quinta-feira, 28 de junho de 2012

KAKTUSIK & CALEIDOSCÓPIO





KAKTUSIK  I  (15 abr 11)



O cacto se ergue como anzol,

em desafio ao mundo, com certeza.

Fraco que seja, a própria Natureza

o mantém vivo, pela vida em prol.



É impressionante que ele enfrente o sol,

em um ambiente tão cheio de aspereza,

entre pedras e areia, com nobreza,

qual sentinela em defesa de seu rol,



na salvaguarda de seu destacamento,

enquanto dormem os seus camaradas,

ereta e impávida pelas madrugadas.



Mas de onde tirará seu alimento?

Talvez somente das lágrimas de mágoa

que vê pingar, quais escassas gotas dágua.



KAKTUSIK II



Existe ferro nas rochas encarnadas,

mas onde está o cloro que o enverdece?

O ar do ambiente é seco como prece:

somente medram as plantas mais ousadas,



que conseguem engordar de quase nadas,

dessa umidade que no orvalho desce.

Sua raiz grossa longa rede tece,

sugando líquido das areias ressecadas.



Outras xerófitas partilham seu ambiente;

presas à terra, vivem mais do ar:

carbono buscam, caçam o hidrogênio,



encontram cloro, absorvem nitrogênio

e assim conseguem mesmo prosperar,

bebendo a luz de um sol tão inclemente.



KAKTUSIK III



Porém conseguem não só sobreviver,

mas até desenvolver-se nesse mar

de areia cega e alcançam enfeitar

o seu ambiente com as cores do viver.



Da luz do sol provém o enverdescer,

o escasso dom da geada a captar.

São resistentes, sem nunca se queixar

e só estiolam quando prestes a morrer.



Enquanto nós... a reclamar vivemos,

seres humanos sempre insatisfeitos,

pelo dom da inteligência e da paixão.



Talvez porque em rebanhos nos achemos

e invejemos dos outros os proveitos,

sempre correndo empós nova ilusão.



KAKTUSIK IV



Mas esses cactos são auto-suficientes.

Somente medram o quanto permitia

essa cruel madrasta, a ecologia,

por um melhor destino indiferentes.



E mesmo assim, escondidos nos ambientes

em que menos favor lhes assistia,

não lhes faltam predadores, que valia

sabem dar à sua carne e, persistentes,



esmagam seus espinhos e a couraça

que os deveria proteger dos assaltantes.

Bebem o líquido que guardam, num instante,



e então se lançam para melhor caça.

E desses cactos de sina malfadada

sobra um restolho, talvez, um quase nada...



KAKTUSIK V



O mais incrível é que então se recompõem,

levando meses, talvez, de esforçamento,

substituindo a perda de um momento,

sua polpa feita da água que repõem...



Mas é preciso dizer: não se dispõem.

O seu esforço não vem de julgamento.

É a própria Natureza que o sustento

os força a procurar; e assim, compõem



o escasso manto verde desse areal...

(Talvez sejam duendes, afinal,

suas barbas disfarçadas em espinhos,



que assim vigiam, em aparência inermes,

com seus acúleos, anelados como vermes,

os seus tesouros contra seus vizinhos.)



KAKTUSIK VI



Quem sabe o autor da foto maliciasse

e visse nele um símbolo sexual,

como um pênis ou falo natural,

que a conservar a vida assim medrasse.



Ou quiçá o inconsciente lhe indicasse

a cornucópia da abundância material,

nessa forma de magia espiritual,

em que toda a Natureza se espelhasse...



Mas eu vejo nesse falo um desafio

contra os golpes permanentes da má sorte:

tudo o que cai se pode soerguer...



E apenas penso, no meu desvario,

que esse cacto é o senhor da morte,

enquanto eu mesmo não consigo renascer.



