segunda-feira, 26 de outubro de 2015




O OURO DOS ANÕES & MAIS
Séries William Lagos 9-18 out 15

O OURO DOS ANÕES I – 23 jun 07

Até hoje persigo o pote de ouro,
que dizem se encontrar no fim do arco-íris.
E, se algum dia, algo de mim ouvires:
que eu desapareci, sem mais desdouro,

fiques certa que achei o imorredouro
prêmio encontrado sobre o vasto pires
que sustenta esse pote, em seus luzires,
desde que o tempo teve nascedouro...

Porque a pátina do tempo não marcou,
com seus dedos de geada, a recompensa.
Embora os anos passem, ainda há chances.

Talvez apenas um restolho que ficou,
depois que tantos descobriram sua presença,
mas nada disso impede que inda o alcances.

O OURO DOS ANÕES II – 9 OUT 15

A cada vez que um sonho entretiveres,
ele reluz na penumbra do desejo,
quer seja belo ou medíocre em seu pejo,
quer se o buscares ou se te abstiveres.

O sonho é teu e se o jamais colheres,
foi por falta de busca ou fraco adejo,
só tu mesma origem dás a tal ensejo,
terás o arco-íris somente se o prenderes...

E poderás granjear ouro em abastança,
pelo menos nos meandros de tua mente,
ainda que contra a vontade dos anões,

que seus potes defendem com pujança
e seus lugares não deixam, permanente,
em salvaguarda dessas tuas ambições...

O OURO DOS ANÕES III

A maioria das pessoas se acomoda,
após algumas décadas sem ouro,
vestindo fácil seu gibão de couro
da profissão com que sua vida a engoda,

quer escolhida, quer que seja a moda
que a carreira lhe impôs, coroa sem louro,
comércio, medicina. lei, desdouro
desse sonho inicial da antiga roda.

Sente que a vida é a mestra senhoril
e que lhes brande a fácil palmatória,
sendo difícil desistir do acostumado,

sonho encerrado na arca ou num barril,
abandonada a esperança peremptória,
nesse ouro falso que já tenha conseguido.

O OURO DOS ANÕES IV

Mas nós, poetas, só amamos o furtacor
das refrações da aurífera quimera,
essa nuance que de hora em hora altera,
o ouro em pote de barro ou de esplendor;

ouro ilusório, quiçá, qual falso amor,
que não se toma nas mãos qual dúctil cera,
que se derreta ao calor e, quem nos dera!
fosse mais longo em seu débil vigor...

Mas como a vela só dá luz ao derreter,
também o sonho só encanta enquanto dura,
tal qual desgasta-se o amor que se gozou;

corre o arco-íris, vai o ouro a se esconder,
arrastado por anões em desventura,
igual que a sinfonia que acabou...

TINTINÁBULO I [campainha] – 23 JUN 07

Há muita história de Cavaleiro Andante
que encafuado no bojo da armadura,
vai salvar sua princesa, na aventura
em que um dragão derrota triunfante.

Também existem histórias de centauros,
cavalos-homens, ditos semideuses:
a brotação bastarda de outros deuses,
ou grifos... que seriam pterosauros.

Pois, em minha vida, sempre cri nas fadas
e até as busquei, no meu entontecer:
no olhar de uma mulher ver, triunfante,

a perspectiva das deusas semialadas...
Mas após tantos castelos percorrer,
percebi ser somente um Bobo Andante...

TINTINÁBULO II (10 OUT 15)

O sino tange em seu bronze vigoroso,
ante o peso que lhe impõe o Frei Sineiro,
não o Irmão Jacques, no sono costumeiro,
mas qualquer outro em dever mais primoroso.

Com um ritmo constante e vagaroso
que atroa os ares, canhão já domingueiro,
que ensurdece em resultado derradeiro
o pobre monge no mister mais ardoroso...

Já o tintinabulo é apenas campainha,
de ritmo prateado e galopante,
que poderá tocar qualquer criança,

sem grande esforço, ou pendurada na cordinha
de alguma vaca... ou no chocalho claudicante
de um leproso a se arrastar sem esperança.,, (*)
(*) Traziam os leprosos chocalho no tornozelo para avisar de sua chegada.

