segunda-feira, 4 de junho de 2012

DISSIDÊNCIA, DISFORIA & ESTERTOR DO TEMPO


DISSIDÊNCIA I   

O que fazer com meu amor de outono?
Se ao menos fosse fácil, quando o sono
Finalmente a outro reino me conduz
E me percebo caminhando à luz

Desses teus olhos mornos e salgados,
Teus passos junto aos meus, descompassados
Por sentimentos de tanta variação,
Por vezes já rendida, de outras não,

Na brincadeira do vago sentimento...
Quando o alvo atinges, apenas um momento
Te tornas dadivosa; e pronto se retrai

Essa inconstância tua; e logo sai
De tua boca de novo o hálito da espera.
Enquanto a alma encolhe e o peito reverbera.

DISSIDÊNCIA II

O que fazer com meu amor de inverno?
Quando o calor se faz muito mais terno,
Nessa busca de um encaixe de colher,
Em puro sono, sem amor fazer sequer.

Lentas correntes a descer pela vidraça
Nessa condensação que se desfaça
E dos cabelos o enxampuado cheiro
Esparramado sobre o travesseiro...

O que fazer da amarga companhia
Que me atravessa o peito noite e dia
E até me olha com certa compaixão

Pelas horas perdidas, na emoção
Com que passo a contemplar estas janelas
Emaranhado em rimas paralelas...

DISSIDÊNCIA III

O que fazer com meu amor de primavera,
Que me flui e reflui, qual besta-fera,
Que me faz quase suplicar por anuência
E as mais das vezes, encontrar a dissidência?

Por que esse amor, ainda embora seja terno
Já de há muito desistiu de ser eterno,
De uma presença real a aceitação,
Do sacramento de imperfeita comunhão.

Que seja amor de rosas e fragrante
De orquídeas inodoras, amor vagrante
De estrelitzias e hibiscos sempre em flor,

Quando quero tão só a flor do amor
Que se me nega abrir-se em azedume,
Sem o botão me nutrir com seu perfume...

DISSIDÊNCIA IV

E que fazer com meu amor nesse verão
Marchetado com o odor da sudação,
Visitado pelos filhos do calor
Mosquitos e baratas, no estertor,

Sob os efeitos fatais do inseticida,
Borrifado com pendor de suicida,
No meu desejo de calorcidar o tempo,
Temperá-lo um pouco mais a meu contento?

E que fazer com este tema tão batido
Que até Vivaldi tinha em música inserido?
Ou que Hesíodo, oh, deuses do passado!

Descreveu no seu poema consagrado?
E me sinto em dissidência e genocídio,
Na ânsia pura de praticar um amoricídio!...

DISFORIA I

ela se afasta e neste Desconsolo,
quando tudo me acena e não Promete,
qual manequim envolta em seu Confete,
meu coração martelado num Monjolo,

e permanece enevoada neste Dolo
e então retorna, tal como se Complete
a sedução proferida em Ramalhete,
que mais se afirma no coração do Tolo,

já que não é quando bate no Pilão
que tem mais força a estrela Feminina,
mas no momento em que lhe bate o Pulso,

quando melhor nos forja em Ilusão
e então retorna e, triunfal, Destina
o pêndulo oscilante em vasto Impulso.

DISFORIA II

mas se retorna, é para me Sugar
qualquer resquício de Masculinidade;
ela se impõe, plena de Feminilidade
e é seu desejo que deve-me Empolgar.

ela se afirma no eterno Retornar
como senhora até da Eternidade,
do meu destino a magia da Verdade,
meu fado inteiro em lento Apunhalar.

porém não sofro e muito menos Choro;
mostro mais a aceitação da Indiferença,
que para mim tantas vezes já Ocorreu.

e quando se retira, nada Imploro,
mas quando se aproxima, volta a Crença,
maugrado tudo, de que sou ainda Seu.

DISFORIA III

e permanecem os momentos de Euforia,
em mangra e mescla de Resignação:
o que os deuses estendem com sua Mão
com a outra retiram, em Zombaria.

pois nada ocorre sem um laivo de Ironia
nisso que tange à divina Aceitação;
é isso que buscam, não minha Devoção,
sou instrumento da divina Sinfonia.

e se me dão partitura a Executar
devo cumpri-la tanto melhor que Possa,
evitando da discórdia Partilhar,

que a melodia à conclusão Irá
e à minha revolta fará vista Grossa,
e até a coda final se Cumprirá.

DISFORIA IV

pois é assim que se passou Comigo,
em meu instável Relacionamento:
igual que aos deuses age, em seu Portento
e evitar o seu desejo não Consigo.

já de há muito me enleei, por meu Perigo;
submetido estou ao Julgamento,
bem envolvido no Reconhecimento
de que um amante nunca pode ser Amigo.

sempre exerce a mulher a Tirania,
consciente de sua força e seu Poder;
tudo observa, sem se Comprometer,

enquanto o amante se curva, em sua Folia,
sempre na ânsia de um sorriso Receber,
pelo alto preço de tal Mercadoria.



ESTERTOR DO TEMPO I

O corte que talhaste na minha alma
não se cura tão fácil... É lesão
demais profunda.   Não é qualquer perdão
que me possa restaurar a antiga calma.

Tomei da agulha e cosi, com fios de palma
esse talho hemorrágico, mas não
consegui estancar essa paixão,
que ainda jorrou por anos sangue dalma.

Não há muito que fazer em alma rasgada:
de nada servem araldite ou outra cola,
nem sequer com durepóxi se fecha,

mas é por essa dor transfigurada
que a arte surge e que a poesia rola
e o verso escorre enquanto a alma se queixa.

ESTERTOR DO TEMPO II

Mantenho o cetro marchetado dessa Europa
nas mil canções que passo a derramar.
Razão não vejo qualquer para adotar
falsos motivos para o fim de encher-me a copa.

Quais os motivos índios que se topa,
essa mania de locais denominar,
por romantismo enviesado e um tanto alvar,
deixando para trás da antiga popa

esses modelos de nossos ancestrais,
que silvícolas não foram mas jograis
tocando alaúdes nos banquetes da nobreza;

que embora fossem de singular beleza
esses temas dos antigos madrigais
mal se escutavam entre os risos de vileza.

ESTERTOR DO TEMPO III

E por que trago em minhalma galhardetes
e meus poemas vêm da Renascença,
o amor à música é defeito de nascença
e meus versos usei quais capacetes,

a proteger-me dos punhados de confetes
que na minha boca jogaram por descrença;
por quanto li, só demonstrei sabença,
sete penas de amor em ramalhetes.

Lima Barreto já denunciou em “Quaresma”
o tolo orgulho do modismo nacional,
em se querer adotar língua tupi,

o seu herói transformado em abantesma,
e ainda cantamos, de maneira natural,
o Grito do Ipiranga por aqui...

ESTERTOR DO TEMPO IV

É deste modo que carrego minha mortalha,
arrastando dez correntes literárias;
sem adotar ideologias atrabiliárias,
uso meus dedos como agulha falha.

O meu cordão foi tão só fogo de palha,
o meu tempo estertores, em perdulárias
composições de mil sonhos de párias,
enquanto, pouco a pouco, o peito esgalha.

Porém prossigo por entre meus remendos,
esgarçados, puídos, retocados,
uso saliva de amores recusados,

uso perfume de abraços mais tremendos,
mas se esfiapa o coração em verso
e o tempo apenas me sorri... perverso!

 Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.

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