segunda-feira, 5 de março de 2012

CALEIDOSCÓPIO




CALEIDOSCÓPIO  I  (16 abr 11)
(para Iracy e Mimosa Germano)

Antigamente, quando era menino,
tinha brinquedos que chamavam de "teteia":
eram caleidoscópios, com sua teia
de espelhos e pedrinhas coloridas...

Quando girava o tubo pequenino,
esses vidrilhos percorriam odisseia
e a cada movimento, nova aleia
se formava em suas imagens repetidas...

O fundo era de vidro e entrava luz.
E ali ficava, por horas entretido,
até que esse brinquedo era perdido.

O tubo se amolgava e então se abria,
quebrava o vidro que a mágica conduz
e toda imagem no passado se escondia.

CALEIDOSCÓPIO II

Tive várias "teteias".   Em geral,
uma senhora me trazia do Uruguai,
em busca dessa luz que do olhar sai
de uma criança em êxtase final...

Mais tarde, essa magia artificial
busquei para meus filhos. "Contemplai,
por este óculo, uma visão que vai
a todos distrair sem fazer mal..."

Eu pretendia dizer, em minha vaidade
de partilhar o passado com o futuro:
cessou-me a busca em desapontamento.

Nunca mais vi "teteias", na verdade,
nem no comércio ou artesanato puro,
só sobrevivem no meu pensamento.

CALEIDOSCÓPIO III

E ao contemplar esta libélula pousada,
sobre uma poça, em tensão superficial,
de uma lâmina de água, fantasmal,
a gravidade como que anulada,

as quatro asas em imagem espelhada,
duas azuis, duas salmão, cor estival,
num movimento constante e natural,
na superfície sua beleza retomada,

em suavidade mansa como um leque,
um abanico de plumas e de seda,
sem receio qualquer de se afogar,

sem precisar sequer que as patas seque,
caleidoscópica memória então me enreda,
seus grandes olhos a me fascinar...

CALEIDOSCÓPIO IV

E ela me olha, em lenta avaliação:
são duas contas de fulgor arredondado.
O sentimento por mim foi emprestado,
mas me parece, em minha projeção,

decifrar nelas melancólica visão,
uma tristeza de teor atarantado,
vistas brilhantes, em suplício alado,
quase implorando por minha compaixão.

Mas mostra a boca dentinhos recortados...
Talvez o brilho seja só o do flash...
Tem uma mitra tricolor em sua cabeça.

Quiçá calcule os botes apressados,
enquanto o corpo inteiro mal se mexe,
salvo essas asas de textura espessa.

CALEIDOSCÓPIO V

E me contempla, com rosto de duende,
na mitra multicor, sabedoria.
Sacerdotisa de uma antiga orgia,
o longo corpo para trás estende...

E tal olhar mesmérico me prende:
ouço a mensagem que minha mente cria,
nessa insistência de minha desvalia
que a busca vã das fadas ainda atende.

Será mágico afinal o quadrialado
serzinho desprovido de pecado,
que, como um deus, caminha sobre o mar?

Ou vejo apenas miragem do luar...
Não há mensagem, apenas um enfado,
que já projeta essa libélula no ar...

CALEIDOSCÓPIO VI

Essa libélula é reflexo da vida:
sem o bater das asas, vai afundar.
Após molhada, não pode se safar:
é seu castigo por ser tão atrevida.

Bem no fundo de meu peito tem guarida
um coração, que bate sem parar...
Somente um susto poderá afetar
a ritmada percussão dessa batida...

Sem o pulsar do coração, porém,
há de cessar meu próprio atrevimento
de esvoaçar pelo mundo material.

E, qual o inseto, afundarei também,
deixado em verso só mais um pensamento,
para depois me dissolver em sal.


Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.
Edição e postagem: Andréia Macedo

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