O
SORRISO DA ROSA & MAIS
William Lagos
O SORRISO DA
ROSA I – 9 JAN 14
BRANCO VASO NO
JARDIM
FAZENDO BROTAR A
ROSA.
QUE SE MOSTRA
ASSIM FORMOSA
TOTALMENTE PARA
MIM!?
EU FICO MIRANDO,
ASSIM,
VENDO A IMAGEM
PRESTIMOSA.
POR QUE A ROSA
PERFUMOSA
SE ABRE NESSE
OUTROSSIM?
ATÉ QUERIA QUE
FOSSE:
QUE ESSA ROSA SE
FECHASSE
QUANDO PERTO NÃO
ESTOU.
QUE PUDESSE
TOMAR POSSE
E NUNCA A ROSA
CHAMASSE
QUALQUER OUTRO
QUE PASSOU.
O SORRISO DA
ROSA II
MAS SEI QUE A
ROSA SORRI,
COM SEU LÁBIO
AVERMELHADO,
SEU SORRISO
ADOCICADO
A QUALQUER QUE
PASSA ALI.
SORRISO CEGO QUE
VI,
A QUALQUER UM
ENVIADO,
PERMEIO A
PERFUME ALADO,
SORRISO POR QUE
SOFRI.
QUE NUNCA SORRIU
ASSIM
APENAS QUANDO EU
ESTAVA:
ERA APENAS
EXIBIDA...
MESMO A SORRIR
PARA MIM,
ESSA ROSA
COLORIDA
PARA TODOS SE
MOSTRAVA...
O SORRISO DA
ROSA III
PORÉM NÃO TENHO
O DIREITO
DE MOSTRAR A
PRETENSÃO,
ESPERANÇA SEM
RAZÃO,
CURTA FRASE SEM
SUJEITO.
QUE MOSTRA O
CANTO DEFEITO,
POIS PRETENDE À
POSSESSÃO,
DE CONQUISTAR A
PAIXÃO
DESSA ROSA NO
MEU PEITO.
MAS EU SEI QUE
POUCO DURA:
SÓ COM ABELHAS
SE IMPORTA
E A MIM
DEMONSTRA DESCASO.
E MEU DESPEITO
PERDURA:
NUM INSTANTE A
ROSA CORTA
PARA SORRIR EM
MEU VASO.
VIDRAÇA ILUMINADA I – 10 JAN 14
Durante a noite, andando à luz da Lua,
que não é minha, muito menos do dragão,
nem de São Jorge, apesar da adoração,
nada mais que Selene exposta nua;
durante a noite de verão, que a gente sua
até poemas pelos dedos, em botão,
a fibrilar se encontra o coração,
durante a noite, enquanto passa a rua
sob meus pés, a calçada que flutua,
junto dos ombros o espanto da argamassa,
na visão periférica o outro lado,
à minha frente um poste erguido como pua,
alguma estrela mais vaidosa que perpassa,
o meu olhar para o alto convocado...
VIDRAÇA ILUMINADA II
Durante a noite, andando descuidado
pois, afinal, é uma noite de verão
e cadeiras nas calçadas ainda estão,
como nos anos imprecisos do passado;
durante a noite, o casaco retirado,
nas costas preso, pendurado à mão,
movendo os passos sem qualquer razão,
nem triste, nem feliz, nem entediado;
durante a noite, cumprimentando alguém,
não mais que simples e gentil boa noite
(e quantas vezes me respondem pelo nome!...),
se bem no escuro conheça mais ninguém,
decerto a luz de uma vidraça, como açoite,
meu rosto expõe e o anonimato some...
VIDRAÇA ILUMINADA III
Durante a noite a luz é mais traiçoeira
e não me deixa passear desconhecido;
janela aberta, era para ter reconhecido
quem lá espera qualquer brisa rueira...
talvez se espere que eu descreva faladeira
intimidade que então tenha percebido,
porém fui eu a ser comprometido!...
