O OURO DOS ANÕES & MAIS
Séries William
Lagos 9-18 out 15
O OURO DOS
ANÕES I – 23 jun 07
Até hoje
persigo o pote de ouro,
que dizem
se encontrar no fim do arco-íris.
E, se
algum dia, algo de mim ouvires:
que eu
desapareci, sem mais desdouro,
fiques certa
que achei o imorredouro
prêmio
encontrado sobre o vasto pires
que
sustenta esse pote, em seus luzires,
desde que
o tempo teve nascedouro...
Porque a
pátina do tempo não marcou,
com seus
dedos de geada, a recompensa.
Embora os
anos passem, ainda há chances.
Talvez
apenas um restolho que ficou,
depois que
tantos descobriram sua presença,
mas nada
disso impede que inda o alcances.
O OURO DOS
ANÕES II – 9 OUT 15
A cada vez
que um sonho entretiveres,
ele reluz
na penumbra do desejo,
quer seja
belo ou medíocre em seu pejo,
quer se o
buscares ou se te abstiveres.
O sonho é
teu e se o jamais colheres,
foi por
falta de busca ou fraco adejo,
só tu
mesma origem dás a tal ensejo,
terás o
arco-íris somente se o prenderes...
E poderás
granjear ouro em abastança,
pelo menos
nos meandros de tua mente,
ainda que
contra a vontade dos anões,
que seus
potes defendem com pujança
e seus
lugares não deixam, permanente,
em
salvaguarda dessas tuas ambições...
O OURO DOS
ANÕES III
A maioria
das pessoas se acomoda,
após
algumas décadas sem ouro,
vestindo
fácil seu gibão de couro
da
profissão com que sua vida a engoda,
quer
escolhida, quer que seja a moda
que a
carreira lhe impôs, coroa sem louro,
comércio,
medicina. lei, desdouro
desse
sonho inicial da antiga roda.
Sente que
a vida é a mestra senhoril
e que lhes
brande a fácil palmatória,
sendo
difícil desistir do acostumado,
sonho
encerrado na arca ou num barril,
abandonada
a esperança peremptória,
nesse ouro
falso que já tenha conseguido.
O OURO DOS
ANÕES IV
Mas nós,
poetas, só amamos o furtacor
das
refrações da aurífera quimera,
essa
nuance que de hora em hora altera,
o ouro em
pote de barro ou de esplendor;
ouro
ilusório, quiçá, qual falso amor,
que não se
toma nas mãos qual dúctil cera,
que se
derreta ao calor e, quem nos dera!
fosse mais
longo em seu débil vigor...
Mas como a
vela só dá luz ao derreter,
também o
sonho só encanta enquanto dura,
tal qual
desgasta-se o amor que se gozou;
corre o
arco-íris, vai o ouro a se esconder,
arrastado
por anões em desventura,
igual que
a sinfonia que acabou...
TINTINÁBULO
I [campainha] – 23 JUN 07
Há muita
história de Cavaleiro Andante
que
encafuado no bojo da armadura,
vai salvar
sua princesa, na aventura
em que um
dragão derrota triunfante.
Também
existem histórias de centauros,
cavalos-homens,
ditos semideuses:
a brotação
bastarda de outros deuses,
ou
grifos... que seriam pterosauros.
Pois, em
minha vida, sempre cri nas fadas
e até as
busquei, no meu entontecer:
no olhar
de uma mulher ver, triunfante,
a
perspectiva das deusas semialadas...
Mas após
tantos castelos percorrer,
percebi
ser somente um Bobo Andante...
TINTINÁBULO
II (10 OUT 15)
O sino
tange em seu bronze vigoroso,
ante o
peso que lhe impõe o Frei Sineiro,
não o
Irmão Jacques, no sono costumeiro,
mas
qualquer outro em dever mais primoroso.
Com um
ritmo constante e vagaroso
que atroa
os ares, canhão já domingueiro,
que
ensurdece em resultado derradeiro
o pobre
monge no mister mais ardoroso...
Já o
tintinabulo é apenas campainha,
de ritmo
prateado e galopante,
que poderá
tocar qualquer criança,
sem grande
esforço, ou pendurada na cordinha
de alguma
vaca... ou no chocalho claudicante
de um
leproso a se arrastar sem esperança.,, (*)
(*) Traziam os leprosos chocalho no
tornozelo para avisar de sua chegada.
