segunda-feira, 19 de outubro de 2015





AMRAPHEL & MAIS
Séries William Lagos, 29 set / 8 out 15

AMRAPHEL I – 29 SET 15

durante o calor
meu sangue engrossa qual fora xarope
e o sangue espesso
não corre pelas veias como deve
torna-se papa
e minhas artérias plenamente ensopa
nesse mingau
alimentar-se diariamente mal me atrevo
mesmo meus olhos
esse caldo leitoso quase entope
e meus ouvidos
escutam mais o zumbido dos mosquitos
por mais que eu faça
e me proteja ainda tenho faniquitos
ante a agressão
desse coro triunfante de vampiros
ainda pressinto
ser derrotado
sempre marcado
por sugamento
pois não pertenço a tal calor decerto
e é para o frio que trago o peito aberto

AMRAPHEL II

Amraphel, num velho dia
reinou na antiga terra de Shinar
que hoje chamam
de Suméria, com maior exatidão
somente a Bíblia
é que cita esse nome altissonante
e até o Talmude
o identifica com o caçador Nimrod
e juntamente
com Chedorlaomer o rei de Elam
ele veio à Palestina
derrotar o exército de Sodoma
e de Gomorra
Admah e Zeboiim em cruel batalha
bem antes que
fossem queimadas pelo fulgor celeste
também quiseram
identificar o rei
com Hammurabi
e com Aralius,
mas estes foram bastante posteriores
a governar de Babilônia os esplendores

AMRAPHEL III

como Amraphel
reinou sobre as areias do deserto
assim eu reino
sobre as agruras de qualquer verão
e sempre rogo
que meu tormentador seja punido,
por mais que hoje
dele não possa realmente me queixar
talvez Apollo
fique com raiva dessa interferência
e mande embora
a deusa Plúvia que me está a proteger
e com vingança
de novo implante aqui canícula de matar
e realmente
me ocultarei
sob os telhados
ante o ventilador
muito mais a lamentar este calor
que aquele frio que para outrem é um horror

FALECIDOS I – 30 SET 15

Desânimo é a palavra no verão
que mais define o que sinto e que me empolga:
não é cansaço nem busca de uma folga,
mas simplesmente o desardor da despaixão...

Nem sequer chega a ser desilusão,
pois trabalhar ainda consigo nesse ambiente,
por mais que seja o tempo impertinente
e mesmo a máquina empaque sem razão!

Porém me vejo afogado na impressão
de que não passo de estilhaço de mim mesmo,
um caco apenas do que no inverno eu fui;

mais lentamente me bate o coração,
na ebulição que se imiscui a esmo,
gaseificando meu sangue que reflui...

FALECIDOS II

Durante o inverno sempre fico mais ativo,
meu corpo inteiro reage contra o frio,
a energia a fluir-me em vasto rio:
torno-me assim perfeitamente redivivo

e do trabalho ferozmente corto o crivo,
firme o galeão da gávea até o lio, (*)
chuva e saraiva a enfrentar com todo o brio:
da tempestade sou vencedor esquivo.

Pouco me importam os calores falecidos
e até prefiro que os suores façam greve!
Caminho lesto e a labutar me agito!...

Se dois invernos me fossem concedidos
a cada ano!  E só o outono então se atreve
a primavera a dominar sem dar um grito!...
(*) De alto a baixo.

FALECIDOS III

Atípico sendo embora o ano atual,
já que adoeci no inverno, por motivo
de outra etiologia e não por vivo (*)
encolher-me ante o frio bem natural.

Porém sobrevivi e aqui revivo,
saudando o belo frio artificial
que para mim, ao menos, não faz mal,
embora eu seja do calor cativo...

Somente espero que esta melopeia
não desperte de Plúvia algum desdém...
Oh, deusa antiga, aceita a minha prece

de ação de graças pelo clima que se arqueia
e ainda me envie os frios que ele contém,
enquanto a chuva em seu pingar falece...
(*) Causa de uma doença qualquer.

baraço I – 22 JUN 07

a vida é como a web -- imensa teia
desses fios coriscantes e fugazes.
parecem soltos, mas presos por tenazes
se acham uns aos outros, numa alheia,

enfarruscada e cruel tapeçaria.
quando nos conectamos, nos parece
que o sistema é um servo e que obedece:
que, humildemente, nos atenderia.

mas quando  fios se estendem e entrelaçam
no hiperespaço, as ligações se firmam,
sem conceder a mínima atenuante...

e não adianta aguardar que se desfaçam
os tais novelos, que apenas se confirmam,
ao tentarmos encontrar nosso barbante...

