quarta-feira, 9 de abril de 2014






NUDEZ I – 4 MAR 14

O corpo é muito fácil desvestir,
Peça após peça, menos no verão,
Um dar de ombros, um repuxar da mão,
Os quadris num relance a sacudir,

No erguer dos joelhos as vestes a fluir,
Nos tornozelos um momento de aflição,
Um pontapé de leve ou sopetão,
A pele intacta no instante do remir.

Um certo esforço para as meias retirar:
Talvez seja suficiente o indicador,
Talvez seja preciso o polegar,

Até que a planta se assenta sobre o chão,
Descartadas as roupas com odor,
Por motivos de higiene ou coração...

NUDEZ II

Então o banho se intercala com o amor
Ou é o amor que é seguido pelo banho.
Igual que a terra sofre o seu amanho
Faz-se o chuveiro da pele o lavrador.

Quiçá nem haja um momento sedutor,
Quando os cabelos sob a ducha assanho;
Correm filetes pela pele em lanho
A poeira a dissolver como o suor.

Talvez nem haja sequer esse chuveiro,
Somente a troca veloz de indumentária:
Trocar de roupa dizem ser um meio-banho...

Talvez a pressa tudo torne mais ligeiro;
Ainda há perfume de importância vária
(mas de usar desodorante ainda me acanho!)

NUDEZ III

Já desvestir a alma e o coração
Requer bem mais esforço e incentivo;
Toda a mentira desodorante ativo,
Como um antitranspirante de ocasião...

Será a verdade uma melhor loção,
Com odor de santidade em pleno crivo?
Será o perdão condicionador lascivo
A dispensar a verdadeira contrição?

Não sei se a alma em versos desnudei;
Talvez a tenha, de fato, revestido
De sedas multicores e de arminho;

Contudo sei que em cada linha que te dei
O coração banhei nesse incontido
Borbulhar irreprimível de carinho...

MOSAICO DE CARNE I – 5 MAR 14

Vejo teu rosto pelas ruas da cidade,
aos fragmentos – cá encontro teu nariz,
as comissuras dos lábios que já quis,
logo adiante, teu olhar de claridade;

uma testa cobre o rosto, em opacidade,
as orelhas delineadas como giz;
miro teu queixo em gestos que já fiz:
eis teus cabelos a flutuar em liberdade.

Mas nem um só destes rostos por inteiro
recorda o rosto entrevisto nos meus sonhos,
nem a expressão completa por que ansiei.

Talvez só as grades no limiar do cativeiro,
que contiveram os pesadelos mais tristonhos,
os traços guardem que tanto busquei.

MOSAICO DE CARNE II

Quiçá tu mesma moldaste alguma imagem
contra esse espelho de lâmina mortal
que só enxergas recoberto o teu cristal
pelas pestanas, bem firme na ancoragem;

somente ali, no cochilo da miragem,
gravaste a fogo o retrato inaugural,
perante o qual, ao refletir cada sinal,
se desmerece o concreto da visagem.

Essa colagem dos traços de teus pais
com os do Príncipe Encantado das gravuras
ou algum ator que percorreu televisão,

voando à toa na balsa do jamais,
semiencoberto por juras e perjuras,
na ânsia melíflua de teu coração.

MOSAICO DE CARNE III

Existem hoje, nos computadores,
esses programas que em questão de instantes
efetuam mil mudanças de semblantes,
rostos belos desfazendo-se em horrores;

ou opostamente, a mangra dos pavores
se redesenhe nos mais belos mirantes
para atingir seus alvos expectantes,
trocando pixels em rápidos fulgores...

O que chamavam de fantasmagoria,
nos fadários dos contos mais antigos,
metamorfoses de atroz feitiçaria,

hoje se compra, igual que outros artigos
e os velhos truques da fotografia
só se encontram das filmotecas nos abrigos.

MOSAICO DE CARNE IV

E quanta vez fizeste coisa igual,
piscando os olhos para transformar
rosto real no que querias buscar,
entre os cílios a trocar cada sinal!...

E a pouco e pouco, a face natural
as tuas pupilas souberam transmutar
naquela imagem mais profunda do sonhar,
até perdê-la entre as sombras do afinal!

E de igual modo o seu comportamento
a pouco e pouco por ti foi sendo aceito,
os pixels a bailar dentro em tua mente,

da velha imagem ideal perdido o alento,
tal qual se fora fisionomia sem defeito
que só teu sonho mais recôndito apresente.

