sexta-feira, 16 de junho de 2017





CARROSSEL E MAIS – William Lagos
Sementes de 1980 para 01 a 10 de maio de 2017.

CARROSSEL I – 28 fev 1980

Queria estar agora a sós contigo,
Em nossa noite azul de sangue ardente,
Que corre nas artérias, tão fremente
Pelo teu jovem corpo tão antigo!

Queria estar agora em permanente
Rosácea vinculada a teus sentidos;
Queria ser a pérgula de olvidos
Por que o mundo avistasse continente.

E te amaria então, com o mesmo ardor
Que sinto nestas veias, tumescidas,
Das costas de minhas mãos, bem aquecidas

Pela força somente deste ensejo...
Quisera estar agora em pleno amor,
Meu sangue a fecundar-te em puro beijo.

CARROSSEL II – 1ª de maio 2017

Contudo a vida sempre roda sem parar,
Se o carrossel apenas contemplarmos
E suas mil voltas dará após deixar-nos,
Sempre que a entrada alguém apresentar.

E sem nossa presença há de girar,
Num redemoinho, enquanto nos ficarmos
Somente olhando, presos nos marasmos
De quem do giro não quis participar.

É muito longo da angústia o carrossel,
Num giro desusado o seu volteio,
Muito demora o retorno a seu quartel

E quem apenas vê, em observar silente,
Por aqueles que ali rodam seu receio,
Para dar-lhes proteção vê-se impotente.

CARROSSEL III

Mas nem sempre é voluntária, totalmente,
Do carrossel a não participação;
Crianças pobres no parque igual estão,
Olhando as voltas em suas cores atraente,

Mas sem dinheiro para o giro complacente,
Vendo cavalos, elefante e até dragão,
Outras crianças que comprar bilhetes vão,
Única forma de ali se achar presente.

E as excluídas tudo veem, apenas,
Desse giro caudaloso e multicor:
Só para a inveja compraram a passagem!

Enquanto o carrossel reveste as cenas
Com melodias gritantes de estridor,
Imóvel sempre em um só ponto da paisagem.

CARROSSEL IV

E a noite azul permaneceu correndo,
Sua caminhada sempre mais ardente
E te arrastou de mim, nessa inclemente
Velocidade, vida e morte desfazendo,

Sem que a rosácea, que então estava vendo,
Fosse a lugar algum, mas tão somente
Te desgastasse a vida inteiramente,
Sem nunca a ti de fato pertencendo.

Ainda sinto nas mãos esse pulsar,
Pois forte é a vida do corpo sedentário
Que nesse turbilhão não quis marchar,

Pelo qual foste, em falsa liberdade,
Até seres incluída em teu sacrário,
Enquanto versos ainda escrevo de saudade.

códice I – 01 mar 1980

não cabe-me indagar, eu hoje só te aceito,
eu hoje só te quero, eu só, de meu despeito,
te abro em claro verso as fibras de meu peito
e aguardo, de encantado, os guizos do ouropel.

não cabe-me instigar, eu hoje só te espero,
eu hoje só compreendo, eu nunca desespero,
do firme sentimento os termos nunca altero,
e aguardo a lantejoula em fios de seda e mel.

não cabe-me instilar, porém aqui destilo,
nos termos compassados do mesmo arcaico estilo,
tisana e pergaminho, nos versos em que firo

tua mente e coração, no mesmo ideal de entrega
que a alma assimilou, tratado que se apega
às fibras feitas carne em glória de papiro!...

códice II – 2 mai 17

pois quem sou eu, de fato, para algo perguntar?
que a vida passa lenta ou em ritmo veloz,
quando algum bem nos chega, tal qual um fero algoz:
as coisas são assim, não há como as mudar.

e a cada vez que a noite permite-me abraçar
teu corpo de marfim, teus olhos de retrós,
quando em mútuo prazer empolgo-me empós,
são tais instantes breves e rápido o olvidar.

contudo em tal instante que o mal a nós assole,
ou quando as circunstâncias nos tornem infelizes,
então o tempo é lama a nos prender os pés,

igual que potestade de longe nos controle,
com seu olhar arguto de hiena sem deslizes,
as almas espreitando dos corpos através. 

