A BRUXINHA DA PRIMAVERA
&+
Novas séries de William
Lagos.
A BRUXINHA DA PRIMAVERA --
2/1/2018
AMORES ESQUECIDOS --
3/1/2018
ÁGUAS CALMAS -- 4/1/2018
MUITOS AMIGOS -- 5/1/2018
SENHOR DE TUDO -- 6/1/2018
O GEMIDO DA CARROÇA --
7/1/2018
A BRUXINHA DA PRIMAVERA I
-- 2 JAN 2018
(Traduzido e adaptado de um
conto de Ray Bradbury)
Versão Poética de William
Lagos
Sob a luz das estrelas
Cecy ondulava,
sobre campos e valados
invisível,
igual que as brisas da
meiga primavera,
tal como o trevo que
perfume exala;
por entre as asas de uma
pomba penetrava,
farfalhava como um ramo
inexaurível,
o rugido a partilhar de
alguma fera,
era a hortelã que ante a
margem trescala
e se inseria entre os
pelos de algum cão,
latindo alegre, igual que
em oração!...
Os musgos todos da terra
percorria
e como um grilo brilhante
cricrilava,
era a cigarra estridulando
num portão
e ainda coaxava pela boca
de uma rã!...
Em cada ser do entardecer
se intrometia
e no crepúsculo ainda mais
dançava,
estranho impulso a lhe
tanger o coração,
percorrendo dos esquilos
cauda e lã...
Mais do que nunca
executava tais afanos,
pois completava seus
dezessete anos...
Hoje eu desejo poder me apaixonar!
-- murmurava Cecy para si
mesma...
Dissera coisa igual no
desjejum,
consternados, seus pais a
lhe falar:
"Paciência", seu
nome a pronunciar,
Cecy seu apelido, em breve
resma...
"você não pode
apaixonar-se por nenhum
desses rapazes que pode
contemplar!
São humanos como nós, mas
diferentes,
casar só pode com nossos
parentes!..."
"Caso o fizer, perderá
os seus poderes
e cedo ou tarde irão os
dois se separar,
mas não irá recobrar a
faculdade
de projetar sua mente pela
noite...
Não entenderão se de dia
adormeceres
ou que de noite te queiras
levantar.
e muito menos a tua
imobilidade,
que te permite viajar como
um açoite!
Pensarão ser outra coisa,
ser doença,
padres e médicos trazendo
à tua presença!"
A BRUXINHA DA PRIMAVERA II
"Pior ainda, ficarão
bem desconfiados
caso lhes contes, até
terão inveja,
sem compreender que não
possas partilhar,
uma vampira afinal te
julgarão!
Pensa bem antes de teres
namorados,
teu poder se perderá em
quem te beija,
mas sem que possa tal
poder roubar,
igual que bruxa te
considerarão,
sem entender que nós
apenas projetamos
as nossas mentes e com
elas nós voamos..."
"Pensa apenas no
trabalho de teu pai:
numa cidade pouco seríamos
notados,
porém de dia não se
consegue adormecer;
então para este povoado
nos mudamos
e como vigia noturno o
pobre vai,
seis períodos a cada noite
esperdiçados,
sem poder se dedicar a seu
prazer,
enquanto nós com alegria
passeamos!..."
"Parentes meus se
tornaram escritores,
porém eu nunca partilhei
desses pendores..."
"Mesmo assim, ainda
preciso, algumas vezes,
durante o dia, assistir a
uma reunião
ou acompanhar os
companheiros a algum bar,
para que a nossa condição
não dê na vista..."
"E se consegues
atravessar os meses
Prudência, sem qualquer
perturbação,
é de manhã que a comida
vou comprar...
E se a um namoro com
alguém você insista,
horas noturnas terá de
sacrificar,
sem de dia poder de fato
descansar!"
Cecy foi forçada a
concordar
e prometeu desistir de tal
ideia,
mas em seu quarto, um
perfuminho colocou
ao se deitar em seu bonito
leito,
alguns minutos
limitando-se a pensa:
Posso habitar de lobos a alcateia
e nas águas de um riacho inteira estou,
como a poeira de um caminho até me ajeito,
se quiser, passo o inverno sob a terra
ou na caverna que algum urso encerra...
