A NOIVA E O
DRAGÃO (25 Ago 11)
(Conto de fadas
búlgaro, recontado por William Lagos).
A NOIVA E O
DRAGÃO I
Há muitos anos,
conforme era o costume,
um rapaz colou grau na
faculdade
e recebeu dos pais,
como presente,
uma viagem, para o
mundo conhecer.
Falou-lhe a mãe:
"Não importa aonde rume,
nunca esqueça as
palavras de verdade
que Lutero ensinou à
nossa gente:
nunca vá a outra
religião se converter!..."
Wolfgang, que era o
nome do rapaz,
prometeu que faria a
sua vontade
e com um alforje cheio
de dinheiro,
montou a cavalo, em
direção ao sul.
Fugiu de guerras e
conheceu a paz
e foi descendo, cidade
após cidade,
até uma aldeia, em
vale hospitaleiro,
atravessado por largo
rio azul...
E descobriu
que se encontrava na Bulgária
e que essa aldeia já
era muito antiga,
Stara Zagora era o
nome que lhe davam
e passou por uma
grande serraria,
abandonada, apesar da
perdulária
quantidade de árvores
que ali abriga
a cadeia de montes que
a cercava
e acreditou que um bom
negócio ali faria.
A NOIVA E O
DRAGÃO II
Wolfgang dirigiu-se à
hospedaria
e logo achou quem
falasse em alemão.
Naquele tempo, havia
muita gente
que na Bulgária já se
estabelecera.
Diziam até que um
antigo rei havia,
que nascera na
Alemanha e até então,
a governava um rei seu
descendente
e essa língua muita
gente ali aprendera.
No dia seguinte, após
tomar seu banho
e fazer uma excelente
refeição,
foi conversar com o
estalajadeiro,
chamado Petur, porque
o movimento
era fraco a essa hora,
nada estranho,
que os clientes
exerciam a profissão
e só de noite o seu
salão inteiro
ficava cheio para seu
divertimento.
E na conversa com o
estalajadeiro,
perguntou-lhe por que
estava fechada
a serraria, se a
madeira era abundante.
Petur lhe respondeu
que o antigo dono
havia morrido no último
janeiro
e sua viúva era muito
desconfiada,
seu filho um mercador
itinerante,
por isso estava
a serraria no abandono.
A NOIVA E O
DRAGÃO III
"E esse é o único
filho que ela tem?"
"Não," disse
Petur, "há também uma donzela,
chamada Paraskeva; e
bem bonita,
que até o presente
ainda não casou...
Pretendentes não
faltaram. A mãe, porém,
apesar de sua filha
ser tão bela,
quando chega algum
rapaz, já fica aflita
e até agora casar com
ninguém ela deixou..."
"Ora por quê,
ninguém sabe exatamente.
Alguns falam que
espera o fim do luto;
ou que ela quer que o
noivo escolha o filho.
Mas o Setchko há anos
foi embora...
No funeral, até se fez
presente;
dizem que é um
comerciante bem arguto:
mesmo que seja assim
tão andarilho,
nunca deixou
faltar dinheiro a essa senhora..."
"Há quem diga que
anda atrás de bom gerente
que em seu lugar toque
a velha serraria
e só com ele é
que permite o casamento...
Setchko tem na capital
um armazém,
mulher e filhos com
aquela estranha gente.
O rio Maritza é que a madeira
conduzia,
mas o seu curso sofreu
um estreitamento
e salteadores pululam por ali também..."
A NOIVA E O
DRAGÃO IV
Wolfgang percorreu
toda a cidade
e deu-se conta de que
o povo era cordial
e que o tratavam até
bastante bem,
considerando que era
ali desconhecido.
Desceu o rio sem
qualquer dificuldade,
até encontrar um
remanso natural;
as margens se
estreitavam ali também:
era bem onde a
avalanche havia caído.
Desceu o rio abaixo um
pouco mais,
sem encontrar qualquer
outra obstrução.
Viu como as águas
corriam bem depressa
e que seu curso já se
havia alargado.
Teve certeza de que
não seria demais
o trabalho necessário
à remoção
de todo o entulho que
entupir não cessa
o antigo curso
interrompido desse lado.
E voltando à
hospedaria, descobriu
que existiam muitos
desempregados
depois que fora
fechada a serraria.
Foi pagando alguns
canecos de cerveja
e facilmente
informações adquiriu,
embora uns poucos
se mostrassem desconfiados.
E desse modo,
transcorrido um dia,
pensou propor à viúva
o que deseja...
A NOIVA E O
DRAGÃO V
Foi-lhe bater à porta
da morada
e o atendeu uma jovem
muito bela,
que lhe deixou o
coração descompassado.
Porém, rapidamente, o
controlou...
E indagou, como
quem não quer mais nada,
após cumprimentar essa
donzela,
se poderia, por favor,
dar um recado
à Sra.
Katiuska... E ela aceitou.
Logo chegou a viúva e
o convidou
a entrar em casa e lhe
ofereceu licor.
Conversaram os três,
sem contratempo:
ele explicou que era
estranho na cidade...
"Gente
cordial!" a seguir, acrescentou,
"mas reparei que
existe algum temor
de que a serraria
continue muito tempo
fechada e sem trazer
prosperidade..."