CALEIDOSCÓPIO  I  (16 abr 11)

(para Iracy e Mimosa Germano)



Antigamente, quando era menino,

tinha brinquedos que chamavam de "teteia":

eram caleidoscópios, com sua teia

de espelhos e pedrinhas coloridas...



Quando girava o tubo pequenino,

esses vidrilhos percorriam odisseia

e a cada movimento, nova aleia

se formava em suas imagens repetidas...



O fundo era de vidro e entrava luz.

E ali ficava, por horas entretido,

até que esse brinquedo era perdido.



O tubo se amolgava e então se abria,

quebrava o vidro que a mágica conduz

e toda imagem no passado se escondia.



CALEIDOSCÓPIO II



Tive várias "teteias".   Em geral,

uma senhora me trazia do Uruguai,

em busca dessa luz que do olhar sai

de uma criança em êxtase final...



Mais tarde, essa magia artificial

busquei para meus filhos. "Contemplai,

por este óculo, uma visão que vai

a todos distrair sem fazer mal..."



Eu pretendia dizer, em minha vaidade

de partilhar o passado com o futuro:

cessou-me a busca em desapontamento.



Nunca mais vi "teteias", na verdade,

nem no comércio ou artesanato puro,

só sobrevivem no meu pensamento.



CALEIDOSCÓPIO III



E ao contemplar esta libélula pousada,

sobre uma poça, em tensão superficial,

de uma lâmina de água, fantasmal,

a gravidade como que anulada,



as quatro asas em imagem espelhada,

duas azuis, duas salmão, cor estival,

num movimento constante e natural,

na superfície sua beleza retomada,



em suavidade mansa como um leque,

um abanico de plumas e de seda,

sem receio qualquer de se afogar,



sem precisar sequer que as patas seque,

caleidoscópica memória então me enreda,

seus grandes olhos a me fascinar...



CALEIDOSCÓPIO IV



E ela me olha, em lenta avaliação:

são duas contas de fulgor arredondado.

O sentimento por mim foi emprestado,

mas me parece, em minha projeção,



decifrar nelas melancólica visão,

uma tristeza de teor atarantado,

vistas brilhantes, em suplício alado,

quase implorando por minha compaixão.



Mas mostra a boca dentinhos recortados...

Talvez o brilho seja só o do flash...

Tem uma mitra tricolor em sua cabeça.



Quiçá calcule os botes apressados,

enquanto o corpo inteiro mal se mexe,

salvo essas asas de textura espessa.



CALEIDOSCÓPIO V



E me contempla, com rosto de duende,

na mitra multicor, sabedoria.

Sacerdotisa de uma antiga orgia,

o longo corpo para trás estende...



E tal olhar mesmérico me prende:

ouço a mensagem que minha mente cria,

nessa insistência de minha desvalia

que a busca vã das fadas ainda atende.



Será mágico afinal o quadrialado

serzinho desprovido de pecado,

que, como um deus, caminha sobre o mar?



Ou vejo apenas miragem do luar...

Não há mensagem, apenas um enfado,

que já projeta essa libélula no ar...



CALEIDOSCÓPIO VI



Essa libélula é reflexo da vida:

sem o bater das asas, vai afundar.

Após molhada, não pode se safar:

é seu castigo por ser tão atrevida.



Bem no fundo de meu peito tem guarida

um coração, que bate sem parar...

Somente um susto poderá afetar

a ritmada percussão dessa batida...



Sem o pulsar do coração, porém,

há de cessar meu próprio atrevimento

de esvoaçar pelo mundo material.



E, qual o inseto, afundarei também,

deixado em verso só mais um pensamento,

para depois me dissolver em sal.



Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.


domingo, 17 de junho de 2012

O JAGUAR, O GUARÁ E O BUGIO

                                                Imagem: http://www.curiosidadeanimal.com

 (Folclore gaúcho, recontado por William Lagos, 10 abr 12)

O JAGUAR, O GUARÁ E O BUGIO I

Corre uma história pelas bandas do Aceguá,
Que faz hoje fronteira com o Uruguai,
(Dizem que o nome vem de “Hace Guá”,
Um bicho que faz “guá” sempre que sai,
Que se acredita ser o Lobo Guará;
Quem hoje o procurar, achar não vai,
Mas que nas bandas de lá era abundante)
E que talvez você ache interessante...

Antigamente, havia um Jaguar esperto,
Que chamam de tigre ali, por essas partes,
Um tipo de onça, que morava até bem perto
Da casa de um gaúcho, que em boas artes,
Havia matado com um tiro certo
(Seu couro pra capacho não descartes)
A onça mãe do pobre jaguarzinho
E então o criara, desde pequenininho...

Ora pois, foi crescendo esse Jaguar
E a comer demais já começou.
Então o gaúcho se pôs a matutar
E no mato sua mascote colocou.
“Vai, bichinho, tens de aprender a caçar!”
O Jaguar algumas vezes retornou;
Tratou-o bem, mas o levou de volta,
De cada vez já bem mais longe o solta.

E o Jaguar foi lá se aquerenciando,
Feliz da vida, depois que conseguiu,
Que pelo instinto foi se acostumbrando,
Virar bom caçador... E se nutriu
Bastante bem e assim foi agrandizando,
Depois de toda a carne que engoliu!...
Mas tinha saudade de sua estância velha,
Acostumado a comer carne de ovelha...

O JAGUAR, O GUARÁ E O BUGIO II

Mas o estancieiro era de bom coração
E criou também um filhote de guará;
Daí a um ano sentiu de novo precisão,
Foi para o mato e deixou o lobito lá;
“Tens de caçar a tua alimentação,
Quem sabe até uma fêmea tu ‘achará’?”
Também o Guará se acostumbrou no mato,
Caçando passarinho igual que um gato...

E o gauchão também criou um Bugio,
Após o bando inteiro afugentar
Para o outro lado das bandas do seu rio,
Porque seu milharal os via assaltar.
“Nem sei por que bicho do mato eu crio,
Só para ter desde pequeno sustentar!
Mas ver o bichinho chorando eu não consigo
E vou criando até que fique amigo...”

“Só que eles ficam depois grandes demais:
Mandar embora me parte o coração,
Mas tenho de cuidar meus animais
E podem me estragar a plantação...
E ao depois, as suas vidas naturais
São na mata e não em casa de cristão!”
Mas se voltavam, ele os tratava bem:
Tinha saudade de seus bichos também!

E como os três se haviam conhecido,
Cada um comendo coisas diferentes,
Acabaram por formar um grupo unido,
Afinal, eram até meio parentes!...
E estando cada um já bem nutrido,
Fizeram parceria, bem contentes...
Guará e Jaguar davam carne para o mano
E o Bugio roia os ossos até o tutano!...

O JAGUAR, O GUARÁ E O BUGIO III

Às vezes, iam à estância do gaúcho,
Tratados bem, mas o Jaguar via as ovelhas
E pensava que seria um grande luxo
Comer a carne das novas... Só das velhas
O estancieiro lhe servia para o bucho...
Só para ver o que lhe andava pelas telhas,
Porque ao Guará ele só dava umas galinhas
E o Bugio se contentava com frutinhas...

Um dia, lhe apertou mais o desejo
E estando sozinho com o Guará,
Porque o Bugio viajara até um brejo,
Que chamavam de Rincão do Manacá,
Quis o Jaguar aproveitar o ensejo
E o convidou: “Quem sabe vamos lá,
Fazer visita ao nosso pai gaúcho,
Para encher de coisas boas nosso bucho!”

Mas o Jaguar, que era meio debochado,
Quis divertir-se às custas do Guará
E tendo de um só pulo atravessado
A sanga funda que existia por lá,
Larga demais para um pulo do coitado,
Disse ao amigo: “Ora, atravesse já,
A água é rasa, por ali dá pé,
Passe tranquilo, pode fazer fé!...”

