segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014





O LEÃO E O CHACAL – 10 FEV 14
(Folclore bosquímano do deserto do Kalahari, versão poética William Lagos.)

O LEÃO E O CHACAL I

Unkama era um excelente caçador,
enquanto sua mulher horta plantava;
mas os legumes começaram a morrer
e logo a seu marido se queixava
que as hortaliças estavam sem raízes!
Decerto algum animal vinha comer,
fosse o marido caçá-lo com vigor!...
Falou Unkama: “Farei isso que dizes.”

Ficou Unkama de guarda toda a noite;
chegou a dormir, mas acordou de madrugada,
vendo entre as plantas um animal estranho,
que as raízes arrancava, porém sem comer nada
das folhas ou das frutas que lá havia...
Ele o flechou, mas o escuro era tamanho
que as setas só o tocavam, como açoite:
só de raspão e nem sequer uma o feria.

Ficou Unkama muito surpreendido,
pois era homem de excelente pontaria;
pegou a lança, então, para atirar,
mas seu braço endureceu e nem mexia.
O animal, meio macaco e meio cão
indagou-lhe: “Por que queres me matar?”
“Porque as raízes de minha horta tens comido.”
“Ora, pensei que um bem até fazia...”

“Estou deixando para ti as hortaliças,
as abóboras, tomates e melões,
enquanto pego apenas as raízes...
Essas não comes, porém as populações
da minha terra estão passando fome,
que a falta d’água traz terríveis crises...
Por que tua lança contra mim eriças?
Só raízes há gerações meu povo come...”

O LEÃO E O CHACAL II

E disse Unkama: “Mas com as raízes retiradas
morrem os frutos desta plantação.
Por que não tiras as raízes do capim?”
“Era o costume, mas a seca da ocasião
fez que as raízes do capim secassem;
não mais nos servem para comer assim.
Já as tuas estão fortes e espalhadas.”
“É que as nutrimos com constante regação.”

Além de forte, Unkama esta astucioso
e assim falou para o animal estranho:
“Quem sabe pegas só metade das raízes?
Logo a seguir recuperam seu tamanho
e haverá bom resultado para os dois...”
Disse o animal: “Farei o que me dizes.”
E assim Unkama a seu braço vagaroso
sentiu a força voltar logo depois...

Porém tão logo recobrou o seu vigor,
quis acertar com sua lança o animal,
que se esquivou e partiu a bom correr.
“És um traidor e pagarás por este mal!”
“Pois para mim, não passas de um ladrão
que artes de bruxo ainda parece ter!”
“Eu já sabia que és um predador:
do teu castigo não te darei perdão!...”

E dessa forma, carregando o seu botim,
as raízes com o vento sacudindo,
o animal correu pela pastagem
totalmente ressequida; e perseguindo,
Unkama que escapasse não deixou,
cada qual a correr com mais coragem!...
O cão-macaco fugiu, até que enfim,
encontrando um buraco, se enfiou!...

O LEÃO E O CHACAL III

Sem hesitar, Unkama se esticou
pelo mesmo buraco, bem estreito
e foi entrando, atrás do cão-macaco,
já a passagem a lhe apertar o peito,
completamente imerso em escuridão,
mas sem deixar de rastejar pelo buraco,
até que este, de repente, se alargou
e o caçador escorregou para um fundão!...

Tateando embora, prosseguiu no escuro,
porque era realmente destemido;
mas de repente, começou a clarear:
eis o animal à frente e, surpreendido,
viu um bando de outros semelhantes
que bem depressa conseguiram-no cercar;
mais uma vez, seu corpo ficou duro,
completamente imóvel por instantes.

Unkama logo pensou que o matariam,
mas no país estranho um sol se abriu,
bem diferente do Sol que conhecia
e para seu espanto, logo viu
que os cães-macacos se iam transformando
em humanos pigmeus, que à moradia
o conduziram.  Pensou que o comeriam
num caldeirão sobre o fogo a borbulhar...

Mas os pigmeus tão somente cozinharam
as raízes que o assaltante lhes trouxera,
fazendo sopa de perfume delicioso...
Todos tomaram e na tigela que lhe dera
uma pigmeia velha e encarquilhada
bebeu Unkama... Paladar realmente saboroso...
Até a entrada então o acompanharam
e o assaltante lhe falou, com uma risada...