COSMO DE SANGUE I – 6 MAR 14

UM PACTO FIRMEI COM O COSMO INTEIRO,
DENTRO EM MIM A RECOLHER GALÁXIA PURA,
NÃO SÓ A VASTA VIA LÁCTEA CRIATURA,
PORÉM ANDRÔMEDA, EM SEU MARCHAR LIGEIRO;
DE MAGALHÃES AS NUVENS, EM PEGUREIRO
EXPLORAR, PARA ALÉM DA SENDA ESCURA;
CADA COORTE ESTELAR EM MIM PERDURA
DO CONJUNTO LOCAL O DOM FAGUEIRO.

E MAIS ALÉM ENVIEI CADA MIASMA
DA MENTE, COMO FÚLGIDA GAVINHA,
OUTRAS GALÁXIAS A BUSCAR PRENDER ASSIM,
PORÉM MEUS DEDOS FORAM GARRAS DE FANTASMA
E EM TAL PERSEGUIÇÃO QUE ME ENTRETINHA
O COSMO INTEIRO VI FUGIR DE MIM.

COSMO DE SANGUE Ii

ENTÃO ME DISSE A MEIGA VIA LÁCTEA,
DAS GOTAS PURAS DO LEITE DE AMALTEIA
FORMADA, SEM PASTEUR E SEM HIGEIA:
Não te estendas demais em flor e bráctea,
Que as outras são diversas, uma é de sakya
Muni, o velho buddha da epopeia;
Outra toma a tartaruga como deia;
Não busques nelas o vinho em dança báquica.

As tuas gavinhas de seda e mosto rosa
Não conseguem alcançá-las com sua laca
E se o fizessem, as laçariam de volta
E nessa grande contração de nebulosa
A mim mesma esmagarias nessa faca
De hostes de sóis em multidão revolta.

COSMO DE SANGUE III

Destarte, o meu delírio restringi
Aos domínios de uranos e de chronos,
Os velhos deuses a cochilar nos tronos
No tique-taque macabro que aprendi
E à via láctea somente me prendi,
Com suas três companheiras em abonos;
Os meus anzóis de estrelas foram donos
E sobre o leite meu mosto distribuí.

Soube demais e demais vi.   O meu império,
Mesmo restrito, mal pude visitar;
Buracos negros cruzei em disparada
E na espiral desnovelei-me a sério
Na impura ânsia de tudo palmilhar,
a alma deixando, aos poucos, desbotada.

TRATATIVAS I – 7 MAR 14

Há violência inata em toda vida
que um ser inteiro busca tudo dominar,
as energias dispersas a agregar,
ao caos soberbo levando de vencida!

À distropia mostrei minha acolhida,
para maior conhecimento congregar;
de alfarrábios e grimórios o meu lar
enchi a pouco e pouco, em longa lida.

Sem dúvida, estudei filosofias,
porém mantendo curvada a comissura
de meus lábios, em ascética peneira;

das religiões às longas homilias
dei acolhida com menor ternura,
de tantas delas minhalma sendo herdeira...

TRATATIVAS II

No meu espírito, todas digladiaram,
seus fragmentos agudos mil farrapos
esmerilaram, debicando os fatos:
pelos éons, umas às outras devoraram.

Os filósofos, a seu vezo, procuraram
demonstrar-se racionais em longos tratos,
sem alegarem dos deuses santos papos:
das próprias mentes seus livros retiraram.

E não há dois que concordem, realmente,
por mais que linhas mestras eles sigam,
como também se agrupam religiões,

conforme a hagiologia ali presente,
que das mais próximas discordar consigam,
em sua disputa pelas vastas multidões.

TRATATIVAS III

E nessa longa busca da euforia
por haver toda a verdade conquistado,
por mais que amor e paz tenham pregado,
não concederam umas às outras alforria.

E mesmo Ahimsa, a não-violência, enfim trazia
a discussão para o cérebro cansado,
que a ordem não nos traz descanso amado:
mesmo a ciência modificar-se eu via.

Que paz existe tão somente na entropia,
cada átomo dos outros bem distante,
abdicando de si toda a energia,

pois só no caos toda a luta falecia,
perdido o tempo e o espaço em tal instante
que nem mais luz e calor conheceria...

JOGRAL DOS MUDOS I – 8 MAR 14

Se teu consciente relaxa um só momento
o coro surge das vozes do passado,
ferozes a ressoar no descampado
do devaneio vazio de julgamento.

Podem ser dedos de pressentimento
ou imagens contra o sono aproximado;
talvez acolhas seu teor amargurado
ou as repilas na frágua de um alento.