Talvez a voz até me seja lisonjeira...
Contra a janela, só vejo uma silhueta
e está bem longe a vidraça iluminada;
no lusco-fusco são cadeiras que me veem;
contudo eu passo, sem missão secreta,
nem me escondendo e nem querendo nada
e sob a fresta dessa luz todos me têm...
GOSTO DE LUZ I – 11 JAN 14
O amor quando chega, ninguém sabe
qual o destino que trará consigo:
recompensa que seja – ou então castigo
ou tão somente a monotonia nos cabe.
Que o amor chegue e sobre nós desabe...
Como avalanche, sempre traz perigo;
dor e alegria conserva em seu abrigo,
zomba de nós, ou então, talvez nos gabe.
Porque amor, desde tempos esquecidos,
sempre soube praticar suas travessuras:
dizem que é cego e, por isso, o alvo erra...
E ainda somos, mesmo assim, agradecidos
por esta coisa estranha em fel-doçuras,
que o bem da vida, por bem ou mal, encerra.
GOSTO DE LUZ II
O amor só nos chega quando quer
e quando quer nos traz seu próprio gosto;
sempre é melífluo, mesmo no desgosto,
ativo sempre no individual mister.
O amor se lança ao seio da mulher
como sombra de nenê, bebendo o mosto,
antes que o leite chegue, antes que o rosto
ainda enrugado contemple a mãe sequer.
O amor é um diabinho impenitente,
que se apresenta sempre às escondidas
e então assalta a quem menos espera...
Sob a pele a se alojar, subjacente,
causando as mais amáveis das feridas,
por mais que morda como besta-fera...
GOSTO DE LUZ III
Porém, mesmo nos palpos da incerteza
ou na certeza de não ser correspondido,
esse amor que chegou, subnutrido,
ainda cresce mais e mais em sua vileza.
Mesmo assumindo foros de nobreza,
é uma armadilha que tem pretendido:
nunca tem felicidade prometido,
mas tão somente breve sonho de lhaneza.
Que amor, mesmo com gosto de Afrodite,
é temporário em seu prazer sensual,
só permanente em cada fruto que produz;
que até mesmo a contragosto nos incite
a produzir nossos filhos, afinal,
futuras vítimas da emoção que nos seduz.
CONIVÊNCIAS I – 12 jan 14
O novo latifúndio se aproxima,
completamente das terras
desligado,
embora seja de igual modo
alicerçado
no trabalho coletivo em que se
anima.
Este novo se encontra muito acima
do torrão simples no campo
cultivado;
binário é o latifúndio
atormentado
em terminais que a gente hoje
capina.
O poderio destas glebas digitais
que as mentes alimentam, em
teoria,
tentaculiza-se, afinal, por toda
a Terra,
a sugerir que se gaste mais e
mais,
não com o alimento que nos
alivia,
mas com a faina quase inútil que
ele encerra.
CONIVÊNCIAS II
Antigamente, uma carta nos trazia
o cheiro ressequido do papel,
a cor da tinta pingando do
pincel,
cada palavra que alguém nos
dirigia.
Antigamente, cada carta consumia
um certo tempo, algum toque de
babel,
qualquer resto de pele como fel,
alguma lágrima vibrando em
nostalgia.
A carta se guardava ou consumia:
talvez fosse amarrada em fio de
seda,
com suas irmãs da mesma
procedência.
Quer feita a mão ou por
datilografia,
trazia a concreta fibra que te
enreda,
carimbo e selo a lhe atestar a
permanência.
CONIVÊNCIAS III
Fez-se então popular o telefone.
Fica a mensagem, sendo longa ou
breve
tão só no ouvido, sem que o vento
a leve
ou quando muito, gravada em
ditafone.
Chegado o email que exatidão retome,
voa no espaço como brisa leve
e a pousar na tua tela então se
atreve:
se não o deletas, dali nunca mais
some.