TINTINÁBULO III

Hoje em dia os Cavaleiros estão parados,
vazias armaduras ou túmulos jacentes
a anunciar de quem os ossos são presentes,
talvez fantasmas em castelo aprisionados.

Alguns se espantam que sejam tão mirrados
esses exoesqueletos tão frequentes; (*)
dizem ser ornamentais os descendentes,
maiores sendo os seus antepassados...
(*) Esqueletos externos.

Mas não se veem mais esqueletos de dragões
que possam ir combater os adolescentes,
escondidos em manoplas e couraças,

nessa bravura de seus jovens corações,
que não sofreram feridas permanentes,
nem enfrentaram as mais feras desgraças!...

TINTINÁBULO IV

E como eu mesmo nem sequer cavalo
possua ou tenha para algum estrebaria,
sou cavaleiro tão só na fantasia
e apenas soo campainhas sem badalo;

porém meus sonhos não lancei ao ralo
e não me encontro sob a estátua que jazia
nem em armadura que a ferrugem enrustia,
mas os amo intensamente e sem abalo.

Hoje, sem dúvida, só dragões de fancaria
podemos enfrentar, como os chineses,
saracoteando em festas de Anos Novos;

só um Bobo Andante os enfrenta em valentia,
como aparecem também, algumas vezes,
nesses contos de fadas de outros povos...

REGRAS DA VIDA XXXII – 23 JUN 07

Não há razão para amputar os sentimentos
dentro da mente -- um resultado só
podemos conseguir -- tal como a mó
tritura a aveia em todos os momentos...

Esmagamos emoções dentro do peito,
porém passamos por ocasiões traumáticas:
por raiva e dor e sensações dramáticas,
por ansiedade e medo e por despeito...

E, mesmo conservando a dignidade,
não nos convém as dores represar,
nem, muito menos, fugir às alegrias...

Porque elas crescem na obscuridade,
vão aumentando até nos controlar
e dominar, enfim, os nossos dias...

TORRENTE EM GAMA I 24 JUN 07

O formato de invisível objeto
pode ser eventualmente deduzido
por deformar que tenha produzido
em outros corpos, pelo seu trajeto.

O dano que produz o imensurável
tem forma definida e até padrão:
causa furos e fendas, de raspão,
num corte definido e revelável...

Também assim ocorre a todos nós,
quando amor passa sem nos ser visível,
marcando furo e fenda ao coração.

Pois deixa trilha bem perceptível:
abre seu leito, da nascente à foz,
deixando um rastro de devastação.

TORRENTE EM GAMA II (11 OUT 15)

Contudo, quando amor é percebido,
deixa sua marca de forma mais visível,
seu rasgão no coração perceptível,
em corte bem mais largo e mais comprido;

e caso seja amor igual sentido,
logo se enche a fenda intransponível
com o amor alheio, tornado inamovível
nessa permuta de corte recebido.

E aquela parte que de nós foi recortada
vai preencher então o alheio talho,
na mesma proporção que nos foi dada,

mas se essa emoção for desprezada
sem achar no peito amado um agasalho,
apenas voa por aí, abandonada...

TORRENTE EM GAMA III

Que faz então o amor feito pedaço?
Irá flutuando pelos ares, solitário,
ainda em busca de algum peito solidário,
disposto a recebê-lo em seu abraço.

Contudo, pode ser distante o passo
e se amor entra em pouso atrabiliário,
deste longínquo rio percorre o estuário,
mas não chega realmente a formar laço,

pois de onde vem jamais se saberá
e quem nô-lo enviou nunca achará
o ninho quente em que tal voo se acolheu;

e ficam assim os corações magoados
por tais talhos de amor mal encaixados,
sem encontrar amor que seja seu...

TORRENTE EM GAMA IV

Conto um segredo: existe imensa revoada
desses amores mal correspondidos,
pelo espaço a vogar, ainda perdidos,
em suave estupro de solitária, apaixonada,

mas sem saber por quem, só enamorada
dessa torrente de cantos incontidos,
imensa gama de anseios malferidos,
também os homens fisgando desde o nada.