A BRUXINHA DA PRIMAVERA
III
Mas que interesse nos meus primos tenho?
Com todos já passeei e não gostei,
mesmo os menores são uns pretensiosos!...
Talvez encontre algum primo europeu,
mas hoje faço aniversário e é meu empenho
me apaixonar - e me apaixonarei!...
Proibiram-me habitar nos vagarosos
seres humanos comuns... Porém se eu
só por mim não me posso apaixonar,
como outra jovem eu irei me enamorar!
Assim pensando, fechou os
olhos e partiu.
Nem sei por que meus pais me proibiram
de preencher qualquer gente comum!
Dizem só que causarei sua desconfiança...
Mas quem habito, de fato, não me viu!...
Assim, seus olhos da mente
persistiram,
sem avistar a ser humano
algum
em que pudesse penetrar
com esperança,
até avistar, ainda a noite
no começo,
bela jovem, sem sequer um
adereço...
Teria, talvez, uns
dezenove anos,
robusta e forte e na
verdade bela,
com um balde a tirar água
do poço
e a cantar enquanto erguia
a corda...
Cecy tombou, folhinha em
verdes panos,
dentro do poço e passou
pela donzela;
dentre as gotas de água,
num retoço,
ficou dançando até passar
a borda
daquele balde que a moça
suspendia
e logo um gole de água a
outra bebia!
Com a água, Cecy nela
penetrou
e a seguir, por suas
vistas ela olhava:
por detrás da testa lisa e
amorenada
seu cérebro era uma rosa
adormecida...
Por suas narinas a água
farejou,
pelos ouvidos os ruídos
escutava,
seu coração numa calma compassada,
trauteando a língua canção
desconhecida...
E num impulso, se atreveu
a perguntar:
"Sabes quem te está
agora a acompanhar?"
A BRUXINHA DA PRIMAVERA IV
A garota sentiu um
sobressalto;
olhou em volta: "Mas
quem se encontra aqui?"
"Somente o vento"
-- Cecy lhe retorquiu.
"Foi só o
vento," disse a moça, envergonhada.
Mas por que me proibiram este assalto?
Os membros dela são os mesmos que em mim vi!
Na boca um gosto de sidra
ela sentiu,
a cabeleira clara numa
touca conservada,
o corpo esbelto que se
movia, sinuoso,
sua pele lisa como o musgo
mais formoso...
"Gosto de estar
aqui!" -- disse a bruxinha.
"Mas o que é
isso?" -- interrogou a moça.
"Como é teu
nome?" -- Cecy lhe perguntou.
"Ann Leary... Mas por
que devo dizer
o meu nome em voz
alta? Estou sozinha!"
"Ann, Ann,"
falou Cecy, em tom de troça.
"Vais te apaixonar
daqui a pouco," -- lhe afirmou.
"Mas o que é
isso? O que está a acontecer?"
Como em resposta, apareceu
na estrada
um carroção, que suspendeu
a disparada.
Um rapaz forte, alto e moreno,
puxou as rédeas e assim
fez estacar
seus dois cavalos robustos
de parelha.
Vistos de baixo, seus
braços pareciam
ter músculos imensos. Num aceno,
da boleia ele pulou, sem
vacilar:
"Ann, querida! Seu rosto o sol espelha!"
"Ora, Tom, és
tu..." "Quais mais seriam?"
"Eu não desejo mais
falar contigo!"
"Não, Ann!" --
disse Cecy, do seu abrigo.
Ann parou de repente,
olhou ao redor,
para as colinas e as
primeiras estrelinhas,
perdeu o controle do balde
e derramou
parte da água sobre os
próprios pés.
Contemplou o rapaz com
algum temor:
"Olha o que fizeste!
Molhei minhas sandalinhas!"
Tom soltou uma risada e se
ajoelhou.
"Olha o que eu vou
fazer!" Com rapapés,
tirou um lenço do bolso e
começou
a lhe secar os pés. Mas Ann recuou...