Mas de repente, aparece o
celular,
mais o tablet e dez outros aparelhos,
cuja memória é bem menos
permanente,
tanto a carta como o email a descartar,
qualquer tuíter a distribuir conselhos,
que melhor fora não trouxessem
para a gente.
CONIVÊNCIAS IV
É claro que a cobrança é
ilimitada
no latifúndio da rede telefônica
ou por satélite de batalha sônica
em propaganda comercial alada...
“Faça isso, baixe aquilo,
camarada,
mande um torpedo de lembrança
tônica,
as redes siga em sua paisagem
cômica,
encare a tela e não veja mais
nada!...”
E as pessoas só semeiam os
recados,
não é fácil ceifar no tecladinho
e afinal, para que trocar ideias?
Sempre o lucro promovendo tais
pecados:
pagas as contas em seu valor
mesquinho,
da nova escravidão nas
assembleias...
CHEIRO DE LUZ I
– 13 JAN 14
QUANTAS VEZES JÁ
ESCUTEI QUE O UNIVERSO
SUSPENDE INTEIRO
DE UMA PÉTALA DE FLOR,
QUE SUA DOÇURA
DE SINGULAR FRESCOR
SÓ ERA UM PINGO DE
ORVALHO NO MEU VERSO?
E QUANTA VEZ
OUVI, TAMBÉM DISPERSO,
QUANDO PENDIA DE
UMA FACE, EM DESAMOR,
NESSA GELEIRA DE
NÍTIDO FULGOR,
EM FIO DE
LÁGRIMA ACHANDO-SE CONVERSO...
TAMBÉM CABE O
UNIVERSO EM FIO DE SANGUE
OU EM UM SÓ
NEURÔNIO DE TUA MENTE,
NO GERMINAL
DIVIDIR DO DEENEÁ...
OU NUMA GOTA
PÚTRIDA DO MANGUE,
QUANTA VÃ
CONSTELAÇÃO SUBJACENTE,
QUANTA MEMÓRIA
DISTRAÍDA ALI NÃO HÁ?
CHEIRO DE LUZ II
NA GEOMETRIA
CÔNCAVA DA PÉTALA
SE ENCONTRAM DE
EINSTEIN O TEMPO E O ESPAÇO;
DE NIELS BOHR O
MENOR QUÂNTICO TRAÇO
NA GEOMETRIA
CONVEXA DA SÉPALA.
NA SINGULAR
CONFECÇÃO DA SÍLABA
SE ENCONTRA DE
CAMÕES O LONGO ABRAÇO
E EM TODA A
RIQUEZA HUMANA ME RETRAÇO
AO CONTEMPLAR DE
APENAS UMA CÉDULA.
BEM RAZÃO TINHA
HERMES TRISMEGISTO
EM CRIAR A SUA
LEI DA EQUIVALÊNCIA,
POIS TODO O
GRANDE CABE DENTRO DO PEQUENO
E NO PEQUENO
TODO O GRANDE AVISTO,
MIL GERAÇÕES EM
CADA DESCENDÊNCIA
E EM CADA GRANDE
AMOR O SEU VENENO...
CHEIRO DE LUZ
III
ASSIM A LÍMPIDA
LUZ POSSUI PERFUME
E A LUZ QUEBRADA
UMA CEGA REDOLÊNCIA,
CADA PRISMA ALGUM
ARCO-ÍRIS EM POTÊNCIA,
EM CADA CONTA
CALEIDOSCÓPIO DE CIÚME;
NA LUZ DO OLHAR
DOÇURA OU AZEDUME,
NA LUZ DA
LÁGRIMA O SANGUE DA DEMÊNCIA,
NA LUZ DE TUA
SALIVA A ONISCIÊNCIA
DE TANTOS BEIJOS
QUE JÁ DESTE A LUME.