E cada olhar, já destarte apoquentado,
busca outro olhar na cor de sua ilusão,
mas não divisa a sua distante origem

e assim aceita o amor que encontra ao lado,
sem que adormeça a inquietude da paixão,
nem desvendando os motivos que o afligem...

RESPIGAS I – 28 JUN 07

O problema é crermos ser[em] reais
as emoções de nossos pensamentos...
(Sempre encarei os grandes sentimentos
como pretexto a versos imortais...

Assim, a cada dia, escrevo mais
e lanço as frases ao sabor dos ventos.
Melhor me fora expandir os desalentos
do que só me recolher, nesses fatais,

egotísticos casulos de paixões...)
Entregues a nós mesmos, sem jamais
realmente nos voltarmos para fora,

É que lançamos joio às ilusões, (*)
essas bestas domésticas... banais
restolhos espalhados pelo outrora.
(*) gramíneas associadas ao trigo, mas com espigas tóxicas.

RESPIGAS II – 12 OUT 15

Lançamos joio de mil ressentimentos
que na alma se criam ao invés de trigo;
por entre as plantações acham abrigo,
sem produzir os verdadeiros alimentos

para a alma ou para o corpo suplementos,
para o nosso porvir grande perigo;
tu não consegues, tampouco isso consigo:
ceifar tal joio de descontentamento.

Somos nós mesmos das tristezas os culpados
ou penetram dentro em nós ervas daninhas
nas quais penamos, em infeliz instante,

pois se enraízam em touceiras, amontoados
tais invasores, a piscar luzes mesquinhas
e ali se encontram em seu medrar constante.

RESPIGAS III

Contudo a origem do desfalecimento
se encontra em ti somente, nunca fora;
depois que o sonho já mandaste embora,
dessa ilusão já perdido o encantamento,

te sobra apenas o desvanecimento
e então alheia ilusão em ti aflora;
recordas muito mais tempos de outrora
de humilhações sem compadecimento.

Por mais que queiras abafar, elas retornam,
como urtigas picando na tua pele,
de dentro para fora em impudicícia

e com se repetir, também amornam
as boas lembranças, até que se enregele
toda a alegria nessa fossa de malícia.

RESPIGAS IV

Por isso, no cortar das hastes duras,
fazes questão de lembrar só bons momentos
e de abafar quaisquer padecimentos,
nesse invocar dos instantes de ternuras,

trazes da infância memórias nada puras,
dores queimadas por entorpecimentos,
desilusões já sufocadas em lamentos,
num agridoce travestir das amarguras.

Quando percorres a vasta plantação,
a tropeçar no joio onipresente,
querendo trigo ou centeio respigar,

então recolhes dentre ao coração
um ramalhete de ardor subjacente,
memórias falsas de prazer a desfrutar!...

O UMBIGO DE ADÃO I – 13 OUT 15

Durante séculos se travou disputa
sobre se Adão possuía ou não umbigo:
ao ser feito de argila o obreiro antigo
teria o dedo enfiado em ação arguta,

no centro de seu ventre, por conduta
que o tornasse semelhante ao Deus amigo.
Teria Deus também tal marca em seu abrigo
Universal, entre as estrelas, por permuta?

E quanto a Eva, oriunda da costela,
teria umbigo no seu ventre virginal?
Ou só os filhos que de seu corpo vinham?

Mil gerações a brotar do peito dela,
na incalculável rede umbilical
que nos conduz aos ancestrais que não os tinham!

O UMBIGO DE ADÃO II

Houve então sábio que a hipótese aventasse,
ao contemplar a Via Láctea interrompida
pelo “Saco de Carvão”, sem qualquer vida
estelar que nossos céus iluminasse,

que ali de Deus o umbigo se encontrasse,
imensa dúvida, porém jamais surgida
entre os gregos e romanos na incontida
Teogonia que a nós Hesíodo revelasse!... (*)
(*) Longo poema sobre  a origem dos deuses e dos homens.

O certo é que, na clássica estatuária,
que tantas vezes nos mostra os deuses nus,
seu umbigo lá está sempre presente...

