sábado, 11 de maio de 2013






RIMAS PARALELAS I

Neste momento, eu sinto nas narinas
que toda a inspiração que me destinas

transformou-se em coriza e mais defluxo... 
Expectoro e transnuto todo o influxo

que de ti venha... É quando amor percebo
tal qual virose e os versos um placebo...

Eu sei que tive meus predecessores
a descrever pulmões em seus humores...

Não ressumbro de nada assim romântico:
não sou tuberculoso ou rabdomântico.

Transito apenas pela fase nova,
que nem sequer espero te comova,

de alguém que se acamou e, preso ao leito,
busca, afinal, tirar algum proveito

desses sintomas pobres, corriqueiros,
de um resfriado tomado de terceiros...

RIMAS PARALELAS II   [julho de 2007]

Pois foi assim: a meu redor eu via
o povo a desfrutar da meiga nostalgia

dos espirros, da tosse e da coriza
de um resfriado trazido pela brisa!...

Só eu que não pegava... Que saudade!
O último em novembro e é bem verdade

que nove meses dura a gestação,
enquanto a gripe acometia a multidão

e eu não era aquinhoado... Que injustiça!
Até junho me fugia essa noviça

epidemia que a todos derrubava,
porém de mim ainda se esquivava...

Então, a persegui, em minha loucura,
como um amante empós a luz mais pura...

Sentia-me excluído, até que a achei
e em casto beijo a gripe enfim peguei!...

[Asneira minha!... Fui me vacinar  contra e gripe e depois dessa, peguei mais três até setembro de 2007.  Depois disso, não me vacinei mais e já fazem 26 meses que não pego outra!...]

RIMAS PARALELAS III

Não que esteja totalmente sem energia;
é tão somente que o ardor que me assistia

agora se esvaiu, em negro fado:
a cada dois minutos, sou parado,

para espirrar ou para assoar o nariz!...
E como trabalhar, você me diz:

se não consigo uma frase completar,
sem que a tosse me venha acompanhar...

De fato, ela chegou e bem de jeito
deu-me os sintomas a que tenho direito,

calafrios e calores, febre alta,
sonhos estranhos que a mente sobressalta,

num esgarçar das forças; e as imagens
entrecortadas ficam, em miragens,

tal como estranho mundo divisasse,
em que minha gripe soberana dominasse!...

RIMAS PARALELAS IV

Talvez consiga agora o meu desejo
realizar e preparar-me para o ensejo

de velhos compromissos me livrar,
com tantos novos sempre a me chegar...

Se, casualmente, esta gripe feroz
me conduzir a um destino atroz,

não mais terei nem contas, nem impostos,
ficarei livre de pagar juros compostos!

Ao mesmo tempo, nem trabalho mais!
Depois de morto, os labores naturais

se esvairão por sendas que nem sei
e nunca mais ao superego me doarei...

Estarei livre das cobranças materiais:
quiçá terei cobranças espirituais...

porém do corpo, suas fraquezas e potências,
certamente não terei mais exigências...

RIMAS PARALELAS V

É bem difícil conseguir falar de amor
quando a febre nos poreja de suor.

Quem sabe, falo em poeiras estelares
que conformem os traços singulares

da mulher que elegi para minha amada,
quer ela aceite ou, quiçá, não queira nada...

Posso falar de flores, margaridas,
em pradarias de mil cores revestidas;

do farfalhar do vento pelas copas,
ou de velas enfunadas desde as popas,

como se fosse, com efeito, amor real
e não apenas esse estado natural

da consciência de quem a quer por perto,
de preferência a viver em lar deserto...

E a concluir, mencionando a solidão
que aflige o teu, como a todo o coração. 

RIMAS  PARALELAS VI

Nas poeiras estelares, eu me iludo:
possam os astros me servir de escudo,

a cada vez que surja a conjunção
dos planetas que me têm mais afeição...

Contudo, eu nunca cri em astrologia,
embora seja a mãe da astronomia,

porque esses doze signos dos zodíacos
funcionaram dos sumérios aos siríacos,

porém se defasaram, hoje em dia:
nem o Sol percorre a trilha em harmonia

e até se desviou... Ao menos dois
desses signos já descartou depois...

Comigo, todo horóscopo é ilusão:
em um sou Libra, no outro sou Escorpião...