TINTINÁBULO
III
Hoje em
dia os Cavaleiros estão parados,
vazias
armaduras ou túmulos jacentes
a anunciar
de quem os ossos são presentes,
talvez
fantasmas em castelo aprisionados.
Alguns se
espantam que sejam tão mirrados
esses
exoesqueletos tão frequentes; (*)
dizem ser
ornamentais os descendentes,
maiores
sendo os seus antepassados...
(*) Esqueletos externos.
Mas não se
veem mais esqueletos de dragões
que possam
ir combater os adolescentes,
escondidos
em manoplas e couraças,
nessa
bravura de seus jovens corações,
que não
sofreram feridas permanentes,
nem
enfrentaram as mais feras desgraças!...
TINTINÁBULO
IV
E como eu
mesmo nem sequer cavalo
possua ou
tenha para algum estrebaria,
sou
cavaleiro tão só na fantasia
e apenas
soo campainhas sem badalo;
porém meus
sonhos não lancei ao ralo
e não me
encontro sob a estátua que jazia
nem em
armadura que a ferrugem enrustia,
mas os amo
intensamente e sem abalo.
Hoje, sem
dúvida, só dragões de fancaria
podemos
enfrentar, como os chineses,
saracoteando
em festas de Anos Novos;
só um Bobo
Andante os enfrenta em valentia,
como
aparecem também, algumas vezes,
nesses
contos de fadas de outros povos...
REGRAS
DA VIDA XXXII – 23 JUN 07
Não há
razão para amputar os sentimentos
dentro
da mente -- um resultado só
podemos
conseguir -- tal como a mó
tritura
a aveia em todos os momentos...
Esmagamos
emoções dentro do peito,
porém
passamos por ocasiões traumáticas:
por
raiva e dor e sensações dramáticas,
por
ansiedade e medo e por despeito...
E,
mesmo conservando a dignidade,
não nos
convém as dores represar,
nem,
muito menos, fugir às alegrias...
Porque
elas crescem na obscuridade,
vão
aumentando até nos controlar
e
dominar, enfim, os nossos dias...
TORRENTE
EM GAMA I – 24 JUN 07
O formato
de invisível objeto
pode ser
eventualmente deduzido
por
deformar que tenha produzido
em outros
corpos, pelo seu trajeto.
O dano que
produz o imensurável
tem forma
definida e até padrão:
causa
furos e fendas, de raspão,
num corte
definido e revelável...
Também
assim ocorre a todos nós,
quando
amor passa sem nos ser visível,
marcando
furo e fenda ao coração.
Pois deixa
trilha bem perceptível:
abre seu
leito, da nascente à foz,
deixando
um rastro de devastação.
TORRENTE EM GAMA II (11 OUT 15)
Contudo, quando amor é percebido,
deixa sua marca de forma mais visível,
seu rasgão no coração perceptível,
em corte bem mais largo e mais comprido;
e caso seja amor igual sentido,
logo se enche a fenda intransponível
com o amor alheio, tornado inamovível
nessa permuta de corte recebido.
E aquela parte que de nós foi recortada
vai preencher então o alheio talho,
na mesma proporção que nos foi dada,
mas se essa emoção for desprezada
sem achar no peito amado um agasalho,
apenas voa por aí, abandonada...
TORRENTE EM GAMA III
Que faz então o amor feito pedaço?
Irá flutuando pelos ares, solitário,
ainda em busca de algum peito solidário,
disposto a recebê-lo em seu abraço.
Contudo, pode ser distante o passo
e se amor entra em pouso atrabiliário,
deste longínquo rio percorre o estuário,
mas não chega realmente a formar laço,
pois de onde vem jamais se saberá
e quem nô-lo enviou nunca achará
o ninho quente em que tal voo se acolheu;
e ficam assim os corações magoados
por tais talhos de amor mal encaixados,
sem encontrar amor que seja seu...