"Meu marido
morreu," disse a senhora,
"e meu filho mora
bem longe daqui;
tomar conta desse
negócio, eu não sei:
é preciso contratar um
bom gerente...
Mas caiu a barranca em
tão má hora
e a madeira já não
passa mais ali.
Que meu filho se
encarregue já tentei,
mas ele tem ocupação
bem diferente..."
A NOIVA E O
DRAGÃO VI
Então o rapaz
apresentou-lhe sua proposta:
"Dona Katrina, a
senhora não me arrenda
a serraria ou, quem
sabe, não me vende?
Acho que é fácil esse
rio desobstruir...
É só questão de
plantar árvores na encosta;
a areia irá seguir do
rio a senda,
e com cal muitas
pedras ali se prende:
por lá em breve a
água irá fácil refluir...
Mas Katiuska, se bem
não recusasse,
ficou pensando, a
hesitar bastante.
"É que o Mika,
meu marido, pretendia
a Paraskeva casar com
o gerente,
que o negócio na
família continuasse...
O Setchko, meu filho,
o comerciante,
ficou de ver se um bom
gerente conseguia,
mas até hoje não deu
jeito para a gente..."
Então Wolfgang olhou
para a donzela:
"E se eu lhe
propuser um casamento?"
Paraskeva baixou os
olhos, recatada,
mas Katiuska pareceu
gostar da ideia.
"Olhe, senhora,
sua filha é muito bela,
eu sou solteiro e sem
impedimento,
tenho o dinheiro
necessário à empreitada,
e quem sabe?
Afinal, não sou tão feio..."
A NOIVA E O
DRAGÃO VII
Katiuska contratou um
mensageiro
e enviou carta para o
filho consultar.
Enquanto isso,
concedia o arrendamento
e Wolfgang o trabalho
já iniciava...
O resultado foi muito
alvissareiro:
vinte operários pôde
logo contratar
e enquanto aguardava o
casamento,
para a casa de sua
noiva se mudava...
Chegou então carta do
filho da viúva
e Setchko aprovava o casamento.
"Tomei dele
informações com meus contatos
comerciais e sei que é
de boa família.
Tal
matrimônio nos assenta como luva;
marquem a data, que
irei por um momento,
se não me impedirem os
meus contratos
ou não seguir qualquer
distante trilha."
E assim, o casamento
foi marcado.
Wolfgang, com
surpresa, descobriu
que essa família
também era luterana.
" Michael, meu
marido era de origem alemã,"
disse a viúva, ao
vê-lo assim espantado,
e pela sua religião
ele insistiu.
Há um pastor, que vem
toda semana,
celebrar a eucaristia
mais cristã..."
A NOIVA E O
DRAGÃO VIII
"Mas nós somos
minoria nesta aldeia
e o pope ortodoxo é
nosso amigo,
portanto, é melhor o
casamento
celebrar duas vezes:
na capela
e na basílica...
Assim, quem nos rodeia
assistirá a cerimônia,
sem perigo
de se sentirem
ofendidos no momento
e toda a aldeia poderá
partilhar dela..."
Wolfgang pôs-se então
a trabalhar
todos os dias,
reformando a serraria;
do rio Maritza
libertou logo a corrente
e com as pedras, logo
muralha erguiam
e muitas mudas na
encosta fez plantar,
pois qualquer
desabamento impediria;
e toda a gente
trabalhava, bem contente,
pois os salários em
dia recebiam...
Então a serraria
voltou a funcionar,
os lenhadores
retornaram às florestas;
para o patrão os cones
recolhiam,
que Wolfgang em
almácegos plantava,
para com as mudas as
encostas repovoar.
Katiuska planejava
grandes festas,
Wolfgang e
Paraskeva se entendiam,
que ela por ele já se
enamorava...
A NOIVA E O
DRAGÃO IX
Paraskeva parecia bem
contente,
na expectativa do seu
casamento
e com seu noivo era
muito carinhosa:
dava-lhe beijos e
servia-lhe o jantar...
Mas quando a data
que entre eles fora assente
começou a chegar
perto, em algum momento,
ela mostrava uma
expressão mais dolorosa,
como quem algo de ruim
pode esperar...
Ele indagava:
"Mas o que há com você?
Já não deseja mais
casar comigo?"
"Não, meu
querido, estou apaixonada:
é claro que eu quero
me casar..."
"Mas que parece
triste, a gente vê...
Leio até medo nesse
rosto amigo..."
"Eu tenho medo é
de ser vergastada...
Até hoje não sei o que
é apanhar..."
"Mas, querida,
quem é que a irá açoitar!?
Não deixo que ninguém
lhe encoste um dedo!"
"É você mesmo que
terá de me bater..."
"Mas como?
De onde foi tirar essa ideia?
Nunca na vida pretendo
a machucar!"
"Então, tem raiva
e de mim guarda segredo?
Quer a minha alma
botar a perder...?"
A NOIVA E O
DRAGÃO X
Paraskeva foi no
quarto se esconder
e Wolfgang ficou a sós
no sala.
Pensou em bater na
porta, mas sabia
que isso era contra os
costumes do local.
Sua sogra não tardou
em aparecer
e lhe
jurou que não estragaria a gala
do seu casamento, pois
não pretendia,
de forma alguma, a
Paraskeva fazer mal!
