SORRISOS AZUIS (2010)
Duodecaneto em Vinte de William Lagos,
SORRISOS AZUIS I
(2010)
Antigamente, eu ria
com frequência,
motivado pelos mais
pequenos nadas.
Havia riso nas luzes
encantadas,
na música e nos
quadros da ciência.
Meu pai também, se ria
às gargalhadas
e isso me deu, por
certa irreverência,
a noção mais comedida
da sapiência:
ria de formas menos
desbragadas...
Em tudo via ironia
nesta vida
e conservava sempre o
bom humor;
sempre um sorriso no
rosto me luziu.
Mas agora, tanta mágoa
recolhida,
sem esperança de um
viver melhor,
perdi meu riso e nem
sei onde caiu...
SORRISOS AZUIS II
Esse riso que eu
portava na minha face
era, talvez, tão
somente afivelado,
máscara apenas, papier-maché
dourado,
um retoque, um
enfeite, só um repasse...
Era, por certo, um
sorriso só de lado,
meio sorriso, da
ironia o enlace,
uma persona que para os outros dá-se,
esse fantasma de mim,
servo apressado.
Sardônico, talvez,
porém presente,
não só nos lábios, mas
do olhar no brilho,
pelo saber de que nada
é o que parece...
Talvez usado em
público, somente,
mas que deixei num
cabide ou qualquer trilho,
ao dirigir a mim mesmo
alguma prece...
SORRISOS AZUIS III
Eu me apego a
fragmentos de esperança,
por minúsculos que
sejam ou pareçam
tais pequenos cristais,
que nunca cessam,
de surgir das areias
qual em dança.
Pois minha fé, com
pazinhas, não se cansa
de as revolver, na
espera de que desçam,
que na chuva ou no
orvalho não me esqueçam
até o ponto em que a
memória alcança.
Cada pequeno grão, com
intensidade
eu amplifico, nesse
afã de garimpeiro;
busco palhetas de ouro
deslumbrantes,
embora saiba, com
racionalidade,
que essas fagulhas de
um futuro alcandoreiro
são só caquinhos de
vidro rebrilhantes.
SORRISOS AZUIS IV
Eu vou usar fragmentos
de efusão
qual palhetas de luz,
tecla dourada,
revestimentos para
mim, um breve nada,
mas sedutores como
penas de pavão.
Quando os prender ao
pescoço, sorrirão
nesse fulgor argênteo
da risada,
da galhofa de uma boca
acarminada:
de alva alegria me
assim revestirão.
Talvez eu possa então,
de um riso alvar,
ouro de tolos, fazer
verdes turmalinas;
(existem pérolas por
trás do cálcio liso)
e quem sabe, obterei
condão sem par,
um fio de sangue em
gotas matutinas,
que me faça recobrar o
dom do riso.
SORRISOS AZUIS V
Afinal, esse é um dom
de Dionyso,
esse deus que me
inspirou tanta poesia,
por mais que falsa
seja essa alegria
da embriaguez de
temporário riso.
Mas quero os
fragmentos, pois preciso
restaurar o fulgor da
nostalgia;
desejo o humor
fremente da ironia
com que o mundo, sem
respeito, eu analiso.
Sejam estilhas de
vidro, sejam cacos,
em nada afetarão meu
julgamento,
porque é deles que é
feita a sociedade;
e com meu riso, eu
provarei os nacos
de tanto falso e ímpio
juramento
a que se inclina toda
a humanidade.
SORRISOS AZUIS VI
Vou procurar,
portanto, meu sorriso
em qualquer ponto que
o possa ter deixado,
em séria senda talvez
abandonado,
no esforço de um dever
mais indiviso.
Não me parece ser
questão de siso;
talvez num bolso
esteja amarrotado
ou no fundo de gaveta
foi largado
ou no violino procurar
preciso.
Posso ter rido, quiçá,
de uma piada,
dessas que atravancam
a Internet
e o sorriso
desprendeu-se, descuidado
ou se encontra num
espelho de minha escada,
em qualquer fenda na
qual o humor se mete...
Quem sabe os gatos o
tenham afugentado?
SORRISOS AZUIS VII
Nunca se sabe... Gatos
são daninhos:
veem um sorriso solto
e dão o bote!
Cada patinha veloz
como um chicote:
o pobre riso se
esconde nos cantinhos!
Nas frestas, nos
recantos e escaninhos...
Afinal, quando nasce,
vem da glote,
fero e espantoso para
qualquer mascote:
atrai a curiosidade
dos gatinhos...