Em geral, essas vozes silenciosas
possuem dentes e garras afiadas,
teu sono a combater com energia,

pois mesmo mudas, as memórias mais dolosas
tocam teu peito em gotas apressadas
de adrenalina que de súbito surgia. 

JOGRAL DOS MUDOS II

Talvez te surja qualquer fisionomia
já esquecida ou só em sonhos avistada
ou certa outra, inteiramente relembrada,
que teu descanso assim perturbaria,

pois talvez queiras revê-la, em euforia;
talvez até, junto de ti, se ache deitada,
talvez esteja sob o mármore enterrada,
talvez alguém que nessa tarde se veria;

ou, quem sabe?  é um remorso que te agita
ou uma saudade, já que vive e não a vês;
ou um rancor, por motivos mais diversos;

porém te assombra, quer feia, quer bonita
e teu sono se dispersa de uma vez,
para deitar-se em regaços mil dispersos.

JOGRAL DOS MUDOS III

Ou é uma voz, que só escutas no teu peito
de alguém que amas ou de ser desconhecido;
basta um estalo para o sono ser fendido,
por breve susto ou suspiro sem defeito;

mais outras coisas te perturbam no teu leito,
algum trabalho que queda interrompido,
qualquer fisgão de dor mal pressentido,
que logo passa, na troça do seu jeito;

porém o mais comum são as lembranças
de momentos de dor ou humilhação,
que à tona vêm, sem serem desejados;

esses fantasmas de mil desesperanças
a mastigar-te, devagar, o coração,
expulsos sempre e sempre retornados.

JOGRAL DOS MUDOS IV

Nem é preciso, sequer, que te recolhas;
basta que a guarda baixes por instante:
surge o abantesma com sua tromba de elefante
a abrir passagem e a destampar as rolhas;

então o cobres de cimento, com tuas trolhas
e ele se afoga em borbulhar constante;
mas outro surge, de teor mais inquietante,
das mágoas tuas no perpassar das folhas.

Bem os escutas, por mais que sejam mudos,
bem os enxergas, esses trasgos invisíveis,
autoritários e sem pedir licença,

festejando em coral os seus entrudos
esses monstros do Id imperecíveis,
qual penitência da confissão mais densa.

CULPAS DO MAR I – 9 MAR 14

Quando amor chega, deixa a porta aberta
para um vislumbre de penetração;
quem partilha desse amor a confissão
busca inteirar-te a fantasia desperta.

Na plenitude da aceitação, a alerta
é envolta em panos de amortalhação;
os sonhos puros, de amor talha são:
talha-se a alma para a invasão incerta.

Toda a reserva se macula de esperança,
por mais que seja o contrário da experiência,
já que amor tem esse jeito de enganar

e em feromônios torna a alma uma criança
ainda ingênua e desnuda de sapiência,
nessa confiança de saber-se amar.

CULPAS DO MAR II

Quando o mar chega, invade a praia aberta,
onda após onda galgando pela encosta,
na branca areia que a maré mais gosta
ele se estende, quer cheia, quer deserta.

Vem em borbulhas, cada onda mais esperta
e então recua, deixando a espuma exposta;
à luz do sol explode a bolha e tosta:
retorna a vaga contra a vaga certa...

E chegam outra e outra, lentamente,
cada qual devorando mais areia,
sem derreter-se ao Sol ou à luz da Lua

e nesse amor, cobre a praia totalmente
e toda a areia se entrega e não receia
ser carregada, expondo a rocha nua.

CULPAS DO MAR III

Também a alma enfrenta a luz do mar,
nesse amplexo cintilante e arcoirisado;
galga o amor por teu peito dominado,
onda após onda, em pleno conquistar.

Igual que o oceano pode penhas encontrar
e se esbater, em sua fúria revelado,
teimosamente o penedo esfacelado,
em pertinácia e em eterno palpitar,

será que amor tem a força da maré
e assim avança e rasga diariamente,
manso e suave no coração aberto,

para um assalto violento no sopé
das emoções de resistência mais frequente
e então conquista, para após deixar deserto?

CULPAS DO MAR IV

Será que amor é salgado como o mar,
como é salgado o sangue internamente?
Esse amor doce é mentira inteiramente,
apimentada pelo espírito a rasgar?

De quem a culpa, do amor a dessangrar,
do mar salgado que recobre totalmente,
do coração que se abre incontinente,
nessa busca tão só de se entregar?

De quem é a culpa da antiga zombaria
na qual amor em ti se espraia qual maré
e depois, desce aos poucos, como veio?