códice iii

a vida é um pergaminho escrito de antemão.
por um escriba qualquer, um monge irresponsável,
somente a registrar seu ditado formidável,
dos dedos a lamber nanquim em profusão.

a vida é uma tisana fervilhante e sem paixão
por qualquer herbanário, sem vezo condenável;
que tal receita sirva como um cálice abençoável
não lhe causa interesse e nem fere sua razão.

assim nos encontramos em plano enevoado,
marchando lado a lado por campos de metal
e aguardo com paciência o toque de tua mão,

sob árvore esgalhada um descanso consagrado,
a carne contra a carne, a mente no carnal,
um instante de pecado a curar-me a extenuação.

códice IV

e o beijo emurchecido no genital da aurora,
enquanto para nós não chega o dealbar,
a lua ensimesmada, lixívia de luar,
assassinando em prata a ânsia desse outrora.

não cabe-me a revolta, não mais que cada hora
degustar lentamente, tua boca a me abençoar,
muito mais ouro havendo no céu desse cantar,
tua língua acorrentando minha pele sem demora.

por que indagar então de qualquer causalidade,
se o trono observante seu magro dedo aponta
e determina o instante do rebrilhar do orgasmo?

por que instigar então a qualquer casualidade,
quando a réstia de prazer no ventre nos desponta,
no instante singular e minimal do pasmo?

TESTAMENTO I – 6 mar 1980

vomitei-me a mim mesmo esta manhã
na ânsia verde de uma bile verde,
amarga como o bem que não se herde,
favor comprado, amor de barregã;

vomitei-me a mim mesmo em tantos versos,
menos amargos, gentis e até brejeiros,
talvez porque meus gostos derradeiros
sejam meus sonhos em música dispersos.

ressumbra nestes versos o amargor
do azeite verde que meu corpo exala,
nos sons suados, triunfais da escala;

golfadas são ferozes de um amor,
de apego à vida que sinto alcandorada
mas breve há de saltar --- noutra golfada!

TESTAMENTO II – 03 MAI 17

Mesmo o prazer sexual tão só subliminar,
pendor que já se espera no instante dessa entrega,
pendão real que a lenda a cada um nos lega,
da artimanha da fauna um crivo a nos gerar..

Se em flora se pudesse ao invés classificar
um vago ser humano que à sua raiz se apega,
se acaso o nosso pólen em adejar navega,
seria outra armadilha o passo a controlar.

E não nos esqueçamos ser metáfora comum
comparar-se a mulher à beleza de uma flor,
tal qual se o seu perfume assim nos fecundasse,

lançado ao léu do vento para lugar algum,
até pousar acaso em pulmão acolhedor,
a alma e o coração destarte a completar.

TESTAMENTO III

Pois no instante fatal mergulho nesse abismo
a que chamas de beijo até que sobrenado,
do mar quente salmoura em sabor adocicado,
no qual em minhas braçadas permanecer eu cismo.

Das algas ao redor o rosto inteiro eu tisno,
lavado na saliva meu beijo acidulado,
até turbilhonar num clímax agoniado,
em suicídio gentil composto de otimismo,

sendo engolfado assim nessa omissão da aurora,
na meiga escuridão de clara inconsistência,
é furtacor o ósculo de oracular nobreza,

meu sangue dentro dele vertido pela espora
que ativa cada antera à plena deiscência
e os ventos contamina na poeira da incerteza.

TESTAMENTO IV

E se comparo assim a vômito minha escrita,
do peito o esternutar em similar golfada,
na flora singular da flor mais encarnada,
em que escorro a mim mesmo na busca de outra dita

e se o pólen beija a flor na gestação aflita,
não mais que minha metade será assim gerada,
aquela que seu óvulo tomou por abençoada,
na escolha entre o brancor que a seu redor se agita,

que cada verso meu foi ao zéfiro lançado
em priápico momento de pura exaltação,
mas sem qualquer certeza de um peito fecundado:

mais como flor explode a dança da semente,
espalhada ao redor, sem discriminação,
para a fome do solo atender mais inclemente.

