KAKTUSIK
I (15 abr 11)
O cacto se
ergue como anzol,
em desafio ao
mundo, com certeza.
Fraco que seja,
a própria Natureza
o mantém vivo,
pela vida em prol.
É
impressionante que ele enfrente o sol,
em um ambiente
tão cheio de aspereza,
entre pedras e
areia, com nobreza,
qual sentinela
em defesa de seu rol,
na salvaguarda
de seu destacamento,
enquanto dormem
os seus camaradas,
ereta e
impávida pelas madrugadas.
Mas de
onde tirará seu alimento?
Talvez somente
das lágrimas de mágoa
que vê pingar,
quais escassas gotas dágua.
KAKTUSIK II
Existe ferro
nas rochas encarnadas,
mas onde está o
cloro que o enverdece?
O ar do
ambiente é seco como prece:
somente medram
as plantas mais ousadas,
que conseguem
engordar de quase nadas,
dessa
umidade que no orvalho desce.
Sua raiz grossa
longa rede tece,
sugando líquido
das areias ressecadas.
Outras
xerófitas partilham seu ambiente;
presas à terra,
vivem mais do ar:
carbono buscam,
caçam o hidrogênio,
encontram
cloro, absorvem nitrogênio
e assim
conseguem mesmo prosperar,
bebendo a luz
de um sol tão inclemente.
KAKTUSIK III
Porém conseguem
não só sobreviver,
mas
até desenvolver-se nesse mar
de areia cega e
alcançam enfeitar
o seu ambiente
com as cores do viver.
Da luz do sol
provém o enverdescer,
o escasso dom
da geada a captar.
São
resistentes, sem nunca se queixar
e só
estiolam quando prestes a morrer.
Enquanto nós...
a reclamar vivemos,
seres humanos
sempre insatisfeitos,
pelo dom da
inteligência e da paixão.
Talvez porque
em rebanhos nos achemos
e invejemos dos
outros os proveitos,
sempre correndo
empós nova ilusão.
KAKTUSIK IV
Mas esses
cactos são auto-suficientes.
Somente medram
o quanto permitia
essa cruel
madrasta, a ecologia,
por um melhor
destino indiferentes.
E mesmo assim,
escondidos nos ambientes
em que menos
favor lhes assistia,
não lhes faltam
predadores, que valia
sabem dar à sua
carne e, persistentes,
esmagam seus
espinhos e a couraça
que os deveria
proteger dos assaltantes.
Bebem o líquido
que guardam, num instante,
e então se
lançam para melhor caça.
E desses cactos
de sina malfadada
sobra um
restolho, talvez, um quase nada...
KAKTUSIK V
O mais incrível
é que então se recompõem,
levando meses,
talvez, de esforçamento,
substituindo a
perda de um momento,
sua polpa feita
da água que repõem...
Mas é preciso
dizer: não se dispõem.
O seu esforço
não vem de julgamento.
É a própria
Natureza que o sustento
os força a
procurar; e assim, compõem
o escasso manto
verde desse areal...
(Talvez sejam
duendes, afinal,
suas barbas
disfarçadas em espinhos,
que assim
vigiam, em aparência inermes,
com seus
acúleos, anelados como vermes,
os seus
tesouros contra seus vizinhos.)
KAKTUSIK VI
Quem
sabe o autor da foto maliciasse
e visse nele um
símbolo sexual,
como um pênis
ou falo natural,
que a conservar
a vida assim medrasse.
Ou quiçá o
inconsciente lhe indicasse
a cornucópia da
abundância material,
nessa forma de
magia espiritual,
em que toda a
Natureza se espelhasse...
Mas eu vejo
nesse falo um desafio
contra os golpes
permanentes da má sorte:
tudo o que cai
se pode soerguer...
E apenas penso,
no meu desvario,
que esse cacto
é o senhor da morte,
enquanto eu
mesmo não consigo renascer.