Culpa do mar de amor que a gente cria
ou desse peito que se expõe ao cafuné
de onda após onda a lhe afagar o seio?

AGUARDANÇA I – 10 MAR 14

Seja lá quem tu fores, sei me esperas,
perdida nesses longos quarteirões,
nos grandes prédios em que corações
rugem sozinhos como tantas feras.

Não vivo de ilusões, nem de quimeras;
sigo minha lida, com suas humilhações,
seus pequenos triunfos, chateações,
nessa constância de rotinas meras.

Pois me alimento, durmo e também amo
e me defino tão só por meu agora,
amealhando aos poucos quanto quero;

mas por ti, desconhecida que reclamo,
na solidão marchetada pelo outrora,
que ainda aguardas por mim, também espero.

AGUARDANÇA II

Bem sei me desconheces nessa espera,
que já se estende quase há gerações;
reconheceste-me, talvez, nas multidões,
nessa esperança que toda espera gera;

meus olhos viste em dupla alheia esfera,
meu corpo, meus cabelos, brotações
de teus ideais, em vagas ilusões:
talvez até me viste – quem me dera!...

Mas se te vi nas ondas dos cabelos
ou nos passos ondulando na calçada,
mesmo em rodar laborioso e cadeirante,

não te marquei com o carimbo de meus selos
e assim prossigo perseguindo um quase nada,
desfeito como brumas neste instante.

AGUARDANÇA III

Enquanto espero, meu tempo não espera,
enquanto esperas, sem saber por quê;
o olhar gira na esperança que se dê
e gira a espera em seu girar de esfera;

assim esperas por tão só vulto de cera,
na aguardança do bronze que se vê
no molde derretido em que se crê
estar a imagem por que a mente deblatera.

Igual que eu, te contentas com o agora,
na malfadada esperança do amanhã,
na luz que se envelhece a cada dia,

no entrelaçar do teu com o meu outrora,
na trança espessa como fios de lã,
tua seda a corromper de nostalgia...

LEVADIÇA I – 11 MAR 14

Ouço dizer que a madrugada é ponte
entre a agonia sangrenta do poente
e do levante o vagir mais inocente,
nessa esperança vã que nos desponte.

Ouço dizer que a madrugada é fonte
desses sonhos que alimentam tanta gente,
que a energia restauram do descrente
perante a fímbria silente do horizonte.

Ouço dizer que a madrugada é berço
em que estertoram do ontem os fantasmas
e se aleitam os fantasmas do amanhã,

nesse período em que a luz vê seu inverso,
quando entre vida e morte te marasmas
e os pensamentos se emaranham feito lã.

LEVADIÇA II

Mas essa ponte recobre estranho rio
que nunca flui além de seu lugar;
talvez de um fosso esteja a se falar,
talvez de um poço de fulgor mais frio.

Pode ser que a madrugada seja o brio
da Lua apenas, em seu lento porejar,
sobre a Terra desnudada em seu vagar,
convés a Lua e a Terra apenas lio?

A madrugada assim une margem a margem
de uma corrente que só gira a seu redor,
um maelstrom de lúcido estridor,

Será que o tempo morre em nostalgia
ou nesse vácuo o tempo então se cria,
quando o próprio negror se faz miragem?

LEVADIÇA III

A mesma noite, afinal, outra miragem
e junto dela se escoa a madrugada;
o dia escorre no esplendor da toada
e a noite segue em mácula de imagem.

Se o dia vemos, igual é a abordagem
da noite oposta, como foice serrilhada,
a madrugada pela tarde acompanhada
e o dealbar do poente na visagem.

Que estranha ponte é essa que se adianta,
a carregar consigo, inteiro, o rio!
Estranha a tinta que sobre nós derrama,

enquanto nova torrente nos proclama,
para que a possa cobrir, em pleno cio,
a cada vez que outra alba se levanta.

LEVADIÇA IV

Ou, ao contrário, miragem é o dia,
que o Sol ardente e caprichoso pinta,
dourado o pigmento dessa tinta,
que apenas surge quando solo havia!

E a rotação com que a Terra se iludia
faz com que a luz do astro-rei nos minta;
a Terra gira e contra o brilho finta,
nessa perpétua e graciosa liturgia.

Mas é miragem, que ao redor de nós
é tudo pintalgado pelo escuro,
o Sol ponto de luz, perpetuamente,

que apenas brilha em solitária foz,
em seu desgaste contra o cosmo puro,
sem um espelho que em sua luz se alente...

