domingo, 29 de janeiro de 2017






OS NETOS DA BRUXA – 8 DEZ 16
(Folclore norte-americano, versificação e adaptação de WILLIAM LAGOS)

OS NETOS DA BRUXA I

Era uma vez, em um país distante,
casal de irmãos a viver alegremente
com sua mãe, sem o pai estar presente,
que para as guerras o levara o rei adiante.

Sua boa mãe os vigiava a cada instante
e encantamentos repetia bem frequente
e até mesmo algum feitiço mais potente
que os protegesse contra o mal constante.

Alguns até a Mo, seu menino, já ensinara;
magia “Branca” que lhe desse proteção,
mas não a Jenny, sua bonita irmã,

ainda pequena, que à idade não chegara
em que pudesse empregá-los com razão:
só decorá-los coisa perigosa e vã.

OS NETOS DA BRUXA II

Sua mãe, Margretha, não era feiticeira,
mas que era filha de uma lhes diziam
seus amiguinhos, que com frequência viam,
que ainda morava na Floresta Pegureira.

Eram histórias de assustar sobremaneira:
que devorava as crianças que lá iam
e tinha bolas de cristal, que perseguiam
as que tentavam realizar fuga ligeira!...

“Mamãe, por que nunca encontramos a Vovó?”
“Ora, ela mora num lugar bem perigoso
e nunca vem nos visitar aqui na aldeia...”

“Mas não tem medo de morar tão só?”
“Bem ao contrário, tem do povo supersticioso,
mas dos monstros da floresta não receia...”

OS NETOS DA BRUXA III

“Mas por que nunca a vamos juntos visitar?”
“Vovó Tusnelda não queria que eu casasse...
Foi necessário que seu pai me raptasse...
Vivemos bem até a guerra o convocar...”

“Mas nós queremos a nossa avó encontrar...”
“Não é época que da casa me ausentasse;
caso os frutos do pomar não retirasse,
na maior parte iriam se estragar...”

“Deixe que vamos só nós dois... Já estou crescido
e os meus feitiços aprendi de proteção...”
“Então terão de sair de manhã cedo...”

“Qualquer criança que por lá tenha dormido
jamais voltou para a própria habitação:
há duendes por ali de causar medo...”

OS NETOS DA BRUXA IV

Mas tanto as duas crianças insistiram
que finalmente ela aprontou uma cestinha.
“É um presente de Margretha, sua filhinha:
seus netos conhecê-la me pediram...”

“Mas quando virem que as sombras já surgiram,
para seu lar retornem, depressinha,
porque é sinal que a noite escura se avizinha
e o mal assalta a quantos lá dormiram!...”

“Mas o caminho para lá é bem cuidado,
muita gente o percorre a cada dia:
compram remédios e ervas para o chá...”

“Ela faz bem à gente do povoado,
mas tanta coisa ruim há quem dizia,
que pegou fama de ser a Bruxa Má...”

OS NETOS DA BRUXA V

“Então meus doze cachorros vou levar,
que certamente nos podem proteger!...”
“Se forem cães, não os há de receber:
nesses feitiços que ensinei deves confiar...”

No dia seguinte, logo após se alimentar,
os seus cachorros Mo mandou permanecer
e disse à mãe: “Se algo mau acontecer,
com um assobio especial os vou chamar...”

“Só meus cachorros escutar isso conseguem;
caso comecem a latir sem ter motivo,
a senhora solte os doze bem depressa,

“que nosso rastro sem demora seguem
e nos protegem de perigo morto ou vivo,
por pior que seja o que nos apareça!...”

OS NETOS DA BRUXA VI

Ficou Margretha muito preocupada,
mas não pensava que sua mãe fosse malvada;
depois de muita recomendação ser dada,
deixou que os dois se embrenhassem na floresta.

Numa das mãos carregava Mo sua cesta,
Maninha Jenny pela outra apresta;
brilhava o sol, mil flores como festa,
sem ver motivos para temerem nada,

pois no caminho havia outras pessoas
que pretendiam encomendar ervas e chás,
seguindo alegres, sempre a conversar,

falando apenas sobre as coisas boas,
que a companhia gentil sempre nos traz,
enquanto o astro-rei fica a brilhar...

OS NETOS DA BRUXA VII

O grupo chegou logo na choupana:
havia uma velha, toda de azul vestida;
esperaram acabar da venda a lida
e só depois foram ver a velha dama.

Não parecia merecer a sua má fama
e quando a história foi contada e crida,
abriu-lhe os braços, no carinho da guarida,
num perfume de alfazema que a recama...

“Finalmente notícias manda minha Margretha!
Claro que ouço o quanto o povo conta,
mas só agora é que conheço meus netinhos!”

“Chorei mil lágrimas de emoção secreta
pela saudade de não pouca monta,
dez anos a separar nossos caminhos!...”

OS NETOS DA BRUXA VIII

Pelas pessoas que ainda ali se achavam
mandou a Margretha o mais gentil recado,
que não tivesse mais qualquer cuidado,
pois em sua casa seus netos pernoitavam!