Mas Katiuska, ao
contrário, lhe falou
que era costume a
noiva vergastar,
senão a sorte seria
muito má
para a noiva e o
casamento iria dar mal.
"Mas eu não vou
bater nela!" protestou.
"O senhor precisa
bater, sem hesitar,
pois entre nós, coisa
pior não há
que a noiva case sem a
vergasta natural..."
"Vou-lhe
mostrar," disse ela e foi buscar
um chicote de sete
pontas afiadas.
"A gente guarda
como prova que apanhou:
foi com este que meu
marido me bateu
e nunca mais precisou
me maltratar.
Ele aplicou-me doze
vergastadas
e pessoalmente meus
vergões tratou:
mulher que apanha, aprende
a obedecer!"
A NOIVA E O
DRAGÃO XI
"Mas não existe
esse costume na Alemanha!
E seu marido, não
me disse que era alemão?"
"Claro que era,
porém Mamãe insistiu
e no final, ele também
se convenceu..."
"Mas o azorrague
a pele inteira lanha!
Bater na esposa é
contra nossa religião!..."
"Por aqui não, é
o costume... Ora, se viu!
Mulher que não apanha,
se perdeu!..."
"Só quem não
gosta da noiva é que não bate!
Mas não precisa bater
com muita força;
olhe minhas
costas..." E ela a blusa levantou,
mostrando como tinha
as costas lisas.
"Não é nada
violento e que nos mate...
Veja minha pele, não
parece uma camurça?"
Wolfgang, bem de leve,
então tocou
e só sentiu
cicatrizes imprecisas...
"O senhor deve
usar o meu chicote...
Já serviu para minha
mãe e minha avó...
A gente guarda igual
fosse um tesouro.
Se não bater, será uma
vergonha!...
Será pior que recusar
o dote!...
O enxoval está pronto,
falta só
uma semana e será
grande desdouro,
desmarcar a linda
festa que ela sonha..."
A NOIVA E O
DRAGÃO XII
"Mas eu não quero
desistir do casamento!
Eu só afirmei que não
iria bater nela!..."
"Mas não
pode. É o que fazemos por aqui:
o senhor que lhe bata
bem de leve
e ela que finja gritar
de sofrimento...
Mas se o senhor, de
fato, gosta dela,
tem de bater,
como por arte de um guri!...
É tradição... E veja
logo: passa breve..."
Mas Wolfgang
recusou-se a vergastar,
enquanto a própria
Paraskeva lhe pediu:
"Você não sabe o
mal que me fará!
Precisa me bater, se é
que me ama!..."
Wolfgang foi com o
pastor se aconselhar:
"Existem coisas
por aqui que nunca viu,
meu filho. Coisa
pior até sucederá
se recusar-se a
chicotear sua dama!..."
"Mas pastor, a
nossa fé luterana
não permite espancar a
nossa esposa!"
"Porém o povo
daqui acredita nisso:
é perigoso contrariar
os naturais...
Bater na noiva é uma
prova de que a ama:
essa é uma crença
entre eles poderosa
e não se pode
contrariar. Por isso,
bata de leve, não será
nada demais..."
A NOIVA E O
DRAGÃO XIII
Mas apesar de toda a
sua insistência,
Wolfgang não quis a noiva
flagelar.
Paraskeva convenceu-se
de que a amava:
na cerimônia ficou,
porém, meio tristonha.
Pastor e pope orações
de grã potência,
por longo tempo, não
paravam de rezar,
até que a boda, enfim,
se celebrava...
Beijou sua noiva,
agora alegre e bem risonha...
Foi um banquete bem
rico e concorrido.
Os aldeões dançaram e
cantaram;
até o cunhado apareceu
com um presente;
somente a sogra
permanecia inquieta.
No momento em que ao
quarto haviam subido,
nem bem os dois lá
dentro se trancaram,
ela chegou com a
vergasta, novamente,
porque cumprir o tal
ritual era a sua meta.
E Wolfgang, para não
se incomodar,
finalmente afirmou que
estava bem.
Mas viu o medo no
olhar de Paraskeva...
Fechou de novo a
porta, bem trancada
e começou às paredes
chicotear,
qual se o costume
cumprisse ele também...
Mas o açoite para a
cama ele não leva,
porque jamais bateria
na sua amada.
A NOIVA E O
DRAGÃO XIV
Foram os dois bem
felizes nessa noite,
e Wolfgang finalmente
adormeceu...
Mas acordou-se de
permeio à madrugada,
sem conseguir
encontrar mais sua esposa.
No seu lugar, fora
disposto o açoite...
Paraskeva, porém,
desapareceu!...
A janela ainda estava
bem trancada
e contra a porta, uma
tranca poderosa!...
Logo viu que não
estava no banheiro,
nem no armário, nem
debaixo de sua cama.
Pensou Wolfgang que
fosse brincadeira:
decerto havia um
corredor secreto...
Bateu pelas paredes,
bem matreiro,
mas pela noiva, aos
gritos, já reclama.
Desceu a escada... Viu
Katiuska em tremedeira,
toda encolhida, qual
se fora um negro inseto...
"Você viu?
Você viu o que nos fez?"
Virou-se contra ele,
enraivecida:
"Por que não a
fustigou, como devia?
