sábado, 7 de dezembro de 2013






   ZODÍACO & MAIS – William Lagos

ZODÍACO E ESTILINGUES I (2008)

Eu insisti com a vida, desejando
que os bens da terra caíssem no meu colo;
por tais desejos tão só a garganta esfolo,
porque o destino apenas vai passando...

Cresci, mas aprendi que só tentando
lutar pelo que quero é que irá pô-lo
em meu regaço: comprarei o bolo
com meu trabalho; e nunca derramando

ardentes preces ou anseios caros;
os resultados só chegam quando insistes
e, para amor, não basta um leve toque,

nem persistência de poemas raros...
Mas olha para o céu -- talvez me avistes,
A derrubar mil estrelas a bodoque...

ZODÍACO E ESTILINGUES II (10 OUT 13)

Talvez me vejas montado num cometa;
serão esporas um meteorito ou dois;
tomarei um asteroide no depois
e o lançarei sobre a estrela mais dileta...

Aquela estrela que já foi a guia secreta,
a sinuela na constelação dos bois,
sobre a camada transparente que constróis,
na qual estrelas uma a uma se espeta.

Sei muito bem que a noite é falsiforme,
na multidão dos astros fascinantes;
matéria negra é que engasta esses distantes

fachos de luz em rodopio enorme,
pois só da Terra se veem constelações,
na fantasia dos desenhos que ali pões. 

ZODÍACO E ESTILINGUES III

Há dez milênios, lá na Mesopotâmia,
velhos sumérios tudo imaginaram...
Por que o sistema duodecimal criaram?
Teriam doze dedos, sem infâmia...?

Os gregos, ao falar no monstro Lâmia,
com doze garras certa vez a representaram
e como mulher bela a disfarçaram,
vivendo em algum lugar da velha Hispânia.

Mas não achamos a hexadactilia
nos restos sumérios que nos alcançaram,
nem tampouco nas estátuas que deixaram.

Por que no doze tal fixação havia?
Por que doze meses no calendário solar,
se existem treze por ano no lunar?


ZODÍACO E ESTILINGUES IV

Por isso, nunca cri em horoscopia,
que as doze casas do zodíaco inexistem,
por mais que seus defensores nos insistem
e até nos mudem a presente astrologia;

por isso, em um cometa eu montaria,
para caçar as estrelas que assim distem,
quebrar desenhos que já sei que não existem
e refazê-los em uma nova astronomia...

As estrelas, a pouco e pouco, laçaria
e as puxaria, pela força de meus braços,
modificando a posição de cada;

e uma nova constelação eu criaria,
que pudesse acolher nos meus abraços,
com cada traço do rosto de minha amada...


MEANDROS I – 11 OUT 13

Ainda conservo nos meandros da memória
o mobiliário da casa de minha infância,
recordo os pisos em cada reentrância,
lembro dos forros com cada mancha e escória.,

cada parede a me fitar, peremptória,
com cascatas de goteiras em abundância,
bombas atômicas de fantástica constância,
explodidas num passado sem história;

e quando os olhos fecho, distraído,
ainda percebo nas cortinas palpebrais
cada detalhe de tais instalações

da casa morta e do prédio demolido,
dos meus parentes que não caminham mais,
móveis fantasmas e suas configurações.

MEANDROS II

Quando criança, segurava espelho,
desses quadrados, de pia de banheiro,
e seguia pela casa, bem faceiro,
pisando os tetos pintados de vermelho

e nos umbrais, era como escaravelho,
numa vertigem de menino arteiro,
tropeçando no ar, como se inteiro
meu pé trançasse nesse prédio velho.

Mas ao sair pela porta da cozinha,
lembrando bem que havia dois degraus,
chegava ao pátio para pisar no céu,

nesse azul súbito que me envolvia e vinha
ou no cinzor de uns quantos dias maus,
para englobar-me na tela de seu véu.

MEANDROS III

Não tinha acesso da casa até o porão:
havia apenas larga caixa de cimento
que chamavam frigorífico e o alimento,
bebida e gelo ali guardavam no verão.

Acesso havia por meio de um alçapão
e outros havia a que escada, num momento,
dava ao sótão, lugar feio e nojento,
em que estendiam da luz  a fiação.

É claro que ali apenas espiei,
vendo réstias de luz pelo telhado,
pois minha avó me proibia ferozmente;

mas na memória até isso guardei,
em claraboia direta a meu passado,
amortalhado em poeira permanente. 


