DISSIDÊNCIA
I
O que fazer com
meu amor de outono?
Se ao menos
fosse fácil, quando o sono
Finalmente a
outro reino me conduz
E me percebo
caminhando à luz
Desses teus
olhos mornos e salgados,
Teus passos
junto aos meus, descompassados
Por sentimentos
de tanta variação,
Por vezes já
rendida, de outras não,
Na brincadeira
do vago sentimento...
Quando o alvo
atinges, apenas um momento
Te tornas
dadivosa; e pronto se retrai
Essa
inconstância tua; e logo sai
De tua boca de
novo o hálito da espera.
Enquanto a alma
encolhe e o peito reverbera.
DISSIDÊNCIA II
O que fazer com
meu amor de inverno?
Quando o calor
se faz muito mais terno,
Nessa busca de
um encaixe de colher,
Em puro sono,
sem amor fazer sequer.
Lentas correntes
a descer pela vidraça
Nessa
condensação que se desfaça
E dos cabelos o
enxampuado cheiro
Esparramado
sobre o travesseiro...
O que fazer da
amarga companhia
Que me atravessa
o peito noite e dia
E até me olha
com certa compaixão
Pelas horas
perdidas, na emoção
Com que passo a
contemplar estas janelas
Emaranhado em
rimas paralelas...
DISSIDÊNCIA III
O que fazer com
meu amor de primavera,
Que me flui e
reflui, qual besta-fera,
Que me faz quase
suplicar por anuência
E as mais das
vezes, encontrar a dissidência?
Por que esse
amor, ainda embora seja terno
Já de há muito
desistiu de ser eterno,
De uma presença
real a aceitação,
Do sacramento de
imperfeita comunhão.
Que seja amor de
rosas e fragrante
De orquídeas
inodoras, amor vagrante
De estrelitzias
e hibiscos sempre em flor,
Quando quero tão
só a flor do amor
Que se me nega
abrir-se em azedume,
Sem o botão me
nutrir com seu perfume...
DISSIDÊNCIA IV
E que fazer com
meu amor nesse verão
Marchetado com o
odor da sudação,
Visitado pelos
filhos do calor
Mosquitos e baratas,
no estertor,
Sob os efeitos
fatais do inseticida,
Borrifado com
pendor de suicida,
No meu desejo de
calorcidar o tempo,
Temperá-lo um
pouco mais a meu contento?
E que fazer com
este tema tão batido
Que até Vivaldi
tinha em música inserido?
Ou que Hesíodo,
oh, deuses do passado!
Descreveu no seu
poema consagrado?
E me sinto em
dissidência e genocídio,
Na ânsia pura de
praticar um amoricídio!...
DISFORIA
I
ela se
afasta e neste Desconsolo,
quando
tudo me acena e não Promete,
qual
manequim envolta em seu
Confete,
meu
coração martelado num Monjolo,
e
permanece enevoada neste Dolo
e então
retorna, tal como se Complete
a
sedução proferida em Ramalhete,
que
mais se afirma no coração do Tolo,
já que
não é quando bate no Pilão
que tem
mais força a estrela Feminina,
mas no
momento em que lhe bate o Pulso,
quando
melhor nos forja em Ilusão
e então
retorna e, triunfal, Destina
o
pêndulo oscilante em
vasto Impulso.
DISFORIA
II
mas se
retorna, é para me Sugar
qualquer
resquício de Masculinidade;
ela se
impõe, plena de Feminilidade
e é seu
desejo que deve-me Empolgar.
ela se
afirma no eterno Retornar
como
senhora até da Eternidade,
do meu
destino a magia da Verdade,
meu
fado inteiro em lento
Apunhalar.
porém
não sofro e muito menos Choro;
mostro
mais a aceitação da Indiferença,
que
para mim tantas vezes já Ocorreu.
e
quando se retira, nada Imploro,
mas
quando se aproxima, volta a Crença,
maugrado
tudo, de que sou ainda Seu.