A Rainha das Lamyas apareceu:
roubou minha filha,
por sua desfaçatez!
E nunca mais vou vê-la
nesta vida
e nem na outra!... Ai de
mim, horrível dia!
Paraskeva a própria
alma hoje perdeu!...
A NOIVA E O
DRAGÃO XV
E tanto ela se pôs a
lamentar
que Setchko acordou e
apareceu.
Wolfgang explicou-lhe
o ocorrido
e demonstrou surpresa
o mercador:
"É claro que tal
coisa ouvi contar,
porém é a primeira vez
que aconteceu...
Esse Halloviti não tem aparecido
há gerações!...” disse
o homem, com ardor.
"Halloviti? Mas quem é essa pessoa?"
"Não é pessoa,
meu amigo, é um dragão!
E muito mau, também,
nosso inimigo!...
Até achava que tivesse
já morrido...
Agora entendo que a
crendice era até boa,
mas só o aceito com
estupefação!...
Eu me mudei para a
casa de um amigo,
estudei na capital,
sou instruído..."
"E nessas coisas
não mais acreditava...
Foi por isso que com
você não insisti
com aquela história da
vergastação..."
Explicação pediu o
noivo, apavorado.
"Quando o marido
a noiva flagelava,
o Tzimey ouvia e pairava por aqui,
para lhe dar completa
proteção
e o Halloviti, então, era espantado..."
A NOIVA E O
DRAGÃO XVI
Wolfgang, porém, nada
entendia
e Setchko explicou-lhe
um pouco mais:
"O Tzimey é um dragão do bem
e sempre protegeu a
nossa aldeia.
Já o Halloviti toda a noiva pretendia:
antigamente, já roubou
até demais;
e quando cansa da
jovem, ela também
vira uma Lamya, malvada e muito feia!..."
"Quer dizer, é o
que contam por aqui,
eu nunca vi e nem a bylina acreditava..."
A essa altura, se
juntara muita gente,
parecendo com medo e
consternados.
Wolfgang seus
operários viu ali
e logo expedição
organizava...
Não se negaram, mas
com ar indiferente,
pois achavam ser
inútil, os coitados!...
Então o pope da aldeia
se adiantou:
"Meu pobre
amigo, hoje é inútil procurar.
A sua noiva está além
das tempestades,
além das nuvens ela se
acha agora...
Foi a Snuk Azdaya que a levou
ou foi o Halla que a veio carregar...
Não sei qual a pior
dessas maldades!
E não adianta
procurar, pois foi-se embora!"
A NOIVA E O
DRAGÃO XVII
Wolfgang não se podia
convencer
e foi falar com o
pastor dos luteranos
que, na véspera, celebrara
o casamento
e que o recebeu, bem
consternado.
"Por que em
sua noiva você não quis bater?
Não se tratam de
costumes desumanos...
Por que não fez assim,
de fingimento?
Bastaria Paraskeva ter
gritado..."
"Mas, Reverendo,
que loucura é essa?
Para mim, isso tudo é
mais um ardil!...
Eles querem é tirar o
meu dinheiro!...
Em algum ponto
Paraskeva me esconderam!"
"Não, meu filho,
não se engane pela pressa,
nesta aldeia não há
quem seja vil.
Pois já alguém lhe
pareceu interesseiro?
Algum pedido de resgate
lhe escreveram?"
Wolfgang já não sabia
o que dizer.
"Eu li os
registros," explicou o pastor.
"Entenda, esta
região ainda é selvagem,
há demônios e até
mesmo feiticeiros...
Que não existem
dragões eu quero crer,
mas muitas lendas há
nesse teor...
São Jorge e Santo
Ilya, com coragem,
teriam matado monstros
verdadeiros..."
A NOIVA E O
DRAGÃO XVIII
"Porém, pastor,
por que não me avisou?
Sei que me aconselhou,
mas não a sério,
só que seguisse os
costumes do lugar..."
"Nunca encontrei
coisa alguma parecida,"
o
pastor humildemente confessou.
"Mas há cruzes lá
no velho cemitério,
tumbas vazias de
noivas a marcar,
cada uma dada por
desaparecida..."
"Vamos lá,
conversar com meu colega...
Eu lhe pedi que
ajudasse a cerimônia,
porque conhece as mais
antigas orações,
na língua deles, que
dizem afastar
das criaturas do mal a
fúria cega...
Sei que sua noiva não
virou uma demônia:
ela possuía fortes
proteções...
Talvez ainda a possa
resgatar..."
O velho pope já se
aproximava
e trazia na mão aquele
açoite:
"Foi sua a culpa,
por não a vergastar!"
"E por que não me
contou a história inteira?"
"Mas para quê, se
em nada acreditava?
Foi só o corpo que lhe
roubaram essa noite,
mas a alma de sua
noiva, a palpitar,
no chicote se
escondeu, muito ligeira!"
A NOIVA E O
DRAGÃO XIX
"Junto de si
deverá sempre o conservar!..."
Wolfgang o
contemplou, meio espantado:
"A alma dela está
dentro desse relho!?...
Me desculpe, mas não
posso acreditar!..."
"Aqui está; e no
combate, o irá ajudar,
contra o dragão que a
tem capturado.
Vou-lhe mostrar agora,
neste espelho,
quando o
relho contra o vidro eu balançar..."
