ESTAGFLAÇÃO
(PIETÀ, JOHN WELLINGTON)
ESTAGFLAÇÃO E MAIS – 15-24/4/16
Novas séries de William Lagos
ESTAGFLAÇÃO I – 15 ABR 16
“Há sempre um vulto de mulher /
sorrindo / em desprezo à nossa mágoa / que nos enche os olhos d’água / Pierrô,
Pierrô...”
-- Carlos Galhardo e Joubert de
Carvalho
Para minha
professora de canto, que me tratava como filho, D. Dora Bueno Donazar, a qual
me fez cantar essa melodia...
Esses versos de
Joubert de Carvalho
não mencionavam a
politicagem;
referiam-se tão
apenas à miragem
de algum amor com
resultado falho...
Contudo, estamos
entre bigorna e malho,
submetidos à pior
paisagem
da estagflação,
triste visagem, (*)
que o telhado nos
rouba com o assoalho!
(*) Estagnação da
economia acompanhada de inflação.
Novamente nas
fauces do dragão,
nossos custos
aumentando diariamente,
estando a
economia em estagnação!
No sofrimento
desta recessão,
os salários a
mastigar, indiferente
a quanto cause
sobre o povo da nação!
ESTAGFLAÇÃO II
Sem dúvida, é
este o pior cenário
que se apresente
a qualquer população,
a diminuir diariamente
a produção,
enquanto aumenta
o gasto seu diário!
Nas garras de um
governo perdulário,
de uma ganância
sem comparação,
ainda maior que a
política ambição,
mais um imposto
achando necessário!
Não cabe a culpa
apenas à figura
que sobre o trono
sentava em majestade,
em seu desprezo
da magistratura;
porém sem dúvida,
sua administração impura
tem alto grau da
responsabilidade
por esta situação
que nos perdura!...
ESTAGFLAÇÃO
III
Quando se escolhe
para a vida uma parceira,
não se a procura
tão só por ser mulher:
há qualidades
femininas que se quer,
que seja, ao
menos, leal e companheira!
Não se pretende
que a renda costumeira
seja enviada para
um país qualquer,
por religião,
política, ou sequer
para mostrar-se
generosa e hospitaleira!
A gente quer que
o resultado do salário
seja gasto com o
lar e com os filhos
ou até com certo
luxo, a embelezar...
Não que se envie
a algum vizinho salafrário,
como pura
ostentação de pompa e brilhos,
nação traída e o
povo inteiro a se enganar!
ESTAGFLAÇÃO IV
Quando Joubert de
Carvalho nos deixou
esses versos
transformados em canção,
falava apenas da
patética emoção
de um Pierrô que
Colombina desprezou!
Nos antigos
carnavais se apresentou,
com frequência,
elegância e educação,
Palhaço e
Arlequim na exaltação
da gentileza que
hoje a festa descartou...
Não que condene
sua pornografia,
sempre o sagrado
existe em todo o sexo,
pois bem pior
degradação hoje se via
em cada aspecto
dessa tremenda orgia
de roubalheira e
corrupção sem nexo,
muito mais grave
que jamais se pensaria!
LUZ DEMÔNIA I – 16
ABR 16
Com a cabeça entre
as mãos, mastigam sonhos,
começando pelas
pernas, sem piedade,
os louva-a-deuses de
nossa sociedade,
com as mentiras e os
enganos mais medonhos!
Havia ladrões
antigamente – mais bisonhos,
menos empreendedores,
na verdade
ou talvez mesmo de
menor capacidade
e não tão bem
nutridos e risonhos...
Não tão convictos de
sua impunidade
como estes que hoje
exploram o país,
do povo pobre
zombando sem piedade...
Lançando esmolas com
a mão direita,
para com a esquerda
se roubar o quanto quer,
nessa inflação que a
todos nós sujeita!
LUZ DEMÔNIA ii
Muito contraste há
permeio a luz e a treva,
visto nos filmes e
na literatura,
a treva imunda,
enquanto a luz é pura,
que para um paraíso
a todos leve!...