WOLONG I  -- 12 OUT 13

Wolong é esse lugar desconhecido
e já nem sei por que tal título escolhi;
mas bem no alto da lista o incluí,
meses ou anos de um passado já esquecido.

Se fosse Wollongong, melhor seria tido:
alguma cidade na enciclopédia  eu vi,
em Nova Gales do Sul, segundo descobri,
o estranho nome ali está escondido.

Mas meu Wolong escrevi com um “ele” só,
em resultado  de qualquer capricho
e tal escolha eu devo defender;

de meu imaginar não terei dó
e nem pretendo este poema pôr no lixo.
Vejamos, pois, o que irá aparecer...

               
WOLONG II

Digamos que Wolong é um asteroide,
formado quase inteiramente de ouro;
a cobiça despertada por tesouro
foguetes lançarão deste geoide;

ou digamos que Wolong é um humanoide,
identificado por qualquer estouro,
de feições orientais, cabelo louro,
descoberto na Antártida por romboide;

ou digamos que Wolong é um elemento
transurânico, por Mendelejeff desconhecido,
muito pesado, mas totalmente estável

ou que Wolong é o remédio do momento,
por panaceia quase desenvolvido,
cura da AIDS e da calvície incontestável.


WOLONG III

Pois Wolong poderia ser ainda
um candidato do Brasil à presidência,
nome africano de estranha dependência,
descendente de escravos de Cabinda;

ou um novo satélite para a infinda
multidão de celulares em exigência,
busca do lucro disfarçada em complacência,
nomenclatura da Zona Franca vinda;

ou quem sabe, nova marca de algum doce,
ou então chiclete, pirulito ou chocolate,
resultado de qualquer breve pesquisa,

qual se real opinião da massa fosse,
repetida com a frequência de um abate,
até que o povo acompanhasse tal baliza.


WOLONG IV

Ou pode ser nova sigla partidária
ou mesmo o nome de uma nova companhia,
da Razão Social bem diversa a Fantasia,
a ser imposta por propaganda perdulária;

ou quiçá religião nova e arbitrária,
alicerçada no Oriente, em sua magia,
por mais que a Ásia inteira negaria
conhecer a tal doutrina atrabiliária;

ou talvez, um novo ritmo de dança,
copiado a aborígenes australianos
ou efeito simples da numerologia

ou vem dos sonhos do passado, que ainda alcança
a minha memória, mais antiga que os romanos,
nome que usei, reencarnei, e nem sabia!...


O TOQUE DO CELULAR I – 13 OUT 13

Vou pela rua, caminhando descuidado,
E por mim passa alguém que nem conheço;
Outro alguém à ligação deu um começo
E um toque soa no celular ao lado...

Até hoje um tal emprego recusado
Foi por mim, mesmo baixo sendo o preço;
Ofertas de presente eu agradeço,
Não quero ser assim localizado...

Mas o toque que escolheu esse passante
Fez-me lembrar algumas horas de minha infância:
Um minueto que minha mãe executava;

E me conduz à alameda deslizante
Dos arpejos e dos toques de elegância
Que enquanto lia minhas revistas escutava.

O TOQUE DO CELULAR II

Há muitos anos minha mãe não toca mais;
Seu deeneá talvez guarde meu piano;
Ou quem sabe, nos martelos, som arcano
Ainda se esconda em notas hibernais;

Do outro lado da casa, em modorrais,
Período de meu sono de haragano,
Sem pouso fixo em sonho quotidiano,
Escuto notas dedilhadas no ademais...

É longa a casa, há uma escada de permeio;
Daí que chegue até o salão dianteiro,
Já esvoaçou seu toque derradeiro...

Se por acaso algum espírito aqui veio,
Já se enroscou nos arames do instrumento...
E baixo a tampa do teclado em tal momento.


O TOQUE DO CELULAR III

O celular somente toca alguns compassos
E me recorda o aroma indefinível
Daquelas tardes e manhãs do inatingível:
Calor e frio de silenciosos passos...

Ando no azul da rua, sem abraços;
A voz se afasta em conversa incompreensível,
Até as mãos gesticulam no invisível
Acariciar do fantasma desses traços.