DISFORIA
III
e
permanecem os momentos de Euforia,
em
mangra e mescla de Resignação:
o que
os deuses estendem com sua Mão
com a
outra retiram, em Zombaria.
pois
nada ocorre sem um laivo de Ironia
nisso
que tange à divina Aceitação;
é isso
que buscam, não minha Devoção,
sou
instrumento da divina Sinfonia.
e se me
dão partitura a Executar
devo
cumpri-la tanto melhor que Possa,
evitando
da discórdia Partilhar,
que a
melodia à conclusão Irá
e à
minha revolta fará vista Grossa,
e até a
coda final se Cumprirá.
DISFORIA
IV
pois é
assim que se passou Comigo,
em meu
instável Relacionamento:
igual
que aos deuses age, em
seu Portento
e
evitar o seu desejo não Consigo.
já de
há muito me enleei, por meu Perigo;
submetido
estou ao Julgamento,
bem
envolvido no Reconhecimento
de que
um amante nunca pode ser Amigo.
sempre
exerce a mulher a Tirania,
consciente
de sua força e seu Poder;
tudo
observa, sem se Comprometer,
enquanto
o amante se curva, em sua
Folia,
sempre
na ânsia de um sorriso Receber,
pelo
alto preço de tal Mercadoria.
ESTERTOR DO TEMPO I
O corte que talhaste na
minha alma
não se cura tão fácil... É
lesão
demais profunda.
Não é qualquer perdão
que me possa restaurar a
antiga calma.
Tomei da agulha e cosi, com
fios de palma
esse talho hemorrágico, mas
não
consegui estancar essa
paixão,
que ainda jorrou por anos
sangue dalma.
Não há muito que fazer em
alma rasgada:
de nada servem araldite ou
outra cola,
nem sequer com durepóxi se
fecha,
mas é por essa dor
transfigurada
que a arte surge e que a
poesia rola
e o verso escorre enquanto a
alma se queixa.
ESTERTOR DO TEMPO II
Mantenho o cetro marchetado
dessa Europa
nas mil canções que passo a
derramar.
Razão não vejo qualquer para
adotar
falsos motivos para o fim de
encher-me a copa.
Quais os motivos índios que
se topa,
essa mania de locais
denominar,
por romantismo enviesado e
um tanto alvar,
deixando para trás da antiga
popa
esses modelos de nossos
ancestrais,
que silvícolas não foram mas
jograis
tocando alaúdes nos
banquetes da nobreza;
que embora fossem de
singular beleza
esses temas dos antigos
madrigais
mal se escutavam entre os
risos de vileza.
ESTERTOR DO TEMPO III
E por que trago em minhalma
galhardetes
e meus poemas vêm da
Renascença,
o amor à música é defeito de
nascença
e meus versos usei quais
capacetes,
a proteger-me dos punhados
de confetes
que na minha boca jogaram
por descrença;
por quanto li, só demonstrei
sabença,
sete penas de amor em
ramalhetes.
Lima Barreto já denunciou em
“Quaresma”
o tolo orgulho do modismo
nacional,
em se querer adotar língua
tupi,
o seu herói transformado em
abantesma,
e ainda cantamos, de maneira
natural,
o Grito do Ipiranga por
aqui...
ESTERTOR DO TEMPO IV
É deste modo que carrego
minha mortalha,
arrastando dez correntes
literárias;
sem adotar ideologias
atrabiliárias,
uso meus dedos como agulha
falha.
O meu cordão foi tão só fogo
de palha,
o meu tempo estertores, em
perdulárias
composições de mil sonhos de
párias,
enquanto, pouco a pouco, o
peito esgalha.
Porém prossigo por entre
meus remendos,
esgarçados, puídos,
retocados,
uso saliva de amores
recusados,
uso perfume de abraços mais
tremendos,
mas se esfiapa o coração em
verso
e o tempo apenas me sorri...
perverso!
Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras
> Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos >
Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.
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