ARPOADOR I – 07 mar  1980

Se um dia te possuir, não são favores,
Mas entrega total, sem restrições:
Que não haja reservas nem razões
Que nos afastem da senda dos amores...

Se um dia te possuir, não são furtivas
As manhas de mulher que atrairão:
Nem temeroso amor, parente da traição,
Num dar e sonegar de mil bênçãos esquivas...

Mas que o primeiro beijo, igual ao derradeiro
Pareça ser, por nele a vida se jogar,
Para possuir assim seu dom matreiro;

Porque, no dia enfim que teu seio me abraçar
Eu quero te possuir total o corpo inteiro
E não somente o beijo que então me queiras dar!

ARPOADOR ii – 4 MAI 17

Se um dia te perder, não há penhores,
Mas longo lanho do carnal, sem restrições,
Que não haja promessas nem senões
Que sendas abram para novos estertores.

Se um dia te perder, fingidas dores
Não lacrimejes em lamentações,
Como se mais sofresses as lesões
Cardíacas... no desdém de teus pendores.

Porque, se eu te perder, é tua a vontade,
Meras desculpas recordar de circunstâncias,
Meras escusas tuas justificativas;

Só quero te perder sem falsidade,
Sem alusões a fantásticas instâncias
De brancas juras por teu descaso esquivas.

ARPOADOR III

Se um dia retornares, de repente,
Para indagar se ainda te desejo,
Só me trarás o fantasma de teu beijo,
Despedaçado contra boca inconsequente.

Se me afirmares ser tudo diferente,
Que me retornas completa nesse ensejo,
Eu provarei esse gosto malfazejo
Em teus lábios amargos de outra gente.

Mas, sobretudo, não voltarás completa,
Pois tantos dias teus se desmancharam
Diante de mãos que entrementes te tocaram,

Nem a tua pele esquecerá dessa pressão
Nem há olvido em tua visão secreta,
Nem teus reflexos para mim retornarão.

ARPOADOR IV

Se em tal dia te possuir, outra serás
E não aquela que já possuí inteira:
Mesmo te guarde até a hora derradeira,
Tantos reflexos dia algum devolverás.

Se em tal dia te possuir, não me darás
De novo os anos de tua vida passageira,
Para outros foi que sorriste mais brejeira,
Rostos perdidos mas que ainda lembrarás.

Contudo, sabes bem que ainda te quero
E aceitarei quanto sobrou de ti,
Nessa esperança de o restante conservar

Mas apagar essa tua ausência não espero,
Qual não apago esse tempo em que vivi
No vão desejo de ainda ver-te retornar.

campainha – 01 mar 1980

por que me procuraste, caprichosa,
na busca vã de singular castigo,
sabendo que do amor jamais abrigo
encontrarás em mim, por mais formosa?

por que me desejaste, dolorida,
na chama e sangue ardente e insatisfeita,
por que te sujeitaste a essa desfeita,
que te deixou mais débil, malferida?...

por que então me inquietaste, sem remédio,
e foste em busca depois de outro qualquer?
seria apenas por calmar-te o tédio,

por não poderes possuir o bem-me-quer?
será que apenas te lançaste ao assédio
pelo dom de sentir-te mais mulher...?

campainha II – 5 mai 2017

é tão comum pela vida se encontrar
essas mulheres revestidas de vaidade
e ao mesmo tempo de incapacidade
de sua autoestima totalmente modelar!