BARAÇO II –1º outubro 2015

entrei inteiro em meu computador,
como um super-herói de revistinha:
ou no poder que Peter Parker tinha,
teia lançando dos pulsos com vigor...

mas não tentei fazer nada de valor:
salvar o mundo! só coisa mais mesquinha
somente pixeis a minha mão sustinha
e transformou-se neles sem temor.

fui percorrendo a web, transformado,
enquanto fluxos a meu redor passavam,
num esforço por manter-me em linha reta.

porém me vi por mil mentes acessado,
tantos teclados que me modificavam,
a cada vez que um impulso se completa!...

baraço iii

e nessa multidão, mil usuários,
programas a chamar além de mim,
emaranhando no digital jardim,
fui sendo absorvido em pontos vários,

nesse clicar de cantos multifários,
entrelaçado nos requisitos do sem-fim,
tornei-me trança nesse enredo, enfim,
meus pensamentos confusos e contrários.

uma parte de mim foi à Inglaterra,
outra perdeu-se na jângal amazônica
e já nem sei distinguir meus próprios traços

nesta secreta e perdulária guerra
molecular independência atômica,
nas lianas verdigris de meus baraços!...

baraço IV

mas sempre posso meu programa completar
e me puxar de volta para a tela,
escapando destarte da procela
que em mil destinos queria-me lançar;

porém da vida real a me esmagar
em pixeis concretos sob a sela
da égua noturna ou perante branda vela (*)
não me consigo jamais desvencilhar.

minha vida entrelaçada a outras vidas,
meus sonhos concretados em cimento,
meus fios contidos no baraço de novelos

e não me posso desligar dessas sofridas
realidades de meu padecimento,
por mais que hoje me esforce por perdê-los!
(*) PESADELOS, EM INGLÊS, “NIGHTMARES”.

AD BESTIAS I – 23 junho 2007

Sou estrangeiro numa alheia plaga,
escravo das perdidas emoções,
retidas nos antigos corações
dos corpos que habitei; e que se indaga

por que se encontra nas fauces desta vaga
exaltação fugaz de encarnações,
exultação amorfa de ilusões,
cerceadas pelos golpes desta adaga,

cujo fio, afinal, foi embotado
pelos esforços de escolher a vida,
mas que ainda corta, em talho lancinante,

mais doloroso, por ser enferrujado
o seu gume, a cada finta desferida
contra meu peito, em golpe triunfante.

AD BESTIAS II – 2 OUT 15

Na verdade, foi o efeito de mil lendas
esse jogar às bestas dos cristãos;
bem raramente o real das ocasiões,
encaradas por patrícios sob vendas.

Havia combates, sim, nessas prebendas,
não provocados por suas religiões...
Que graça havia em alimentar leões
com pessoas ajoelhadas nessas sendas?

AD BESTIAS III

É certamente muito mais interessante
ver as bestas criminosos perseguindo,
enquanto a plebe os contemplava, rindo,
que salmodias entoadas nesse instante.

O testemunho de fato mais gritante
de seus contemporâneos consistindo
foi de Calígula, por desfastio, sorrindo
lançar à arena parte da turba hiante,

escoltada por muitos pretorianos,
pelo desprezo que dos súditos sentia,
ao assistir o prazer daquela turba,

decerto o grupo que mais da morte alheia ria,
sem que qualquer religião assim conturba,
mas tão só por seus caprichos mais insanos.

AD BESTIAS IV

Assim me vejo, de forma semelhante
a alguma arena lançado pela vida,
por capricho de potência mal havida,
sem qualquer outra razão predominante,

salvo os fados oscilando, na inconstante
maré vazia, mas sempre repetida;
sem bem ou mal em vaga assim contida,
indiferente o luar ao meu talante,

já que aqueles que meus cordéis manejam
nem imaginam que eu tenha sentimentos,
não mais que quaisquer outras marionetes,

muito embora, geralmente, me protejam,
mas somente a preservar investimentos,
sem que os fantoches se desfaçam em confetes...

SETE DE UM GOLPE I – 23 jun 07

Não me agrada o verão.  Meu organismo
adequou-se para outra glaciação,
como viveram, na antiga geração,
meus velhos ancestrais, em solecismo...

E quando aquece, nem sequer eu cismo.
Eu me derreto, em longa sudação.
Sentimentos não nutro e nem razão
encontro para tanto barbarismo...