TORRENTE
EM GAMA IV
Conto um
segredo: existe imensa revoada
desses
amores mal correspondidos,
pelo
espaço a vogar, ainda perdidos,
em suave
estupro de solitária, apaixonada,
mas sem
saber por quem, só enamorada
dessa
torrente de cantos incontidos,
imensa
gama de anseios malferidos,
também os
homens fisgando desde o nada.
E cada
olhar, já destarte apoquentado,
busca
outro olhar na cor de sua ilusão,
mas não
divisa a sua distante origem
e assim
aceita o amor que encontra ao lado,
sem que
adormeça a inquietude da paixão,
nem
desvendando os motivos que o afligem...
RESPIGAS I – 28 JUN 07
O problema é crermos ser[em] reais
as emoções de nossos pensamentos...
(Sempre encarei os grandes sentimentos
como pretexto a versos imortais...
Assim, a cada dia, escrevo mais
e lanço as frases ao sabor dos ventos.
Melhor me fora expandir os desalentos
do que só me recolher, nesses fatais,
egotísticos casulos de paixões...)
Entregues a nós mesmos, sem jamais
realmente nos voltarmos para fora,
É que lançamos joio às ilusões, (*)
essas bestas domésticas... banais
restolhos espalhados pelo outrora.
(*) gramíneas associadas ao trigo, mas
com espigas tóxicas.
RESPIGAS II – 12 OUT 15
Lançamos joio de mil ressentimentos
que na alma se criam ao invés de trigo;
por entre as plantações acham abrigo,
sem produzir os verdadeiros alimentos
para a alma ou para o corpo suplementos,
para o nosso porvir grande perigo;
tu não consegues, tampouco isso consigo:
ceifar tal joio de descontentamento.
Somos nós mesmos das tristezas os
culpados
ou penetram dentro em nós ervas daninhas
nas quais penamos, em infeliz instante,
pois se enraízam em touceiras, amontoados
tais invasores, a piscar luzes mesquinhas
e ali se encontram em seu medrar
constante.
RESPIGAS III
Contudo a origem do desfalecimento
se encontra em ti somente, nunca fora;
depois que o sonho já mandaste embora,
dessa ilusão já perdido o encantamento,
te sobra apenas o desvanecimento
e então alheia ilusão em ti aflora;
recordas muito mais tempos de outrora
de humilhações sem compadecimento.
Por mais que queiras abafar, elas
retornam,
como urtigas picando na tua pele,
de dentro para fora em impudicícia
e com se repetir, também amornam
as boas lembranças, até que se enregele
toda a alegria nessa fossa de malícia.
RESPIGAS IV
Por isso, no cortar das hastes duras,
fazes questão de lembrar só bons momentos
e de abafar quaisquer padecimentos,
nesse invocar dos instantes de ternuras,
trazes da infância memórias nada puras,
dores queimadas por entorpecimentos,
desilusões já sufocadas em lamentos,
num agridoce travestir das amarguras.
Quando percorres a vasta plantação,
a tropeçar no joio onipresente,
querendo trigo ou centeio respigar,
então recolhes dentre ao coração
um ramalhete de ardor subjacente,
memórias falsas de prazer a desfrutar!...
O UMBIGO DE ADÃO I – 13 OUT 15
Durante séculos se travou disputa
sobre se Adão possuía ou não umbigo:
ao ser feito de argila o obreiro antigo
teria o dedo enfiado em ação arguta,
no centro de seu ventre, por conduta
que o tornasse semelhante ao Deus amigo.
Teria Deus também tal marca em seu abrigo
Universal, entre as estrelas, por
permuta?
E quanto a Eva, oriunda da costela,
teria umbigo no seu ventre virginal?
Ou só os filhos que de seu corpo vinham?
Mil gerações a brotar do peito dela,
na incalculável rede umbilical
que nos conduz aos ancestrais que não os
tinham!
O UMBIGO DE ADÃO II
Houve então sábio que a hipótese
aventasse,
ao contemplar a Via Láctea interrompida
pelo “Saco de Carvão”, sem qualquer vida
estelar que nossos céus iluminasse,
que ali de Deus o umbigo se encontrasse,
imensa dúvida, porém jamais surgida
entre os gregos e romanos na incontida
Teogonia que a nós Hesíodo revelasse!...
(*)
(*) Longo poema sobre a origem dos deuses e dos homens.