Mas era rápida!   E o Guará foi arrastado.
Riu-se o Jaguar, mas dele precisava
E vendo que já estava meio afogado,
Com um salto no riacho o segurava.
E ao chegar na margem, sufocado,
Disse o Guará ao Jaguar que o observava:
“O seu conselho quase me afogou!
Mas lhe agradeço porque me salvou...”

O JAGUAR, O GUARÁ E O BUGIO IV

“Mas foste tu que erraste de lugar!
Eu te disse pra passar ali adiante...”
Insistiu o sem-vergonha do Jaguar.
“Mas já estás bem, vamos seguir avante.”
E o Guará, depois da água vomitar,
Seguiu o Jaguar, esquecendo aquele instante.
E o falso amigo prosseguiu em frente,
Já pensando em pregar peça diferente!

E logo adiante, enxergou cobra coral
E mentiu para o Guará que era um colar,
Caído ali, bem junto ao milharal...
Disse ao Guará que fosse então pegar.
“A mulher do gaúcho perdeu no carnaval,
Leva pra ela, sei que vai gostar...”
Quando o Guará abocanhou o colarzinho,
Quase levou uma picada no focinho!...”

“Compadre, foi de mau gosto a brincadeira!”
“Não, Guará, me desculpe, eu me enganei:
Ela não perdeu colar, perdeu pulseira
E que essa fosse a dela é que eu pensei...
Mas vamos logo, a manhã passa ligeira,
Vai ter churrasco, que eu já farejei!...”
E o bom Guará de novo acreditou
E com o Jaguar pelo caminho continuou.

Viram os peões voltando para a estância
E o Jaguar disse: “Cumprimente os ‘home’!...”
E lhe mentiu, com toda a manigância:
“Diga que o diabo carrega a quem tem fome...”
E o Guará repetiu, sem desconfiança...
Os peões riram: “A la maula, bicho ruim, te some!”
E perseguiram o Guará com chicotadas,
Enquanto ria o mau Jaguar, às gargalhadas!


                                                         
                                                                                  http://www.google.com.br/imgres
O JAGUAR, O GUARÁ E O BUGIO V

Mas quando vieram lhe bater com o laço,
Disse o Jaguar: “Deus ajude a quem trabalha!”
Cada peão enrolou a corda no braço:
“É o Jaguar manso do velho João das Malha!”
E saíram galopando, sem um traço
De má vontade com o Jaguar bandalha!
O Guará mostrou a cabeça daí a pouco:
“Eu me escapei, mas corri igual que um louco!”

“Tu só escapaste, porque eu te salvei,
Eu distraí os que te perseguiam...
Mas não foi nada, só um pouquinho conversei,
Afinal, eles até me conheciam...”
“Mas eu também na estância me criei,
Desde filhote eles por lá me viam...”
“Pode até ser, mas guará é bicho forro,
Eles pensavam de ti como um cachorro!...”


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E finalmente, chegaram à estância velha
E o estancieiro tratou os dois com carinho.
Mas o Jaguar se babou de tanta ovelha
Que contemplara ao longo do caminho,
Só que inocência o seu focinho espelha
E se portou tal e qual gato mansinho...
Foi brincar com a peonada no galpão,
Mas o Guará se escondeu por precaução...

E nessa noite, todo mundo já dormindo,
Foi ao potreiro das ovelhas, degavarinho...
Matou a mais gorda e o sangue foi caindo
Numa cuia que levava, bem daninho...
Depois comeu a ovelha, até engolindo
Cada chumaço de lã e cada ossinho...
Logo ao depois, foi se lavar no poço,
Voltou com a cuia pendurada no pescoço!