E SE UM PERFUME
QUALQUER NO AR SURGIA,
TRAZIA CONSIGO A
MADREPÉROLA E O CRISTAL,
CHEIRO DE ÉTER O
ESTRIDOR DO CARNAVAL;
E SE A
FRAGRÂNCIA DA PELE SE IRRADIA,
CAPTAM MEUS
OLHOS A FAÍSCA SINGULAR
DE CADA ONDA QUE
JÁ FULGIU NO MAR.
CHEIRO DE LUZ IV
TEM CHEIRO A LUZ
E CADA LUZ TEM CHEIRO;
A GEOMETRIA TRAZ
O CHEIRO DA CIÊNCIA;
O ALTAR SE
EXPANDE EM ODOR DE REVERÊNCIA
E CADA PENA TRAZ
O AROMA DO VIVEIRO;
EM CADA PÉTALA
ESSE UNIVERSO INTEIRO,
EM CADA GOTA DE
ORVALHO A PERMANÊNCIA,
EM CADA PASSO DE
MULHER A REDOLÊNCIA,
EM CADA CHEIRO
DE DEZEMBRO ESTÁ O JANEIRO;
EM CADA TRINTA E
UM VEJO O PRIMEIRO
E EM CADA SÁBADO
O CHEIRO DO DOMINGO,
O ENTARDECER
CHEIRANDO À LUZ DA AURORA;
E O CREPÚSCULO
FAZ-SE EM ALBA SERESTEIRO
E DO CHEIRO DO
ABANDONO ENTÃO ME VINGO
NO MEU OLOR DE
LUZ FEITA DO OUTRORA...
VELHICE I – 14 JAN 14
É na alma que se vê a senectude,
Enquanto se recusa a envelhecer
pouco importa de seu corpo o desfazer:
olhar no espelho apenas nos ilude.
Pouco importa que a idade o rosto mude:
são rugas doces de quem soube viver,
rugas amargas de quem só fez perder
o tesouro da vida em gasto rude...
Sem dúvida o embargo das articulações
e a moratória que traz a gravidade
se reúnem em pertinente plebiscito,
para o interdito das mais belas emoções,
porém só se faz velho, na verdade
quem de ser velho se tornou convicto.
VELHICE II
Em boa parte, as mazelas da velhice
são de nossas más escolhas resultado;
nosso próprio coração é derrotado
pelo alimento escolhido sem ledice.
Quem carne coma e o colesterol atice
cardiovascularmente é afetado;
nosso organismo não foi determinado
para a ingestão de constante parvoíce.
Sem contar o seu efeito cancerígeno,
por longo tempo requerendo digestão;
e é por isso que o gaúcho toma mate,
bem digestivo, funcionando como antígeno,
nesse apressar de sua eliminação,
quando sua permanência assim abate.
VELHICE III
Pior ainda é a indiferente radiação
desse Sol, que traz a morte ao invés de
vida;
sob sua luz se esfaz pele curtida,
nessa terrível zombaria do verão.
E o povo escolhe essa longa exposição,
justamente quando mais forte é irradiada,
até a alma querendo ver bronzeada,
em tal afã de autoimolação...
Câncer de mama, do útero e dos rins
deixando provocar, com liberdade...
Até parece que a própria mocidade
querem deixar para atrás e estão “afins”
de ressecar e enrodilhar a pele
que uma teia de rugas então sele...
VELHICE IV
Assim mais se provoca a senescência
do que se sofre impotente seus efeitos;
não lhes basta estarem todos já sujeitos
à gravidade, com toda a sua potência.
Os problemas “da coluna” com frequência
são provocados diretamente por defeitos
na postura ou na posição dos leitos:
a velhice é recebida em aquiescência.
Se andássemos de quatro, certamente,
não teríamos problemas nos quadris
e nem tampouco na zona cervical,
com o pescoço abaixado em conveniente
posição que assumiríamos em guris,
para pastar de uma forma natural!