Mas quem vermelha
luz buscar se atreva,
descobrirá que desce
até a fundura...
Pois não há chamas
no inferno, a criatura
dessa maldade que só
de almas se ceva...?
E no entretanto,
quanta luz de estrela
tomou a gente por
estrela-guia!...
Mas tem somente uma
a cor vermelha...
Nem é de fato uma
estrela a rubra vela,
mas o planeta que a
guerra nos traria,
Marte, da morte a
nos trazer centelha!...
LUZ DEMÔNIA III
Assim te digo, meu
amigo, minha irmã,
que te deixaste
levar por pentagrama,
esse símbolo que
demônios te conclama,
na esperança de
qualquer dádiva vã –
Prefere estrela de
prata, bem mais chã,
que não te envolve
de ilusões na rama,
nem te despreza,
completada a trama,
procura Vênus, de
peregrina lã!...
Essa estrela do amor
no coração,
que ainda te ampara
em delicada chama,
em luz divina de
puro cintilar!...
Enquanto Marte foi a
estrela da traição,
que sem piedade o
teu fervor inflama,
para com calma
depois te devorar!...
LÁGRIMAS DE FADA 1 – 17 ABR 16
Quando pequena que era linda me
diziam
E a família me tratava por
“Princesa”!
Davam vestidos e jóias, gentileza
Á bonequinha que eu sua infância
viam...
Que o mundo seria meu me repetiam:
Tudo a meus pés teria, com
certeza,
Só encontraria bondade e não
vileza,
Por onde fosse, todos me
amariam!...
Mas tive a vida bastante
diferente:
Encontrei ódio e com inveja me
trataram
E nenhum príncipe trilhou por
minha esfera...
Desilusão, porém, achei frequente!
Que amor foi esse, quando me
chamaram
De “Princesa”, sabendo que eu não
era?
LÁGRIMAS DE FADA 2
Não fui só eu. Sei que
muitas mães e pais
Tratam os filhos em sua primeira
infância
Tal qual se o mundo fosse isento
de ganância:
Maldade alguma os afligiria
jamais!...
Tais sentimentos são, contudo,
imateriais
E só funcionam na inicial
instância;
Chega o convívio com alheia
manigância
E as ilusões são trituradas por
demais!
Basta levar a “Princesa” à
Escolinha
Que notará já não ser mais
adorada,
Talvez amiga irá ser de um
coleguinha,
Porém egoísta se mostrará a
maioria,
Por ilusão semelhante dominada
Ou por pegar o brinquedo que
queria!...
LÁGRIMAS DE FADA 3
Toda criança se percebe como o
centro
Do Universo, salvo se for
abandonada
Ou pela própria família
maltratada,
Porém essa é uma emoção que vem de
dentro.
Minhas ilusões eu perdi, sem mais portento,
Sem ter rancor por ser tão
desapontada,
Sou generosa e alguns me tratam
como fada,
Quando entrego a outras crianças
alimento.
Mas teria sido tão mais fácil se
tivesse
Alguns irmãos, desde pequena a
repartir
Os elogios, os brinquedos e a ternura!...
Que essa criança que no mundo mais
padece
É a filha única, a quem souberam
iludir
Que a Terra inteira ganharia em
formosura!...
LÁGRIMAS DE FADA 4
Passou-se o tempo e posso dar-me
por feliz:
Por desapontamentos maus que
atravessasse
Certamente encontrei a quem me
amasse,
Mesmo não tendo tudo o quanto
quis...
Vejo no berço essa criança, que me
diz
Que tudo passa, por mais que
desgostasse;
Já sou adulta e tenho quem me
abrace,
Os fundamentos de minha vida eu
mesma fiz.
Fecha-se o círculo. Só não a
deixarei;
Dar-lhe-ei irmãos, por que seja
generosa
E com eles reparta o quanto tinha;
Mas uma coisa certamente eu não
farei:
Por mais que seja mãe justa e
amorosa,
Não tratarei como “Princesa” minha
filhinha!
