TILAKA &+
Novas Séries de William
Lagos 21/2—3/3/2019
Tilaka
(XII) ... ... ... 21 fev 19
As
Duas Mortes (IV) ... ... ... 22 fev 19
Morte
Consensual (IV) ... ... ... 23 fev 19
A
Ruazinha (III) ... ... ... 24 fev 19
Em
Louvor do Vaginal V) ... ... ... 25 fev 19
A Io
de Júpiter (VI) ... ... ... 26 fev 19
Asperezas
(III) ... ... ... 27 fev 19
Meu
Insensato Orgulho (III) ... ... ... 28 fev 19
Deuterocosmos
(III) ... ... ... 1º mar 19
Mesocosmos
(III) ... ... ... 2 mar 19
Protocosmos
(III) ... ... ... 3 mar 19
TILAKA I – 21 FEV 2019
Igual que em uma história de quadrinhos,
a loura estrela desceu do céu pra mim:
“As tuas trovas sempre li, meu arlequim,
mas lá de longe ficam os versos pequeninhos...
Alguma vez, a troco de carinhos,
um cometa emprestou-me a cauda assim,
ou os olhos puros de um pequeno serafim
foram minhas lentes a teus pergaminhos...
Mas mesmo assim, é difícil a leitura
qualquer arcanjo se desgosta de alguns textos
e os apaga para fazer palimpsextos...
Porém os leio com a máxima ternura,
em especial por serem tão variados
e não queria então vê-los censurados...”
TILAKA II
“Alguma vez, se conveniente a conjuntura,
um raio cósmico tornei escorregador
e até tua Terra deslizei, em prateador,
de tua janela a enfrentar vidraça dura...
Assim espiei com bastante mais ventura,
mas é somente quando és o trovador,
quando rascunhas ou digitas com fervor;
não posso ver o que guardas nessa agrura,
quando te ausentas das plagas do escritório...
Mas quando dormes, até posso penetrar
em tua mente, para a minha festejar,
mas se outro ato realizas, em esponsório
com teus selos, ou fazendo traduções,
já não consigo espionar as tuas paixões!”
TILAKA III
“Aqui estou eu, cinco pontas estreladas
a iluminar as fagulhas de teus sonhos,
sejam eles realistas ou bisonhos,
minhas cinco pontas permanecem encantadas...
Se me deixares, ficarão acomodadas
sobre teu colo, nos calores mais risonhos!”
“Quentes demais, são para mim medonhos:
se me queimares, são as trovas acabadas!”
”Quem sabe deva, então, assumir forma
de uma mulher, igual às que descreves
em tantos versos de amor insatisfeito!
Minhas pontas posso transmutar em carne morna,
quatro pontas, quatro membros bem mais breves
e a quinta ponta qual semblante sem defeito...”
TILAKA IV
“Se for assim, não te poderei negar...”
“Aqui, porém, existem cinco escolhos,
minhas cinco pontas são outros tantos olhos
e nem um deles eu posso dispensar...
Dois deles, eu coloco no lugar
das duas órbitas, no berço dos refolhos,
mas outros dois terão de ser antolhos
nas palmas de minhas mãos... Vão te assustar?”
“Creio que não, pois já me preparaste...
E o quinto olho, onde o colocarás?”
“Sobre minha testa o quinto olho se destaca...”
“Igual que um bindi
sobre o cenho o pintarás?”
“Mais do que isso, será olho veraz,
por isso eu trago o nome de Tilaka!”
TILAKA V
“Em hindustani, é o nome do sinal
que indicará a mensagem conduzida
pela mulher que para tal foi escolhida:
não será um olho de hipnótico fanal!...”
“Tal simbolismo para mim é natural,
em muitas faces já o tenho percebido,
a portadora sem notar tê-lo trazido:
será uma honra para mim, ser divinal!”
Assim a estrela ante meus olhos transformou-se,
igual mulher de perfeitas proporções,
sari escarlate a pender de sua cintura
e adorno arcano na cabeça revelou-se,
expondo seios de avatares dimensões,
em tal seminudez, ingênua e pura!
TILAKA VI
E foi então que assentou-se no meu colo,
sem a menor intenção matrimonial,
mas para a tela volvendo olhos sem igual,
somente ansiando ler, em canto solo.