A BRUXINHA DA PRIMAVERA V
"Não quero! Não me toques! Vai embora!"
Mas o rapaz em sua tarefa
prosseguiu...
Cecy lhe viu o formato da
cabeça,
a largura dos ombros e o
perfil
e controlou-lhe a língua
nessa hora,
e a dizer "Muito
obrigada!" ela insistiu.
"Da educação é bom
que não se esqueça..."
brincou o rapaz, com seu
riso varonil.
Não fora Ann a falar dessa
maneira,
porém Cecy, a
controlar-lhe a fala inteira...
"Eu já antes te falei
que não te quero!"
"Calma, Ann, hoje
precisas ser gentil!..."
Levou-lhe a mão a passar
por sobre a testa
do rapaz... Mas
estou ficando louca? --
pensou Ann. "De ti mais nada espero,
sem dúvida... Foi só um
gesto feminil...
Mas, então? Afinal, vamos à festa?"
"Ah, não sei!"
-- já dominava a própria boca.
"Por que não vais com
essa tua namorada?"
"Qualquer outra já é
coisa ultrapassada!"
"Foi só a ti que eu
hoje convidei!..."
"Ah, sim? E a Martha, a Thereza, a Micaela?"
"São minhas
amigas," -- disse Tom, "e nada mais."
"Pois eu não sou
sequer amiga tua!"
"Vamos, Ann... Olha,
até me preparei...
Só alguma poeira me
subiu... A noite é bela!
Vamos ao baile! Vai ser lindo por demais!..."
"Não!" -- disse
Ann. "Vai tu, põe-te na rua!"
"Ah, sim!" --
disse Cecy. "Eu quero ir!
Quero ir ao baile, não
podes me impedir!"
"Ah, já nem
sei..." -- Ann balbuciou, confusa.
"Eu quero! Eu quero!
Eu quero hoje dançar
a noite inteira, meus pais
nunca me deixaram,
só posso ir se estiver
dentro de ti!,,,"
"Vamos lá! Não inventa alguma escusa..."
"Está bem. Então vou te acompanhar...
Sei lá porquê. Minhas ideias se mudaram..."
"Então vai te
arrumar... te espero aqui..."
"Tudo bem, vou lá
dentro de banhar..."
"Fico aqui fora para
te esperar..."
A BRUXINHA DA PRIMAVERA VI
"Mamãe..." --
falou Ann. "Mudei de ideia..."
"Mas por que? Vocês não tinham brigado?"
"Não querias nunca
mais ver o rapaz?"
"Ah, não sei...
Deixei ele lá fora..."
"É primavera!"
-- disse Cecy de sua soteia.
"É primavera,"
-- disse Ann. "Está
explicado."
E foi banhar-se. Então
falou: "é bem capaz
que outro galã me agrade
nessa hora!..."
Durante o banho, Cecy se
distraiu
e pela espuma do sabão se
imiscuiu...
De repente, sentiu que a
jovem lhe escapava
e bem depressa para ela
retornou.
"Mas quem és
tu?" Ann agora percebeu.
"Sou uma garota de
dezessete anos..."
"Mas eras tu que
minha língua controlava!
Não fui eu! Foste tu quem aceitou!...
"É verdade, mas bem
que te valeu,
é um lindo rapaz, sem mais
enganos..."
"Mas eu não o
quero! Já fomos namorados
e me traiu mais de uma
vez, sem mais cuidados!"
"Estou emprestando
meu corpo à feiticeira
da primavera!" --
disse Ann, cheia de medo.
"Que mal vai ela esta
noite me causar...?"
"Não te farei mal
algum! Eu sou gentil.
Mas deves ir à dança e ser
brejeira,
deste prazer esta noite
jamais cedo,
por mim podes até trocar
de par,
só não escolhe qualquer
matuto vil!..."
"Mas sai agora,
enquanto o rosto pinto...
Quero ao menos saber como
me sinto!"
Por um momento, Cecy se
retirou
e de imediato Ann sua
mente endureceu:
"Vai-te embora! Não deixo que entres mais!"