O JAGUAR, O GUARÁ E O BUGIO VI

E despacito, porque senão respinga,
Derramou todo o sangue no Guará,

Todo encolhido de medo e com catinga,
Apavorado com os cuscos que viu lá...
Enquanto o Jaguar retoçava na moringa,
Em que guardavam as frutinhas de butiá,
Todo o cheio da carniça disfarçando,
Caso alguém dele acabasse desconfiando!

E dito e feito!   Quando chegou a manhã,
Viram os restos de sangue no potreiro,
Alguns ossinhos, uns fiapinhos de lã
E os peões foram contar ao fazendeiro,
Que já pensou: Foi a tal onça malsã
Que eu criei e alimentei primeiro...
Mas encontraram o Jaguar lá na cozinha,
Sem qualquer cheiro e com a cara bem limpinha!

O gaúcho velho a garrucha lhe apontou,
Mas teve pena de lhe dar um tiro...
O Jaguar abriu os olhos, levantou,
Foi se esfregar na suas pernas com um giro...
“A minha ovelha, Jaguar, você matou!
Fiquei com pena, mas agora eu miro!...”
“Mas não matei sua ovelha, meu patrão!
Não tem cheiro no meu pelo e nem no chão!...”

“Quem matou, acho eu, foi o Guará,
Que está encolhido por baixo da lenheira...
Não vou fugir, mas me amarre e vá até lá...”
E encontraram o Guará junto à capoeira:
Sob a lenha encolhido o pobre está,
Fedendo a carne, no meio da sangueira...
E o gaúcho o matou, com seu porrete,
Tirou a pele e curtiu para um tapete!

O JAGUAR, O GUARÁ E O BUGIO VII

E o fazendeiro mandou o Jaguar embora
E nem deu falta da moringa de butiá...
Saiu o malvado bem contente nessa hora,
Chegou na mata e o Bugio encontrou lá.
“Cuê-puxa, Jaguar, mas tu ‘demora’!
Não encontrei nem a ti nem ao Guará...”
“É que eu acho que ele está aquerenciado
Com os guarás lá do meio do cerrado...”

“Ouvi dizer que namorada até pegou
E andam acuando sob a luz da Lua...
Até filhotes o calavera já arranjou,
Tão cedo não o vemos nesta rua...
Você também... Pois não se acolherou
Com uma bugia e até diz que é mulher sua?
Só eu que nunca encontro uma jaguar,
Tenho de ir longe caso queira me casar...

E o Bugio até na hora acreditou,
Pois tinha mesmo uma bugia amiga;
Mas depois que filhote ela pegou,
Ficou mais braba e procurava briga...
Na mata velha então se refugiou
E retomou a sua amizade antiga
Com o Jaguar.  A caça ele apontava
E o Jaguar sobre ela se atirava!...

E tendo cheia assim a sua barriga,
Por muito tempo nem pensou em ovelha...
Mas depois, sentiu de novo a fome antiga
E o mesmo golpe lhe passou na telha
E convidou o bugio: “Ora, me diga,
Não tens saudade de nossa estância velha?”
“Até que tenho, mas tem lá uma cuscarada...
Se eles me pegam, me matam a dentada!”

O JAGUAR, O GUARÁ E O BUGIO VIII

“Pois me dou bem com aquela peonada,
Todos sabem que eu sou desse rincão...
Eu te protejo, não vai suceder nada,
Que de um jaguar tem receio qualquer cão!
Vai ser bom... A gente dá uma mateada,
Para matar a saudade do patrão...”
Falando assim, o Bugio se convenceu,
Do antigo medo até quase se esqueceu...

Mas ao chegarem na beirada desse rio,
A sanga grossa, porque havia chovido,
Pensou o Jaguar em pregar peça ao Bugio,
Porém este era bastante precavido...
Pegou um cipó, se pendurou no fio,
Aterrissou do outro lado e, atrevido,
“Pegue o cipó também!” disse ao Jaguar,
“Passe de um pulo, senão vai se molhar!...”