Eu aguardaria seu carinho e seu consolo
por muitas horas de encanto divinal,
mulher-estrela, além do bem e do mal,
mas de súbito, para surpresa e desconsolo,
projetou-se contra a tela e ali ficou,
a partilhar as digitálias ilusões;
em meu espanto, me voltei para a janela,
quando julguei que para ali voou,
mas me sorriu da tela, em sensações
que jamais compartilhei com uma donzela!
TILAKA VII
Depois falou, com um certo desaponto:
“Meu arlequim, já li tudo que aqui estava,
por certo mais do que antes recordava
e em sete níveis percebi cada reponto...
Mas há poder muito maior nesse teu conto,
brota da mente, em que tudo se encontrava,
a perfeição dos versos que buscava,
mas redigidos, vi perder-se qualquer ponto!”
E confessei, que igual qualquer artista,
nunca escandi na obra a perfeição...
“Se me deixares, em ti quero habitar
e afinarei o teu mister de harpista...”
Eu concordei e lhe abri meu coração:
Senti Tilaka em mim, a me inspirar!
TILAKA VIII
Poeta houve a quem príncipe chamaram,
que um dia comentou ouvir estrelas,
dele troçaram, por ilusões tão belas:
de “tresloucado amigo” até o apodaram!
Mais que a Bilac, as estrelas me beijaram
e até assumiram a forma de donzelas,
não que as esculpisse quais velhas estelas,
mas a falar-me não se limitaram,
pois Tilaka entrou em mim, plena e perfeita,
de uma forma espiritual fazendo amor,
flautista doce para alegria ou dor;
que sua vontade profícua seja feita
e em mais perfeitos versos eu prossiga,
que essa estrela por meus dedos diga!
TILAKA IX
Mas indaguei a Tilaka: “Por que eu?
Por que quiseste me estrelarizar?
Por que razão de amor vens-me abençoar,
por que te apiadas de quanto em mim sofreu?
Por que motivo meu versejar te deu
esse capricho de querer-me aperfeiçoar?
Por que desejas meus defeitos afeiçoar
com esse brilho que somente é teu?”
Tilaka dentro em mim, no meu colo imaginário,
tocou-me a mente com seus dedos de platina:
“Em ti eu vejo certo ideal que me fascina,
a imensidade de um acervo candelário,
que pode refletir toda a abrangência
do que em tua raça encontra-se em latência.”
TILAKA X
“Muitos dos teus se fazem bons artistas,
até mais puros do que tu no seu obrar,
há cem pintores, mil poetas a cantar,
são escultores a ressaltar conquistas;
muitos dos teus serão cultos cientistas,
que te ultrapassam ao se especializar
e nos seus campos te podem superar,
de suas concepções mal segues pistas;
outros dos teus são pensadores ou filósofos,
em seu empenho a conceber vastas teorias,
bem mais que tu compõem teogonias;
e mais alguns se arvoram em teólogos,
monges e freiras em vastas agonias,
de tais agruras não concebes nem os prólogos.”
TILAKA XI
“Alguns existem que se tornam historiógrafos,
a registrar o curto e o longo pormenor
da vida que lhes transcorre ao rededor;
opostamente, outros são pornógrafos
ou se aplicam às mentiras dos biógrafos
no interpretar das ações de algum ator;
e há os que giram pelo orbe com ardor,
cada detalhe procurando, são geógrafos;
entre estes há os grandes matemáticos,
que a vida gastam a compor seus algoritmos,
qual no passado calculavam logaritmos;
e finalmente, os estadistas, muito práticos,
que à frente levam a civilização
e os militares que lhe trazem destruição.”
TILAKA XII
“E nos seus campos a nenhum destes superas,
teu conhecimento, ao contrário, é universal;
tens um pedaço de cada campo material,
em alguns versos, procedes como as feras,
em outros deles só a pureza geras;
resiste em ti todo o pendor carnal
e mais te expandes no ardor intelectual;
nos dons espirituais também prosperas;
não, meu querido, és o melhor receptáculo
e por tua mão brindarei a humanidade
com a graça cósmica dimanada do estelar;
serão teus dedos que portarão meu báculo,
na plena luz de minha estrelaridade,
a raça em ti seus mil meandros a abençoar!”