“Seus dois priminhos também hoje chegaram,
que coincidência!... Até parece combinado!”
Almoço lhes serviu bem preparado
e com os primos depressa se enturmaram...

Se bem que tinham dentes pontiagudos,
uns olhinhos puxados, pele escura,
orelhas longas, cobertas de pelinhos...

Falavam mal e eram meio cabeçudos,
mas a estranheza pouco tempo dura:
logo brincavam como velhos amiguinhos!

OS NETOS DA BRUXA IX

Ora, o tempo foi passando e, de repente,
se começaram as sombras a alongar,
os dois irmãos já a se preocupar...
“Não há qualquer perigo, certamente!”

“Há papões pela floresta, é evidente:
não vou deixá-los pelo escuro caminhar,
mas em minha casa podem pernoitar,
bem protegidos contra os males, realmente!”

Porém assim que começou a escurecer,
Vovó Tusnelda fez aos quatro entrar
e trancou portas e janelas firmemente...

Após um saboroso jantar oferecer,
fê-los subir para o segundo andar,
em que camas arrumou rapidamente.

OS NETOS DA BRUXA X

A Jenny e Mo ela tapou com cobertor
muito limpo e de extremada alvura,
mas para os primos um de total negrura:
logo roncavam sem o menor pudor...

Jenny abraçou Mo com o máximo vigor:
“Tenho saudades da Mãe, nessa lonjura!”
“Não se perturbe,” disse o mano, com ternura,
“Vovó Tusnelda demonstrou-nos muito amor!”

Logo em seguida também Jenny adormeceu,
os dois primos a roncar ainda mais forte,
porem Mo continuou bem acordado!...

E um som lá da cozinha o surpreendeu:
Vovó Tusnelda parecia afiar o corte
de alguma faca de se talhar assado!...

OS NETOS DA BRUXA XI

Ainda pôde escutar um forte chiado,
como de água a ferver num panelão!
Mas isso é hora de fazer a refeição?
Ou de afiar uma faca para assado?

Daí a pouco, ouviu passos com cuidado:
degraus rangiam sob a velha, no escadão!...
“Estão dormindo?” – indagou com precaução.
“Não,” – disse Mo – “ainda estou bem acordado.”

“Então durma, meu querido, um feliz sonho!”
Voltou a velha para afiar sua faca!...
Mais acordado o menino ainda ficou!...

Tornou de novo a escutar passo bisonho:
“Dormiu agora...?” – a voz de novo se destaca.
“É estranho este lugar – não me deixou...”

OS NETOS DA BRUXA XII

“Algumas vezes, perco o sono lá em casa
e então Mamãe me traz meu violino...
Fico tocando...” – explicou o menino –
“E o sono chega sem perder a vaza...”

“Também tenho um violino, envolto em gaza,
um instrumento até bastante fino,
com um timbre gentil como o de um sino,
decerto o sono seu belo toque embasa...”

Vovó Tusnelda trouxe logo o instrumento
e Mo se pôs a tocar com gentileza,
tal qual Margretha a trautear um acalanto...

Da faca o chiado, em rápido momento,
cessou...  Sua Avó dormira, com certeza!
Foi sacudir sua irmãzinha no seu canto!

OS NETOS DA BRUXA XiiI

Desceram a escada no maior cuidado,
mas antes Mo trocara os cobertores,
pondo o branco a cobrir os roncadores,
trazendo o preto para a cama do seu lado.

Os travesseiros arrumou num amontoado,
qual se dormissem como dois amores...
Pisaram nos degraus com mil  temores:
que ninguém fosse por rangidos despertado!

Disse então o menino: Escada, escada,
que nossos passos não entortem nada!
E até à sala não se ouviu qualquer ruído...

Disse o menino então: Ó porta, ó porta,
abre tua tranca sem ficares torta!
E nem o menor estalinho foi ouvido!...

OS NETOS DA BRUXA XIV

Só perceberam uma coisa muito estranha:
sua Vovozinha cheirava agora muito mal,
perdera o rosto sua feição original,
pendendo a boca numa solerte manha!

Longo o nariz, tal qual feia artimanha,
o queixo imenso, num focinho de animal,
emaranhados os cabelos, afinal,
como uma fera da mais perversa sanha!

Mesmo sua roupa estava diferente:
vestia-se agora com negro roupão,
muito diverso daquele azul de antes...

Chapéu usava, entortado para a frente,
com bico longo, lembrando um boticão,
abas caídas como orelhas de elefantes!...

OS NETOS DA BRUXA XV

Por fora a porta fecharam com cuidado,
logo saindo a correr pela vereda,
a Lua lembrava a cor de fruta azeda,
sentiam perigos a espreitar de cada lado!

Mo murmurava encantamentos, apressado,
que a proteção a seu redor não ceda!
E nem liana nos seus pés se enreda,
mas o caminho era escuro e prolongado...