Só surgiu dúvida sobre a argila atrabiliária,
ali um sopro a inserir da vida a luz,
sobre se viera com umbigo permanente...

O UMBIGO DE ADÃO III

Pitigrilli escreveu um livro inteiro
em torno desta temática confusa,
porem Athena, da sabedoria a musa,
nasceu do cérebro de Zeus, o deus primeiro.

E de sua coxa Dionyso, o pegureiro,
também nasceu, depois que Sêmele abusa
do amor que tem por Zeus e a prece escusa
então a extingue em fogo derradeiro!
(*) Sêmele, mãe de Dionyso, insistiu para ver Zeus em toda a sua glória.

Será que a deusa Athena tinha umbigo,
outro atributo de sua veraz sabedoria
e Dionyso, ao invés, em zombaria,

surgisse sem tal marca ter consigo?
Qual o proveito, afinal, dessa teológica
elucubração que, de fato, não tem lógica?

PASSOS SEM DONO I – 14 OUT 15

Quando meus dias em sombra transformaram,
Quando a paixão dissolveu-se na ternura,
Quando o mel derramou-se sem doçura
E quando toda a inspiração me retiraram,

Quando meu próprio corpo me assaltaram,
Quando a quimera em mim não mais perdura,
Quando minha força dissolveram na gordura
E até a memória pouco a pouco desgastaram,

Quando o caminho direto me roubaram,
Quando passei a palmilhar no escuro
E mesmo o som da música abafaram

Quando da cor as nuances misturaram,
Dados rolando a prever triste futuro,
Meus dias e noite então se embaralharam.

PASSOS SEM DONO II

Fui condenado a sofrer monotonia
Por qualquer crime que não cometi,
Intimado a esquecer o quanto cri,
Feita negror a aurora que surgia,

Quando era igual o som de cada dia,
Semelhante me tornei  a bem-te-vi,
Nessa igualdade do pranto que verti,
Nessa canção que toda noite repetia,

Quando eu marchava em senda transparente
E a meu redor somente via espelho,
Minha própria imagem tantas vezes repetida,

Quando vazio era o céu superjacente,
Nessa vaga imensidão eu me assemelho
À cinza pálida de uma nota percutida.

PASSOS SEM DONO III

Antes que fosse como diz-nos a Escritura,
Que cada dia a outro canta uma canção,
Sempre ouviria o bater do coração,
Melhor que o insosso é o gosta da amargura,

Se cada noite avivasse, bem escura,
Com outra noite conhecimento e relação,
Eu sentiria de permeio à solidão
Melhor que o vácuo ser picar de acupuntura.

Mas esta voz que hoje sopra nos meus dedos,
Neste momento, só sussurra depressão,
Porém resisto, em meus ossos encolhido,

Já prodiguei cada um de meus segredos
E nada resta a não ser a sensação
De cada passo num vácuo repetido...

PASSOS SEM DONO IV

De fato, o que me ocorre esta manhã,
A casa inteira a meu redor adormecida,
Mesmo na rua sequer alma sofrida,
Por um pedreiro em uma espera vã,

Tal qual se o mundo se tornasse em lã,
E os sons do mundo, em nota desvalida,
Emudecessem qual audição perdida,
Sem piar de pássaro, sem coaxar de rã.

Então me sinto qual se apenas eu restasse,
Transfixado no frio da madrugada,
Sem perceber ao menos os meus passos...

Tristes sonetos que melhor não elaborasse
Esta minha mente iludida e desolada,
Extinta a força sequer de seus abraços.

MEL CRUEL I – 15 OUT 15

Nem todo tom de amor é cor-de-rosa,
nem todo amor se expressa na canção,
nem todo amor esvazia o coração,
nem todo amor é por feição formosa,

mas todo amor alguma coisa tosa,
mas todo amor desfaz nossa razão,
mas todo amor produz certa exultação,
mas todo amor novo temor desposa,

que só amor o sangue mais apressa,
que só amor o egoísmo empalidece,
que só amor nos livra do marasmo,

mesmo esse amor que nunca se confessa,
mesmo esse amor que só a alma nos aquece,
mesmo esse amor que nunca traz orgasmo.