As Duas
Mortes 1 – 22 fev 2019
A grande
morte nos rouba integralmente
Esse sonho
que tivemos com alguém;
Ficam
lembranças a guardar, porém,
Daquele
tempo usufruído juntamente;
Já a
pequena morte é mais frequente,
Não mata o
corpo apenas, mas também
A alma nos
arranca e não se tem
Mais que o
fantasma de se ser ausente;
No fim do
amor, fantasmas são frequentes,
Os corpos
lado a lado, quase vivos
Quando em
sexo se unem; quiçá, até,
Mantendo
amor em atos aparentes,
Não mais
estando ali, gestos esquivos,
Almas
penadas de esfarrapada fé!...
As Duas
Mortes 2
Por que é pequena
a tal morte final?
De duas,
uma: ou final é, realmente
E nada
dela em nós fica consciente,
Sono
tornada sem sonhos, conceptual;
Ou essa
alma sobrevive, individual
De si consciente,
em percepção vivente,
Sendo essa
morte apenas aparente,
Separação
tão só do material;
Ou ainda,
querem alguns, poderá haver
Reintegraçã
total na Divindade
De quem o
espírito original provém,
De
qualquer modo definitiva em ser:
Ou sem
consciência de sua terminalidade
Ou na
certeza de que a vida ainda se tem.
As Duas
Mortes 3
Já a morte
do amor ocorre em vida
E sua
consciência é aguda e bem pungente;
Que é
transitória a dor, racionalmente,
Bem se
conhece, mas a mente é perseguida
Por essa
morte, relembrada a despedida,
Quaisquer
fatores dessa explosão transiente
Ou da
implosão que se sabe permanente,
Deixa a
pulsar a lembrança combalida;
Porque se
sabe que esta morte é derradeira,
Que amor
defunto nao tem ressurreição;
Talvez os
corpos reunir-se poderão,
Mas com
outro sentimento, foi-se inteira
A quimera
deliciosa da ilusão,
Mesmo trocada
a se encontrar desta maneira.
As Duas
Mortes 4
Se reaparece,
é diferente, demudou
Essa
pessoa por que o coração ansiara
E se mudou
de forma igual preclara
Essa
pessoa que fomos e que a amou;
Amor não
volta que a solidão levou,
Fica a
saudade, menos doce do que amara,
Amplo o
vazio dessa emoção tão cara,
Jamais
retorna isso que um dia terminou,
Que o
intervalo tantas coisas construiu
Quantas
aquelas que um instante destruiu
E naõ se pode
recobrar a antiga sorte;
Por ali
ficam apenas abantesmas
A
assombrar o corpo com que orgasmas:
Por isso o
chamo assim de Grande Morte!
Morte Consensual I – 23 fev 19
Se morre o coração, ainda que bata
e a linfa jorre por tantos capilares,
um cadáver ambula nos limiares
entre a vida e a morte, ser de lata,
robô vazio, esse avatar que mata
toda ínclita emoção em seus andares,
autômato incolor em seus amares,
sem recordar-se da validade a data.
Assim ficamos quando esvazia a alma,
invólucros corroídos, sem caroço,
pálido o sangue, mais lembrando água,
andando por aí, em falsa calma,
da mente hemorragiou-se o alvoroço
e a tristeza já se foi – só resta a mágoa.
Morte Consensual II
Quando se sofre um
enfarte material,
em parte morre o
músculo cardiaco,
não mais possui o seu
vigor original,
ao que sobrou maior o
esforço no total,
um palpitar sem
controlar, orgíaco
para as artérias, os
músculos, o ilíaco
ou um prejuízo
definitivo em seu final,
a reduzir-nos ao
setenário bíblico.
Claro que existem muitos
tratamentos,
que permitem parcial
renovação;
parte do músculo a
assumir função
dessa massa falida em
tais momentos
e há exercícios para
tal patologia
e a larga gama da
fisioterapia...
Morte Consensual III
Mas ao sofrer-se
enfarto espiritual,
o corpo e a mente
serão atingidos;
morrem no coração
sonhos perdidos,
morre no corpo um
certo ardor sexual,
que ainda pode ser
obtido num parcial
sucedâneo em outros
corpos conseguidos,
por atração ou por
dinheiro adquiridos,
para recobro de breve
orgasmo material.