Antigamente, quem falava pelas ruas
Ou ficava acenando nas calçadas
Era tido como algum irracional,

Um pobre louco, em fantasias cruas...
Mas hoje vejo essas pessoas apressadas,
Falando à brisa qual se fora natural...


O TOQUE DO CELULAR IV

Porém o som subitâneo, inesperado,
Desperta em mim estranhos sentimentos;
As campainhas de meus padecimentos
Nesse toque tilintando, abandonado...

Se falo então com alguém, sou isolado,
Sinto o desprezo de seus alienamentos;
Nesses toques que parecem agourentos,
Há um outro mundo destilando do meu lado.

Talvez eu seja, afinal, o derradeiro
Que tanto pode, mas se recusa a ter,
Que se recusa pelas ruas a atender

O toque de clarim que o toma inteiro
E que o invade, sem razão real,
Como buzina tocada em carnaval...

REDES SOCIAIS I – 14 OUT 13

HÁ MUITOS ANOS ADOTEI O COMPUTADOR.
FOI NECESSÁRIO, POR MOTIVOS DE TRABALHO;
A MÁQUINA DE ESCREVER QUEBRAVA O GALHO,
MAS TRANSFORMOU-SE O MISTER DE TRADUTOR.

HOJE OS TEXTOS SE TRANSMITEM A VAPOR
OU MEUS POEMAS PELOS CÉUS ESPALHO;
DE ALGUNS DADOS NA INTERNET ATÉ ME VALHO,
PORÉM NOS LIVROS AINDA ENCONTRO MAIS VALOR.

AS MENSAGENS SE COMUNICAM FACILMENTE
E AS POSSO RESPONDER COMO QUISER,
MAS A INSISTÊNCIA DAS REDES SOCIAIS

É DE MEU TEMPO BEM MAIS EXIGENTE
E POR ISSO ME RECUSO A TAL MISTER,
ENQUANTO POSSO DISFARÇAR-ME NO JAMAIS.

REDES SOCIAIS II

VEJO AS PESSOAS INSISTINDO EM SEU EXPOR
E ME REQUEREM SEMELHANTE EXPOSIÇÃO;
AS FOTOS VOAM, SEM QUALQUER RAZÃO,
MIL REFLEXOS DE LUZ NESSA OCASIÃO.

E CASO QUEIRA A TAL EXAME ME DISPOR,
VEREI MILHARES DE ROSTOS REPETIDOS,
MUITOS DELES TALVEZ JÁ FALECIDOS...
DE QUE ME SERVEM TAIS DOTES INCONTIDOS?

IGUAL QUE CAIXA DE FOTOS ESQUECIDAS,
QUE DISTRIBUÍAM POR DEMAIS, ANTIGAMENTE,
OU NOS OVAIS DE PORCELANA TUMULAR,

NESSA CERTEZA DAS TRANSITÓRIAS VIDAS,
NO DESESPERO PELO OLHAR DA GENTE,
ANTE O TEMOR DE TOTALMENTE DISSIPAR.

REDES SOCIAIS III

MAS PARA MIM, ELAS NÃO ME FALAM NADA!
SEI BEM QUE A CARNE QUE REFLETIU A LUZ
HÁ MUITO FOI-SE E NADA MAIS RELUZ;
ESSA IMPRESSÃO QUE ME DÃO É DESOLADA!

PORÉM, AO MENOS, CADA FOTO ERA GUARDADA
OU EXPOSTA NA PAREDE, COMO CRUZ
OU EM ÁLBUM RECOLHIDA, VELHA TRUS,
SEM QUE MINHALMA FOSSE ATRIBULADA.

MAS ESSAS FOTOS LANÇADAS PELO AR,
AOS MILHARES E MILHÕES, CRUZAM-ME A MENTE
IGUAL QUE RADIOATIVA ERUPÇÃO

E NEM SÃO OBRAS DE ARTE A ME ALCANÇAR,
MAS ESPELHOS DA VAIDADE PERMANENTE
E ME LANHAREM EM CONSTANTE RADIAÇÃO!

REDES SOCIAIS IV

E AO VER COMO ASSIM SE COMUNICAM,
ENQUANTO PODEM SE COMUNICAR,
DESCE A TRISTEZA PARA ME ACOMPANHAR,
NESSAS IMAGENS MORTAS EM QUE FICAM

ESSAS CRIANÇAS QUE, EM JUVENTUDE, ESTICAM,
VIRANDO ADULTOS PARA DEPOIS MURCHAR;
ESSAS FRASES REPETIDAS SEM PARAR,
NA MELOPEIA SEM SENTIDO EM QUE ME IMBRICAM.