E para assombro do
marido e do pastor,
apareceu no espelho o
rosto dela,
cheia de medo, a boca
a suplicar,
mas som algum aos
ouvidos lhes chegou.
O ministro se
ajoelhou, de puro horror;
parecia estar no
espelho ainda mais bela.
Mas depois de o
azorrague retirar,
sua semelhança a
seguir se desmanchou.
"Mas como pode
coisa assim acontecer?"
"É que eu orei
uma reza muito forte
e consegui lhe
proteger a alma imortal.
A carne se foi, mas
aqui o espírito está inciso.
Guarde o chicote até o
dia em que morrer;
ela o irá acompanhar e
lhe dar sorte...
Quando acabar a sua
vida natural,
ficarão juntos até o
Dia do Juízo!...
A NOIVA E O
DRAGÃO XX
Wolfgang enrolou o chicote
na cintura
e para casa retornou,
acabrunhado.
Mostrou o rosto da
noiva em outro espelho
Katiuska e Setchko
persignaram-se de pavor,
mas a sogra o
repreendeu, em sua amargura:
"A culpa é sua,
você está amaldiçoado!"
Mas o cunhado segurou
o relho:
"Aqui eu sinto a
força desse amor..."
"E você?
Está agora conformado...?"
"De modo algum,
mas o que posso fazer?"
"Existe um jeito,
se a bylina é verdadeira:
Você precisa ir falar
com São Simeão..."
"Rezar
mais?" disse o rapaz, amargurado.
"Não, se é fato o
que na lenda ouvi dizer,
ele é Stepan Nemanja
e em ribanceira
perto
daqui, ainda vive esse ermitão."
"E você pode me
levar até o lugar?"
"É proibido, você
terá de o achar sozinho."
"Mas eu
posso," Katiuska interrompeu.
"Dou-lhe um
anel que pertence à minha gente
e irá mostrar-lhe como
lá chegar."
Tirou do dedo o anel,
devagarinho,
jogou-o ao solo e
então a jóia se moveu
e se esticou, até
virar numa serpente!...
A NOIVA E O
DRAGÃO XXI
Ela trouxe a seguir
pires de leite
e deu à cobra, que se pôs
a beber.
"Ande logo,
encilhe o seu cavalo
e pegue as armas para
essa jornada!
Esfregue bem suas
armas com azeite,
que terá longo caminho
a percorrer."
Wolfgang se aprontou
e, no intervalo,
Setchko foi-lhe trazer
lança afiada.
"É só seguir a Smuk," disse Katiuska,
"que mostrará o
caminho até a montanha
e após retorna,
fielmente, para mim.
Vá, com minha
bênção! Retiro a maldição:
que os santos o
acompanhem na sua busca!
De seu cavalo Smuk não se acanha,
basta segui-la, sem
temor, assim:
mas não retorne sem
minha filha, sua paixão!"
Wolfgang tomou o
caminho da montanha;
a cobra Smuk seguia senda bem certeira,
até chegarem
à entrada da caverna.
A
serpente sibilou e foi-se embora.
Jamais Wolfgang
maravilha tamanha
deparara em sua vida
condoreira.
E então falou, com voz
forte, porém terna:
"São Simeão, me
apareça nesta hora!..."
A NOIVA E O
DRAGÃO XXII
E logo um velho
apareceu à entrada,
usando uma comprida
cabeleira
e uma barba até abaixo
da cintura.
"Sou Stepan
Nemanja," apresentou-se.
Era homem de estatura
avantajada
e muito magro, quase
uma caveira,
porém de fisionomia
muito pura:
"Quem é você, que
até aqui aventurou-se?"
"Sou Wolfgang e
vim para combater
esse Tzimey que minha noiva raptou!..."
Soltou o velho uma
alegre gargalhada:
"Eu sou o Tzimey e não roubei ninguém!...
Você não pediu que a
viesse proteger:
foi o Halloviti que sua noiva lhe roubou!
Agora já não posso
fazer nada:
A culpa é sua e a má
sorte também!..."
"Porém não pense
que lhe tenho má vontade,
mesmo que venha a mim
sem se curvar..."
"E por que me
curvar eu deveria...?"
"Porque mil
bênçãos tenho e você nenhuma."
"Mas se as
bênçãos são suas, na verdade,
por que razão o
deveria respeitar...?"
"E se quinhentas
então eu lhe daria?"
"Melhor que eu
não seria em coisa alguma!"
A NOIVA E O
DRAGÃO XXIII
"E se eu lhe
desse as minhas bênçãos mil?"
"Menos motivo,
então, de me curvar:
teria mil bênçãos e
você nada teria!..."
Stepan Nemanja soltou
outra gargalhada:
"Sua língua é
afiada igual buril!...
E é muito bom, pois
vai dela precisar,
que arma de fogo para
nada adiantaria
contra o Halloviti e nem lança afiada..."
"Você terá de
enfrentar a Azdaya,
depois do Halloviti e arma alguma,
por sobre as nuvens,
lhe irá servir...
Mas o que traz na cintura
é um chicote,
que lhe vale muito
mais que uma azagaia.
Ele contém de uma alma
a suprassuma
essência pura de todo
um existir:
é a alma de sua esposa
e esse é seu dote!"