Mas para amor não há
fisioterapia,
não há exercícios para
alma que se enfarta
e nem apoio de
qualquer medicamento,
que a parte morta
sempre ali continuaria,
mesmo havendo novo par
que nos reparta
seu coração para nos
dar esquecimenot
Morte Consensual IV
Essa parte que da alma nos morreu,
mesmo no bálsamo do contentamento,
nunca recobra seu primitivo alento,
só um novo amor, não o amor que faleceu;
no trânsito da vida, até se pensa que esqueceu,
mas breve espasmo surge num momento
e o amor morto nos assombra a seu contento,
nesse sarcasmo do tempo que nos deu
para pensar na graça de outro par,
talvez de muitos, em orgasmo singular,
nada porém a esmagar o amor primeiro,
que lá no fundo ri, zombando silencioso
do novo amor a nos brotar viçoso,
para em tocaia assaltar-nos por inteiro!
A Ruazinha I – 24 fev 2019
Fica minha casa em uma rua estreita,
Na parte mais antiga da cidade,
Mas o tempo não lhe trouxe opacidade,
Ainda brilha, se à luz do sol sujeita.
Durante a noite a refletir prata perfeita,
Salvo onde mude a sua tonalidade
Perante o assalto da eletricidade,
Que não condiz e deixa a rua contrafeita.
Alumiada devia ser apenas por lampião
Ou então se combalir na escuridão,
Salvo em momentos quando estrela espia
E cada pedra da ruela espelharia
A luz mortiça que guardou no coração
De qualquer vela a falecer em agonia.
A Ruazinha II
Existe apenas na frente uma janela,
A montar guarda ao lado do portão,
Em estilo art-nouveau imitação
De uma garagem parisiense e bela.
Pelos caixilhos da vidraça a estela
Dos cantos do futuro ainda em botão
Compactua com o passado de acordeão
Que se desdobra e fecha quando
apela
Para as memórias de que não
partilhei,
Mas que renascem nas dobras do
miolo,
Decerto herdadas de meus
antepassados:
Olho essa rua que tanto parmilhei
E verso escrevo no mais honesto
dolo,
Narrados dias por mim nunca
vivenciados.
A Ruazinha III
Era o caminho que levava ao cemitério;
Eu mesmo acompanhei muitos cortejos,
Parentes a brindar últimos beijos,
Passos soando ao resmungo do saltério.
Mas da janela nunca fiz eremitério,
Dali não vi os desfiles em adejos,
Casinha bem menor em tais ensejos,
Somente as pedras em seu polido estério
Podem contar para mim quanto passou
Se houve alguem que por aqui me olhou,
Qual o fantasma a saudar novo colega.
Eu era apenas do ataúde o acompanhante,
Das carpideiras a gemer choro vibrante,
Sem nas vidraças ver a imagem que se apega.
EM LOUVOR DO
VAGINAL I – 25 FEV 2019
sempre achei
lindo o órgão feminino,
em seu pendor
de pura iniquidade,
sempre igual
em sua vasta variedade,
qual labirinto
em castelo pequenino;
rubro o
clitóris tremulante como sino,
farol de vênus
em tom de majestade,
coroa de rubi
em seu trono de vaidade
e a tal fenda
de paixão ainda me inclino;
pois sem
vagina, não serás mulher,
quão infelizes
são os transsexuais,
que tudo fazem
para as ter artificiais,
seu deeneá sem
permitir sequer
que usufruam
de tal doce azedume,
mas tão só do
malversar de seu ciúme!
EM LOUVOR DO VAGINAL II
há na vagina algo de espiritual,
afrodite por ali promove a raça,
por meio dela astarteia nos perpassa,
por ela lilith foi banida em consensual
traição de adão e eva, na operação real
descrita em narrativa que repassa
o homo sapiens, por cujo sêmen passa
a transmissão de todo córtex cerebral.
como explicar aos antigos o genético
procedimento da luta biológica,
nesse abandono de lilith pouco ético,
qual de abraão quando expulsou sua hagar,
origem de outra tribo em hipnagógica
narração que o alcorão nos vem mostrar?
