sexta-feira, 9 de agosto de 2019




LAMPEJOS – 5/14/JAN/2019
NOVAS SÉRIES DE WILLIAM LAGOS

Lampejos (IV) ... ... ... 5 jan 2019
Visão Holística (IV) ... ... ... 6 jan 2019
Planchadeiras (VI) ... ... ... 7 jan 2019
Sinarquia (III) ... ... ... 8 jan 2019
Ressonância (VII) ... ... ... 9 jan 2019
Ruptura (III) ... ... ... 10 jan 2019
Diafanidade (III) ... ... ... 11 jan 2019
Olhos de Fogo (III) ... ... ... 12 jan 2019
No Prisma do Verso (III) ... ... ... 13 jan 2019
Musas Inconscientes (III) ... ... ... 14 jan 2019

(AEOLOS'S DAUGHTER)

LAMPEJOS I – 5 JAN 2019

Eu creio na mulher que não conheço,
precisamente porque nunca a vi;
se a conhecesse, dizer que nela cri
não poderia, pois se a vejo, não a esqueço,
porém no onírico mundo, quando desço,
provavelmente já a encontrei ali
e nos meus braços decerto a recebi,
tendo dela usufruído o pleno apreço.

Mas a censura do sonho só permite
que dela me recorde por lampejos,
na comissura dos lábios os seus beijos
são um resíduo que de súbito me incite
a despertar em plena madrugada,
sem que do sonho recorde de mais nada.

LAMPEJOS II

Só de repente, no meio da jornada,
por um momento de incauta distração,
em um cochilo a piscar nessa ocasião,
como uma chispa de mágica encantada,
percorre o córtex em velas de ilusão
a leve face em meus ombros debruçada,
um perfume fugaz, carícia perpetrada,
para a seguir deixar-me apenas confusão.

Algumas vezes, nem percebo no momento;
é só depois que um arrepio me percorre,
na subitânea percepção desse impossível
e a guardo então, nesse compartimento
em que o fantástico sobre a treva escorre,
como imagem incompleta do invisível.

LAMPEJOS III

Como saber se esse rosto imaginado,
cujos traços indefinidos permanecem
ou esses toques e palores que me aquecem
nada mais são que lembranças do passado,
quaisquer coisas que antes tenha contemplado
em filme ou quadro a óleo, que não cessem
de me assombrar, que em zombaria descem
como panfletos do inconsciente apalermado.

Ou fragmento na memória conservado
dos momentos da infância, de meu berço,
rostos difusos que então tinha contemplado,
esses corpos que só vi pela metade,
interpretados somente pelo inverso
ensimesmado nesta natividade?

LAMPEJOS IV

Ou se é verdade que nada a gente esquece,
mesmo sutil e fugaz percepção,
posso lembrar um casual toque de mão,
inconsequente, de alguém que a rua desce
enquanto eu subo; a proximidade cresce,
toda insensível, cada qual no seu roldão,
mal e mal registrada a sensação,
incauta mesmo, porém que nunca cesse...

Ou então foi algo que dos livros retirei
ou de qualquer triste caco de poesia,
que impressionou meu frágil coração?
Ou tal mulher, que sei jamais verei,
mas em que creio, no irreal em que a sentia
a mim me gesta em suas fraldas de ilusão?

VISÃO HOLÍSTICA I – 6 JAN 2019

Meu conceber da companheira ideal
é mais um espelho rasgado em mil estilhas,
essas tésseras de prata simples ilhas,
as lantejoulas de descorado carnaval
na mente escusa de um arlequim jogral,
uma colcha de retalhos, velhas bilhas
quebradas nessas lascas que perfilhas
das ruínas arqueológicas do irreal.

E nesse espelho de rachaduras marchetado,
aqui um cílio, logo ali vejo um nariz,
adiante a sombra de um braço acalentado,
em outra um som que no antanho captei,
além um gosto que não tive porém quis,
rastro de um rápido olor que mal notei.

VISÃO HOLÍSTICA II

Mulher mosaico a refletir o sol,
um olhar triste e breve de passagem,
talvez um fio de cabelo, que na aragem
prendeu-se em minha lapela qual anzol
ou um sentimento do mais puro escol
que me flutuou contra o rosto sem coragem
de ali permanecer, seguiu voragem,
já ressequido pelo próximo arrebol.

Ou um pensamento qualquer, até rancor,
não por mim, porque nem me conhecia,
mas por alguém que sua vida malferia
e no ar se diluiu, breve sabor,
minhas papilas por instante estimulando,
feito um passado já de cores desbotando.