CALÇADAS
I – 15 JAN 14
As
calçadas que percorro são um rio.
Eternamente
cruza, sem nunca refletir
o
azul do céu, em seu vasto fluir:
um
rio cercado por perpétuo meio-fio;
do
outro lado, predomina o calafrio
dessas
portas fechadas, sem abrir;
correm
calçadas em seu desiludir,
somente
aberto o comércio no seu cio.
As
portas que recortam as paredes
erguem-se
xíleas, como tais barrancas
e
pouco importa a cor que lhes apliquem.
Casas
pequenas são só pequenas redes,
mas
os prédios que se erguem sobre as sancas
não
se abrem, por mais que lhes supliquem.
CALÇADAS
II
As
calçadas se estendem, linhas retas
que
só podem singrar no empedramento,
o
meio-fio em sofrimento atento:
nunca
se expandem em faixas mais completas.
Por
mais que as tijoletas, em estetas
disposições
se constituam em calçamento,
não
lhes permitem ascender ao erguimento
das
residências de visões secretas.
Antigamente,
as calçavam com pedrinhas
brancas
e pretas, algumas encarnadas,
a
cirandar nos desenhos mais variados;
grosseiras
tésseras e não as pequeninhas
nos
mosaicos bizantinos afeiçoadas,
porém
quebrando os cinzores concentrados...
CALÇADAS
III
Mas
mutilaram, sem a menor pena,
esses
trabalhos feitos com cuidado
pelos
velhos calceteiros do passado:
é
a passagem dos canos que as condena.
A
invasão dos capins as envenena
ou
puramente o tráfego apressado,
cada
desenho simplesmente desmanchado
pelos
ladrilhos cinza, em nova cena...
Aqui
e ali, tijoletas de outra cor,
mais
raramente, ladrilhos de interior,
algum
trazendo até do fabricante
a
propaganda ou algum tipo de brasão,
muito
duráveis em sua confecção,
pouco
gastando, mesmo em trânsito constante.
CALÇADAS
IV
Foram-nas
trocando, mais recentemente,
por
fragmentos negros de basalto,
mais
ou menos rejuntados no ressalto,
alguns
trazendo fósseis, realmente,
da
mais antiga vegetação virente,
em
pedra preservada sob o salto
indiferente
de quem só olha para o alto
e
nem percebe o que tem aos pés jacente.
Ou
então, as substituem por lajotas,
a
cada vez que ocorre uma reforma
ou
trocam nova casa pela antiga;
buracos
abrem para os postes destas sotas
que
suportam os andaimes ou a norma
desses
tapumes que a prefeitura obriga.
CALÇADAS
V
Em
certos pontos, deixam só cimento,
grosso
ou mais liso, de acordo com o capricho,
no
qual se entranha com frequência o lixo;
fica
da sola de um calçado o monumento.
Quando
caminho, para o solo atento,
imagino
revelar-me cada nicho
alguma
plantação ou bosque fixo
ou
algum deserto mais pálido e cinzento.
E
se o olhar contempla firme o chão,
não
são meus passos a seguir adiante,
mas
tijoletas a passar de carreirinha...
Na
direção oposta à minha missão,
cem
linhas retas de deslizar constante:
firme
viagem que ao passado as avizinha.
CALÇADAS
VI
Mas
das calçadas permanece o rio,
que
às vezes se enviesa, em diagonal,
quando
o pedreiro fez trabalho mal
ou
caso a rua tenha torto o fio.
Passado
o inverno, retirado o frio,
quando
o reboco desbota ao natural
é
comum que das casas, em geral,
o
proprietário mude a cor com brio.
Ou
novamente reforce o antigo tom,
para
que os transeuntes o admirem
e
os moradores certo orgulho sintam.
Cores
recentes causam efeito bom,
talvez
até à concorrência inspirem,
mas
por que as tijoletas nunca pintam?