Entrou a Mãe. "Tom ainda está lá fora!
Com quem você agora mesmo
conversou?"
"Ele que vá
embora! Boas razões me deu!
Que vá embora para
retornar jamais!..."
Porém Cecy a controlou
mais do que outrora:
"Não podes fazer isso
com o rapaz
e é preciso que ao baile
hoje tu vás!..."
A BRUXINHA DA PRIMAVERA
VII
"Afinal, digo o que
para o rapaz?"
"Que vá embora! Não, que me espere!
Eu já nem sei!..."
"Eu que não vou me intrometer...
Queres ajuda para prender
o colar?..."
"Não, isso a gente
mesmo faz..."
Gritou Cecy, sem que a
expressão se altere.
"A gente? Não és tu que o vais prender?"
"Tom é ótimo
rapaz! Vocês vão se arranjar,"
A pobre Ann já começou a
chorar...
"Não faças isso! A pintura vais borrar!..."
Ann pôs o xale sobre seu
vestido.
"Não sei por que você
quer me obrigar!"
"Eu te prometo não
fazer nada de mal,
eu só desejo ir ao baile
desta vez..."
Saiu Ann para fora com um
gemido.
Disse-lhe o Pai: "Vê
se não vais maltratar
o pobre Tom, igual que no
Carnaval!"
"Foi culpa dele! Já
esqueceu o que me fez?
Boa noite, então! Só vou
voltar bem tarde!"
"Confio em Tom para
que bem te guarde!"
Falaram pouco ao longo
dessa estrada.
Tom respeitou-lhe o
silêncio com cuidado.
Já quase lá, falou:
"Eu te agradeço,
esta noite, que para mim
já era especial,
por tua presença ficou
mais aprimorada..."
Ann o mirou de um jeito
desconfiado
e sua ajuda recusou:
"Eu mesma desço..."
Viu no salão um brilho
espectral,
mas estava cheio de seus
conhecidos,
ela e seu par estavam bem
vestidos...
E assim dançaram por horas
a fio,
sem Ann querer sequer
trocar de par;
Cecy sentia-se no Sétimo
Céu,
a alegre música a fazia
rodopiar,
olhos brilhantes como
luzes de pavio...
Cada ritmo Ann sabia
dominar,
em longo vórtice, como um
fogaréu,
porém bailava quase sem
falar.
"Estás
estranha..." -- Tom lhe comentou.
"Sim, estou
estranha. Não sei quê me pegou."
A BRUXINHA DA PRIMAVERA
VIII
"Eu não queria vir
aqui, entendes?"
"Tenho hoje uma
estranha sensação,
vejo teus olhos e mal te
reconheço..."
"É a mim que vês!" -- lhe projetou Cecy.
"Não sei de fato se
tu me compreendes..."
"Por que vieste. se
não querias, então?"
"Eu que quis vir, se bem mal te conheço!"
"Foi a Bruxa da
Primavera que me fez vir aqui!
Nem sei por que estas
palavras me saíram!"
"O que importa é o
que nos permitiram..."
"Fui eu que vim, Tom, hoje sou eu!"
falou Cecy. "E
eu já me apaixonei!"
Mas foi a voz de Ann que o
pronunciou...
"Querida Ann, sabe o
que está dizendo?"
"Não sei, não
sei! Não sei o que me deu!"
Mas eu sei! -- pensou Cecy. Eu que
falei!
Prosseguiu Tom: "Meu
coração te amou,
anos atrás e não o estavas
esquecendo,
mas tenho medo outra vez
de me iludir...
Irás de novo meu coração
partir...?"
"Mas foste tu,
malvado, que partiste o meu!"
"Éramos jovens, eu
não agi por mal...
Foi tão só uma tolice, a
tentação,
não sabes quanto eu já me
arrependi!..."
E sem parar de dançar, o
par desceu
pela escadinha, em passo
natural
e Tom pediu-lhe então a
permissão
para beijá-la e um beijo
deu-se ali...
Era Cecy correspondendo ao
beijo,
algo tão novo, mas louca
de desejo!