Wolfgang
confirmou. E disse o velho:
"Pois eu
abençoarei a pobre alma,
que doravante lhe
poderá falar
e lhe ensinar o que
deve responder.
Terá de mostrar ao Halloviti o espelho,
que ele o atenderá com
toda a calma,
porém a Azdaya terá de chicotear,
para o corpo de sua
esposa devolver.
A NOIVA E O
DRAGÃO XXIV
Pois Stepan Nemanja, o
bom dragão,
que era dessa aldeia o
protetor,
se transformava
somente em Tzimey
quando chegava alguma
tempestade.
Também era chamado São
Simeão,
pois conhecia as
preces de valor,
com que invocava a
mais divina lei,
a fim de proteger a
humanidade.
E desse modo, segurou
o açoite
e o abençoou, com
sentenças de poder:
"Palavra doce
abre portões de ferro,
mas a língua deve
abster-se de sujeira
e na pureza
conservar-se dia e noite.
Nádegas sujas se lava
quando quer,
mas língua suja corrompe
o melhor berro:
palavra solta nunca
volta a prisioneira."
"Fecha os olhos, Halloviti, meu rival,
porque vou te pregar
uma mentira:
não há herói que não
tenha sua ferida,
mas não pode ser presa
facilmente
a minha bênção, qual
seria um pardal,
porém toda a maldade
ela revira...
Agora, fala, ó alma
dolorida,
até que tenhas corpo
novamente!..."
A NOIVA E O
DRAGÃO XXV
De imediato, ouviu-se
a voz de Paraskeva:
"Ai, meu querido,
estou cheia de saudade!
Da Rainha das Lamyas a
carne é escrava
e da vida de meu corpo
se alimenta!...
E no meu sangue a sua
sede ceva
e meus
ossos esvazia, em sua maldade!
Enquanto do teu lado
eu me deitava,
ela roubou-me e meu
vigor a alenta!..."
Porém Stepan Nemanja
lhe falou:
"Cala-te agora e
poupa tuas sentenças,
para somente a teu
marido aconselhar,
que agora vejo da
borrasca o esforço!..."
E em Tzimey logo se transformou:
um imenso dragão com
as asas tensas.
"Deixa o cavalo
aqui para pastar;
larga essa lança e
monta no meu dorso!..."
Wolfgang obedeceu, com
certo medo
e o Tzimey foi logo alçando voo:
"Levar-te-ei até
a tempestade;
largar-te-ei,
depressa, sobre ela...
Lá o Halloviti esconde-se, em segredo,
mas o equilíbrio no ar
hoje eu te doo:
procura esse dragão,
em sua maldade
e não temas o seu
sopro que congela!..."
A NOIVA E O
DRAGÃO XXVI
E muito alto se elevou
o bom dragão:
Wolfgang já tremia,
apavorado,
porém firmou-se, com o
maior cuidado
e muito acima das
nuvens navegaram.
Até encontrarem o mais
negro bulcão,
que foi logo pelo Tzimey sobrevoado
e sobre a nuvem negra
foi largado,
mas no vapor seus pés
logo se firmaram.
Foi caminhando, com
passos bem marcados,
até chegar à mais
negra escuridão,
que era de Halloviti a vil morada...
A voz de Paraskeva o
animava
e ele avançou, sem
maiores cuidados,
mas de repente,
escutou um vozeirão:
"Quem foi
esse ser de alma desvairada,
que para a morte
alegre caminhava?"
"Halloviti,
dragão, escuta bem:
Sou Santo Ilya e aqui
te vim desafiar!"
disse Wolfgang, para
seu próprio espanto,
mas era Paraskeva quem
falava.
"Ha! Santo
Ilya já esteve aqui também
e não é ele que estou
vendo a caminhar
sobre as camadas de
vapor do meu recanto,"
retrucou aquela voz
que trovejava.
A NOIVA E O
DRAGÃO XXVII
"Meu nome é
Wolfgang e sou o marido
dessa noiva que
roubaste na outra noite:
para buscá-la é que
aqui estou!..."
"E de que forma
me pretendes derrotar?
Eu sou vapor e
fogo derretido,
lanço o trovão e dos
raios sou o açoite!...
Nenhum humano jamais
me conquistou,
ninguém jamais poderá
me dominar!..."
"Eu te proponho,
então, um desafio:
um jogo de perguntas:
serão três!
Devolve a minha esposa
se eu vencer,
mas se perder,
pertencerei a ti!..."
"Vejo que és de
verdadeiro brio...
Terei prazer em dobrar
a tua altivez.
Aceito o
desafio. Se eu perder,
encontrarás o que buscaste
aqui..."
"Pergunta,
então!..." desafiou o rapaz.
"É grande essa
Terra em que habitamos?"
Wolfgang ia dar a
resposta que sabia,
mas Paraskeva o
obrigou a mentir:
"Não, é pequena,
porque o Sol perfaz
o seu percurso sobre
todos os humanos
em menos horas do que
dura um dia
e é pouco mais que uma
ervilha a reluzir..."
A NOIVA E O
DRAGÃO XXVIII
"Disseste
bem," asseverou o dragão,
"mas é alto este
céu que o Sol perpassa?"
"Dragão, tu és
senhor da tempestade
e te encontras aqui,
no alto do céu.