CORES TANGÍVEIS
I – 16 JAN 14
É feiticeira a
lâmpada do ocaso,
que a paisagem
engloba num tom fosco;
torna vermelho
de vida o chão mais tosco,
cada lagoa
refletida em crisopraso!...
Mas o cinza
prevalece, em curto prazo
e nesse
arco-íris de gris o peito enrosco;
quero o presente
guardar, porém me mosco:
em vão as cores
quero guardar em vaso.
Quando o verde
se faz alaranjado
e até a pedra
negra amarelece,
nesse cambiante que
na aurora não tem par;
pois embora o
alvorecer seja sagrado,
perante o pôr do
sol que o empalidece,
cada cor se
despede, a festejar...
CORES TANGÍVEIS
II
São bem mais
quentes os tons do dealbar:
ele se expande,
em plena segurança,
cada tentáculo o
capinzal alcança
e se estende nos
telhados, a saltar.
Quaisquer cores
naturais a ressaltar,
mostrando o
prado glauco de esperança,
ciano o céu em
um toque de bonança,
qualquer detalhe
feio a disfarçar.
E logo o Sol se
impõe, em resplendor:
no interior da moradia
tudo é cor,
enquanto a rua
se enche de dourado.
Porém chega o
meio-dia, em seu brancor,
frequentemente
banhado de calor,
em que cada
defeito é destacado...
CORES TANGÍVEIS
III
Mas se procuro
segurar a cor,
há apenas sombra
negra nos meus dedos;
a luz do Sol
provoca mais segredos,
por mais que os
finja revelar em seu fulgor.
Quando ao
crepúsculo, na vaga do frescor,
as cores
concretizam seus albedos;
tristes,
alegres, ou produzindo medos,
desafiando todo
o sonho de um pintor.
É só então que
apanho essa sangria
de arco-íris
acinzentado e opaco,
(é quando o
próprio sangue se enegrece).
E a prendo em
meu bornal de nostalgia,
enquanto jóia
assisto em cada caco
e na luz mais
profana enxergo a prece.
ASCENSÃO I – 17 JAN 14
O melhor verso se faz ao amanhecer,
fruto imaturo da imaginação;
os meus neurônios cumpriram sua missão,
o meu sono entrecortado a preencher.
Abandonado um sonho, a padecer,
que nem recordo mais com imperfeição,
só permanecem seus retalhos sobre a mão
que então anseia por algo conceber.
Em geral, faz a cópula em cartão,
os pensamentos ali disseminados
nesses rascunhos, quais pequenos animais
que ali se deitam, em estivação,
na espera de a limpo ser passados
e espalhados nas campinas siderais...
ASCENSÃO II
Pois todo verso é poeira dessa estrada,
que já cruzei, mas sem de fato palmilhar,
com a sola de meus pés a acrisolar,
poeira de passos manchados sobre o nada.
Pois todo o verso é sombra da pegada
que só deixei nas vagas desse mar
que sonho chamam – ou quiçá de devanear,
poeira sem palmas ante estrela aureolada.
Já o verso que se faz ao entardecer
é bem mais sólido e permanece vivo:
tem os pés muito firmes sobre a terra
e na planície insiste em florescer,
mesmo que o solo não esteja mais ativo,
porque o Sol já moscou-se sobre a serra.
ASCENSÃO III
Assim é belo o sonho desse verso
que surgiu de manhã, sem ambição,
apenas pronto para a dança da ilusão,
sem reparar como o fado lhe é adverso.
Ele apenas quer em tudo ser converso
e se dispõe a esperar pela ocasião
em que meu computador lhe estenda a mão
e lhe dê fado eletrônico diverso.
Espera calmo, na poeira dessa estrada,
imóvel, sobre oculta prateleira,
com mil outros de imperfeita gestação.
Que subir ao firmamento é um quase nada,
mas se atingir a tua mente hospitaleira,
alcançará seu destino em ascensão...