E o Jaguar, meio que desapontado,
E vendo mesmo que a corrente estava forte,
Numa liana se prendeu, bem agarrado,
Acreditando estar tendo boa sorte...
Mas rebentou o cipó!   Quase afogado,
Foi o Bugio que o salvou da morte,
Pois com um galho puxou-o, com coragem:
Veio o Jaguar tremendo para a margem...

“A porcaria dessa liana rebentou!...”
“Pois foi, tchê!  É que tu tá muito pesado,
O meu peso muito fácil aguentou,
Cheguei sequinho deste nosso lado...
Mas se tu desse pulo não ‘gostou’,
Devias ter pela água atravessado...
Pois aqui só te dava até o pescoço...
Mas vamos logo, pra chegar antes do almoço...”

O JAGUAR, O GUARÁ E O BUGIO IX

E logo adiante, encontraram cascavel,
O Jaguar, ainda tonto pelo banho...
“Olha, Jaguar, que bonito aquele anel!...
Vou pegar para vender com muito ganho!
Mas o Jaguar, igual que urso no mel,
Saltou em cima: “Esse é meu, eu abocanho!”
E a cascavel esperou, degavarinho,
E por um triz não lhe deu bote no focinho!

E quando os dois encontraram os peões,
“Aí vem a onça!...” saiu o Bugio, gritando,
“E traz com ela junto dois leões!...”
Os haraganos, bem depressa se juntando,
Deram dez tiros com seus garruchões:
Saiu o Jaguar, bem depressa, disparando!
E o Bugio, como é bem natural,
Foi roer espigas ali no milharal!...

Mas o gaúcho seu jaguar reconheceu
E mandou todos pararem a caçada:
“É o jaguarzinho manso!  É bicho meu!...”
Mas ele tinha saído em disparada
E só de tarde finalmente apareceu,
Sem do churrasco ter sobrado nada...
Vendo o Bugio numa rede, a se embalar,
Jurou que à noite iria se vingar!...

De madrugada matou mais uma ovelha,
Levando a cuia pendurada no pescoço
E repetiu a sua artimanha velha...
Mas o Bugio tinha um cacete grosso
E quando sua silhueta já se espelha,
Deu porretada macanuda e sem retoço...
O sangue se derramou sobre o Jaguar,
Que de tão tonto nem pensou em se lavar!

O JAGUAR, O GUARÁ E O BUGIO X

E no outro dia, chegou o fazendeiro,
Cheio de raiva pela morte de outra ovelha.
Foi procurar o Bugio em seu poleiro...
“Mas, patrão,” disse, erguendo a sobrancelha,
“O senhor sabe que aqui no seu terreiro
Eu só como fruta seca e espiga velha...
Ataquei seu milharal, não vou negar,
Carne eu não como, não pode me acusar!...”

“Mas e aí no piso, essa tal mancha vermelha?”
“Ora, patrão, foi da cuia do Jaguar:
Foi ele que matou e comeu a ovelha
E veio aqui para com o sangue me molhar...
Mas sou macaco velho e na sua telha
Dei uma bordoada daquelas de estontear!
Mas pela trilha de sangue que escorreu
Se acha fácil onde ele se escondeu...”

E encontram o Jaguar todo encolhido,
Todo manchado pelo sangue derramado;
Tinha a cuia de sangue se partido,
Um pedaço em seu pescoço pendurado...
O fazendeiro ficou todo arrependido
Por seu Guará de estimação ter esfolado...
Cortou-lhe a goela, jorrou de sangue um rego
E do couro do Jaguar fez um pelego!...

E foi assim que o Bugio vingou o amigo,
Mas quando foram ver, tinha sumido!
Talvez achando estar em igual perigo,
Por todo o milho que sua tribo havia comido!
Sabe-se lá se o esperava algum castigo...
Porém não foi no seu brejo perseguido.
Criou família, teve seus dias de glória,
Servi-lhe um mate e me contou toda esta história!


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