Fico apenas perdido no mormaço,
sem energia e sem qualquer vontade,
sequer de redigir mais estas linhas...

Em meus próprios calores me embaraço:
mato mosquitos, com tenacidade,
por preservar hemácias que são minhas...

SETE DE UM GOLPE II – 03 OUT 15

Mas deste ano não posso me queixar,
mesmo calor a intrometer-se pelo inverno,
não houve nada a relembrar-me o fogo interno
que das paredes parecesse ainda emanar...

Sei que no centro do país está um inferno,
falta de chuvas, termômetro a estourar...
Mas jamais quis em fluminense me tornar,
nem sinto pelo time algo mais terno...

Porém tivemos por aqui fortes verões,
como de atroz ebulição eterna...
Mas este outubro mostra índole diversa;

não que queira criticar oposições,
só me parece que chegou a Prima Verna,
a Prima Vera em férias ainda imersa...

SETE DE UM GOLPE III

E à Prima Verna recebo muito bem:
debaixo de meu poncho tem lugar,
sempre a posso às escondidas abraçar,
sem que nos vejam e levantem um porém...

A Prima Vera tem seu lado bom, também,
especialmente para as flores vigorar;
mas neste clima permanecem a medrar,
só a encolher-se quando o granizo vem...

A Prima Vera fez um trato com o Inverno
e deixou que seu primo fosse à praia,
enquanto ela dominava a atmosfera...

Mas retornou seu parente, em nada terno,
correu a Prima Vera, em forte vaia
e ela encolheu-se ante a tremenda fera...

SETE DE UM GOLPE IV

Mas foi Saraiva que o golpe desferiu,
quebrando sete telhas num reponte,
entre as glicínias a despencar um monte
e de um tapete lilás o chão cobriu...

E na lona do escritório ainda surgiu
largo rasgão que de goteira será a fonte;
colei ali esparadrapo como ponte:
trocar a lona alguém me sugeriu...

Porém agora, que não para de chover,
as telhas úmidas rachariam sob os pés:
Sete de um Golpe então se quebrariam...

Melhor a espera por Prima Vera aparecer
e que não venha raivosa a impor as fés
de um calorão que meus poros abririam...
  
NO ENCALÇO DO INVERNO I – 23 junho 2007

Apressa-se o verão que, para mim
é a estação mais odiada em cada ano.
Prefiro o frio – pois o calor é desumano:
foi o minuano que me fez assim...

Antigamente, os dias bem mais frios
me pareciam.   A cada ano que passa,
olho insistente através de minha vidraça
e vejo a chuva fraca, enquanto rios

costumavam correr pelas sarjetas,
mês após mês.  E o frio vinha com elas,
soprado pelo vento recortante.

Porém agora, as nuvens são discretas
e as tempestades não são mais aquelas
que costumavam regelar o viandante...

NO ENCALÇO DO INVERNO II – 04 OUT 15

Contudo Plúvia as minhas preces atendeu:
rindo de mim, de seus dotes abusou,
muito mais chuva que pedi me derramou,
vi das goteiras o cintilante véu...

E se a bandeira se espelhasse neste céu,
seria cinzento esse globo que mostrou
há tantas gerações, quando estrelas colocou
ao invés das nuvens que agora concedeu...

Bem poderia o nosso Governador
vender chuvas para o centro do país,
em navios-tanque, a fim de preencher

reservatórios ressecados por calor,
já que a meteorologia ainda nos diz
que muitas mais ainda iremos receber!

NO ENCALÇO DO INVERNO III

E com frequência me vejo em casa preso!
Não sou de açúcar e nem sequer de sal,
por mim escorre a chuva igual cristal,
porém não sei se escaparia ileso

dos vastos enxurrais – talvez fique indefeso
perante os turbilhões que num caudal
tornam-se às vez, por horas, afinal,
sobre os quais devo dar um salto teso!...

E se escorrego e perco meu sentido,
caído o rosto direto na sarjeta,
talvez então me afogue em terra seca!

Qual no famoso evento transmitido
de um nadador a quem o uísque afeta
e se afogou, como em castigo de quem peca!

NO ENCALÇO DO INVERNO IV

A meu redor eu vejo os familiares
a se queixar do frio que nunca passa
ou dos sinais eletrônicos que embaça
a tempestade, com raios aos milhares.

Mas não vou manifestar iguais pesares:
o meu computador ainda me engraça
e se cai raio e mal espero que me faça,
já meu no-break desligo contra azares...

Pois telefone eu uso raramente:
embora pague aqui diversas linhas,
eu até hoje não comprei um celular...