ESCOMBROS DO TEMPO 1 – 18 ABR
16
Fala-se sempre do enorme
comprimento
Que o tempo desenrola em
labirintos,
Nesses meandros galaxiais
retintos
De um negror azul de
estranhamento.
Também se fala de seu
falecimento
Na rapidez com que anos
distintos
Se enroscam no passado em
longos cintos,
Mistura inquieta porém sem
movimento.
Só os objetos permanecem junto
a nós
E nos contemplam
indiferentemente,
De seus olhares nossas mentes
temerosas,
Tal qual do tempo que se corre
empós,
Que percebemos
inadvertidamente
No lento olhar das coisas
silenciosas...
ESCOMBROS DO TEMPO 2
Em parte o tempo são ruínas na
memória,
Que ali se ergueram para
depois tombar
Cada lembrança de súbito a
assombrar,
Seu grito em lancinância
peremptória!...
Mas logo após se amortece qual
a escória,
Carvão queimado após rubro
cintilar.
Outra lembrança nos vem
acutilar,
Roubando o tempo que nos traz
a história.
Talvez se jogue para a frente
qual liana
Ou então, opostamente, para
trás,
Quem sabe o ponto em que o
tempo se escondeu?
Caleidoscópica mente que se
irmana
Com essa egrégora que de nós
se satisfaz (*)
Dos mil momentos que não nos
concedeu.
(*) Espírito de uma comunidade
ou família.
ESCOMBROS DO TEMPO 3
Em parte o tempo se insere no
passado,
Essa coisa imponderável dos
assombros,
Do qual só nos perduram os escombros,
Pó da ampulheta escorrendo
compassado.
Caso não haja tempestade ou
vento alado,
Que nos possa arranhar pele
dos ombros,
Cercas de vida arrancando dos
alambres, (*)
Pinga essa poeira em montículo
ordenado.
(*) Gauchismo para “aramados”.
Também descaso de nossos
ancestrais,
Ou no presente por guerreiros
perturbado,
Contribuindo a tais destroços
aumentar.
Onde está o tempo dos
penhascos abismais?
É assim tão fácil partir o
antanho airado?
Onde o passado poderemos
encontrar?
ESCOMBROS DO TEMPO 4
Onde se acha o tempo do
presente?
Nessa corrida inevitável do
futuro?
No dia claro tornando mais
escuro
Qualquer instante que breve se
apresente?
Será a função do tempo
simplesmente
Destruir a si mesmo em fado
obscuro
E a nós com ele, em igual
destino duro
De criaturas em transmuta
permanente?
Onde se oculta o tempo?
Nos cabelos
Que caem aos poucos ou então
que se embranquece
Ou nessas rugas com que abriu
amplos caminhos
Para as lágrimas em paródia
dos desvelos
Desse minuto logo morto que
padece
Por ter cedido ao tempo os
seus carinhos?
ARTIMANHA I – 19 ABR 16
Nesse amor incestuoso do Momento
pelo seu pai, o Tempo e por sua
mãe, a Vida,
entrega ao tempo toda a energia
contida,
entrega à vida o derradeiro
alento.
Nesse amor incontido o seu
intento
seria manter-se, por ambição
perdida,
firmar-se ao tempo antes da
despedida,
prender-se à vida em último
rebento.
Porém, momento, ai!... Porque só
perde
sua energia em tal suborno
falho,
o seu alento em tola
corrupção...
Sem que um átimo sequer de tempo
herde,
sem que da vida não vá sofrer o
malho,
ambos traidores de sua simples
devoção...
ARTIMANHA II
Mas afinal, qual é a ânsia do
Momento?
Manter-se junto à Vida
interminável
ou associar-se ao Tempo
imponderável
ou que outro misto aguardado em
tal portento?
Quisesse dar ao viver maior
sustento,
teria de roubar ao tempo estável
e teria de furtar à vida
instável,
quisesse dar ao porvir
encantamento...