E ENQUANTO ASSIM CONTEMPLO O DESPERDÍCIO
COM QUE EMPREGAM A TECNOLOGIA,
SINTO OS GEMIDOS QUE PARTEM DESSA GENTE

E ENQUANTO DÃO VAZÃO A CADA VÍCIO
E ME TRANSMITEM SUA ESTRANHA LITURGIA,
SECO MINHAS LÁGRIMAS ASSIM, FURTIVAMENTE.


A Rosa e a Estrela I – 15 Out 13

A rosa brilha no esplendor do meio-dia,
A rubra rosa de pétalas cruzadas,
Rosa amarela de sépalas coladas,
Rosa vermelha que, incandescente, estia.

A estrela brilha na noite que surgia,
Prateada estrela em súbitas rajadas,
Dourada estrela de centelhas apressadas
Estrela cobre que no céus me aparecia.

A rosa surge quando a estrela cega
E vem a estrela quando a rosa apaga,
Brilhando a estrela, faz a rosa acinzentada,

Mas a rosa na sua haste ainda se apega
E a luz do sol, ardente como adaga,
A estrela queima e não lhe deixa nada...

A Rosa e a Estrela II

Por que se apaga a rosa quando a estrela
Vem cintilar no negríssimo esplendor?
Por que a estrela perde o seu frescor
Quando a rosa mais estua e se faz bela?

Por que o contraste que sempre se revela
Quando uma rosa almeja mais ardor,
Quando uma estrela deseja mais odor
E vê na outra o que lhe falta nela...?

A estrela é mansa e nos parece um ponto
E a rosa é pequenina, mas parece
Ao coração aberto um sol imenso...

Por que a percepção traz tal desconto,
Que a grande e rútila assim empalidece
E a tão pequena trescala olor intenso...?

A Rosa e a Estrela III

Porém a rosa e a estrela têm segredo
Que não revelam a qualquer pobre mortal,
Que não brilha como estrela em seu fanal,
Que não encanta como rosa em seu albedo;

Pois quando um raio de estrela lança o dedo
Até o canteiro da rosa matinal
E se resseca, em pranto artificial,
Quando essa estrela do Sol se esconde a medo

Elas se tocam e ambas se transformam:
Sobe a rosa para o céu e, à noite, é estrela,
Desce a estrela ao canteiro, à luz do dia...

E nessa troca, as duas se conformam:
Se eleva a rosa na amplidão mais bela,
Fragrante é a estrela na cor do meio-dia...

GOTHAR I – 16 OUT 13

Apenas penso que fazer mais versos,
Em temática de amor ou solidão,
É coisa desgastada de antemão,
Em que escreveram poemas tão diversos.

Mas olhando tais sonetos aos reversos,
Tanto os escritos em alheio chão,
Quanto os surgidos neste meu torrão,
É que se nota em que grau são controversos.

Olhando os que já fiz, percebo neles
Sempre um novo trejeito, nova volta,
A forma nova de se agitar o pó

Dos velhos sentimentos postos neles,
Até chegar à conclusão revolta
Que em recusa de cantar, ficarei só.

GOTHAR II

Sente-se só quem não sabe se expressar
E assim almeja de outrem a expressão;
Quer ter amor lançado na sua mão
E não na mão dos outros o lançar...

Quem consegue os pensamentos derramar,
Sem recair na tola tentação
De ser aceito com admiração,
Tal solidão não irá experimentar.

Por acaso é solitária a laranjeira
Quando lança pelos ares seus botões?
Antes se torna multidão nesse expandir.

Do mesmo modo, esposa a vida inteira
De toda a humanidade, em borbotões
Quem nos seus versos sabe se iludir.

GOTHAR III

O verdadeiro solitário é quem só quer,
Que tudo suga e nem se mostra grato;
Busca apenas alimento no seu prato,
Sem nada contribuir para qualquer.

Destarte, seja homem ou mulher,
A solidão desfaz-se, sem recato,
Quando ao contrário, escolhe o simples fato
De distribuir o quanto tem como mister.