é tão comum que só anseiem superar
outras mulheres, com certa insanidade,
pelo domínio de alguém, sem caridade,
que qualquer outra já pudera conquistar!

nem mesmo querem esse prêmio masculino,
mas apenas demonstrar-se superiores,
confirmando seu pendor mais feminino,

mostrando apenas que esse alheio podem ter,
nem que seja para quebrar veros amores,
pelo prazer de o bem alheio desfazer...

campainha III

muitas dessas pela vida já encontrei,
seja aceitando ou recusando seu apelo,
por alguns dias a possuir um rosto belo...
e algumas vezes, até me enamorei!...

mas em geral, de escorregar me controlei;
acalentei o que me deu o seu desvelo;
elas se foram e não mais consegui tê-lo,
mas nem por isso minha vida desprezei...

desde o começo conheci ser transitório
esse amor feito de perfídia e sedução,
mas com certo desdém, lhe dei a mão...

sempre valeram alguns momentos de emoção,
sem por demais me bater o coração,
sem vestir luto nem sentar-me em seu velório!  

campainha IV

mas quantos já sofreram por capricho
de um rosto belo ou um corpo bem formado,
seu coração a bater descompassado,
trocando o certo por esse amor de lixo!...

tema frequente do romance mais castiço,
algum querendo tão só ter conquistado
por alguns dias, esse prêmio cobiçado,
sem intenção de jamais fixar-se nisso!

de parte a parte, enfim, o mesmo jogo,
no qual ingênuos são sacrificados
pelos que jogam despidos de ilusão!

jamais dispostos a aceitar um rogo
dos que por eles foram despojados,
para tudo descartar sem emoção!...

ABSOLVIÇÃO – 01 mar 1980

Bem no fundo de ti: queimar-me inteiro,
Até que a própria essência de minh'alma,
No líquido golfar que só me acalma
E a embalsamar-me venha derradeiro...

Bem no fundo de ti, com tal ternura...
Que o odor suave de musgo e de alfazema
Se torne qual avenca e já não tema
Mais recusar-se ao mosto desta alvura...

Bem no fundo de ti, na aurora apenas
De uma entrega total, tão despojada
De sentimentos vis, tão mais airada

Quanto é doirada a trança que me acenas...
Bem no fundo de ti, sem mais escusas,
Na aceitação completa e sem recusas...

ABSOLVIÇÃO II – 6 MAI 17

Sem na verdade se acreditar no amor
Com que me acenas e uns poucos dias me tiras,
Amor sabido ser em parte de mentiras,
De parte a parte, sem qualquer enganação.

Mas que me mintas amor nessa ocasião
E a língua falsa em minha boca então insiras,
Se  os sentimentos no peito me reviras,
Minto também, sem mais traço de rancor...

Amor casual, mas semiapaixonado,
Mútuo a mútuo consentir nesse pecado,
Não que insídia resida em fazer sexo,

Mas na recíproca mentira deslavada,
Breve carinho, sem ânsia deslumbrada,
Breve consolo de nosso breve amplexo!

ABSOLVIÇÃO III

Mas será que é de fato uma mentira
Quando se sabe adrede que o outro mente?
Quando à outra por alguns dias se consente
Em aceitar deste amor o que se tira?

Quando o falso em meia-verdade vira,
Em cada abraço de prazer potente,
Em cada afago de acarinhar dolente,
Enquanto o fado ao derredor nos gira

E assim nos levará para outra parte,
Restando apenas os orgasmos passageiros
E algum instante de maior sinceridade

Quando a última mentira se comparte
E se confessa, nos marasmos domingueiros
Que se mentiu por carinho e não maldade?

ABSOLVIÇÃO IV

Bem no fundo de ti não há traição
Quando minh’alma constância não espera,
Bem no fundo de mim girando a esfera,
Sem nos causarmos a menor desilusão.

Não há mentira em tal falsa paixão,
Sem compromisso que penhor nos gera;
Não traz ciúme nem fervor de fera,
Quando se sabe como é pálida a emoção.

Assim me sinto por ti absolvido
E bem tranquilo te ouço a confissão,
Sem ser preciso fazermos penitência,

O nosso círio totalmente consumido
No prazer breve que acalenta o coração,
Enquanto a vida escorre sem paciência...
 
ANESTÉTICO – 01 mar 1980

hoje acordei-me inquieto e sem repouso,
insatisfeito em tudo e em pormenores,
deixando por metade os dissabores
que dominar sequer eu já não ouso...

hoje acordei-me dolente e desvalido,
vazio de sonhos, incapaz de aurora,
gastando a mais preciosa e doce hora
num esbanjar que o bem tem malferido...

hoje acordei-me egoísta e indiferente,
ao ódio e amor que quase não senti
e ao perpassar do tempo fui quiescente...

como querendo esvair o que não vi...
nessa ausência total e tão frequente,
hoje inquietei-me...  por me lembrar de ti.