O certo é que, na clássica estatuária,
que tantas vezes nos mostra os deuses
nus,
seu umbigo lá está sempre presente...
Só surgiu dúvida sobre a argila
atrabiliária,
ali um sopro a inserir da vida a luz,
sobre se viera com umbigo permanente...
O UMBIGO DE ADÃO III
Pitigrilli escreveu um livro inteiro
em torno desta temática confusa,
porem Athena, da sabedoria a musa,
nasceu do cérebro de Zeus, o deus
primeiro.
E de sua coxa Dionyso, o pegureiro,
também nasceu, depois que Sêmele abusa
do amor que tem por Zeus e a prece escusa
então a extingue em fogo derradeiro!
(*) Sêmele, mãe de Dionyso, insistiu para
ver Zeus em toda a sua glória.
Será que a deusa Athena tinha umbigo,
outro atributo de sua veraz sabedoria
e Dionyso, ao invés, em zombaria,
surgisse sem tal marca ter consigo?
Qual o proveito, afinal, dessa teológica
elucubração que, de fato, não tem lógica?
PASSOS
SEM DONO I – 14 OUT 15
Quando
meus dias em sombra transformaram,
Quando
a paixão dissolveu-se na ternura,
Quando
o mel derramou-se sem doçura
E
quando toda a inspiração me retiraram,
Quando
meu próprio corpo me assaltaram,
Quando
a quimera em mim não mais perdura,
Quando
minha força dissolveram na gordura
E
até a memória pouco a pouco desgastaram,
Quando
o caminho direto me roubaram,
Quando
passei a palmilhar no escuro
E
mesmo o som da música abafaram
Quando
da cor as nuances misturaram,
Dados
rolando a prever triste futuro,
Meus
dias e noite então se embaralharam.
PASSOS
SEM DONO II
Fui
condenado a sofrer monotonia
Por
qualquer crime que não cometi,
Intimado
a esquecer o quanto cri,
Feita
negror a aurora que surgia,
Quando
era igual o som de cada dia,
Semelhante
me tornei a bem-te-vi,
Nessa
igualdade do pranto que verti,
Nessa
canção que toda noite repetia,
Quando
eu marchava em senda transparente
E
a meu redor somente via espelho,
Minha
própria imagem tantas vezes repetida,
Quando
vazio era o céu superjacente,
Nessa
vaga imensidão eu me assemelho
À
cinza pálida de uma nota percutida.
PASSOS
SEM DONO III
Antes
que fosse como diz-nos a Escritura,
Que
cada dia a outro canta uma canção,
Sempre
ouviria o bater do coração,
Melhor
que o insosso é o gosta da amargura,
Se
cada noite avivasse, bem escura,
Com
outra noite conhecimento e relação,
Eu
sentiria de permeio à solidão
Melhor
que o vácuo ser picar de acupuntura.
Mas
esta voz que hoje sopra nos meus dedos,
Neste
momento, só sussurra depressão,
Porém
resisto, em meus ossos encolhido,
Já
prodiguei cada um de meus segredos
E
nada resta a não ser a sensação
De
cada passo num vácuo repetido...
PASSOS
SEM DONO IV
De
fato, o que me ocorre esta manhã,
A
casa inteira a meu redor adormecida,
Mesmo
na rua sequer alma sofrida,
Por
um pedreiro em uma espera vã,
Tal
qual se o mundo se tornasse em lã,
E
os sons do mundo, em nota desvalida,
Emudecessem
qual audição perdida,
Sem
piar de pássaro, sem coaxar de rã.
Então
me sinto qual se apenas eu restasse,
Transfixado
no frio da madrugada,
Sem
perceber ao menos os meus passos...
Tristes
sonetos que melhor não elaborasse
Esta
minha mente iludida e desolada,
Extinta
a força sequer de seus abraços.
MEL CRUEL I – 15 OUT 15
Nem todo tom de amor é cor-de-rosa,
nem todo amor se expressa na canção,
nem todo amor esvazia o coração,
nem todo amor é por feição formosa,
mas todo amor alguma coisa tosa,
mas todo amor desfaz nossa razão,
mas todo amor produz certa exultação,
mas todo amor novo temor desposa,
que só amor o sangue mais apressa,
que só amor o egoísmo empalidece,
que só amor nos livra do marasmo,
mesmo esse amor que nunca se confessa,
mesmo esse amor que só a alma nos aquece,
mesmo esse amor que nunca traz orgasmo.