E nessa dupla traição,
ressentimento
aos dois faria tal vítima
pretensa,
como um corisco imóvel na amplidão,
submetido do tempo ao
julgamento,
truque rompido por natureza
tensa,
um réu de morte da mais curta
duração.
ARTIMANHA III
E quem nos diz que não somos tal
Momento?
Sempre tomados de vital anseio,
ao qual gastamos, sem o menor
receio:
gasta-se a Vida e o Tempo qual
um vento...
Qual um rosário dedilhando
sentimento,
a cada conta um instante de
permeio,
correm os dedos a cortar da vida
o meio,
em cada prece um toque de
lamento...
Pois para trás nos impulsiona
Cronos
e para a frente nos empurra Bios,
nessa tenção eterna e
momentânea.
Do Tempo e Vida nos julgando
donos
e o tempo e a vida cortam-nos os
fios
enquanto o sopro escorre em
plena insânia!
OLHOS INUNDADOS I – 20 ABR 16
POR CERTO QUE O ENSEJO INDIFERENTE
SEMPRE É MAIS LONGO QUE O BEIJO DA SAUDADE
QUE NUNCA SE FRUIU NA REALIDADE,
IMAGINÁRIO, POR MAIS QUE TE ATORMENTE.
E AO MESMO TEMPO, TAL ENSEJO CONTUNDENTE
SEMPRE É MAIS BREVE QUE O BEIJO DA SAUDADE,
QUE SE CONSERVA A TEU LADO, EM INTENSIDADE,
SEM QUE JAMAIS TE LIBERTE INTEIRAMENTE.
É UM OU O OUTRO? OU AMBOS A UM SÓ TEMPO?
O BEIJO MORTO VIVE NA MEMÓRIA,
SEMPRE MAIS LONGO QUE O BEIJO INEXISTENTE,
MAS O BEIJO QUE NÃO HOUVE, EM CONTRATEMPO,
VEM LÁ DE DENTRO, EM ÂNSIA PEREMPTÓRIA,
SAUDADE DOCE DE UM NADA PERSISTENTE...
OLHOS INUNDADOS II
POR CERTO A LÁGRIMA QUE SE DERRAMOU
SEMPRE É MAIS LONGA QUE A LÁGRIMA RETIDA,
EM CRISTAIS AMARELOS CONSUMIDA
A POBRE LÁGRIMA QUE DO OLHAR JAMAIS BROTOU.
E AO MESMO TEMPO, SE TAL LÁGRIMA FICOU,
É BEM MAIS BREVE QUE A LÁGRIMA VERTIDA;
DA COMISSURA NÃO SE ESCAPA, PERSEGUIDA
PELA TORTURA DE QUEM A CONTROLOU.
PORÉM AS LÁGRIMAS DE UMA ADOLESCENTE,
QUE SE DEIXOU CORRER TÃO FACILMENTE,
SÃO EMPURRADAS PARA FORA E PERSEGUIDAS
POR OUTRAS LÁGRIMAS DE AFLIÇÃO CRESCENTE:
PINGAM DEPRESSA, NA REBELIÃO FREQUENTE
DAS OUTRAS LÁGRIMAS QUE ANSEIAM SER
VERTIDAS!
OLHOS INUNDADOS III
QUAIS NOS SERÃO, PORTANTO, DURADOURAS?
ESSAS LÁGRIMAS ESPARSAS QUE SÓ CORREM
DE VEZ EM QUANDO E LENTAMENTE MORREM
DA MEIGA LÁSTIMA DE QUE SEJAM PORTADORAS?
OU ESSAS LÁGRIMAS LAMINOSAS QUAIS TESOURAS,
QUE AS FACES CORTEM E A MAQUIAGEM BORREM,
QUE O PEITILHO DO VESTIDO DE ÁGUAS FORREM,
NESSE PRANTO DE DESPEJADOS MORADORES?