Por isso a Plúvia agradeço francamente
por tudo o frio que me trazem nuvenzinhas,
que desde a Antártida vieram-me molhar!...

SEGUIDORES I – 05 OUTUBRO 15

Em muitas casas da cidade já notei,
junto às entradas, tijoleta torta;
superstição decerto isto comporta,
mas a razão exata ainda não sei...

Porém pesquisa acurada eu não farei,
seria alguma proteção perto da porta;
com mau-olhado decerto é que se importa,
mas sendo ou não correto o aceitarei...

Julgo que antigos teriam qualquer razão
no seu originar de tal costume,
por mais estranho que se nos aparente...

E se uns insistem em tal repetição,
decerto trazem em sua mente o lume
de um resultado que hoje pouco se pressente...

SEGUIDORES II

Carlo Collodi apresenta um personagem
que com o seu Pinocchio contracena
(é bem comum retirarem esta cena,
pois medo causa talvez esta abordagem).

Pinocchio bate à sua porta com coragem
e lhe respondem, sem a menor pena:
“Todos estão mortos aqui, em sua condena.”
É a mesma voz da fada azul de sua miragem.

“Mas eu quero ver você,” diz o boneco.
“Eu também estou morta,’ diz a voz,,,
Pobre Pinocchio!  Pois se sente abandonado,

no coração de madeira um medo seco,
não dessa morte, que da vida ele anda empós,
mas de jamais realizar seu sonho alado...

SEGUIDORES III

Em histórias de fadas numerosas aparecem
personagens já mortos, seguidores,
que geralmente também são ajudadores,
pois aos heróis ou heroínas favorecem:

algumas instruções ou mapas tecem,
para vencer os seus perseguidores:
um cura o cego com a água dos suores
ou do orvalho que em suas pernas permanecem

e um esqueleto cede um par de ossos
para o herói confeccionar mágicos dados,
com os quais vencerá o espertalhão,

que o enganara, empregando chumbos grossos
nos próprios dados, a truncar os fados
e em consequência o lançara na prisão.

SEGUIDORES IV

E tais histórias, longe de assustar,
se destinam a vencer os atavismos,
esses medos infantis cujos modismos
permanecem cada adulto a incomodar.

Assim, quem sabe, tais ladrilhos a entortar
querem fantasmas levar a descaminhos:
do antigo lar já não conhecem os caminhos,
por mais que queiram lá de novo retornar!

Longas volutas pelas ruas a flutuar,
sem conseguir vencer a sua saudade,
afugentados pela luz da aurora;

os tais ladrilhos invertidos a indicar
falsas veredas para sua insanidade,
expulsados para as tumbas nessa hora.

DONO DO CÉU I – 06 OUT 15

Todo soneto pede um certo investimento,
em saquitéis do ouro da emoção
ou sentimentos em cristalização:
o imaginário recolhido em sedimento,

sonho acordado em mágico momento,
um devaneio de total submissão,
quimera em pluma de suave flutuação,
na irrealidade de seu concretamento.

Sonhos da noite, o mundo a percorrer
contra a cortina rosa das pestanas,
febres silentes em sua própria projeção;

difícil mesmo ao sonhador se convencer
que o lusco-fusco dessas persianas
é mais real que seu próprio coração!...

DONO DO CÉU II

Mas é preciso um total assentimento,
enquanto superpõe-se essa paisagem,
após mover-se nesse mundo de visagem
durante horas a fio de encantamento.

Não é de admirar que tal assento
seja buscado como real miragem
e que o provoquem por ânsia de vadiagem,
na fuga plena a uma vida de tormento!

Nem todos sonham com tal facilidade:
há quem só nutra terríveis pesadelos,
nas “más viagens” por narcótico induzidas,

muito concreta sua espiritualidade,
em que demônios roem os seus desvelos
e distribuem torturas malqueridas...

DONO DO CÉU III

Porém meus sonhos são repletos de riqueza:
visito amigos e mulheres que não vi,
que neste mundo de cá não conheci,
nessas cidades de mui real beleza...

Sonhos de voo na mais plena realeza,
sonhos de mares em que jamais eu cri,
sonhos de areia a escorrer-me ali,
solidamente, em vasto anseio de nobreza.

E quando subo ao céu, feito um condor,
na plenitude das perdidas energias,
o céu é meu, a mastigar aos nacos,

lápis-lazúli em inexorável esplendor,
quetzalcoatl a distribuir minhas crias, (*)
para acordar-me reduzido a cacos!...
(*) Deus alado dos maias.