Sem que, de fato, se espere gratidão,
Admiração, louvaminha ou companhia,
Em recompensa por aquilo que se deu,

Pois já se encontra no dar retribuição,
Em cada imagem que sua alma refletia,
Pois só quem pode me acompanhar sou eu.

dimythryus I – 17 out 13

quando ando de ônibus, à noite,
eu ouço o povo a ressonar à volta,
qual sentinela de dormente escolta
e em meus ouvidos tal roncar é açoite.
eu  até tento encontrar meio de acoite
no sono que de entorno corre à solta,
mas roubaram o meu, como se envolta
estivesse minha mente em tal afoite.

em dia claro, contemplo outros que dormem
e me ressinto dessa gente que me roube,
em seu ronco ou ruidoso ressonar.
nos batalhões que em torno a mim se formem,
vejo o quinhão do sono que me coube,
quando me obrigam todos a vigiar...

dimythryus II

durante a noite, só escuto o ressonar
ou um suspiro aflito de apneia;
para essa multidão eu sou plateia,
numa inversão de quem no palco vá atuar,
todos eles, simultâneos, a expressar
o seu desprezo pela minha dispneia;
mas que fazer, se permeio a essa odisseia,
seguro o leme ou ponho-me a remar?

embora saiba que não sou o chofer,
eu me percebo de todos o guardião,
em imperceptível nível do consciente;
de sentinela solitária o meus mister,
enquanto um pesadelo, em comunhão,
vai pululando de uma a outra mente.

dimythryus III

não é que eu queira ser o fiel vigia,
nas mãos balestra de antigo caçador,
capturando essas nuvens de vapor
que das narinas sobem, em nostalgia;
mas eu pressinto essa névoa que atingia
as minhas próprias narinas, em fedor,
os cheiros corporais, tropa de odor,
rebrotando dessa gente que dormia.

e me recuso a babar, igual que eles;
que não me possam observar, com igual desprezo,
esses duendes de cada pesadelo;
mas ao contrário, que cada vez que apeles,
eu te possa proteger, nesse intermezzo,
por sobre a orquestra de roncos que então velo.

dimythryus IV

durante o dia, a situação é bem mais mansa:
uns encaram das janelas as paisagens;
outros abrem laptops e as imagens
firmes estudam até que o olhar lhes cansa;
alguns os jornais leem, trêmula dança
e suas vistas se desgastam nas miragens;
outros insistem em balbuciar bobagens,
em seus ritmos circádicos de esperança.

permeio ao dia, sua mente não descansa,
mas então se podem entregar ao devaneio,
busca o destino ou vai atrás o pensamento;
sinto suas auras vibrando como lança,
nas cores múltiplas, legendas em recheio
da teia etérica de seu encantamento.

dimythryus V

é nessas ocasiões que bebo sonhos,
como nuvem vaporosa de cristal;
tomo sílfides ondulando em memorial,
fogos descendo em bordejar, bisonhos;
capto assim os lastimares mais tristonhos
ou as alegrias de caráter mais sensual,
tapeçarias de maior vigor sexual,
esteiras feitas dos vícios mais medonhos.

mas todos tênues e apenas a vogar
e os posso assimilar, sem sofrer mal,
para levá-los até as minhas prisões,
em que os irei, com calma, processar,
futuros cantos de estrofe natural,
tais quais se fossem minhas próprias sensações.

dimythryus VI

porém à noite, sou mais um gladiador,
porque são monstros do id que despertam;
para o domínio atinam e se alertam,
sem ser filtrados por censura ou por temor.
e assim, meu superego toma o andor,
superjacente aos faróis que desconcertam,
nesses mosaicos que se espremem e se apertam
e os combate, com o maior ardor.

não que espere tais demônios destruir,
mas não permito que em mim venham penetrar
e os devolvo, se possível, ao inconsciente
de que brotaram, seus olhos a fulgir,
garras abertas para seu dilacerar,
nos pesadelos que devoram tanta gente.

FRACÇÃO I – 18 OUT 13

O que farei, depois que o sonho escasso
tiver-se diluído no infinito?
Encontrarei em mim solo bendito,
grossos torçais com que teça novo laço?

Encontrarei do antanho o velho abraço,
como nova inspiração para este agito
de minhas circunvoluções, em novo grito
que de outro rosto me recorde o traço?

O que farei, depois que transmiti
para o novo tear transcendental
das redes eletrônicas no espaço

a descrição do amor em que mais cri
em gobelins de entretecer monumental
nessas vias cibernéticas do abraço?