Mas, de repente, não era
mais Cecy,
mas Ann somente que ao
beijo respondia,
suas faces encarnadas de
paixão...
Cecy sentiu-se um tanto
deslocada:
"Para com isso! Não
é o lugar aqui!
Vamos logo para casa!" -- ela pedia...
Tom aquiesceu. Tomou-a pela mão
e até a caleça levou sua
namorada...
Em silêncio, os dois
voltaram para casa,
seus pensamentos ocultos
nessa vaza...
A BRUXINHA DA PRIMAVERA IX
Quando chegaram, afinal,
junto ao portão,
"Ann," -- disse
Tom -- "preciso te dizer
duas coisas. Primeiro, eu me alistei
e vou passar dois anos no
quartel.
Fica bem longe daqui a
guarnição..."
"Foi só por isso que
insististe por me ver?"
"Não. Uma segunda coisa eu te direi:
Esse teu beijo foi doce
como o mel,
deixas que agora te beije
novamente,,?"
Sim! -- pensou Cecy. Ann disse:
"Sim!", contente.
E novamente foi um beijo
bem sincero...
Mais uma vez, Cecy viu-se
de fora!
"Era essa a outra
coisa que querias?"
"Não," disse
Tom. "Queres casar comigo?
"Em cada folga eu
voltarei." "Te espero,
mas eu não quero que te
vás embora!"
"Agora é
tarde... Porém, me escreverias?"
"Toda a
semana!" "E eu estarei
contigo,
mesmo estando lá longe no
quartel...
Eu também te escreverei,
Lábios de Mel!"
"Virei te visitar
quando puder
e o meu primeiro soldo
empregarei
para comprar o par das
alianças...
Posso contar com o
noivado, então?"
"Claro que sim. Será o que Deus quiser..."
"Até a porta eu te
acompanharei;
de um novo beijo terei as
esperanças..."
Porém Cecy sentiu partir
seu coração:
Mas não é ela! Eu que me
apaixonei,
amado Tom!... Eu não te perderei!...
E num, impulso, para Ann
falou:
"Diz a ele que vá me
visitar!
"Escreve num papel
meu endereço!
Ann se percebeu forçada a
obedecer
e para o namorado,
murmurou:
"Quero primeiro minha
bolsa segurar...
Tenho uma amiga do maior apreço...
Seu endereço vou agora te
escrever..."
Logo rasgou um pedaço de
papel:
Vai visitá-la numa folga
do quartel!"
A BRUXINHA DA PRIMAVERA X
"Está bem, se for
essa a tua vontade...
Cecy Elliot -- 36, Alameda
do Pinheiro...
Mas preferia visitar a ti somente,
pois não terei muitas
folgas no quartel..."
Experimentando qualquer
perplexidade,
Ann pespegou-lhe um beijo
derradeiro.
Cecy nesse último estando
bem presente:
"Não vás perder esse pedaço de papel!"
"Não vou
perder," disse Tom, embaraçado.
"Mas por que isso?" -- pensava,
desconfiado.
Passou-se o tempo. Voltou sempre que podia
e realmente comprou-lhe as
alianças
e os dois noivaram, cheios
de alegria;
cumprido o prazo, mais
tarde se casaram.
Mas nessa noite, já Cecy
se despedia,
para casa a levar falsas
esperanças...
Porem Tom já depressa se
esquecia:
deixou o papel num bolso e
então lavaram
as suas calças e o
endereço se apagou...
Só uma vez que outra ele
lembrou...
Anos depois, já um casal
feliz,
Tom e Ann daquela noite
recordavam:
"Estavas tão estranha
nessa dança..."
"A Bruxa da Primavera
me levou...
Mas lá no fundo, fui eu
mesma que quis,
bem diferente das coisas
que falavam,
foi a Bruxinha que causou
nossa bonança...
Quem sabe ela também se
apaixonou?"
E os dois riram, a seus
filhos contemplando,
sem sequer desse endereço
mais lembrando!
E o que ocorreu com a
pobrezinha da Cecy?
À própria custa, aprendeu
dura lição:
por que não devia habitar
seres humanos,
maldade alguma havendo na
sua gente...