O LEÃO E O CHACAL IV

“Você provou nossa comida e até gostou;
queria negar-nos, porém fomos generosos;
mas como viu, de forma nós trocamos,
porque as raízes dão cozidos saborosos,
mas a natureza das coisas invertemos...
Você bebeu do que nos alimentamos:
será um animal, igual que nos tornamos,
só que maior, pois nós somos bem pequenos...”

Durante as noites viverá como animal,
mas de dia será de novo o caçador.
Agora vá, senão fica preso no buraco...”
Unkama foi subindo, com ardor,
já sentindo que a passagem se apertava,
ao invés de se alargar.  Virei macaco?
pensou ele, no momento em que, afinal,
sobre o solo suas patas colocava!...

Mas de sua boca só saiu um rugido
e assim se viu transformado num leão!
Viu seu reflexo na água rasa da lagoa...
Rondou a aldeia, palpitando o coração,
mas no momento em que surgiu o dia,
percebeu retornar-lhe o corpo de pessoa.
E o caçador, como sempre havia sido,
tomou o caminho que à aldeia conduzia...

Contudo, estava tudo diferente
do aspecto que tivera no outro dia;
se as pessoas não o conheciam,
ele tampouco a ninguém reconhecia!...
“Eu sou Unkama!” – começou a falar
e a seguir, todos dele se escondiam!...
Surgiu um velho e falou: “A nossa gente
nomes de mortos não pode pronunciar!”

O LEÃO E O CHACAL V

“Vá embora daqui, com a maldição,
por ter quebrado o tabu de nossos pais!”
“Mas Unkama sou eu e não morri!...”
“Um desse nome desapareceu há mais
de duas gerações já bem contadas.
Seu filho e netos vivem por aqui,
todos guerreiros de plena condição,
o filho um dos anciãos assinalados...”

“Não pode ser!   Estou na flor da idade!”
“Eu vou tratá-lo por Desconhecido;
não sei de onde esse nome conheceu,
que nem por mim poderá ser proferido,
ainda que seja de três aldeias o pajé...
Nada existe por aqui que seja seu!.
Hoje o aceitamos por hospitalidade,
mas não insista em afirmar ser quem não é!...”

“E a minha esposa, Djali, onde é que está?”
“Conheço uma velhinha desse nome,
sustentada pelo filho e pela nora,
senão seria já morta de fome,
porque sua horta foi amaldiçoada
e seu marido há muito foi-se embora...”
“Eu quero vê-la, que me reconhecerá!...”
“Quem sabe pela voz; pois cega está a coitada!”

Chorou Unkama, no seu desespero,
percebendo ser aquela a maldição
daquele estranho ser, cão e macaco!
O pajé o conduziu até o enxergão
em que jazia uma velha enrugadinha,
coberta apenas por um lençol de saco.
Um homem o enfrentou com jeito fero...
Será que este velho é o meu filhinho?

O LEÃO E O CHACAL VI

“Você não pode repetir aquele nome!
Se vai falar, será o Desconhecido!...”
Mas surda estava a velha Djali
e Unkama viu que tudo havia perdido...
E ao perceber que a noite ia caindo,
entendeu não poder mais ficar ali,
pois viraria um leão e até com fome!...
Deixou a aldeia em que ninguém mais o queria...

E logo Unkama transformou-se num leão
que sem dificuldade apanhou caça,
pois ainda brandia a antiga lança;
flechas e aljava seu corpo ainda abraça...
Achou difícil, a princípio, comer crua
aquelas presas que facilmente alcança;
mas para mais aumentar a confusão,
um Chacal apareceu-lhe à luz da Lua...

“Venho apresentar-me à Vossa Majestade!
Há muito tempo não tínhamos leão
nestes sertões de nosso território...
Mas me parece ser perfeita a ocasião
para introduzi-lo aos animais da mata,
que voltarão a aceitar o seu peremptório
poder de vida e morte na comunidade
dos animais, que as dissensões abata...”