ANESTÉTICO II – 7 MAIO 2017

muito mais vale um sexor sem compromisso
que num contrato matrimonial haver assento
de comunhão de bens consentimento,
redigido em português puro e castiço,

para aos bens materiais ser submisso
antes do sexo se obter contentamento,
sem precisar dessa caça de um momento,
nem do conluio de um pagamento fixo.

amor de cônjuge que se espera permanente,
sempre uma forma de brando meretrício,
sob o disfarce de um conubial amor,

que se repita noite a noite ou bem frequente,
como um pendão de consentido vício
que de algum ninho será o mantenedor.

ANESTÉTICO III

mas esse amor de libertário compromisso
de algum modo será iníquo sacramento,
que se conserva sem cobrar um sentimento
e se descarta sem grandioso reboliço;

e dessa forma, se a memória um dia atiço,
torna a lembrança sem qualquer impedimento,
qual saudade de um sexor sem juramento,
cujo descarte se manifesta insubmisso;

não que um ato de sexor assim casual
em si contenha um teor de criminal,
pois foi momento de carinho e de prazer;

seu mal se encontra é na separação,
que se julgava permanente e não
um dia gravado para nunca se esquecer!

ANESTÉTICO IV

assim, embora veja tua face enevoada
e o claro corpo com outros confundido,
surge um clarão do tempo interrompido,
unindo o meu presente a meu passado;

de inquietação num laivo emaranhado,
depois de décadas de tempo transcorrido,
depois de outros amores ter nutrido,
sem de ti sequer vez tendo escutado,

eu sinto o cheiro, o toque de tua pele,
o sabor de tua boca e tua saliva,
de tal visão a hora presente a ser cativa,

enquanto uma ansiedade me congele,
nesse momento frágil em que acordo:
será que vive ainda quem recordo?

CUSTÓDIA – 01 mar 1980

quero escrever mil filhos no teu ventre,
na praia áurea, em concha de alvaiade,
mil filhos imortais...  teu corpo invade
fértil azeite, tão logo em ti me adentre...

quero escrever à luz dos cromossomas,
meus genes em teu útero abrigados,
teus ovários de amor assossegados
já se apressando em desusadas somas

a perfazer da raça deste esperma,
nos genes que são teus, metade dalma,
metade em carne, metal da mesma herma;

e assim, no mesmo ardor apressurados,
nove meses de amor acalentados
num parto sideral de etérea calma

CUSTÓDIA II – 8 MAIO 2017

mas quantas vezes a carne se possui,
no desvario de tal condescendência,
quando amor se ejacula sem paciência
e para as trompas falópicas reflui!

sem que resulte qualquer supermaniência;
não espera um óvulo, o esperma se dilui...
(por pura sorte eu aceitado fui
ou potestade decretou a minha consciência?)

quanta vez foi o coito interrompido,
enquanto o sangue branco se perdia,
não mais que mácula lavada dos lençóis!

e quanta vez nenhum ser foi concebido
no rubro ventre que a semente me acolhia,
sem ver a Lua e sem gozar dos sóis!...

CUSTÓDIA III

nem me refiro a um ato de onanismo,
um genocídio egoistamente provocado,
mas aos períodos de celibato azado,
em que algum feto sonhava o próprio egoísmo!

quando pólen foi de mim desperdiçado,
algo encarado com puro realismo
ou lamentado em véu de romantismo,
milhões de mortes em cada orgasmo executado!

como é possível cumprir: “não matarás”
no desperdício que ordena a natureza,
na tentativa de nos multiplicarmos?

quantas as vidas que ao mundo negarás,
justamente por mantermos a pureza
perante os óvulos que nunca fecundarmos?

CUSTÓDIA IV

ALGUMAS VEZES ME PONHO A DEVANEAR
SOBRE O DESTINO DO ÓVULO MENSTRUADO.
SERÁ QUE APENAS É AOS ESGOTOS DESCARTADO
OU É DOTADO DE ALGUM MÍSTICO SONHAR?