SERVEM AS LÁGRIMAS PARA NOSSO BENEFÍCIO.
PARA CEDER UM ALÍVIO À NOSSA DOR
OU SÃO APENAS OUROPEL E EXIBIÇÃO?
CHAMADAS ÀS VEZES DE FEMININO VÍCIO
POR ESSES JOVENS TOMADOS DE RANCOR,
DAS PRÓPRIAS LÁGRIMAS A SOFRER PROIBIÇÃO?
OLHOS INUNDADOS Iv
MAS O FINZINHO DO CHORO É BEM MELHOR,
MOLHADA A FRONHA QUE RECOBRE O TRAVESSEIRO
OU QUANDO O LENÇO TE ESTENDE UM CAVALHEIRO,
COISA TÃO RARA EM NOSSA ÉPOCA SEM COR!...
NO TEMPO BELO EM QUE SE DAVA MAIS VALOR,
A ESSA FRAGILIDADE DE DOCE AÇUCAREIRO,
ATÉ A DONZELA SEDUZIA O SEU PARCEIRO
LANÇANDO AO PISO UM LENCINHO MULTICOR!...
AS COISAS MUDAM, BUSCA-SE A IGUALDADE,
QUE VEM AOS POUCOS SENDO CONQUISTADA,
MAS QUAL O PREÇO DESSA EQUANIMIDADE?
AI,
POBRE LÁGRIMA ROLANDO, ABANDONADA
PELA MULHER COMO GUERREIRA RESPEITADA,
POSTA DE LADO A ANTERIOR FRAGILIDADE!...
SUBROGAÇÃO I – 21 ABR 16
(*) Substituição jurídica de
uma pessoa por seu representante,
Vou recolher cacos do céu,
cacos do azul
de firmamento, como gelo de
vidraça;
vou remoldar esses cacos numa
taça:
verei teus olhos em diagonal de
luz...
Verei teus lábios na borda que
seduz,
tremeluzindo de suspense nessa
traça
e beijarei tua boca, de
pirraça,
por não poder prender-te nessa
cruz
de meus braços abertos para o
amor;
tenho de ti somente o
firmamento
que te recobre a cada vez que
sais.
Vou recompor teus cacos com
ardor
e conservar os cem colados
fragmentos,
que guardarei sem que se
quebrem mais.
SUBROGAÇÃO II
De cada vez que andares pelas
ruas
o firmamento te reflete como
espelho,
compondo-te a cabeça e o teu
artelho,
seios macios e as duas pernas
nuas...
O céu suspende tais reflexos
com gruas
invisíveis de luz, fortes de relho,
articulando o corpo jovem com o
velho,
ambos inscritos nesse ar em que
flutuas.
Só eu enxergo essa imagem
transparente
que me chega às narinas,
carinhosa,
com doce gosto que me atinge o
paladar.
E assim me esforço em salmodia
frequente
para atrair tal figura
prestimosa
como um pálio de luz a me
enlaçar!...
SUBROGAÇÃO III
Já que não posso desposar a
alvorada
de um amplo dia, qual seria o
corpo teu,
esse teu vulto vicarial eu
torno meu, (*)
subrogada a presença assim
ansiada.
(*) Substituto, representante.
Sempre há o perigo de que minha
voz alada
ante a figura se arroje em
escarcéu
que a faça em cacos e a derrube
desde o céu,
paixão azul sob meus pés
espatifada.
Seria um crime se a não pudesse
recompor,
mas esses cacos tem encaixe de
cimento
vermelho e branco, de semente e
coração;
cola perpétua, estuante de
calor,
transmogrifada em estátua num
momento,
motoperpétuo em imutável
condição.
SUBROGAÇÃO IV
Para meus braços te darei
procuração,
que representes em tudo o
original,
estátua azul de beijo fantasmal
a celebrar de cada sonho a
procissão.
Serás presente no tribunal do
coração;
serei a toga de tal cerimonial,
juiz e júri, meirinho
processual,
sem aceitar do promotor
acusação.