Com o auxílio do Chacal, rapidamente
Unkama Leão foi aceito como o rei,
sem que lembrasse de exigir qualquer
tributo ou taxa de toda aquela grei.
Numa caverna dormia todo o dia
e até tomou uma leoa por mulher,
que visitava tão só ocasionalmente:
velho costume que sua espécie permitia.

O LEÃO E O CHACAL VII

Mas aos poucos, impôs a sua autoridade,
os animais protegendo contra a gente,
até um incêndio os ensinou como apagar,
os caçadores a espantar frequentemente,
com o auxílio da girafa e do elefante,
até que a aldeia se decidiu mudar
para onde pudessem caçar com liberdade,
sem temer o Rei Leão vociferante!...

Foi bem a tempo, pois veio grande seca
e sua gente, ao se mudar de território,
achou um lugar de chuva mais frequente,
só os animais a sofrer destino inglório;
porém Unkama, que de dia caminhava,
com bela fonte deparou-se, finalmente,
chamando os animais para essa meca,
em que uma poça grande ele escavava.

Mas o Chacal recusou-se a ajudar:
“Majestade, sou um servidor fiel,
mas de que servem minhas pobres patinhas?
Sou bem melhor na qualidade de bedel:
explico ao búfalo, ao hipopótamo e ao elefante
como escavar e retirar essas pedrinhas...”
Mas o próprio Unkama esforçava-se a escavar
e o proibiu de beber água doravante...

“Mas, Majestade, ajudei-o nas caçadas!
Corria as zebras na sua direção!...”
“Mas era apenas eu que as matava
e sempre deixei que pegasse sua porção.
O que agora precisamos é beber!
Só o animal que na obra trabalhava
terá direito de beber!... Vindo manadas,
uma presa me terão de oferecer!...”

O LEÃO E O CHACAL VIII

Mas o Chacal era muito mandrião
e só ficou de longe, observando;
o Rei Leão toda a água racionou,
nenhum banho das tropas aceitando;
podia beber todo o que trabalhara,
com o que a animalada toda concordou,
sem que ao Chacal quisessem dar a mão
depois que o seu auxílio recusara...

Cada vez que o Chacal se aproximava,
o Leão o afastava com rugido;
durante o dia, com a lança o ameaçava.
Só o Chacal é que havia percebido
que à luz do sol ele virava homem,
mas nem uma gota beber ele tentava;
contudo com os pigmeus já conversava,
que no país subterrâneo somem...

Porém os cães-macacos recusaram
qualquer auxílio ao infiel Chacal.
“Água não falta em nossa profundeza
e a Unkama já castigamos por seu mal;
não nos convém interferir na maldição.”
“Mas tenho sede...” disse o Chacal, com esperteza.
Favos de mel então eles lhe alcançaram.
“Agora vá, que não terá água nem pão!”

O Chacal comeu do mel só um pouquinho
e numa cestinha guardou todo o restante,
que trazia amarrada na cintura;
voltou à lagoa e escutou, no mesmo instante,
um rugido do rei, em advertência...
“Majestade,” asseverou a criatura
“Não pretendo beber uma só gotinha;
só vim fazer companhia à Sua Eminência...”

O LEÃO E O CHACAL IX

Então de sua cestinha o mel tirou
e começou a comer, com alegria,
numa delícia evidente do sabor...
E no Leão a gula já surgia,
pois ao Chacal pediu um pedacinho...
O animal fingiu grande temor:
sobre uma pedra um favo colocou,
que o Leão lambeu, devagarinho...

“Que excelente mel!” disse o Leão.
“Dê-me mais um bocado, meu amigo...”
“Se eu chegar perto, não vai me abocanhar?”
“Claro que não!  Não há o menor perigo...”
“Então, deite de costas... Assim, tenho certeza
de que sobre mim não poderá saltar...”
Então Unkama se deitou de costas,
de barriga para cima, em sua vileza...

“Mas de suas garras ainda tenho medo;
de suas patas de trás, especialmente...
Majestade, então permita que o amarre:
porei o mel em sua boca, facilmente...”
E se deixou amarrar o Rei Leão!...
“Com estas lianas, não há jeito que o agarre!”
“Ah, não há mesmo!  Vai ficar bem quieto...
Para beber me dará sua permissão...?”