E QUE DIZER DESSE ESPERMA MILENAR,
NUM OUTRO CORPO OU NO ESPAÇO DERRAMADO,
EM NENHUM VENTRE CHEGANDO A SER GESTADO?
SERÁ QUE APENAS O ABSORVE AO RESSECAR?

OU DE ALGUM MODO PARA O FETO CONTRIBUI
LEGIAO DE MENTES COM MEMÓRIA ARCANA,
ANTEPASSADOS AOS MILHARES CONSERVAR?

ONDE ESSA NUVEM QUE EM TORNO A NÓS CONFLUI,
NA NOOSFERA QUE CHARDIN PROCLAMA
OU ENTÃO MIL FLORES FAZENDO GERMINAR?

ESCÁRNIO I – 9 MAI 17

como Augusto dos Anjos, o corpo emprego
no elaborar de múltiplas metáforas,
na sugestão de sionísticas diásporas
sobre a expansão dos versos que hoje lego.

mas como Augusto dos Anjos, não alego
necessitar de maldições fantásticas,
como esse escarro que causou tantas fanáticas
discussões sobre o desdém de seu apego.

até o presente sendo ainda saudável
esse meu corpo, sem sofrer tuberculose
os meus pulmões – mais em ópera se exaltam.

mesmo à saliva me sabendo vulnerável,
nenhum beijo maculou-me nessa osmose
com que ao ingresso de meu corpo se recalcam.

ESCÁRNIO II

caso algum dia de fama o dono seja,
bem mais espero por fazer versos de amor,
que fiz de mim escorrer com pleno ardor
ao interpretar descaminhos de quem veja.

no sexo o corpo inteiro assim se enseja,
desde o límbico sistema condutor,
até a planta dos pés, sofrendo dor,
não obstante a carinhar a quem se beija.

todo o sexor é para mim sacralidade,
mesmo empenhado com malversação.
nego a Augusto dos Anjos, mestre e irmão,

essa asserção de escandalosidade,
lábios e língua em tão só satisfação
por todo o beijo em real sensualidade.

ESCÁRNIO III

nem todo o beijo que tive fez sucesso
algum me trouxe até consternação,
mas nem por isso o rancor no coração,
nem que o pulmão se tornasse como gesso;

sem dúvida meus percalços eu não meço:
nem todo o ato de amor foi só ilusão,
muitos eu tive de exclusiva carnação,
mas nem por isso qualquer revanche eu peço,

que todo beijo é grelha de armadilha,
na qual de boa-vontade nos lançamos:
algo da alma sai em cada expiração,

toda revolta só de incerteza filha,
por não acharmos nele o que buscamos,
sem o azul-rosa da ansiada exultação.

ESCÁRNIO IV

irmão Augusto, será que mais sofreste
do que eu próprio ao longo do caminho?
qual foi o ódio que te fez tão escarninho
em tal repúdio da saliva que bebeste?

o teu modelo, não obstante, concedeste,
férvida chama no gotejar do espinho,
gélida flama nas negaças do carinho...
quanto esperavas da vida que perdeste?

todos nós temos momentos de revolta,
mas não ao ponto de se cuspir na boca,
como mandaste, no instante em que se beija!

pois mais magoa a língua que anda solta,
na qual muxoxo de descaso espoca,
sem que algum ósculo sobre a nossa enseja!

DESCONTENTAMENTO I – 10 MAI 17

sempre nutri certas dúvidas profundas
sobre se a morte existe – e me parece
que independente de rezas ou de prece
nos aguardem cercanias mais jocundas,

depois que o corpo cesse e que as imundas
necessidades que a carne hoje nos tece
despareçam quando a mente cesse
e a alma se infle de proporções rotundas.

pode até ser que exista encarnação,
uma após outra e que as vidas que hoje amei
eu reencontre então num outrossim;

ou bem diverso se demonstre o novo então...
só sei que nunca na morte acreditei,
se bem suspeite que a morte creia em mim!