Se nós podemos escutar
o teu trovão,
desde a Terra, em
ponderosa massa,
é que o céu é bem
baixo, na verdade
e só se esconde por
detrás de grosso véu..."
"A resposta
acertaste, novamente,"
disse o dragão, um
tanto despeitado.
"Pois vou fazer a
pergunta derradeira...
E o outro mundo, que
fica além do véu?
Fica perto, ou é
longe, realmente...?"
"É muito
longe," disse o jovem, descuidado,
"mas respondi das
perguntas a terceira..."
"E por que dizes
estar longe o outro Céu...?"
"É que já fazem
quase dois mil anos
que para lá partiu o
Salvador,
prometendo que outro
dia voltaria,
só que até hoje não
nos apareceu.
não mente Jesus
para humanos
e viaja bem depressa e
com valor.
Grande distância então
percorreria,
até voltar ao mundo
que escolheu..."
A NOIVA E O
DRAGÃO XXIX
"Você, sem
dúvida, é um jovem muito esperto,
mas vamos ver se sabe
responder..."
"Não!" disse
Wolfgang. "Eu já venci:
às três perguntas a
resposta já lhe dei!..."
O Halloviti concordou: "Você está certo...
Pois vou-lhe dar o que
mais deseja ter,
só que o corpo de sua
esposa não está aqui:
para Azdaya em seguida eu o entreguei."
"Mas vou deixá-lo
perto da montanha
em que a Rainha das Lamyas hoje mora.
Só lhe diga que fui eu
quem o mandei,
porque o Jogo das
Perguntas é sagrado."
E provocou uma
ventania tamanha,
que Wolfgang foi
levado, sem demora,
até o monte em que
cada Tzimey
retorna à pedra, no
porvir que lhe é aprazado.
E no momento em que
já estava caindo,
sentiu o vento,
rápido, abrandar
e foi deposto na
montanha, com cuidado:
"Que não se diga
que fui mau perdedor!"
Percebeu que ao Halloviti estava ouvindo:
"Se eu deixasse
você se despencar,
demonstraria que me
achava despeitado:
faço por honra, não o
faço por amor!..."
A NOIVA E O
DRAGÃO XXX
Wolfgang sacudiu de si
a poeira
e olhou em volta, sem
enxergar nada.
Estava só, no cume de
alto monte,
onde estaria das Lamyas a Rainha?
Ali, do alto da
montanha condoreira,
só via abismos, sem
qualquer estrada.
Penhascos lisos, não
havia ponte...
O que fazer, se nem saída
tinha...?
Nesse instante,
falou-lhe Paraskeva:
"Meu querido,
siga em frente, sem ter medo."
"Mas como, se
daqui vou despencar?"
"Confie em mim e
caminhe com coragem..."
Wolfgang pisou então
na densa treva
que envolvia a
montanha, num segredo,
e de repente,
caminhava em pleno ar,
desprezando a atração
dessa voragem...
Logo a seguir, sentiu
a solidez
sobre seus pés e, à
frente, divisou
uma mistura de sapo e
de serpente,
com olhos frios e
cheios de maldade.
"Mas que belo
rapaz! Quanta altivez!
Quem foi que à minha
morada o convidou?"
Halloviti indicou-me esta vertente,"
respondeu, com a maior
sinceridade.
A NOIVA E O
DRAGÃO XXXI
"Esse meu primo
não tem nada de discreto,
mas enviou-me uma boa
refeição...
Diga logo o que o
trouxe aqui,
antes que o use para
matar minha fome.
Wolfgang, com coragem,
foi direto:
"Você roubou
minha noiva, minha paixão
e foi por isso que até
aqui me dirigi,
pois a saudade por ela
me consome..."
Azdaya simplesmente sibilou:
"Ela está aqui, sim,
na minha barriga...
Será bem fácil você
juntar-se a ela:
no meu estômago tenho
ainda lugar..."
Mas Wolfgang nem um
pouco se assombrou:
"Você é obrigada
a seguir a lei antiga,
o Jogo das Perguntas,
rainha bela!..."
"Sou bela,
então?..." E começou a se mudar.
E logo transformou-se
em mulher linda.
"Se eu era bela
antes, que sou agora?"
"A mais formosa
de todas as rainhas,
mas a minha noiva
que devolva eu quero."
"Vai insistir
nessa tolice, ainda?
Por que não vem
beijar-me nesta hora?
Terás todas essas noivas
que são minhas
e mais as outras que
engolir ainda espero..."
A NOIVA E O
DRAGÃO XXXII
"Não, Azdaya, só vim buscar minha noiva
e já te apresentei meu
desafio!..."
"Pois muito bem,
se é isso que prefere:
Quais são as nozes que
chegam até o céu
e que tudo perfuram,
como a goiva?"
"São as vistas
humanas, em seu brio,
pois o olhar humano
tudo fere
e, como a goiva,
perfura qualquer véu!..."
E perguntou Wolfgang,
sem pensar:
"Qual é o mundo
que não tem pessoas,
que tem cidades, mas
não tem cavalos
e não tem árvores, mas
possui floresta
e não tem água, embora
tenha o mar?..."
Azdaya
riu-se. "São frases muito boas,
porém os seus
mistérios são bem ralos...