E Unkama Leão não conseguiu impedir
que o Chacal bebesse o quanto quis;
rugindo e urrando, não conseguia assustá-lo!
Só agora vejo a tolice que hoje fiz!
pensou o Leão.  Esse Chacal é muito esperto!
Pediu-lhe então para desamarrá-lo:
“Que outros me vejam não posso permitir!”
“Não vale o mel?” disse o Chacal, chegando perto.

O LEÃO E O CHACAL X

Foi pondo os favos na boca do Leão,
que comeu cada um, avidamente.
“Dei-lhe o meu mel... Pois vou beber mais água...”
“Mas não me deixe assim eternamente!
Talvez cheguem abutres ou hienas!...”
Respondeu o Chacal, fingindo mágoa:
“Eu o ajudei nas caçadas como irmão
e não me dava um pingo de água apenas!...”

“Pois eu prometo que o deixarei beber
quanto quiser!   Apenas, me liberte!...
E voltaremos a ser dois companheiros:
correrás a caça para que eu a acerte...”
“Tenho então a sua palavra de Leão?”
“Eu juro!   Só não deixe que terceiros,
cujas pisadas já posso perceber,
me vejam preso em vergonhosa situação!...”

Pensou o Chacal que nada ganharia,
caso o deixasse naquela posição
e decidiu confiar na sua promessa;
outro animal o livraria na ocasião,
somente cheio de raiva e ressentido...
Deu-lhe o resto do mel e, sem ter pressa,
enquanto a sua taquara de água enchia,
veio cortar as lianas do Leão detido...

E os dois voltaram a ser bons amigos...
Caçavam juntos e as presas dividiam;
sempre o Leão comia primeiro e mais,
mas o Chacal viu os olhares que o seguiam
e foi à choça conversar com sua mulher;
um penhasco encontrou, alto demais
para o Leão, que o livraria dos perigos,
que a segurança é mesmo o que se quer...

O LEÃO E O CHACAL XI

O Chacal e sua esposa levantaram
no alto do penhasco outra choupana,
ao abrigo de perigos e de botes
e transportaram, com a ajuda de liana,
suas armas, utensílios e esteiras,
as panelas, as botijas e seus potes,
pela nuca os filhotes carregaram,
sem medo de quaisquer feras ligeiras...

Ora, o Chacal, além de desconfiado,
ainda se achava com Unkama ressentido,
que só comia do bom e do melhor;
somente os restos do que haviam perseguido
sobravam para ele e já as hienas
se aproximavam, com seu riso assustador,
tão logo viam o Rei Leão saciado,
numa disputa que lhe causava penas...

Pois certa noite o Leão adormeceu
com o bucho cheio.   Iria acordar depois
para comer outra parte de sua presa.
Tinha o Chacal de esperar, mesmo que os dois
tivessem feito juntos a caçada.
Então puxou, com ágil ligeireza
quanto sobrou depois que o Leão comeu
e o carregou, sem lhe deixar mais nada!...

Chegou ao penhasco e, amarrada numa corda,
subiu a carcaça para a sua choupana,
para alegria da Chacala e dos filhotes;
mas acordou o Leão de sua pestana,
já dando falta da carne que queria;
e pelo faro, saiu dando pinotes...
Chegou ao penhasco e gritou: “Chacal, acorda!
Pois quero conversar...”  Ou assim dizia...

O LEÃO E O CHACAL XII

“Mas que prazer!...  Venha nos visitar!”
Disse o Chacal e a liana lhe lançou:
sabia que o peso do Leão não aguentava...
E quando Unkama por ali subir tentou,
a corda arrebentou e ele caiu...
Ficou estropiado, já quase não andava,
só com bichinhos tendo de se contentar,
pois não podia comer e mal caçava!...

Naturalmente, o Chacal nem se achegava
e o Leão era obrigado a se arranjar,
caçando aves e até peixes do rio...
Ora, sendo aleijado, começou a pensar
que era mais fácil caçar seres humanos,
quase esquecido, perdendo todo o brio,
leão faminto que, andando, capengueava,
que fora gente igual que outros bosquímanos.