Se nem acertam meu signo suas setas,
como posso acreditar em tais profetas?

RIMAS PARALELAS VII

E novamente, nas poeiras estelares,
vejo o reflexo de todos meus azares...

Anjo caído, como todo o artista,
eu busco ainda dos céus a reconquista...

Expus há muito que coleto penas:
vou refazer das asas as despenas...

Quem sabe neste coletar das dores,
em cada pena, enxergo meus amores?...

Se algum dia voei pelos espaços,
perco-me hoje na fúria dos abraços...

Não foram penas de águia que perdi,
nem de cegonha as que queimei aqui...

E nessa febre de um simples resfriado,
vejo o espelho de todo o meu pecado...

Contemplo a realidade e não sou cego:
o que perdi... foram asas de morcego!...

RIMAS PARALELAS VIII

E se eu falar de pradarias floridas
de camomila e solidagas revestidas?

Pequenas flores, brotação primaveril,
num contraste multicor ao céu de anil,

recobertas por perenes revoadas
de abelhas, pelo néctar encantadas,

encarregadas da polinização
(tem carteira assinada por patrão).

Transportam pólen de uma a outra flor,
prazer unido à faina, em seu labor.

São um exército de formação secreta,
organizadas em tal missão completa,

criando cera para seus enxames,
seu mel deixando em mil telas de arames.

Decerto, têm prazer em trabalhar
para quem busca somente as explorar!...
  
RIMAS PARALELAS IX

Deste modo, eu prefiro as borboletas,
que não pretendem ter missões secretas,

salvo na própria busca do adejar,
flores aéreas em puro desvairar...

Diz uma lenda que lagartas elas foram
e que, em casulos, muitos dias demoram.

Mas todos sabem que isto é falsidade:
nascem em caules todas, na verdade.

As hastes destes pés de borboletas
se esticam mais que as outras, são completas.

Apanham sol até nascer botão,
igual que as flores, porém com coração

E, de repente, tudo desabrocha:
asas vermelhas como móvel tocha

de que brotam borboletas cintilantes,
como chamas nos ares, triunfantes!...

RIMAS PARALELAS X

Quem não me crê, que crie essas lagartas:
descobrirá, quando estiverem fartas

de comerem tanto as folhas como as rosas,
que se transformam somente em mariposas.

As borboletas são muito mais airosas,
como seriam larvas preguiçosas?...

Nasceram tão somente para o voo
e, quando as vejo, a imaginação escoo.

Que as vejo cintilar, flores pequenas,
incrustadas em goivos e açucenas,

até chegar o dia em que desovam,
na corola da flor que mais aprovam...

Pois não há flores sem as borboletas,
apaixonadas em seus ideais de estetas...

E descem pelos caules os seus ovos,
para gerar verões e outonos novos...

RIMAS PARALELAS XI

E o mesmo ocorre com as poeiras estelares:
descem à Terra e vão formando pares.

Depositam-se no solo em morte de ouro,
dando a minas de faróis o nascedouro...

Todo o solo recobrem qual tapete,
a relva delas brota e nos reflete.

Em raízes e frutas, sempre vivos,
a seus brotos de luz submissivos.

Nascem arbustos e árvores da grama,
de ramos e capim fazemos cama.

Que sempre é verde na origem o alimento,
por mais azul que seja o pensamento...

Filhos de estrelas, comemos essa poeira,
desses rastros de sol somos a esteira...

Filhos do campo somos ou da selva,
que toda carne humana é apenas relva.

RIMAS PARALELAS XII

E é esse o meu destino paralelo:
dessa poeira estelar eu trago o selo.

Que sejam minhas as asas do morcego,
minha própria incontinência jamais nego.

Ou sejam asas de libélulas sedosas
ou das aves as plumas mais gloriosas.

Que eu seja um campo febril de margaridas
que a ceifa indiferente tem colhidas...

Que eu seja areia das poeiras estelares,
correndo por minhas veias aos milhares.

Que importam asas, quando sei voar
e minhas próprias trombetas ressonar?

Porque flutuar eu sei, com todo o alento,
minhas asas invisíveis como o vento.

Que cedo ou tarde, em plena envergadura,
desenfreadas,  hão de expandir ternura.       

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