EM LOUVOR DO
VAGINAL III
contudo
insisto nessa espiritualidade,
manifestada em
cada mãe humana,
muito mais em
amor do que em profana
transitória e
casual sexualidade.
para o homem
material necessidade,
por mais que
ao espiritual ele se irmana;
mas na mulher
é que a vida se recama
na culminância
do parto e da bondade
desse carinho
e afeto que provê
a cada filha
ou filho assim gerado,
quando o
espelho de si mesma neles vê,
para o mundo
seu carnal santificado,
por maior a
incerteza com que crê,
cada nascer
sendo em si divinizado.
EM LOUVOR DO VAGINAL IV
se alguém encontra blasfêmia no que digo,
por que razão o próprio deus viria
para o canal da vagina em travessia,
nesse momento que em formação bendigo?
pouco importa se na crença ainda prossigo
que virginal tenha sido essa homilia
ou resultado do que minha mãe fazia,
antes que ao mundo me trouxesse seu abrigo?
assim afirmo que santo é todo o parto
dessa vagina que se rasga em sofrimento,
mas que repete o sacramento eterno,
enquanto o mundo dele não for farto
e outras produza para tal padecimento,
nesse amor tão limitado mas superno!
EM LOUVOR DO
VAGINAL V
nenhuma dor é
entre nós mais desejada,
sem resultado
ser do masoquismo,
culminação do
mais etéreo feminismo,
em seus
momentos de celebração alçada!
desprotegida
nessa época encantada,
seu puerpério
oposto ao nihilismo,
nesse brado de
crença em futurismo,
nessa
esperança contínua e renovada!
santa vagina,
berço de nós todos,
em uma clínica
serás substituída
pela clonagem
de seres sempre iguais?
sem a ternura,
a nos erguer dos lodos,
de qualquer
mãe, mesmo ignara tida,
mas que nos
ama por saber-nos ser mortais?
A IO DE
JÚPITER I – 26 FEV 2019
À lua Io os
ingleses chamam “Aio”...
Aio é o
criado particular de um rei,
que
igualmente de nobre chamarei,
pois grande
honra era vestir-lhe o “saio”,
como chamavam
à veste de aço gaio
que envergava
o monarca ante sua grei;
sempre era
nobre, consoante a antiga lei,
cada rapaz a
servir-lhe de lacaio!
Mas isto é um
parêntese, não mais;
o que
interessa é o satélite gigante,
que Simon
Marius denominou, vibrante,
em 1614, um
nome que jamais
havia Galileu
cogitado em colocar,
só então
aceito após Marius o chamar.
A IO DE
JÚPITER II
Io é uma das
quatro luas maiores
do
grande Júpiter, à qual teve Galileu,
o inventor da
luneta, que nos deu,
primeiro
acesso em siderais teores;
ainda maior
que nossa Lua dos amores,
quarta em
tamanho que o sistema recolheu,
quiçá
asteróide que Júpiter prendeu
em seu poder
de gravitais pendores.
Mais Io é o
satélite de menos densidade,
bem pouca
água possuindo, na verdade,
em seu
aspecto perfeitamente arredondado,
mostrando sua
parcela de crateras,
tais quais
maculam as demais esferas,
a
enfrentar-nos com seu rosto amarelado.
A IO DE
JÚPITER III
Seu nome
recebeu da ninfa Io,
filha do rei
Inachos, deus fluvial
que a Argos
banhava, imaterial,
de sua beleza
a ostentar o puro cio.
Outros dizem
ser princesa no seu brio
de
sacerdotisa da Hera olimpial;
pelo nome de
Callithya é, em geral,
associada a
seu templo beira-rio.
Mas era linda
e Zeus se apaixonou:
dupla a
traição dessa sacerdotisa,
à esposa do deus e ao sacro voto;
à esposa do deus e ao sacro voto;
e assim
Zeus-Júpiter a sua bela transformou
em uma
vitela, pelo ódio com que a visa
Juno-Hera em
um passado tão remoto!
A IO DE
JÚPITER IV
De qualquer
modo, Zeus a fecundou,
de reis
e heróis a fez antepassada,
de Cadmos, de
Herakles, de Perseu,
Minos
Primeiro de seu tronco resultou
e a longo
prazo, em bisavó se transformou
dos Dânaos,
de Lineu e de Corfeu,
qual por
Hesíodo na Teogonia registrada.