Cada vez menos gente e mais leão,
dores constantes lhe atrasando o passo,
Unkama se lembrou da antiga aldeia
e da revolta já recordava o traço,
por ter sido por seu povo repelido...
Havia chovido e sem da seca a peia,
retornara a seu lugar a povoação
que antes se havia para longe transferido.

Unkama se acoitou ali por perto,
caçando alguma cabra ou uma galinha,
protegido no negror da escuridão,
que sua forma humana nem mais vinha,
o tempo todo parecendo um animal
velho e cansado, sua antiga posição
de rei nem mais lembrada pelo incerto
respeito de outros bichos, afinal...

O LEÃO E O CHACAL XIII

Passava o dia dormindo, já esquecido
de que poderia voltar a ser humano...
Porém de nada esquecera o pigmeu,
o rancoroso cão-macaco, de ódio insano,
que certo dia, o veio aconselhar:
“Recorde agora o que lhe sucedeu!
A sua aldeia governa agora esse bandido
que foi seu filho e o preferiu escorraçar!...”

“Por que não tira agora a sua vingança?
Quando o achar por aí, bem descuidado,
cace-o depressa, para se alimentar:
tire-lhe a vida que uma vez lhe havia dado,
mesmo que é velho e já viveu bastante;
sua Djali morreu por falta de cuidado...
Você está fraco, mas sua garra alcança
bem facilmente esse ingrato revoltante...”

Unkama já mal podia raciocinar
e escutou a voz má do pigmeu...
Ora, acontece que esse velho seu filho
saiu um dia a defender o que era seu;
sem suspeitar que fosse algum leão,
pensando só em chacal ou algum zorrilho
que suas galinhas estivesse a lhe roubar,
levou um porrete e mais nenhuma proteção.

Ao entardecer, já bem longe de sua aldeia,
viu no horizonte a silhueta de um leão,
que estranhamente não ouvia rugir!...
Seria espírito ou alguma assombração?
Longe de casa, ele estugou o passo,
mas a fera já o estava a perseguir!...
Ser alcançado o ancião assim receia:
fora imprudente por andar tão largo espaço!

O LEÃO E O CHACAL XIV

O lugar em que se achava era deserto:
somente arbustos e um grande capinzal
cortava a vista e de correr o impedia...
E a noite já chegava, grande mal!...
Em vão uma árvore para subir buscou
e sem saber ao certo o que fazia
de uma colina se lembrou que havia perto
e o mais depressa que pôde a alcançou...

Por que o leão fantasma não rugia...?
Em precipício a colina terminava;
tirou o chapéu e seu manto comprido
e logo à beira do abismo os pendurava,
indo esconder-se em uma touceira de capim.
Chegou o Leão, no lusco-fusco iludido,
pensou que o manto era quem ele perseguia...
Saltou depressa e caiu no abismo assim!...

O velho ainda esperou por uma hora
e não ouvindo mais qualquer barulho,
foi descendo, devagar, a ribanceira:
não queria sofrer do manto o esbulho!...
Achou o chapéu num galho pendurado
e avistou, bem lá no fundo da pedreira,
as cores de seu manto e, sem demora,
seguiu em frente, seu bastão bem agarrado!

Mas quando ele chegou bem lá no fundo,
ao invés de deparar com o tal leão,
havia um homem, no manto ainda abraçado!
Sentiu-se imerso em vasta confusão
e então falou o homem: “Sou Unkama
e sou teu pai que foi por ti escorraçado...”
Sentiu o caçador terror profundo.
Um leão-homem!... Que coisa mais profana!

EPÍLOGO

Unkama, logo a seguir, desfaleceu
e seu filho passou a noite do seu lado:
Que outros espíritos andariam pelo escuro?
Chegando o sol, viu um ancião todo enrugado
que, desta vez, ser seu pai acreditou.
Uma padiola improvisou com um galho duro,
levou-o à aldeia, com grande esforço seu,
cuidando dele vários anos a seguir;
sua estranha história Unkama lhe contou,
para aos netos e bisnetos repetir,
até que, finalmente, ele morreu
e junto à mãe, Djali, ele o enterrou!


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