os escutava, sem rancor.
Mas quando viu sua filha se enfermar
e os médicos não podiam fazer nada,
sua esposa fez-lhe súplica, alarmada!
“Você me pede ir chamar um curandeiro?
Que quer você com esse feiticeiro?”
“Acho que pode a menina nos salvar!”
Então, o vice-rei fez convocar
Macário, a que viesse à capital...
Este sabia não ter feito nenhum mal.
Porém tremeu de medo o lenhador:
levou consigo a taquara, com temor;
só um restinho no fundo a chocalhar...
O TERCEIRO HÓSPEDE XXIII
E lhe disse o vice-rei, severamente:
“Não acredito em sua bruxaria!
Mas minha filha se acha em agonia.”
“E minha esposa está desesperada.
Pois muito bem: se a deixar curada,
Dou-lhe grandes riquezas de presente.”
“Porém se ela morrer, como se espera,
saberei que não passa de um farsante
e o queimarei na fogueira nesse instante!”
“E seus bens eu irei todos confiscar.
A sua família prenderei para julgar!...”
Macário, só de ouvir, se desespera...
E ao ser levado ao quarto da menina,
o seu maior temor se realizou:
na cabeceira El Magro ele encontrou.
Que balançou-lhe a cabeça, em negativa.
“Esta menina não mais pode ficar viva,
está escrito que morrer será sua sina!...”
O TERCEIRO HÓSPEDE XXIV
Pediu Macário para ficar sozinho,
porque El Magro era só ele que via:
a mãe saiu, em grande gritaria...
E o vice-rei outra vez o advertiu:
as ameaças o próprio El Magro ouviu,
mas abanou sua cabeça, de mansinho...
Macário várias vezes suplicou,
pois perderia tudo o que lhe dera!
Zangou-se então, igual que besta-fera.
Virou a cama, bem rapidamente,
para deixá-lo aos pés, mas velozmente,
à cabeceira, El Magro se encontrou!
Ele tentou de novo, sacudindo
a cama inteira, até deixá-la torta!
Mas a menina já se achava morta...
E cada vez que a cama ele virava,
na cabeceira El Magro já pulava
e o vice-rei o barulho estava ouvindo!
O TERCEIRO HÓSPEDE XXV
E de repente, Macário percebeu
que a taquara na disputa se quebrara!
E que todo o conteúdo se esvaziara...
Então, exausto, caiu no chão, chorando.
Ficou El Magro, com pena, o contemplando
e seu velho coração se confrangeu...
“Meu amigo, fiz mal em lhe ajudar...
Nem mesmo eu posso vencer o Fado,
por mais que eu estivesse do seu lado...”
“O Destino sempre vem a se cumprir
e foi tolice sua, ao persistir,
depois que eu disse que não iria adiantar...”
“Mas eu sei bem o que irá lhe acontecer
e não quero que esse duro vice-rei
faça cumprir a sua perversa lei...”
“Não quero vê-lo queimado na fogueira.
Mas a morte da menina é verdadeira,
só há uma coisa que posso lhe fazer...”
O TERCEIRO HÓSPEDE XXVI
Então El Magro tocou-o sobre a testa
e tudo a seu redor se dissipou...
Macário na clareira se encontrou,
bem no momento em que partira seu peru.
E mesmo achando que ficara um pouco cru,
comeu-o inteiro, em verdadeira festa...
E só então El Magro apareceu...
Por um momento, Macário se lembrou;
logo depois, sua vista se apagou.
Cheio de pena, ele o tocou com a foice
e para vida melhor Macário foi-se,
mas com o estômago cheio ele morreu...
É sempre assim, quando nos chega a hora.
A maldição de El Charro se cumpriu,
de El Peregrino a bênção o nutriu...
Pois foi levado direto ao Paraíso,
nesse lugar em que há alegria e riso
e do qual nunca mais se vai embora...
EPÍLOGO
Reginito, porém, nem adoeceu
e a família inteira se criou:
cada vizinho um pouco os ajudou.
E quando acharam Macário na clareira,
comera até a migalha derradeira
o peru gordo que sua mulher lhe deu...