Zeus amante
na escuridão a visitava,
em mulher
bela de novo a transformava,
longe do
olhar da Juno vingativa,
embora
alguém, em zombaria, até afirmava
que Zeus qual
touro visitava a vaca diva
e seus
bezerros em humanos encantava!
A IO DE
JÚPITER V
Real
blasfêmia não há na chocarrice.
Quando Zeus a
jovem Europa raptou
em touro
branco também a transformou
e de Creta a
roubou, qual lenda disse;
e com
Pasifaé, a rainha da tolice,
gerou o
Minotauro, quando igual touro se mostrou;
Dédalo uma
estátua de vaca fabricou
e ali a
rainha aguardava o que pedisse...
Infelizmente,
seu marido descobriu,
Quando nasceu
nenê em parte touro
e a prendeu
na estátua em que a esquiva
esperava o
deus-touro que a cobriu
e para assim
se vingar de seu desdouro,
mandou o rei
ali mesmo assá-la viva!
A IO DE JÚPITER VI
Também Europa
como satélite acompanha
o gigantesco
Zeus, rei do sistema,
à distância a
brilhar-nos como gema,
mais outra
prova da sedução tamanha
com que esse
deus antigo então se assanha;
em
Ganimedes atende Zeus antiga teima,
qual seu
copeiro atendendo esse que reina
sobre o
Olimpo, mas que por jovens sente manha.
Também
Callisto como satélite é contada,
mas por Zeus
foi na Ursa transformada
e seu filho
Arcas a Arcádia originou,
porém
Callisto ainda é a segunda lua
do sistema
solar, imagem nua
do que o
astrônomo assim denominou.
ASPEREZAS I – 27 FEV 2019
Essa mania de quebrar reboco,
Que nao entendo bem de onde saiu
A uma estética medíocre seguiu,
Cedo as paredes lhe darão um troco!
COBRIR TIJOLOS NUNCA SE FEZ POR POUCO,
NÃO É UM ENFEITE QUE POR ALI SE VIU,
MAS PROTEÇÃO QUE EFEITO BOM NUTRIU
DURANTE SÉCULOS, CUJA MEMÓRIA INVOCO
ATÉ EM pompEIA, COM AFRESCOS NAS PAREDES,
QUE MESMO HOJE, PASSADOS DOIS MIL ANOS,
PROTEGIDOS PELA CINZA, É BEM VERDADE,
CONSERVAM SUA BELEZA, QUE NÃO MEDES
E A APARÊNCIA VITAL DESSES ROMANOS,
DE QUEM O GESSO REVELA A HUMANIDADE!
ASPEREZAS II
EXISTE, É CLARO, ESSE TIJOLO LISO
E OUTROS, QUAL CERÂMICA QUEIMADOS,
QUE EM PAREDES SENDO COLOCADOS
DÃO APARÊNCIA DE ELEGANTE INCISO.
TÃO RELUZENTES QUAL MARMÓREO PISO,
POIS PARA ISSO FORAM TODOS DESTINADOS,
MAS OS TIJOLOS DE CAMPO, DESCASCADOS,
SEM MAIS REBOCO, SÓ ME PROVOCAM RISO!
MOSTRAM AQUELAS SUPERFÍCIES DE ASPEREZA,
IRREGULARES, A VERTER MESMO UMIDADE
E SEU SALITRE PARA OS MÓVEIS VAI DEPRESSA!
E O RESULTADO É, FRANCAMENTE, SEM BELEZA!
NÃO SEI A ORIGEM DESSA MODA, NA VERDADE,
SÓ DA CALIÇA QUE EM CAUSAR POEIRA NUNCA CESSA!
ASPEREZAS Iii
ESSA GENTE QUE ADOTA ESSA MANIA,
MAL PERCEBE QUE INSETOS A ORIENTAM!
PELO REBOCO ATRAVESSAR SÓ TENTAM,
MAS SEU SUCESSO NÃO TEM GRANDE VALIA!