É um mapa!... Agora,
vê se me responde esta."
"Qual das coisas
do mundo é a mais doce
e ao mesmo tempo, de
todas a mais amarga?"
"Essa é a língua
humana, com certeza...
Como adivinhação, é
fraca ideia..."
Então responda, o
que a memória trouxe:
Como fazer a serpente
que se alarga,
mostrar as pernas que
lhe dão tanta leveza?"
"Fácil de novo, transforma-a
em centopeia!..."
A NOIVA E O
DRAGÃO XXXIII
"Mas com mais
esta eu sei que já te aperto:
Qual é a casa que não
tem janelas,
mas é habitada por
viva criatura?"
"Bem, se for
viva, é a casa de uma ave:
é um ovo, minha
querida, passou perto.
E qual é a casa que
possui costelas?"
"Ora, não passa
de humana sepultura;
ou a barrica de vinho,
em uma cave..."
"E qual é o corpo
que possui duas almas?"
Wolfgang já estava a
ponto de falar,
mas Paraskeva o
impediu e disse,
através da boca dele:
"Esse sou eu,
em mim há duas,
entrelaçadas como palmas...
Porém me diga: onde
posso eu encontrar
quem tem dois corpos,
sem que em qualquer se atice
alma nenhuma, em
benefício seu?"
Ora, Azdaya a resposta bem sabia,
mas era coisa que não
queria admitir:
que fosse feita tão só
de tempestade;
que ela mesma não
possuísse qualquer alma!
Perder o Jogo a isso
preferia:
"Nessa pergunta,
não posso consentir.
É contra as minhas
regras, na verdade,"
contestou, pretendendo
sentir calma...
A NOIVA E O
DRAGÃO XXXIV
"Bem, então, me
responda, se puder,
por que razão a tua
alma não reflete,
se te mostrar a face
de um espelho?..."
Tirou um da roupa e
refletiu só um negrume
de tempestade, sem
mostrar qualquer
traço de rosto ou de
corpo que o complete.
Bem nesse
instante, materializou-se um velho
e Azdaya retorceu-se de azedume.
"Que faz aqui,
malvado Tzimey?
Não tem direito de
novo jogo interferir!"
"Você perdeu,
disse-lhe Stepan Nemanja:
o que o rapaz lhe
pede, faça agora!..."
"Eu só não
respondi, porém eu sei!"
"De fato, só
procura se iludir...”
Seus olhos luzem, num
relâmpago laranja!
“Solte o corpo dessa
noiva nesta hora!..."
"Essas perguntas
foram armadilhas,
tenho direito a
responder mais uma!..."
"Você está a
quebrar a regra do Jogo!"
disse o velho e
transformou-se em Tzimey.
"As suas mentiras
são das nuvens filhas.
Se eu fizer chover,
matéria alguma
sobrará para seu
corpo. Entregue logo
a esposa desse
rapaz que eu ajudei!..."
A NOIVA E O
DRAGÃO XXXV
Porém a Lamya não queria se entregar
e disse Wolfgang:
"Apresento outra questão:
Diz de que jeito eu te
posso convencer!?"
E ela sabia, mas de
novo recusou-se.
"Pois então, se
não pretende confessar,
vou-lhe mostrar qual
seja a solução!..."
E da cintura foi a
vergasta destorcer
e a Azdaya começou a chicotear!...
O monstro começou a
contorcer-se
e já expedia relâmpago
e trovão!
Mas o chicote em que
estava Paraskeva,
com sete pontas a
feria fundo!...
E em vão ela tentava
defender-se
e sua garganta se
abriu, num repelão
e lá do fundo desse estômago
de treva
saíram jovens de
seu ventre imundo!...
Porém o Tzimey não aceitou nenhuma:
"Essas noivas
já foram todas enterradas:
seus corpos vão voltar
à sepultura!..."
E a cada corpo que
assim aparecia,
o Tzimey envolvia em branca espuma
e as devolvia aonde
foram raptadas...
Prosseguindo Wolfgang
com sua tortura,
finalmente Paraskeva à
luz surgia!...
A NOIVA E O
DRAGÃO XXXVI
E nesse instante, o
chicote desmanchou-se
e Paraskeva estava
inteira entre seus braços,
enquanto Azdaya de cólera rugia!...
Em São Simeão
transmutou-se o Tzimey
e a tempestade em
chuva transformou-se.
Trocaram os noivos
beijos e abraços;
de novo Stepan em
dragão se constituía:
"Montem em mim,
que agora os levarei!..."
E logo estavam os três
ante a caverna
e novamente transformou-se
no ermitão:
"Vão com minha
bênção!" E emitiu um estalo,
para chamar do relvado
a montaria.
E os abençoou de novo,
com voz terna:
"Sejam felizes e
conservem a tradição!..."
Wolfgang e Paraskeva
montaram no cavalo,
que bem depressa a
montanha já descia...
Foram felizes, tanto
quanto podiam ser
e Wolfgang amealhou
grande riqueza,
crescendo a aldeia, em
total prosperidade,
na qual viveram os
seus filhos e seus netos.
Mas a Bylina ainda nos faz saber
que a tradição é
mantida, com certeza,
pois outras Lamyas nascem da tempestade
e ainda
espreitam, pairando sobre os tetos!...
William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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