Seu coração rejuntou daqui
e dali
e eventualmente até
aceitou, sem emoção,
casar com um de seus
primos lituanos,
para uma tépida relação
benevolente...
De vez em quando, de Tom
até esquecia,
quando em seus voos pela
noite se perdia!...
AMORES ESQUECIDOS I --
3/1/2018
"Só se esquece de um
amor por outro amor",
diz o ditado, ao contrário
de Neruda,
que a tal primeiro amor em
verso escuda,
como perpétuo a conservar
o seu calor...
Do mesmo modo, a infância
tem odor
que permanece nas narinas,
uma aguda
memória, a que qualquer
perfume ajuda
e quanta coisa se ajunta a
tal olor!...
Faz o perfume recordar
qualquer visão,
a própria luz em anterior
coloração,
as sensações que então nos
trouxe o frio,
o sabor nas papilas, em
que estão,
mais do que doces, o azedo
em desafio
e de uma vespa, a picada de
ocasião!
AMORES ESQUECIDOS II
É impossível se olvidar as
sensações
que a memória iniciaram
nesse então;
tábula rasa nesse tempo o coração,
fundos os cofres dos
iniciais pendões.
Até recordas do perfume
dos balões
que ante teus olhos te
encheram de paixão;
fica a lembrança de tal
coloração,
fica o estouro gravado nos
pulmões!
Ou daquele brinquedinho de
magia,
que por detrás de uma
cadeira se escondia,
nos meandros a que a corda
o conduzia!
Ou aquele doce que na
língua derretia,
do rádio ou algum piano a
melodia,
ou os beijos que nas faces
se sentia!
AMORES ESQUECIDOS III
Assim, de fato, o vero
amor nunca se esquece,
igual que se recorda a
humilhação,
qualquer vergonha ou
castigo sem perdão
ou as sentenças decoradas
de uma prece.
Mas no momento em que novo
amor nos desce
e banha em calda nosso
coração,
não se renova do velho
amor a brotação,
que o novo amor as
tristezas nos aquece...
Não é que morra de fato o
amor antigo,
se bem nos traga novo amor
felicidade,
se o amor recente nos for
correspondido,
mas o buquê se deposita no
jazigo
do arcano amor, até contra
a vontade,
em memorial desse tempo já
perdido.
ÁGUAS CALMAS I -- 4/1/2018
"As águas calmas são
mais perigosas,"
eis um conselho a que
pouco se atende;
com más palavras até mesmo
se ofende
quem nos exprime tais
palavras cautelosas.
Não é de fato que em
torrentes caudalosas
menor perigo para nós se
prende,
mas facilmente o
atrevimento rende,
ao ver que trazem forças
poderosas.
Dificilmente se as buscará
enfrentar,
quando ainda temos mínima
experiência,
até os troncos que
arrastam se assistindo.
Mas há um remanso bem
perto do lugar
que nos parece não possuir
grande potência,
tranquilas águas nesse
banho lindo!...
ÁGUAS CALMAS II
Mas com frequência, a água
é mais profunda
do que se espera, junto da
ribeira,
que até desce, de repente,
a ribanceira
ou se encontra no sopé um
lodo imundo.
Ou é de areia límpida, mas
é fundo
esse estrato sem firmeza e
bem traiçoeira
a bela água, transparente
e lisonjeira,
que não dá pé, de
fato. E num segundo
vê-se o incauto puxado
para baixo,
coisa comum também na
beira-mar,
quando ondas mansas chegam
a bailar,
mas de repente, o pé perde
o encaixo
e já o refluxo arrasta o
infeliz
que ouvidos moucos deu ao
que se diz!
ÁGUAS CALMAS III
Pois isto ocorre também na
sociedade,
em que evitamos lugares de
má fama
e aquele amigo a quem fiel
se chama
é quem nos trai, tendo
oportunidade.
E é nessas ruas calmas,
bem verdade,
que um veículo sem buzina
que o proclama
de repente envereda, numa
trama,
sem controlar a sua
velocidade.