PORÉM NOS INTERSTÍCIOS, BEM MAIS FÁCIL SERIA
BOTAR SEUS OVOS; OU EM COVINHAS SENTAM,
SEUS FILHOTINHOS ENTÃO ALI SUSTENTAM,
NUMA PERFEITA E AGRADÁVEL MORADIA!
DECERTO PAGAM DECORADORES PRETENSIOSOS,
QUE CERTAMENTE TÊM AMOR PELO CUPIM
OU QUE ÀS CAROCHAS VÊM AJUDAR ASSIM!
QUE ASSIM ALCANÇAM DOMÍNIOS MAIS GRANDIOSOS
E ATÉ É POSSÍVEL QUE GENTIS RATINHOS
ALEGREMENTE ALI FAÇAM OS SEUS NINHOS!
MEU INSENSATO
ORGULHO I – 28 FEV 2019
Eu te darei um
casaco de esmeraldas
e um colar
fundido em organdi;
mas se
encontrares incoerência aqui,
foi de
propósito que misturei as caldas;
sei que saem
pedras de montanhosas faldas
e que seja a
renda tecida percebi,
mas no momento
em que te conheci
já se
inverteram de minha mente as baldas!
Num baldaquim,
a seguir, te entronizei
e em portador
exclusivo me tornei,
que nos meus
ombros te pudesses assentar;
e desse modo,
inteiro, eu me entreguei:
não fui por
ti, a mim mesmo dominei
pelo insensato
orgulho de te amar!
MEU INSENSATO
ORGULHO II
Pois te darei
um porta-seios de rubi
e um anel de
renda de guipure,
bem apertado o
tecido a te vestir,
teus delicados
mamilos percebi,
quais suaves
lábios a que me recolhi
ou duas
estrelas para mim a reluzir,
dois brancos
cômoros me pus a perseguir,
sem descansar
até acampar-me ali.
É isso tolice
de um jovem enamorado?
Em minha
idade, escrever nem deveria,
mas a memória
salmodia no meu peito
e ainda hoje
contemplo-te, encantado,
sem encontrar
em ti menor valia
que aquela a
que primeiro fui sujeito!
MEU INSENSATO
ORGULHO III
Pois ouro
líquido eu bebo de teus beijos
e de teu
ventre a cânula é suave prata;
ainda me perco
nas estradas dessa mata,
como em lianas
revoltas em arpejos.
E pouco
importam satisfeitos os desejos
ou a duração
enfática da data,
ou que sejas
para mim Morgana Fata,
que só ao
inverso faz luzir os seus adejos.
Conservas
ânsia pela praia siciliana,
aonde em
sonhos construiste um lar,
embora o
esforço para areia ali pisar
não tenha
visto em nossa trilha arcana;
só sei apenas
de meu orgulho insano,
do qual espero
nunca me apartar!...
deuterocosmos 1
– 1º março 2019
igual murmúrio
carvoeiro e cristalino,
meu pensamento,
em clara confusão,
ainda
interpreta a nossa relação
no badalo
enferrujado de teu sino,
na imensidade
do sonho pequenino,
no dealbar do
sol em escuridão,
no alvorecer
para a noturna situação,
nessa madura
quimera de menino,
na permanência
de mil alternativas,
na
intermitência da plena solidez,
no júbilo
fragoso da tristeza,
no ausentar dos
beijos que me crivas,
no virginal
contemplar de tua prenhez
e na tua vasta
opulência de pobreza.
deuterocosmos 2
no mitocosmos
com que te descrevo,
não microcosmos
por possuir imensidade
ou pelo imenso
amor sem saciedade,
por mais que no
teu corpo ainda me cevo,
pela vaidade da
gratidão que devo,
ao penetrar em
tua quanticidade,
a cada instante
nova veracidade,
que para o
fundo de meus olhos levo,
num macrocosmos
em ausência de vaidade
que vejo em ti;
eu sinto apenas sendo,
sem qualquer
comparação com outro modelo,
deuterocosmos
concreto em gravidade,
esse buraco
negro em que me prendo,
sem mesmo a luz
brotar de meu desvelo!
deuterocosmos 3
porque esse
amor para mim é radioativo
e em mim causas
mais de uma mutação,
as quais para
meu bem nem todas são,
mas que em amor
me tornas redivivo
e nesse débito
nuclear ativo
em que me
prendo qual constelação,
meus prótons a
dançar em comunhão
com os teus nêutrons
de poder altivo;
e de repente,
no exterior me vejo,
reduzido a
elétron tão somente,
um satélite ao
redor desse inclemente
núcleo polar de
todo o meu desejo,
a teu redor
girando, loucamente,
pelo fascínio
de teu primeiro beijo!