Porque, afinal, serás pessoa
jurídica,
feita de sílica, alúmen e
sulfato (*)
e nenhum crime podem te
imputar,
(*) Aluminio.
salvo o fulgor de tua visão
ofídica,
a cada noite traindo o teu
recato,
quando virás em fragmentos me
abraçar.
VERDADES DURAS I – 22 ABR 16
O matrimônio é direito de gerência,
sem que confira o dom da propriedade;
não é mais do que um contrato, na verdade,
e não amor de inelutável permanência.
O matrimônio é mantido em existência
mais por economia em sociedade,
seu rompimento nem sempre traz saudade,
porém perda de bens e inadimplência.
E não direi nenhuma coisa nova
ao afirmar que o santo matrimônio
é a moeda da mãe ou da mulher,
antiga afirmação que se renova,
considerando os bens do patrimônio
como sendo do marido o que mais quer.
VERDADES DURAS II
E já percebo a reação de minha leitora:
Mas onde está o seu constante
romantismo?
Sua gentileza derrapou em algum
abismo?
Por que mensagem assim
constrangedora?
Mas a mensagem não é tão enganadora
e nem mesmo um farrapo de machismo,
constatação ao invés do divorcismo
com tantas leis destinadas à credora.
A Pensão Alimentícia é um pagamento
destinado a preservar a igualdade?
E quando existe em nossa sociedade
jurisprudência de antigo julgamento,
vinda do tempo da mulher em dependência,
tão diferente desta atual tendência...?
VERDADES DURAS III
Se o casamento fosse apenas por amor
não estaria protegido em tantas leis,
tal qual a sucessão de antigos reis,
tantos casados por dever e até rancor...
Pois com o tempo esgota-se o calor,
termodinâmica apenas, bem sabeis
e com as leis da Natureza contareis
muito mais que o código de maior rigor.
E em nossa Constituição tão desconforme
não se admite só por dívidas prisão,
porém tal Carta nos traz furo e exceção
na proteção da fantasia disforme
da instituição do casamento vitalício
de cuja quebra a pensão castiga o vício.
VERDADES DURAS IV
De fato existem casamentos duradouros,
alicerçados bem mais no espiritual
que nessa pura conjunção sexual,
cheios de afetos mais valiosos que tesouros.
Tais matrimônios enfrentam os desdouros
e não se quebram por capricho marginal,
nem pela ânsia de um sustento material
para um divórcio se apelando aos foros.
Infelizmente, já é bem outra a maioria
e quando a esposa descobre ser traída
os céus e a terra move por vingança;
não que defenda a masculina via,
mas bem mais rara é a boda interrompida
por se cobrar da esposa alguma herança!
DIAS MEDÍOCRES I – 7 setembro 2007
Estou
a recolher-me e aos sentimentos
que tanta vez mostrei, a reflorir.
Já não me predominam pensamentos,
esquecidos do afã de seduzir...
Imerso estou de novo nos portentos
de um trabalho exaustivo. Noite e dia,
me esforço sem cessar,sem desalentos...
e o tempo emprego, sem pausa, nessa esguia
espiral de ver os parcos resultados
que não me tomam as taxas e os impostos,
pois quanto mais trabalho, mais me cobram.
Assim, os dias meus, malbaratados,
quase nunca pela compra de meus gostos,
descubro foram gastos e não sobram...
DIAS MEDÍOCRES II – 23 ABR 16
Mais outro dia se passa e à mouraria (*)
já predomina um novo redemoinho:
diariamente faço versos de mansinho,
como aos nove anos passados já fazia.
(*) Escravidão dos muçulmanos na época da Reconquista.
Mas hoje forte diferença me auxilia:
nada me cobra pelos versos do caminho
o ingrato fisco e assim não me abespinho.
qual mansa ovelha que bom pastor tangia.