Assim pegaram meu
sorriso desnorteado
e se puseram a brincar
sem pena,
como fazem com ratos
ou insetos...
E o coitado
escondeu-se, amedrontado...
Talvez eu veja uma
pontinha, bem pequena
e o consiga atrair com
meus afetos...
SORRISOS AZUIS VIII
Vou procurar meu
sorriso em qualquer parte,
quem sabe possa pelas
alças o puxar,
sem um pedaço menos
firme rebentar
caso num bolso se
encontre, sem descarte.
A funcionária é
honesta e de boa arte,
se acha dinheiro, vem
logo me entregar;
se nas calças um
sorriso fosse achar,
iria prendê-lo em
alfinete... Destarte
é improvável que
perdesse meu sorriso,
caso o tivesse
encontrado alguma vez,
mas o traria, bem
contente, para mim!
Portanto, é em outro
nicho que preciso
investigar o que meu
sorriso fez
a fim de se esconder
tão bem assim!...
SORRISOS AZUIS IX
Talvez se encontre
nalgum álbum de selos
no qual tempo não tive
para olhar,
que dirá sob as charneiras
procurar
esses risos que me
davam tantos zelos!
Quiçá no bolso de um
casaco? Foram belos
os dias de inverno,
isentos do penar
que me traz o verão e
o fui guardar
trouxe-o da boca num
lenço em meus desvelos.
Talvez o encontre no
meio dos CD’s
ou nas páginas dos
livros – são milhares!
Ou foi varrido para
baixo do divã?
Ou entre meus
empoeirados LP’s,
guardados com cuidado,
sem azares,
num plástico amarrado
em fio de lã!
SORRISOS AZUIS X
De onde podia retirar
um novo riso?
Talvez o destrançasse
dessa aurora
que dizem sorridente,
a qual outrora
até avistar podia de
meu piso...
Mas não a vejo sorrir
mais. Quiçá de um guiso
pendente de trenós,
que noutra hora
ouvi em passeio, na
memória que descora,
subindo aos céus sem
deixar qualquer aviso.
Quem sabe o
encontrarei entre os insetos,
nesse limar esquivo de
mil grilos,
no pó dourado que
deixam borboletas,
nos fios de aranhas de
oito olhos indiscretos,
nos carunchos
aninhados pelos silos,
ou nesses vespas que
picam como setas.
SORRISOS AZUIS XI
Meu riso encontro nas
cartas do passado,
quando minha voz
trauteava de esperança,
até o ponto em que a
memória cansa,
nos acordes de um
descante dispersado...
Encontro o riso em
partitura mansa,
quais redigia com o
maior cuidado,
que impressas
pareciam, lado a lado,
com as que ouvia tocar
quando criança.
Encontro o riso nas
vozes de meus filhos,
quando pequenos e
quando adolescentes;
somos amigos hoje, se
bem que raramente
riamos juntos. Cada qual segue seus trilhos.
São risos fáceis os
tirados de parentes,
mas nada trazem de
firmeza permanente.
SORRISOS AZUIS XII
Só quando faço o
balanço é que descubro
como foi séria esta
vida que levei.
Por centenares de
vezes gargalhei,
até sentir o rosto
ficar rubro,
mas são galhofas
fugazes, que recubro
com as fatias de tédio
que espalhei,
por entre os goles de
sombra que tomei,
pelos panos de
tristeza que ainda dobro.
Tudo contado, até
mesmo no prazer
eu sentia estar
cumprindo uma função:
no verdadeiro orgasmo
há pouco riso;
desde pequeno, fui
escravo do dever,
mas realizado este
pendor de avaliação,
ainda não sei onde
larguei o meu sorriso...
SORRISOS AZUIS XIII
Vou procurar os meus
risos espalhados
nos gritos estridentes
das gaivotas,
nos albatrozes de mil
praias ignotas
e nas fragatas com
seus pios estridulados.
Nos pelicanos, com
seus papos estufados
e nos pinguins
dançando suas gavotas,
nos mergulhões de
agílimas cambotas
e nos corvos marinhos
apressados.
Talvez meus risos por
eles devorados,
que acreditaram ser
peixinhos cor de prata:
foram risos argentinos,
afinal.
Nos longos bicos
apenas empalados
de tantas aves de
elegância inata,
dilacerando minhalma
em carnaval.
FANTASMAS AZUIS XIV
Vou procurar meus
sorrisos entre as flores,
em seu pólen multicor
e atemporal,
pelos ares espalhado,
em imoral
desperdício desgastado
sem amores.
Vejo sorrir dos
girassóis os estertores:
foram eles que os
guardaram, afinal?