DESCONTENTAMENTO II

no grande dia do descontentamento,
eu lembrarei de ti desde a alvorada,
até que o horário se reduza a nada
e não mais possa apalpar qualquer momento.

no grande dia do desapontamento,
recordarei de ti na minha estrada,
degrau após degrau em longa escada
que galgarei sem maior pressentimento.

o que mais temo é não mais precisar
de tua presença o quanto a quero agora,
nesse meu dia de final deslocação,

pois bem queria, caso houvesse despertar
ver a tua sombra na sombra dessa hora,
à minha ligada sem maior separação!...

DESCONTENTAMENTO III

porém suspeito, para meu desdouro,
que nesse mundo que ao tempo descartou
pouca lembrança deste mundo me sobrou,
minha morte a mastigar-me o nascedouro;

que lá não haja amor imorredouro,
mas que esse amor que nos acalentou
seja uma parte do que se abandonou,
após o corpo encontrar seu matadouro;

que seja o amor carnal igual que a fome
ou a sede aguda que se sente no calor
ou esse frio que à meia-noite nos consome

e as exigências de deitar emunctório,
lágrima e sangue, regatos de suor,
para trás a abandonar nesse envoltório.

DESCONTENTAMENTO IV

e se acaso isso me ocorre, realmente,
tendo deixado para trás toda a memória,
uma quimera todo o amor, emunctória,
somente ao corpo pertencendo totalmente,

e que no Hades ou no Nirvana assente,
a mente inteira se torne consistória
de outro ambiente, um vácuo toda a história
que no meu cérebro se fez um dia premente.

caso em tal céu tiver de te esquecer,
preferiria que houvesse morte, no final,
sem precisar de sofrer o teu olvido,

mas que só fosse um perpétuo adormecer,
sem me bater o coração no carnaval
do esquecimento que em chaga o tem ferido
 
JOÃO E MARIA - WILLIAM LAGOS, 05-13-1977

Há tantos nomes neste mundo, tão estranho, tão antigo,
Há tantos nomes neste mundo, tão nefasto de perigo,
pra chamar o seu amigo, pra chamar o seu irmão...
Nomes que lembram a grandeza de um valente!...
Ou que recordam um passado surpreendente!...
Nomes estranhos desafiam a memória, são gravados pela história da beleza que morreu...
E existem nomes esquecidos pelos povos, que só usam nomes novos,
que o passado não nos deu...
REFRÃO: Meu amor é só Maria!...  Meu amor se chama João!... 
Porém há nomes neste mundo tão usados, tão antigos,
que parecem flores murchas, cerejeiras sem botão!...
Sempre vêm acompanhados, sempre trazem um refrão!...
Nomes que lembram a mulher de mais pureza,
E que recordam sua virtude e sua beleza:
Maria Luísa e Maria Madalena, e Maria Aparecida e Maria Conceição...
Maria da Graça, Marilena e Maria Auxiliadora e Marilu --- Maria Bonita de Lampião!...

Nomes usados tantas vezes, repetidos tantos meses,
que seus pais até preferem outros nomes sempre dar!...
É João pra cá, José pra lá e João José e José João!...
Do carpinteiro, de Maria o esposo santo,
do amor o apóstolo fiel e sacrossanto !...
José Roberto, João Antonio, João Alberto, José Pedro,
João Henrique, João da Silva, João Manuel!...
José Cipriano, João Honório, João Luís, João Alexandre,
João Alfredo, João Calixto, João Miguel!

Há tantos nomes neste mundo, tão volúvel, tão mutável,
sempre atrás de novidade, sempre atrás de diversão,
Que sempre troca o amor antigo pelo novo sem valor...
Eu não esqueço teu perfume no passado!
Eu te prometo ficar sempre do teu lado...
Novos amores para mim são mariposas, são falenas que esvoaçam
e não passam de ilusão!... Escuta sempre meus suspiros
tão sentidos, meus gemidos tão sinceros, que provêm do coração!...