Enquanto isso, a bruxa se acordou,
sem escutar mais o som do violino...
Levando a faca, pela escada ela subiu,

do branco cobertor se aproximou,
matar pensando a garotinha e o menino,
sem perceber quando o parzinho lhe fugiu!...

OS NETOS DA BRUXA XVI

Mas no momento em que ergueu o cobertor,
descobriu que eram os outros que matara!
Os dois “sobrinhos”, como antes os chamara,
porém seus filhos, de fato, que pavor!...

Ela os gerara com qualquer horror
que saído da floresta a visitara...
Terrível grito então aos céus lançara,
feroz vingança buscando com vigor!

De uma arca, tirou uma bola de cristal
e logo após conjurar algum feitiço,
em nenhum ponto da casa os encontrou...

Abriu a porta, então, presa do mal,
e pôs a bola a correr no maior viço,
que inicialmente o caminho não achou.

OS NETOS DA BRUXA XVII

Girou a bola da casa ao derredor
e então tomou seu rumo com firmeza,
pela vereda a rodar com ligeireza,
forte alarido produzindo com vigor!...

Logo os meninos perceberam, num horror,
que haviam sido descobertos com certeza,
e numa árvore subiram com leveza,
de tronco grosso, mas no maior fervor!...

Encantou Mo: Ah, bela Castanheira,
solta depressa teus galhos mais de baixo!
E o caule abaixo deles ficou liso...

Mas bem depressa apareceu a feiticeira:
“Ah, seus malvados!  Vou acender um facho,
fazendo um fogo desde o lugar que piso!”

OS NETOS DA BRUXA XVIII

Mas disse Mo: Consome-te, Capim!
Que não consiga nos queimar a feiticeira!
E logo se apagou toda a fogueira,
vasto perigo sendo afastado assim!...

Disse Jenny: “Por que nos quer dar fim?
Somos seus netos!”  “A sua Mãe traiçoeira
deixou-me só, tal qual pomba ligeira!
Foi uma tonta em enviá-los para mim!...!

“Vocês até sabem de algum encantamento,
mas há feitiços bem mais fortes do meu lado:
vou derrubar bem depressa a Castanheira!”

E resmungou um bruxedo num momento:
logo em sua mão se condensou um machado,
tirando lascas do tronco, bem ligeira!...

OS NETOS DA BRUXA XIX

Contudo Mo conhecia outra defesa
e cada vez que desferia machadada,
ele dizia: Castanheira, és encantada,
cura teu tronco e logo fica ilesa!...

Pegou a bruxa a faca e com firmeza
cravou-a no tronco, em terrível punhalada,
fazendo a seiva escorrer logo em jateada,
do novo encanto a Castanheira presa!

Jenny gritou: “Ela vai nos derrubar!”
Mas Mo falou: “Meu bem, não perca a calma.”
E começou a silvar seu assobio!...

Lá na granja os doze cães logo a escutar!
Sentiu Margretha uma pontada nalma,
ouvindo os cães ladrando no vazio!...

OS NETOS DA BRUXA XX

Bau-bau! Uau, vai cair a Castanheira
e os meus netinhos vão cair depois!
Vou fazer uma geleia desses dois!...
Mas falou Mo sua magia derradeira:

Engrossa, Tronco, contra a Feiticeira!
Afina em cima e vê se a Faca róis!...
Em cada golpe, vê se o Machado móis!
E logo a árvore obedeceu, hospitaleira...

Porém em cima foi depressa se afinando
e já mal dava para as crianças segurarem!
E a cada golpe estremecia o tronco inteiro!

Mas no momento em que estava desabando,
escutaram os seus cães se aproximarem,
o maior deles a chegar logo primeiro!...

OS NETOS DA BRUXA XXI

Os doze cães atacaram a Feiticeira,
que defendeu-se com faca e com machado;
logo foi um dos cachorros derrubado,
depois um outro e onze de fileira!...

Mas o maior a mordeu de tal maneira
que lhe rasgou o pescoço lado a lado,
morreu a Bruxa, todo o sangue derramado
e só depois é que caiu a Castanheira!

Mas os meninos não se machucaram
e Mo tirou-lhe a faca de sua mão,
vendo os seus cães caídos ao redor

e logo carne e ossos se rasgaram,
arrancando-lhe para fora o coração,
encantamentos gritando com ardor!...

OS NETOS DA BRUXA XXII

E segurando nas mãos o coração,
foi apertando até o sangue jorrar,
a cada um dos onze cães indo banhar,
até que a vida lhes voltou nessa ocasião!

A Bruxa se desmanchou, de sopetão
e ainda escutaram sua choupana desabar,
enquanto o sol começava a despertar
e a Castanheira ressurgia desde o chão!...

Lavaram as mãos na água de um regato
e voltaram para casa, onde os abraços,
sãos e salvos, de sua Mãe foram ganhando!

E para ainda mais alegre ser o fato,
pela estrada se escutou o som de passos:
era seu pai, da longa guerra retornando!

Entrou pela porta e saiu pela cozinha:
quem quiser outra, vá pedir à sua Mãezinha!

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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