Não sou pastor dos versos, é bem certo;
em meu pescoço envolve-se o cajado
e assim me indica fazer o quanto quer,
se vou cruzar a alameda ou o deserto,
sempre me empuxa para qualquer lado
e mais me impele a cumprir o meu mister.
DIAS MEDÍOCRES III
Mas tampouco sou ovelha, certamente;
se assim eu fôra, limitava-me a pastar,
de grama verde fazendo o meu jantar,
água bebendo de poça ou de corrente.
Se me alimento do capim virente
não o faço tão somente por tragar,
mas nestas linhas o faço transformar,
tarefa lenta, às vezes, noutra ingente.
Se me abebero da água do regato
não será para mudá-la em lã e leite,
mas para rasgar o chão com casco e presa,
no qual escrevo, despido de recato,
até o ponto em que tal solo aceite,
nas redondilhas temporárias da incerteza.
DIAS MEDÍOCRES IV
Serei então a voz do vento, simplesmente,
esse que as pedras, aos poucos, esfacela?
Que lança as torres ao solo como vela,
que ilumina o rincão circunjacente?
Seria ao invés um arado prepotente
que rasga o solo a que geada congela,
que faz brotar a flor e a espiga bela,
carne de carne em sangue onipresente?
Que seria eu, quando dorme a Natureza?
Silvo, não mais, de um sopro transitório,
acariciando, só de leve, a humanidade?
E nestes versos sem imposto esta beleza
com a qual vibra teu peito compulsório,
nessa arrancada contra a mediocridade?
IDEAL MEDÍOCRE I – 8 set 2007
Se Deus inspira em cada um o ideal
do que deve aspirar, também em mim
mediu-me Sete Dons, que vêm, assim,
em benefício imenso, em espiral
ascender lentamente, alicerçados,
nos sulcos multifários do desdém,
nos desencantos que as tristezas têm,
nos ciclos multicores dos passados...
O que eu vejo, ao olhar a meu redor,
é que sempre me esforço o quanto posso
[e faço bem mais que outros, com certeza].
E, se prazer eu tenho, é no sabor
de ter cumprido o alvo a que me esboço,
de transformar meu desgosto em mais beleza.
IDEAL MEDÍOCRE II – 24 ABR 16
O Espírito Santo nos dá a Sabedoria;
junto com ela o sutil Conhecimento;
permite ainda haver Discernimento
dos Espíritos, donde qualquer deles saía;
ao Dom da Cura também nos dá assento,
seja qual forma mediante a qual o proveria;
e com Milagres nossa crença provaria,
nesse Poder que das alturas toma alento.
Nos cabe ainda o Dom da Profecia,
com o dom menor das Línguas misturado,
embora entre os Hebreus se afirmaria
que um poeta é dos dois aquinhoado
e pelas línguas aos demais saber faria
qual o porvir pelos céus comunicado...
IDEAL MEDÍOCRE III
Mais outros dons menciona a Escritura:
o de Socorros, por exemplo, no Consolo
do sofrimento, o Amor de Deus a expô-lo,
em devoção a toda a humana criatura.
O de Governos, de administração segura:
triste a nação a que governa um tolo!
O Ministério, para exercer sem dolo:
triste essa igreja sob a palavra impura
desses chamados de Lobos Vorazes,
que apenas buscam se locupletar;
não menos importante, o Dom do Ensino,
que exercer só deveriam os mais capazes.
E finalmente, o Dom da Exortação,
para as almas animar qual som de sino!
IDEAL MEDÍOCRE IV
Por certo, muitos juntos aparecem:
este mais forte, aquele bem menor;
um se ressalta como o dom maior,
mas sempre a certa ordem obedecem.
Não se combatem, sequer quando se esquecem;
Discernimento existe pleno no Louvor;
a Profecia conserva o seu calor
e para os sábios também Milagres descem.
Talvez devera a todos estes aspirar,
mas me contento com esse dom singelo
que certamente a mim foi concedido.
Versos escrevo e tal deve me bastar,
nessa certeza do mister mais belo
a que pudera me achar submetido!...