MEL CRUEL II
Pois todo amor em algo nos completa,
pois mesmo aquele que seja mais egoísta,
pois só voltado à ânsia da conquista,
pois sendo amor, à alma locupleta,
abre-se amor e nos envolve em tal dileta
nuvem de palha a que o vácuo não resista
e à temporária depressão desfaz a pista,
vazio preenche e a solidão afeta...
Mas quando amor se expande a outro amor,
alcança e se introduz em complacência,
mais se completa o ciclo desse amar,
não um cilindro tão somente de calor,
mas quadrilátero de concupiscência,
a cada vez mais forte em seu vibrar!...
MEL CRUEL III
De certo modo, se repete assim
o antigo mito das metades de Platão,
colando amor a um duplo coração,
na inflorescência suave de um jardim,
porém quando se separam, outrossim,
fica a escorrer essa cola de emoção,
que já foi doce, hoje só mel de zângão,
que a dor desperta em cruel toque de
clarim.
Muito mais que pela morte, pela vida,
determinação novel do mesmo Zeus,
as duas metades a pingar seu sangue rosa
pois não mais sangue, corre linfa da
ferida,
descendo apenas, sem subir aos céus,
em casto tom de cinza tenebrosa...
LENÇÓIS I – 16 OUT 15
ÀS VEZES. ATÉ PENSO RECORRER
AO NEFELIBATISMO E SÓ POR SOM
REDIGIR PENSAMENTOS NUM SÓ TOM,
SEM ME IMPORTAR SEQUER DE COMPREENDER,
MAS CADA VEZ QUE PENSO EM ESCREVER
TAL POEMA SONORO, APENAS COM
OS SONS IMITATIVOS, LOGO UM BOM
SONETO SE APRESENTA PARA SER
EXARADO POR SUA VEZ, AINDA QUE
NÃO APRESENTE CONTEÚDO VERDADEIRO,
MAS APENAS SE APRESENTE EM BOA FORMA
E MEUS DEDOS OBEDECEM AO PORQUÊ
DESSE RITMO PARA MIM JÁ CORRIQUEIRO,
QUE ATÉ AO SOLIPSISMO SE CONFORMA. (*)
(*) Afirmação de que só eu existo e que
criei o mundo.
LENÇÓIS II
NEFELIBÁTICO SENDO, APENAS SOM
TRARIA À LUZ PALAVRAS INSENSATAS,
COMO OXÍMORO A FALAR EM SECAS MATAS, (*)
NUMA METÁFORA SALGADA DE BOMBOM;
FALARIA NO SILÊNCIO DO ALTISSOM
E NO VALOR SUBLIME DAS SUCATAS,
NA EDIÇÃO SINGULAR DE DUPLICATAS,
NA SINFONIA ESCRITA EM SEMITOM,
AS PALAVRAS DRAPEJANDO QUAIS LENÇÓIS,
NO TURBILHÃO DA TARDE SEM TER VENTO,
NA CANÇÃO DE UM CADÁVER DESOLADO,
FRASE COM FRASE PRESA POR ANZÓIS,
NO PRAZER AGRIDOCE DO TORMENTO,
EM MEU ÍNTEGRO CORAÇÃO ESPATIFADO.
(*) Contradição em termos.
LENÇÓIS III
MAS NÃO CONSIGO SER NEFELIBÁTICO,
PORQUE UM POEMA DEVE SER INTERPRETADO
E PELA COR DAS ALMAS VINDICADO,
QUER SEJA ALEGRE OU SEJA SORUMBÁTICO,
MESMO SEM TER UM SIGNIFICADO ENFÁTICO,
DE SETE SENTIMENTOS RECAPADO,
ALGUM SENTIDO DEVE SER COMUNICADO,
TALVEZ MAIS LEVE, QUIÇÁ SENDO DIDÁTICO;
MAS SE FOR TÃO SOMENTE IMAGERIA,
SEM PRETENDER A MENOR COMUNICAÇÃO,
MORRE A PALAVRA, ESTERTORANDO AO SOL,
SENTIDO VAGO QUE NADA A ALGUÉM DIRIA,
COMO A LUZ APAGADA DE UM FAROL,
SOMBRA FUGAZ E ISENTA DE EMOÇÃO.