ALFARROBEIRAS 1 –12 MAR 14

Postes de luz dividem o cenário,
Como se fossem requadros de revista:
Que cada imagem em seu lugar persista,
Sem se perder em vezo de antiquário.

Passa o veículo pelo espaço perdulário,
Nesse corte permanente em que ali insista,
A repartir em quadrinhos cada vista,
Igual mangá de layout atrabiliário.

As casas pelo meio recortadas
E até as pessoas em talho caprichoso,
Sem constituírem sequência permanente

E teu veículo avança, deformadas
Pelo olhar periférico e impiedoso
Aves e árvores em negação frequente.

ALFARROBEIRAS 2

Mas se andas a pé, outra é a vista:
Lá está o poste, alvo inerme de cachorro;
A pouco a pouco, se vai subindo o morro,
Sem que o cenário em deformar se insista.

Talvez se encontre mesmo uma conquista
De cujos trechos, se os devagar percorro
Se aprimoram e definem, lento Zorro,
Em que Antonio Banderas não se avista...

Erguem-se as casas por detrás dos postes;
Surgem carvalhos, ipês, altos pinheiros
E quem o quiser, consegue olhar em torno,

Ou espiar ao longo dessas hostes,
Cujas lanças são fios bem altaneiros,
A rebrilhar ao sol de um dia morno.

ALFARROBEIRAS 3

Já foram esses postes eucaliptos,
Esguias árvores de australiana origem,
Galhos podados sem qualquer vertigem,
Belos e firmes, solarengos, ínclitos.

Em fila estendem três ou quatro, de olhos fitos,
No horizonte, a energia ante a caligem,
Transportando as mensagens que se impingem,
Com resultados horrendos ou bonitos.

Toca-se o cerne, descascado de antemão,
Sem que derrame a seiva em âmbar fontes;
Sem sua madeira, seriam postes de cimento.

Para as luzes das casas proteção,
Para as imagens televisivas pontes,
Vida trazendo em seu padecimento.

ALFARROBEIRAS 4

Não têm sementes esses postes verticais;
Talvez das cepas já estejam rebrotados
Os novos troncos, após serem cortados:
Três ou quatro são, às vezes, naturais.

E aquelas duras nozes germinais,
Com desenhos caprichosos e variados,
Trazendo odores selvagens aprestados,
Não gerarão novas árvores jamais.

Mas podem ser guardadas muitos anos;
Seus núcleos duros não servem de alimento,
Mas de miçangas, velho cheiro nas narinas...

Tristes postes de luz, mortos insanos,
De que ainda vejo brotar, qual em portento,
Símbolos fálicos revelados às meninas!

PERSEGUIDORA I – 13 MAR 14

Por entre arbustos e pedras do caminho,
essa lua amarelada nos seguia;
face macabra em véu de fancaria,
lua tristonha e despida de carinho.

De mãos dadas, pés sobre o chão de arminho,
a luz de fósforo qualquer mancha permitia
aqui e acolá; e a pele luzidia
trazia penugem macia e sem espinho.

Nossos pés sobre a Lua marchetavam,
cada pedra uma finta de alvaiade
alabastrinos tantos ramos do arvoredo.

E mãos nas mãos, em despudor, suavam,
as digitais a compartir, em saciedade,
nessa espera expectante de um segredo.

PERSEGUIDORA II

A Lua Cheia, dizem, cresce mais,
que dela o olhar de Selene nos contempla
e em suas órbitas vazias se retempla,
argênteo rosto suspenso no jamais.

Nenhuma estrela, com Vésper ademais
um brilho igual à vida nos exempla
quanto o da Lua, quando a fé assim a entempla:
moeda mórbida no azinhavre dos finais.

Nesse contraste de negror e de platina,
órbitas fundas como as das caveiras,
a contemplar sorrisos azulados...

sem reverbero, qual o Sol inclina,
mesmo nas horas de chispas mais ligeiras,
por entre os gases do ar aperolados.

PERSEGUIDORA III

Persegue a Lua os passos dos amantes,
chovendo sombras de um preteor profundo,
contraste vivo com o cortejo lumibundo,
enquanto as folhas farfalham delirantes.

Na lua pálida em seus Quartos Minguantes,
Na lua cega, a Lua Nova ao fundo,
Na Lua Crescente, em sonho gemebundo,
São os passos mais raros e inconstantes.

Que nas esquinas espreitam salteadores,
brandindo o brilho repentino dos punhais
e quando jorra o sangue, escorre preto.

Poucos amantes e muitos estertores,
nesse saque improfícuo de embornais,
só com bilhetes para encontro mais secreto.



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