FRACÇÃO II

Às vezes me pergunto se há reserva,
quando ressurge em mim a brotação,
se vem de fora toda a inspiração,
se vem de dentro a luz que me preserva.

Às vezes eu me indago se conserva
a mente, o peito ou a alma, em ilusão,
de onde é que flui toda a constatação,
brotando em letras como brota a erva.

Serão, de fato, meus sonhos infinitos,
que quanto mais por aí os distribua,
mais ainda se renovam, em mitose?

Ou sugo algures outros ideais benditos,
que manipulo com as mãos e a pele nua,
na mente alheia penetrando por osmose?

FRACÇÃO III

Frequentemente, de fato, desconheço
esses poemas que redigi há anos,
que me surpreendem quais hexâmetros romanos,
frutificando em luz que logo esqueço,

quando em imagens renovadas eu me aqueço
escolhidas por alguém, em novos panos,
mil figuras cibernéticas; ou em levianos
recitares de estribilhos, que então meço

e me surpreendo com a força das miragens,
com as métricas e rimas de doçura,
que não sabendo minhas ser, aplaudiria...

e quão depressa se desfazem tais visagens
nos sentimentos que deixei nessa planura
que já cruzei, sem nem sonhar que voltaria!...

FRACÇÃO IV

Os versos foram meus, porque escrevi
ou foram de outro ser que nem sou mais?
Têm vida própria, fizeram-se imortais
nessas redes binárias que escolhi?

Por que a surpresa, se de novo os li?
Não se conformam em assentar-se no ademais,
configurados nas estilhas do jamais?
Nisso que sejam, alguma vez eu cri?

Quão responsável eu sou pelo infinito
em que tantas imagens esparzi...?
Será que construí novo universo

que um dia me achará, a andar aflito
e em suas nebulosas que colhi
me acolherá, em novo ser converso?

ARVOREDO I – 19 OUT 13

Como as árvores, muitas vezes floresci;
não fui caduco no frio mais hibernal;
igual pinheiro da lenda do Natal,
as minhas agulhas pela neve distribuí.

E pouco importa meu florescer aqui
onde a neve não cai e nem faz mal:
sobra-me o orvalho matutino do estival,
sobra-me a geada com que a fronte recobri.

Sou verde como tu, árvore antiga,
que vi nascer e então cresceu mais do que eu,
embora ramo que brotou de outra raiz;

e ainda me acolho sob tua sombra amiga,
nesses dias de calor, como um sandeu,
em que minhalma escorre em chafariz!...

ARVOREDO II

Em cada rama minha eu tive ninhos;
aves piaram, seus ovos a chocar;
e vi filhotes emplumados a chilrear,
mais alimento querendo que carinhos.

Boa parte de tais berços era de espinhos,
sem que os acúleos os pudessem machucar;
mas agressores conseguiam espantar,
antes que voassem a buscar novos caminhos.

E como árvore, igualmente me podaram,
na juventude, com lâmina cruel,
sem intenção de me fazer frutificar;

e a iniciativa assim quase me cortaram;
bebi o sumo de mil favos de fel,
até que, aos poucos, fiz meus ramos rebrotar.

ARVOREDO III

Mas que se pode sentir, ramos cortados,
igual coroa seca a meu redor,
galhos desnudos para ideal maior,
para tábuas e vigas destinados,

sem proteger a mim tais mutilados
cotos vertendo a seiva do vigor:
seriam teto e chão para o senhor,
do meu destino adolescente assim podados.

Não me treinaram para meu benefício,
nem fui plantado para prosperar,
só me educaram para obedecer.

Ai, que saudade do esquecido vício
que não deixaram na adolescência praticar
e precisei, às escondidas, aprender!

ARVOREDO IV
Aos poucos, transferi a dor aos versos
(toda a dor física igual que a dor moral);
talvez por isso o imenso cabedal
em que meus nervos diariamente são conversos.

De cada toco e cepa armei inversos:
não fui patíbulo para pena capital,
mas tombadilho para voo inaugural:
brotei-me verde em mil botões reversos...

E deste modo, minhas sementes distribuí:
pequenas mudas de mim foram nascendo;
tornei-me bosque para sombra dar.

E cada greta do chão eu recobri,
com folhas secas e agulhas preenchendo,

para mil solas alheias afagar!...

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