GAIOLAS
DE POESIA 1 – 17 OUT 15
Em gaiolas de poema ali forjado,
Teces sonetos de plantas suculentas
E depois, com certo orgulho, me
apresentas
Palavras vivas em cada arranjo achado.
Ao
invés de aprisionar pássaro alado,
Criar
plantas aladas ali intentas,
Sem
precisar de limpar essas nojentas
Flores
de guano por ave derramado.
É de pensar que nessa rara porcelana
Das etcheverrias que de plástico parecem
Se encontra até bem mais que vegetal.
Dos
dedos que ali plantam corre a flama
E mais
que em simples corbelha se entretecem,
Tal
qual se a grade fosse um berço natural.
GAIOLAS
DE POESIA 2
Ela entrelaça essas mudinhas que criou
Sobre mantas de coco enfibrecido,
Com prendedores no solo ali contido,
Pois beija-flores verdes cultivou.
Cada
florzinha singela que brotou
Em
contraponto de chão enriquecido
Que as
pétalas dos dedos têm cedido
Magia
pura, como Flora, que imitou.
Por entre esse gradil elas espiam;
Não estão presas, qual seria um rouxinol,
Mas nos arames se enrolam e entremeiam.
Ovos de
flor até parece que eclodiam
Sob o
calor de suas mãos de sol
E quase
escuto as plantas que gorjeiam!
GAIOLAS
DE POESIA 3
Enquanto outros cerceiam liberdade
Às avezinhas, na ânsia de escutar
Por entre as jaulas seu doce palpitar,
São as plantas libertadas em bondade.
De cada
pétala muda nova a marchetar,
Nessa
escultura viva de saudade,
Um
canto silencioso e sem maldade,
Sem
pensar em olhos de ave perfurar,
Para que cantem melhor, só de cegueira,
Numa tristeza tornada multicor:
Antes as plantas refletem seu ardor,
Nessa
pequena mata fazendeira,
Qual
ave-lira em cauda de esplendor,
Filhas
brotadas em gestação certeira!...
CORDAME I – 18 OUT 15
Antes havia tão somente areia
e o pingo verde que do céu brotou
bem no começo, só se evaporou,
sob o calor calcinante que incendeia.
Depois a chuva a tudo pastoreia
e então o solo, lentamente, despertou:
plantas de orvalho em mil botões formou,
cada lâmina de chuva em verde teia.
E numa imensa rede subterrânea.
correu a seiva por sob esse deserto,
espiando aqui e ali da pedra nua,
até chegar à luz contemporânea,
as finas hastes sussurrando perto,
firme gramado que finalmente estua.
CORDAME II
Eventualmente, alguma haste engrossa
e se torna em caniçal ou em tabua, (*)
depois um tronco se ergue como grua,
puxando o verde que no chão se empoça.
(*) Planta aquática de espigas
marrons,cilíndricas, grossas e compactas.
E então produz os mil frutos com que
adoça
o solo agora fértil sob a Lua,
plano esmeralda cobrindo a terra nua,
que a cada chuvarada se remoça.
Então surge dali outra semente,
arredondada monocotiledônea,
qual uma escama brotando da raiz
e após um dedo, na busca do sol quente,
também brotando dessa terra idônea,
planta de carne em róseo chafariz!...
CORDAME III
E desse brota empós a inteira mão,
puxando atrás de si um longo braço;
logo de um tronco humano surge o traço,
no palpitar de encarnado coração.
Logo depois, surge a cabeça em repelão,
mais outro braço completando o laço,
o baixo-ventre arrastando em seu abraço
e então duas pernas vêm deixar o chão!...
Ergue-se o Homem e se agacha, então,
trazendo à luz sua bela Companheira,
a um só tempo sua senhora e serva
e mil sementes de ambos brotarão,
nesse cordame de maravilhosa esteira,
que toda a carne é numinosa erva!... (*)
(*) Divina, sagrada.