SONHOS PARTIDOS I – 18 JAN 14
Meu sono interrompe a dispneia,
cada hora e meia, quiçá menos ainda;
qualquer ruído corta a saga infinda
desses meus sonhos em veda de epopeia.
O quanto eu sei, não sofro de apneia
ou pesadelos. Minha
vivência é linda
nesses páramos do sonho, em que é bem-vinda
cada ilusão que me tome por plateia.
Porém os gatos pulam minha janela,
talvez motor na rua ou algum sujeito,
com duzentos decibéis, passe a zunir,
empurra o sono e então caio da sela,
dando voltas sem parar em torno ao leito,
qual faz um cusco no momento de dormir!
SONHOS PARTIDOS II
Por isso, escuto a madrugada inteira,
como o faço de fato todo o dia,
um disco de canções ou sinfonia,
os ruídos sufocando em sua esteira.
Mas chega o disco ao fim e, bem ligeira,
chega uma série de estalinhos sem magia,
enquanto gira o carrossel e afia
seu lêiser na leitura corriqueira...
Ou então, no toca-discos de vinil,
o braço do pickup estala
e chia,
rumo ao começo para tudo repetir...
E nesse breve toque de esmeril,
esgotada por instante a melodia,
surge um mosquito com seu gentil zumbir!
SONHOS PARTIDOS III
Visito sonhos muito elaborados,
em que há cidades imponentes e mansões;
recordo os rostos das conversações
de outros sonhos antes visitados.
São minhas amantes ou amigos dedicados,
que me recebem, sem celebrações;
durante a véspera houve iguais recepções;
vêm-me de novo, por que ficarem espantados?
Mas não recordo seus rostos desta vida
e nem os posso lembrar ao despertar:
só sei que lá estão e que me esperam
nesse mundo, em sua nuance colorida,
cheio de sons e perfumes de abismar
e o toque puro de um invisível paladar.
SONHOS PARTIDOS IV
Às vezes, eu percorro longa estrada
ou a sobrevoo, sempre surpreendido,
por não ser sonho desta vez ter crido:
eu realmente mal toco na calçada...
Apenas tomo apoio e, em revoada,
percorro vinte metros, sem ter sido
como objeto de espanto percebido
por transeuntes a pé ou em cavalgada.
Alguma vez, quiçá, seja invisível;
noutras me abanam, no ato da passagem;
às vezes outro encontro em igual flutuar.
Caleidoscópio de peças inexaurível,
nesse arco-íris de mil cores da paisagem,
cujos nomes nem consigo relembrar.
SONHOS PARTIDOS V
Há cinco casas que nos sonhos eu visito:
uma tem dois andares e é romana,
por seu estilo. A
colunata irmana
um peristilo longo a que me incito,
mas que percorro raramente.
Só me agito.
No grande átrio e nos quartos ainda abana
uma brisa que as trepadeiras beija e espana;
ou larga rua dos janelões eu fito.
A outra é casa pobre, ainda incompleta:
até os banheiros estão inacabados
ou sempre por alguém já ocupados...
Provavelmente, é a bexiga que me afeta
e assim me quebra tal ideal bisonho:
que logo saia desse país do sonho!...
SONHOS PARTIDOS
VI
Há mais três
casas em que tenho leito:
estão vazias,
porém as chaves tenho;
nas calçadas não
voo, mas me atenho
ao normal passo
de qualquer sujeito.
Nelas ingresso
com pleno direito
e vou deitar-me,
sem franzir o cenho:
para minha
própria cama é que assim venho;
faço um balanço
de quanto tenho feito.
Não são em nada
eróticos tais sonhos;
já de há muito
esqueci meus pesadelos;
durmo nos sonhos
qual em dias vividos;
e só percebo
como sons medonhos
esses ruídos da
noite, sem desvelos
que me despertam
de tais sonhos partidos!