E o mesmo ocorre com nossa
esperança,
a feiticeira verde e
lisonjeira,
por quem deixamos de lado
a precaução,
pois não é sempre que se
espera que se alcança,
mas essa calmaria é bem
traiçoeira
e causa mal maior que a
agitação...
MUITOS AMIGOS I --
5/1/2018
"Quem é amigo de
todos, na verdade,
não o é de
ninguém." Busca somente
a melhor situação que se
apresente
para proveito tirar dessa
amizade.
Muita gente se apresenta,
sem maldade,
como sendo tua amiga,
realmente,
porém de fato é tão só
indiferente
ao mal que te possa advir
da sociedade.
E nem ao menos será um ser
malvado;
é apenas egoísta e pensa
em si,
cada amigo a servir-lhe de
degrau;
mas é bom que seja sempre
bem tratado,
sem que confies nesse
bem-te-vi,
que para si somente busca
um vau.
MUITOS AMIGOS II
Não é em vão que se
proclama o dente
como aquele que somente a
ti ajuda
e a ninguém mais, por
demasiado aguda
necessidade tenha tal
vivente!...
Claro que é algum dos
odontos impaciente
e te morde a bochecha em
talha ruda
e nesse caso, não existe
quem te acuda,
se o próprio dente te for
malevolente!
Mas é difícil que mesmo um
desdentado
se disponha a engolir o
mastigado
nos carinhos de tua língua
e tua gengiva!
Nem com um beijo frequente
acostumado,
um certo nojo existe, que
se ativa,
se um tal alvitre lhe for
apresentado!...
MUITOS AMIGOS III
É só amigo de si mesmo
quem afirma
amigo ser de todos, ainda
que
haja de fato algum de quem
se vê
que como amigo de muitos
se confirma.
Will Rogers, o cowboy da
antiga firma,
seu laço a manejar qual
bilboquê,
costumava dizer, ou assim
se lê,
"Nunca encontrei
alguém," -- nisso reafirma,
"de quem eu não
gostasse." Homem valente!
Especialmente se
lembrarmos que, frequente,
se encontraria com gangsters e bandidos!
Mas uma coisa é gostar,
naturalmente,
e outra ver-se
sacrifícios, concedidos
pelo bravo vaqueiro a
tanta gente!...
SENHOR DE TUDO I --
6/1/2018
"Senhor, só há um e
está no céu."
E por certo Ele o é de
todos nós.
Senhorias requeriam-nos os
avós,
nesse respeito que hoje
segue ao léu.
Mas convencido aqui existe
"pra dedéu".
Há empertigados, qual que
nos seus cós
das calças amarrassem com
bons nós
alguma tábua, melhor
servindo a fogaréu!
Nem é de fato que sejam só
egoístas
ou de indiferenças por
demais deliberadas;
mas a inteligência é neles
limitada,
sem qualquer sensibilidade
a lhes dar pistas
dessas pequenas crueldades
praticadas
a qualquer um que cruze
por suas vistas...
SENHOR DE TUDO II
Procuram ser, certamente,
populares,
por mais que julguem serem
importantes:
"Não sou
"senhor", use "você", igual que dantes,
falam eles... ou usam
frases similares.
Mas na verdade, são falsos
seus olhares,
sem que deem importância
aos circunstantes,
por submissão alheia
delirantes,
buscam no mundo só
interesses singulares.
Quando de fato, só recusam
"senhoria",
porque respeito de fato
não indica
e muito menos a
"Excelência" autoritária
com que deputado ao colega
xingaria,
ou senador contra o colega
"intica"
e no Supremo tal ofensa é
até diária!...
SENHOR DE TUDO Iii
Não obstante, no Céu está
o Senhor,
muito acima de qualquer
autoridade,
a Senhoria a demonstrar
nossa humildade,
que cada um se curve em
Seu louvor!
Seu Santo Nome respeitando
com amor,
sem nunca em vão O tomar
pela cidade;
mesmo em igreja, repeti-Lo
é uma vaidade
que se devia evitar com
certo ardor...