MEL CRUEL II

Pois todo amor em algo nos completa,
pois mesmo aquele que seja mais egoísta,
pois só voltado à ânsia da conquista,
pois sendo amor, à alma locupleta,

abre-se amor e nos envolve em tal dileta
nuvem de palha a que o vácuo não resista
e à temporária depressão desfaz a pista,
vazio preenche e a solidão afeta...

Mas quando amor se expande a outro amor,
alcança e se introduz em complacência,
mais se completa o ciclo desse amar,

não um cilindro tão somente de calor,
mas quadrilátero de concupiscência,
a cada vez mais forte em seu vibrar!...

MEL CRUEL III

De certo modo, se repete assim
o antigo mito das metades de Platão,
colando amor a um duplo coração,
na inflorescência suave de um jardim,

porém quando se separam, outrossim,
fica a escorrer essa cola de emoção,
que já foi doce, hoje só mel de zângão,
que a dor desperta em cruel toque de clarim.

Muito mais que pela morte, pela vida,
determinação novel do mesmo Zeus,
as duas metades a pingar seu sangue rosa

pois não mais sangue, corre linfa da ferida,
descendo apenas, sem subir aos céus,
em casto tom de cinza tenebrosa...

LENÇÓIS I – 16 OUT 15

ÀS VEZES. ATÉ PENSO RECORRER
AO NEFELIBATISMO E SÓ POR SOM
REDIGIR PENSAMENTOS NUM SÓ TOM,
SEM ME IMPORTAR SEQUER DE COMPREENDER,
MAS CADA VEZ QUE PENSO EM ESCREVER
TAL POEMA SONORO, APENAS COM
OS SONS IMITATIVOS, LOGO UM BOM
SONETO SE APRESENTA PARA SER
EXARADO POR SUA VEZ, AINDA QUE
NÃO APRESENTE CONTEÚDO VERDADEIRO,
MAS APENAS SE APRESENTE EM BOA FORMA
E MEUS DEDOS OBEDECEM AO PORQUÊ
DESSE RITMO PARA MIM JÁ CORRIQUEIRO,
QUE ATÉ AO SOLIPSISMO SE CONFORMA. (*)
(*) Afirmação de que só eu existo e que criei o mundo.

LENÇÓIS II

NEFELIBÁTICO SENDO, APENAS SOM
TRARIA À LUZ PALAVRAS INSENSATAS,
COMO OXÍMORO A FALAR EM SECAS MATAS, (*)
NUMA METÁFORA SALGADA DE BOMBOM;
FALARIA NO SILÊNCIO DO ALTISSOM
E NO VALOR SUBLIME DAS SUCATAS,
NA EDIÇÃO SINGULAR DE DUPLICATAS,
NA SINFONIA ESCRITA EM SEMITOM,
AS PALAVRAS DRAPEJANDO QUAIS LENÇÓIS,
NO TURBILHÃO DA TARDE SEM TER VENTO,
NA CANÇÃO DE UM CADÁVER DESOLADO,
FRASE COM FRASE PRESA POR ANZÓIS,
NO PRAZER AGRIDOCE DO TORMENTO,
EM MEU ÍNTEGRO CORAÇÃO ESPATIFADO.
(*) Contradição em termos.

LENÇÓIS III

MAS NÃO CONSIGO SER NEFELIBÁTICO,
PORQUE UM POEMA DEVE SER INTERPRETADO
E PELA COR DAS ALMAS VINDICADO,
QUER SEJA ALEGRE OU SEJA SORUMBÁTICO,
MESMO SEM TER UM SIGNIFICADO ENFÁTICO,
DE SETE SENTIMENTOS RECAPADO,
ALGUM SENTIDO DEVE SER COMUNICADO,
TALVEZ MAIS LEVE, QUIÇÁ SENDO DIDÁTICO;
MAS SE FOR TÃO SOMENTE IMAGERIA,
SEM PRETENDER A MENOR COMUNICAÇÃO,
MORRE A PALAVRA, ESTERTORANDO AO SOL,
SENTIDO VAGO QUE NADA A ALGUÉM DIRIA,
COMO A LUZ APAGADA DE UM FAROL,
SOMBRA FUGAZ E ISENTA DE EMOÇÃO.