CALEIDOSCÓPIO
I (16 abr 11)
(para Iracy e
Mimosa Germano)
Antigamente,
quando era menino,
tinha
brinquedos que chamavam de "teteia":
eram
caleidoscópios, com sua teia
de espelhos e
pedrinhas coloridas...
Quando girava o
tubo pequenino,
esses vidrilhos
percorriam odisseia
e a cada
movimento, nova aleia
se formava em
suas imagens repetidas...
O fundo era de
vidro e entrava luz.
E ali ficava,
por horas entretido,
até que esse
brinquedo era perdido.
O tubo se
amolgava e então se abria,
quebrava o
vidro que a mágica conduz
e toda imagem
no passado se escondia.
CALEIDOSCÓPIO
II
Tive várias
"teteias". Em geral,
uma senhora me
trazia do Uruguai,
em busca dessa
luz que do olhar sai
de uma criança
em êxtase final...
Mais tarde,
essa magia artificial
busquei para
meus filhos. "Contemplai,
por este óculo,
uma visão que vai
a todos
distrair sem fazer mal..."
Eu pretendia
dizer, em minha vaidade
de partilhar o
passado com o futuro:
cessou-me
a busca em desapontamento.
Nunca mais vi
"teteias", na verdade,
nem no comércio
ou artesanato puro,
só sobrevivem
no meu pensamento.
CALEIDOSCÓPIO
III
E ao contemplar
esta libélula pousada,
sobre uma poça,
em tensão superficial,
de uma lâmina
de água, fantasmal,
a gravidade
como que anulada,
as quatro asas
em imagem espelhada,
duas azuis,
duas salmão, cor estival,
num movimento
constante e natural,
na superfície
sua beleza retomada,
em suavidade
mansa como um leque,
um abanico de
plumas e de seda,
sem receio
qualquer de se afogar,
sem precisar
sequer que as patas seque,
caleidoscópica
memória então me enreda,
seus grandes
olhos a me fascinar...
CALEIDOSCÓPIO
IV
E ela me olha,
em lenta avaliação:
são duas contas
de fulgor arredondado.
O sentimento
por mim foi emprestado,
mas me parece,
em minha projeção,
decifrar nelas
melancólica visão,
uma tristeza de
teor atarantado,
vistas
brilhantes, em suplício alado,
quase
implorando por minha compaixão.
Mas mostra a
boca dentinhos recortados...
Talvez o brilho
seja só o do flash...
Tem uma mitra
tricolor em sua cabeça.
Quiçá calcule
os botes apressados,
enquanto o
corpo inteiro mal se mexe,
salvo essas
asas de textura espessa.
CALEIDOSCÓPIO V
E me contempla,
com rosto de duende,
na mitra
multicor, sabedoria.
Sacerdotisa de
uma antiga orgia,
o longo corpo
para trás estende...
E tal olhar
mesmérico me prende:
ouço a mensagem
que minha mente cria,
nessa
insistência de minha desvalia
que a busca vã
das fadas ainda atende.
Será mágico
afinal o quadrialado
serzinho
desprovido de pecado,
que, como um
deus, caminha sobre o mar?
Ou vejo apenas
miragem do luar...
Não há
mensagem, apenas um enfado,
que já projeta
essa libélula no ar...
CALEIDOSCÓPIO
VI
Essa libélula é
reflexo da vida:
sem o bater das
asas, vai afundar.
Após molhada,
não pode se safar:
é seu castigo
por ser tão atrevida.
Bem no fundo de
meu peito tem guarida
um coração, que
bate sem parar...
Somente um
susto poderá afetar
a ritmada
percussão dessa batida...
Sem o pulsar do
coração, porém,
há de cessar
meu próprio atrevimento
de esvoaçar
pelo mundo material.
E, qual o
inseto, afundarei também,
deixado em
verso só mais um pensamento,
para depois me
dissolver em sal.
Veja também
minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W >
Williamlagos e o site Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco
poemas meus e de muitos outros autores.