Os Céus e a Terra estão
cheios de Sua glória,
como escrito se encontra
no Evangelho
e até mesmo quem nutrir
mínima fé
o Seu Poder reconheça pela
história:
tudo fez bem -- somos nós
rachado espelho,
mas Senhor nosso Ele por
certo o é.
O Gemido da Carroça 1-- 7/1/2018
"O boi é que sofre, mas a carroça geme!"
E quanto sofre, às vezes o animal!
Não tem descanso sequer no Carnaval.
Ao ver o sol raiar, o esforço teme...
Para o trabalho funciona como leme,
Dele cortada a potência semental,
Músculos crescem, trabalho não braçal,
Porém "patal", na carga que o condene...
O boi somente arfa ao respirar
E como o burro, quase não se queixa,
Do carroção só as rodas a gemer
Pela carga de que precisam suportar,
Se bem sozinho o carro não se mexa,
De fato o eixo a lhe dar todo o poder.
O Gemido da Carroça 2
Há muita gente pelo mundo assim,
A se queixar das cargas mais pequenas,
Mas seu esforço pouco ajuda; é apenas
A força doutrem que as carrega enfim.
Colaboração se reconheça, no outrossim,
Mas nunca ouvi queixar-se as açucenas,
Sendo os talos que suportam suas empenas,
Tampouco queixa-se a raiz que está no fim.
Mas para o solo a flor a fronde pende,
Sem equilíbrio fornecer ao cabo...
Quiçá se queixe o chocalho da serpente,
Embora a força esteja nos coleios...
Talvez se queixe do cachorro o rabo,
Embora a espinha ative seus meneios...
O Gemido da Carroça 3
Mas há quem traga à casa seu sustento
E apenas queixas escute no chegar...
Inversamente, há quem na casa trabalhar,
E busque o outro só divertimento...
A coisa é certa: o vento traz lamento,
Mas é a chuva que vem fertilizar
E é bem mais, igual que o vento, se queixar
Quem menos sofre de padecimento...
Gira o badalo, porém o sino geme,
O sapato se desgasta e dói no pé,
A mente estuda, mas se cansa o olhar,
O barco voga, porem range o leme,
Corre o crioulo altaneiro, sem dar fé,
Mas o ginete vai das costas se queixar!
O Gemido da Carroça 4
Assim bem mais se queixa um comensal
Do que quem lhe preparou a refeição;
Gostos de muitos caprichosos são:
Causou a comida um gás intestinal!...
Mastigação é um trabalho perenal,
Longo cansaço lhe provoca a digestão
E nem sequer oferecem dar a mão
Para lavar os pratos no final!...
Falando sério... Nem é por ingratidão,
Mas só por falta de sensibilidade,
Só se interessam por seu próprio mundo.
O centro esta no ranger do carroção,
Que marcha o boi com longanimidade,
Enquanto a carga dorme em dom profundo.
O Gemido da Carroça 5
Você também conhece gente assim,
Que de explorá-la se acha no direito;
Seu bem-estar está ao deles sujeito
E a Colombina servir deve ao Arlequim...
De quem zombou queixar vai-se o pasquim,
Da acolhida a reclamar quem foi aceito,
Queixa-se o hóspede de seu duro leito,
Vai a bexiga protestando contra o rim...
O ordenhador a lamentar que é dura a teta,
O caçador contra o cansaço da caçada,
O anzol a reclamar ser gordo o peixe...
O espertalhão fala do esforço de sua treta,
Parente pobre se julga injustiçado
E o sem-terra até quer que a enxada o deixe...
O Gemido da Carroça 6
O "encostado" a reclamar de sua pensão,
A filha egoísta por ter menos que queria,
O padre que as coletas maldizia
E mesmo o gato querendo mais ração!
Por ser preso a chorar qualquer ladrão,
O advogado que cobrar demais queria
Por um trabalho que qualquer outro faria,
Sem precisar praticar a profissão!
Processando por direitos o peão
Que na fazenda menos trabalhou;
Resmungando dos doentes a enfermeira!
De tantos mais terás recordação,
Se foste o boi que o carroção puxou
E não as rodas a queixar-se da canseira!
Recanto das Letras
> Autores > William Lagos