GAIOLAS  DE  POESIA 1 – 17 OUT 15

Em gaiolas de poema ali forjado,
Teces sonetos de plantas suculentas
E depois, com certo orgulho, me apresentas
Palavras vivas em cada arranjo achado.

Ao invés de aprisionar pássaro alado,
Criar plantas aladas ali intentas,
Sem precisar de limpar essas nojentas
Flores de guano por ave derramado.

É de pensar que nessa rara porcelana
Das etcheverrias que de plástico parecem
Se encontra até bem mais que vegetal.

Dos dedos que ali plantam corre a flama
E mais que em simples corbelha se entretecem,
Tal qual se a grade fosse um berço natural.

GAIOLAS  DE  POESIA  2

Ela entrelaça essas mudinhas que criou
Sobre mantas de coco enfibrecido,
Com prendedores no solo ali contido,
Pois beija-flores verdes cultivou.

Cada florzinha singela que brotou
Em contraponto de chão enriquecido
Que as pétalas dos dedos têm cedido
Magia pura, como Flora, que imitou.

Por entre esse gradil elas espiam;
Não estão presas, qual seria um rouxinol,
Mas nos arames se enrolam e entremeiam.

Ovos de flor até parece que eclodiam
Sob o calor de suas mãos de sol
E quase escuto as plantas que gorjeiam!

GAIOLAS  DE  POESIA 3

Enquanto outros cerceiam liberdade
Às avezinhas, na ânsia de escutar
Por entre as jaulas seu doce palpitar,
São as plantas libertadas em bondade.

De cada pétala muda nova a marchetar,
Nessa escultura viva de saudade,
Um canto silencioso e sem maldade,
Sem pensar em olhos de ave perfurar,

Para que cantem melhor, só de cegueira,
Numa tristeza tornada multicor:
Antes as plantas refletem seu ardor,

Nessa pequena mata fazendeira,
Qual ave-lira em cauda de esplendor,
Filhas brotadas em gestação certeira!...

CORDAME I – 18 OUT 15

Antes havia tão somente areia
e o pingo verde que do céu brotou
bem no começo, só se evaporou,
sob o calor calcinante que incendeia.

Depois a chuva a tudo pastoreia
e então o solo, lentamente, despertou:
plantas de orvalho em mil botões formou,
cada lâmina de chuva em verde teia.

E numa imensa rede subterrânea.
correu a seiva por sob esse deserto,
espiando aqui e ali da pedra nua,

até chegar à luz contemporânea,
as finas hastes sussurrando perto,
firme gramado que finalmente estua.

CORDAME II

Eventualmente, alguma haste engrossa
e se torna em caniçal ou em tabua, (*)
depois um tronco se ergue como grua,
puxando o verde que no chão se empoça.
(*) Planta aquática de espigas marrons,cilíndricas, grossas e compactas.

E então produz os mil frutos com que adoça
o solo agora fértil sob a Lua,
plano esmeralda cobrindo a terra nua,
que a cada chuvarada se remoça.

Então surge dali outra semente,
arredondada monocotiledônea,
qual uma escama brotando da raiz

e após um dedo, na busca do sol quente,
também brotando dessa terra idônea,
planta de carne em róseo chafariz!...

CORDAME III

E desse brota empós a inteira mão,
puxando atrás de si um longo braço;
logo de um tronco humano surge o traço,
no palpitar de encarnado coração.

Logo depois, surge a cabeça em repelão,
mais outro braço completando o laço,
o baixo-ventre arrastando em seu abraço
e então duas pernas vêm deixar o chão!...

Ergue-se o Homem e se agacha, então,
trazendo à luz sua bela Companheira,
a um só tempo sua senhora e serva

e mil sementes de ambos brotarão,
nesse cordame de maravilhosa esteira,
que toda a carne é numinosa erva!...  (*)
(*) Divina, sagrada.