TREM DA SAUDADE - WILLIAM LAGOS 5-13-77

Trem da saudade, quanto vale a liberdade? Trem da saudade, quanto vale a mocidade?
Não sei ao certo quanto vale tanto brilho, eu não saio do meu trilho, todo o mundo já cruzei!...
Pouco me importa que a estrada seja torta, o passado é permanente  e eu jamais descarrilei!...

Maria Fumaça, qual é o preço do passado?  Maria Fumaça, quanto dói estar ausente?
Já fui bagagem, para noiva fui carruagem, fui correio, fui viagem de negócio e diversão!...
Fui batizado, transportei tanto recado, tanta carta de pecado, de tristeza e até caixão!...

Trem da Saudade, quanto vale a Liberdade? Trem da Saudade, quanto vale a Mocidade?
Quando menino, eu tocava forte o sino, mas agora, co'a fumaça, meu apito enrouqueceu...
Toda essa gente, que me espera descontente, não compreende que, esperando, nunca sofre como eu!...

Locomotiva, há muita dor no meu futuro? Locomotiva, meu destino vai ser duro?
Que leviandade, sempre soube qual cidade, qual aldeia, qual povoado encontrar no meu ramal!...
Se isto te ajuda: teu passado nunca muda, na incerteza do futuro a esperança é o teu fanal...

Trem da SAUDADE, quanto vale a LIBERDADE...?  TREM DA SAUDADE, quanto vale a MOCIDADE...?
Faz teu destino, que é mais claro que o meu sino, mais bonito que um apito ressonante de vapor!...
Pois tudo passa:  mocidade, força e graça; só perdura a obra feita, com carinho e com amor.

neverness I – mar 01, 2006

strange indeed is our kind of love:
of mails exchanged when the web cares,
of saying things no one else dares,
of never being heard at the time we strove.

strange indeed is our courier dove:
fickle and whimsical, never available
when we most need'er, never pliable
to follow the pathways such messages rove.

for when we send those mails on-line,
they never come to their aim on time,
but hours take till the other is tired

of waiting -- and off ends to sign,
so that the only way for us is gather rhyme,
which is timeless, though love has us mired.

but a shadow I – mar 02, 2006

'twill lead to nowhere, far as i know:
too many hurdles, too many impediments
to hamper this yearning's developments,
all set and ready for sensible forego.

most of all the lady's feelings, where
there is no place for the embasements
of further plans, for emplacements
of future joys' standing anywhere.

but the way it is, I FEEL ALIVE,
like never felt for many years past
and 'tis so warm to have her as guest

of my empty heart, her conquest
is meaningless, no goal for me to strive
than to have my soul by her blue shade blest.

poem churning I – 03 mar 2006

a fact it is: that in your absence
i write a lot; but when you're near
i keep scribbling and your sight clear
lights my way with often permanence.

a pact it is: that for your presence
i traded my soul, so as to keep in gear
the brain engines that, without pain or fear,
regurgitate poems to the redolence

that once you left in my dark den,
keeping my nostrils full, and making
my eyes see you, day and night, when

they but spy the places you've been
and moved through and let, for the taking
a ghost that can by mind alone be seen.

Acquiescence – 04 mar 06

a fact again it is: that with the web
i can invade you, and straight home
throw at you my verses, in trying to hone
your heart to the shape that stab

i'll be able to, with love for me,
for me alone, forgetting all the past
ghosts of sorrow, laying down to rest
the phantoms of former loves with glee,

to share a love anew, a love sinful,
a love askance, a weird love, a dark
way of expectation, yes, a doubtful

plunging ahead, to the very abyss
you fear so much, and embrace this spark
that shall fulfill your heart with fiery bliss.

SATISFACTION...    5 mar 06

Have nothing to say, for empty I feel
Like you told me you felt days ago:
My book is over, a paper, a farrago
Of mails from people bring me no thrill

Like that a single line from you would bring,
Telling me naughty things, or indifferent,
Stepping back again, showing no bent
To a deeper involvement, like anything

Come from you would make me happier
Than those boring duties bothersome;
And when mayhap something nicer had come

Then my old heart would beat the sappier
With hopeless fun and ironic achievement,
Better still for me than daily discontent...



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