Foram poinsétias em
canto atemporal,
meus sorrisos de suas
brácteas domadores?
Vou procurar nas
glicínias meus sorrisos,
nos agapantos ou nas
gérberas carmins,
de cada gloxínia em
flores raras,
nos caules das
papoulas roxos visos,
nas fúcsias
estridentes, nos jasmins,
nas estrelitzias de
inflorescências caras?
SORRISOS AZUIS XV
Contudo, eu sei que
jamais o encontrarei,
que meu sorriso só está
dentro de mim,
que no quintal do
coração planto jardim,
cada sorriso uma flor
que colherei.
Porque ali o bom-humor
um dia semeei,
não deglutido por
pássaros assim,
nem nas flores
gauchescas do alecrim,
nem nos polvilhos
dourados que espalhei.
O que saiu, quando o
foi, não foi mais meu,
mas de um canteiro em
que adubei meus sonhos
e é com colar de
sépalas que adorno
meu otimismo fácil
entre o breu,
tremeluzindo nos
escuros mais tristonhos
esses sorrisos com que
a geada amorno.
SORRISOS AZUIS
XVI
Que seja falso embora
tal sorriso
e que eu o aplique
qual um aparelho
e sobre os lábios o
conserve sob o relho
das intempéries,
porque afinal preciso
as comissuras alargar
em tampo liso,
ou áspero que seja,
moço ou velho,
é a gratidão pela vida
que eu espelho,
por mais que seja de
sarcasmo o riso.
Levar a vida a sério é
desgastante,
ainda mais na
desconfiança do futuro,
que pode ser ainda
pior do que o passado
e assim achei o meu
sorriso delirante
bem no fundo do cálice
mais puro
do próprio sangue que havia
derramado.
SORRISOS AZUIS XVII
Se estou armado com
sorriso agora,
por mais que seja de
sobrancelha arqueada,
toda a alegria
sugestão só esboçada,
um leve adejo em meu
Risório embora,
por Santorini nomeado
em antiga hora, (*)
é meu broquel, minha rede,
minha armada,
quando agradeço a Deus
por não ter nada,
meus males esquecidos
já no outrora.
(*) O Risório de
Santorini é o músculo orrbicular dos lábios.
Porque, no fundo, o
que é a felicidade
senão a ausência de
qualquer padecimento?
Que o autoengano
perdure um só momento,
em que se pisca, para
ocultar a realidade
e se suspende a noção
do julgamento
sob um esgar esmaecido
em opacidade.
SORRISOS AZUIS XVIII
Pois os sorrisos, a
paz, os bons-humores,
esses fantasmas azuis
dos lutadores,
são tão somente flamas
transitórias,
os fogos-fátuos de
amortalhadas glórias,
por sarcástica que
seja essa aquiescência,
sardônica expressão de
uma impotência,
incapaz de alterar
quaisquer histórias,
restos de pele
deixando sobre escórias...
Porém sorrisos provocam
menos rugas
que as dobras da
amargura, em breves fugas,
que ali conservam
vigor e elasticidade
e destarte eu
sorrirei, minha boca alçada,
mas meu sorriso não me
fugiu por nada:
só estava farto de
enfrentar a realidade!...
(*) Soneto composto em
Rimas Paralelas.
SORRISOS AZUIS XIX
E nem se trata de
volver a ser menino:
não fui alegre nem
quando era criança,
nunca gozei de calma
vida mansa,
só repousava até o
tocar do sino
que badalava o final
de tal bonança,
um campanário erguido
no mais fino
ponto do cérebro, um
calvário pequenino,
mais um dobre de
finados que esperança.
Pois sempre soube quão
falsa é a alegria
e quanto a dor é
igualmente transitória:
sempre encarei a vida
tal qual era:
que epopeia eu não
teria bem sabia
e que a elegia da
batalha inglória
melhor descreve o
mundo que nos gera.
SORRISOS AZUIS XX
Tudo contado, melhor
um sério viso
para as caretas dos
outros afrontar,
acalentando meigo e
simples divagar,
que ainda elicia um
certo grau de siso.
Sempre conserva o
rosto bem mais liso
que um esgar de
amargura o faz rasgar
e algum sorriso sempre
pode consolar
quando pisamos
escorregadio piso.
E igual que eu, te
recomendo afivelar
um breve soerguer na
boca, hospitaleiro,
mesmo não sendo em
nada verdadeiro,
que simpatia pode aos
outros demonstrar,
guardando a sete
chaves desagrado,
sem revelar toda a
agonia do teu fado.
Recanto das Letras >
Autores > William Lagos