DONO DO CÉU IV

Assim habito nos sonhos de marfim,
que mal e mal repito nestes versos,
alabastrinos os corpos mais diversos,
doce perfume em digital jasmim,

maracujás voltados para mim,
na minha carne querendo ser conversos,
espelhados nos arco-íris mais dispersos,
o toque áspero das hastes do jardim.

Mas então volto...  E listras furta-cores,
meu núcleo acionam supraquiasmático (*)
e já me encontro em diversa realidade...

Já neste mundo não sou dono dos sabores
e numa mescla de alegre e sorumbático,
ainda duvido qual dos dois seja verdade!...
(*) O núcleo cerebral supraquiasmático regula o sono conforme a luz.

BRISAS AZUIS I – 7 OUT 15

a cada vez que penso nos teus olhos
e nos teus lábios transparentes de cristal
uma emoção me invade, inatural,
nessa ansiedade de possuir os teus refolhos;

para as demais mulheres trago antolhos,
só penso nas tuas mãos de imaterial,
translúcida beleza, pureza virginal
e quase quero naufragar nesses escolhos.

porém descem teus cílios como anzóis,
sem agudeza que a alma me perfure
qual uma hástia de luz que me socorre

e me soerguem em direção aos sóis,
num alpinismo que eternamente dure
e o sangue que gelou de novo escorre.

BRISAS AZUIS II

tempos já houve de triste embaciamento,
em que esse brilho de nácar desbotado
fez-se azinhavre e vi-me pendurado
contra a aspereza de reboco purulento,

mas retornou a umidade, em tal momento,
como um espelho esse muro iluminado;
vi seu olhar por perdão apaziguado,
breve corisco de fugaz encantamento

e pouco a pouco, tal brilho macilento
se foi calidamente rechispando,
até o amor na superfície refulgir,

o meu martírio em esmaecimento,
o coração aos poucos aliviando,
como uma prece doce incenso a transmitir.

BRISAS AZUIS III

subiu então a fumaça em azul voluta,
tomando a forma de redemoinho lento,
numa jaula inconsútil de alimento,
para minhalma calorosa gruta;

e a voz dos olhos meu coração escuta
e então se lança em desvanecimento
por entre as grades em fumo azul de vento,
aliviado, afinal, de sua labuta.

somente o olhar e a boca nacarada
ainda me prendem, escravo voluntário,
por toda a atmosfera dissipado,

a integridade total recuperada,
tais olhos a mostrar-me o itinerário,
em cuja ausência me fizera desolado.

PÉROLAS VIVAS I – O8 OUT 15

O que me vale ainda é a força de teus braços,
voltados para mim à noite em teus abraços,
na renovação diuturna dos congraços,
com que temporariamente somos deuses...

O que me vale ainda são teus seios,
duas pérolas aureoladas sem receios
de serem perfuradas nos meneios
de dois corpos a lutar contra os adeuses...

O que me vale ainda é a juventude
que revelas para mim, ano após ano:
passam-se os meses e o tempo em ti não leio,

enquanto eu mesmo me vou tornando rude,
sem que consiga desvendar o teu arcano,
na gratidão do velho por um jovem seio...

PÉROLAS VIVAS II

Porque não cesso de desejar os teus refolhos,
embora contemple ao derredor sem ter antolhos,
quero tuas pérolas com seus estranhos fólios,
qual ouro velho sem a pátina do tempo...

Ainda anseio por teu tranquilo alento,
pela doce expiração, líquido vento,
pelo suspiro exalado em tal momento
em que o universo para em seu destempo...

Ainda desejo esse púbis triangular,
que nele traz outra pérola escondida,
como um pingente de coral e cornalina.

Ainda espero a permanência do abraçar
dessa rede em que a pérola é mantida,
pequena chispa de uma lua pequenina...

PÉROLAS VIVAS III

Há ainda pérolas nas orelhas e retinas,
outras reluzem por toda a dentadura,
muito especial se, em alegria pura,
abrem-se os lábios em risadas argentinas.

É bem verdade que essas mofas pequeninas
são muitas vezes às minhas custas, bela agrura!
Mas se essas pérolas contemplo, tal doçura
compensa bem as zombarias femininas.

Assim me encontro sob o foco de um colar:
sete pingentes esculpidos em marfim
e mais corrente ebúrnea que me prende;

mas cada elo de um grilhão tão singular,
que os pés me prende em corrente de jasmim
gentil corisco de emoção em mim acende!...




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