Mesocosmos I – 2 março 2019
Será que choram meus sonhos quando parto
E os deixo para trás, malevolente.
Que os concebi irresponsavelmente,
Que elaborei até deles ficar farto?
Esses meus sonhos irradiantes que descarto,
De um desejo transitório e transiente,
De um adultério adulterino e indiferente,
Com que meus campos cerebrais reparto?
Sem lhes dar margem a real repartição
Pelos campos sanguíneos de meu sexo,
As mil quadrigas de sonho sem ter nexo,
Quando me julgo em total dominação
Das figuras que forjei dentro da mente,
Pensando egoísta em mim mesmo, tão somente?
Mesocosmos II
Será que morrem meus sonhos, na
aparente
Cleptomancia com que os furtei da
narração
Ou em que os forjei, numa impressão
Mal calculada, como um plano
adstringente?
Nem todo sonho ou quimera nesse ingente,
Fático ardor a se domar em contração,
Será que os crio ou é a mim que
criarão,
Nessa farândula de elaboração
frequente?
São outros sonhos a compor este
rebanho,
Quase planos, sem se fazer projetos,
Na dependência de recursos que não
há,
No cochilar da modorra em que me
assanho
E que se enterram finalmente nos sonetos
Que tanta vez vi conceber por lá...
Mesocosmos III
Porque esse mundo em que meus sonhos choram,
Abandonados que foram, mas conscientes,
Abismo vago, em que semidormentes moram,
De no futuro despertar fiéis descrentes,
É um crepúsculo em que apenas cinzas foram,
Nada acordado por detrás das venais lentes,
Nem sobre as listras capilares que me coram,
Quando adormeço sob pálpebras carentes...
Mas embora cada sonho um mícron seja
Desse cosmos que em torno a mim adeja
E que num mácron se transforme num instante,
Quando me deixo intermediar por ele,
Para outro cosmos de alternância que me apele
A um mar de vida colorida e delirante...
Protocosmos I – 3 março 2019
Eu mal concebo que minhalma tão
vibrante
Possa caber neste espaço corporal;
No corpo inteiro existe algo de
trivial,
Já a mente é límpida, serena e
esfuziante...
Eu mal concebo que a prisão do
instante
Possa conter o conteúdo cerebral,
O espaçotempo tão restrito ao
natural,
O julgamente numa expansão
constante...
Eu mal concebo que no ergástulo da
alma
Possa caber um sidéreo espiritual,
Tão maior, em sua explosão virtual
Do que os caprichos, a perturbar a
calma
Necessidade de aquinhoar o material,
Nesse abanar silencioso que me embalma...
Protocosmos II
O que eu concebo é que a alma vá
crescendo
E um universo completo vá tecendo,
Contrário às Parcas, em sua roca
limitada
E que do cosmos se vá aos poucos
desprendendo.
O que eu concebo é o pensamento sendo
Larga espiral que ao multiverso vá
abrangendo,
Numa galáxia dentro dele concentrada,
Um pluriverso em novo espaço
compreendendo.
O que eu concebo é que o espírito
incontido,
Por tanto tempo pela alma revestido,
Enfim se abra, infinito cosmonauta,
Como as raízes e as sementes dessa
rota,
Em seu voo de aerodinâmica gaivota,
Que muito além do ar encontre a
pauta!
Protocosmos III
O que eu concebo é a expansão
inconcebível,
Até as fímbrias do inimaginável,
Até lamber o esplendor do
inigualável,
Até romper o tecido imarcessível.
Quando se encontre além do
intransponível,
No sopesar muito além do
imponderável,
Nessa equação além do incalculável,
Na compreensão total do
incompreensível.
Para isso penso foi o espírito
criado,
Além da alma, em total magnitude,
Além da carne que tanto nos ilude
E dê origem ao que nunca foi pensado,
Semente incerta do ignoto fantasiado,
Na suavidade da perfeição mais rude!
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