VISÃO HOLÍSTICA III

Ou de algum modo, em pura altaneria,
minha mente esmagou vinte passantes
em uma só, perfeita como dantes
fora o padrão que minhalma mais queria
e dessas vinte uma só conceberia
como imagem fugaz gerando instantes,
esses meus olhos ferozes rapinantes,
numa emboscada que um pouco pilharia

de cada uma, para encher o meu farnel,
igual pequenos tesouros de criança,
uma boneca com desgrenhada trança
ou o desfile marcial de algum quartel
ou algum pássaro pousado num carvalho,
olhar de gato a espreitá-lo de algum galho.

VISÃO HOLÍSTICA IV

Pois não desejo essa mulher individual,
essa metade platônica e imperfeita,
mas um conjunto da perfeição que estreita
a Terra inteira em meu poder conceptual,
nos olhos tendo o céu e o albor do sal,
o chão nas pernas, uma pedra ali se ajeita,
no ventre a compaixão com que me aceita,
nesta minha forma de amor desnatural.

Mulher ikebana, humana, terra e céu,
a mulher zen da mais gentil meditação,
novo avatar que Krishna formou
de todo o feminino em humano véu,
a virgem prostituta, a indagação
sobre o destino que às espreitas me tocou.

PLANCHADEIRAS I – 7 JAN 19

Antigamente trabalhavam planchadeiras,
que às casas iam bissemanalmente
para passar as roupas, labor cálido e eficiente
em cuidadoso acompanhar das lavadeiras.

Haviam certas sinergias passageiras;
a lavadeira aceitando, humildemente,
o rol da roupa, e num tráfego paciente
levando as trouxas às margens das ribeiras.

Depois trazia tudo já limpo e amarrado
em um lençol que equilibrava na cabeça;
o rol conferido, após feito o pagamento,

chegava a planchadeira e com cuidado
sob o olhar que nenhum detalhe esqueça
de sua “patrona”, procedia ao passamento.

PLANCHADEIRAS II

Era de fato necessária profissão,
porque as roupas de festa ela engomava
e algum pequeno detalhe costurava
nalgum bordado que ofendera a lavação.

Da roupa toda a conferir cada botão
vinha a dona da casa, que encontrava
qualquer dobrinha que menos lhe agradava,
a tarefa a repetir sem discussão.

Claro que havendo maior prosperidade
e dependências se mostrando suficientes,
tais planchadeiras seriam permanentes.

Ferros com brasa abastecidos, na verdade,
podendo mesmo causar leves queimaduras
sobre os tecidos suas silhuetas mais impuras.

PLANCHADEIRAS III

Era outra época e extensas as fazendas,
alojamentos para toda a peonada,
cada família em seus quartos arranchada,
os homens a percorrer do campo as sendas,

as mulheres cozinhando ou indo às vendas
buscar os alimentos; cada vaca era “apojada”,
alguma ovelha diariamente era carneada,
quaisquer galinhas depenadas pelas “prendas”.

E como havia muitas filhas por casal,
algumas eram “dadas” para se criar
pelas famílias que moravam na cidade

da classe média ou em residência baronal
dos fazendeiros com filhos a estudar,
ou dando festas nessa ingênua urbanidade.

PLANCHADEIRAS IV 

Claro que havia atroz disparidade
entre os tidos por ricos e os medianos
e os pobres a enfrentar tantos afanos,
situação a se aceitar com humildade.

Era até mesmo um motivo de vaidade
afirmar para os parentes, nesses anos,
que trabalhava na cidade, nobres panos
a passar sob seu ferro em quantidade.

A escravidão por aqui foi muito rara
e me recordo mesmo, em minha infância,
da raridade dos afrodescendentes.

As planchadeiras eram brancas, certa escara
indiática em seus traços nessa instância:
olhos oblíquos herdados de ascendentes.

PLANCHADEIRAS V

Dos peões a maioria de uruguaios,
os donos de sesmarias portugueses,
os uruguaios espanhóis, se bem que, às vezes
catalães ou bascos ou até vários

a se dizer galegos, sendo atrabiliários,
orgulhosos e bairristas, em que peses
os passaportes mostrando em seus arnezes
os dois leões e os coloridos gaios (*)
(*) De cores alegres e vivas.

do escudo monárquico espanhol.
Alguns que veem de pedra os longos muros
até afirmam que os escravos construíram,

mas quem então labutava sol a sol
eram eurodescentes e os seguros
“alambradores” que as estâncias dividiram.

PLANCHADEIRAS VI

Quando em criança, o preconceito mais geral
era contra os alemães e descendentes,
devido à guerra, por mais sendo inocentes,
chamar-te de “alemão” era ofensa natural.

Os italianos e russos incluídos no total
da mesma injúria, se arianos aparentes;
cabelo escuro, olhos castanhos nossas gentes,
na maioria, ou com “melado” individual.

Escravos negros só nas minas de ouro,
poucos trazidos para minha Bagé;
a maioria dos nossos afrodescendentes

pelo exército transferidos, sem desdouro,
o preconceito sem ser coisa de dar fé,
naqueles anos de planchadeiras tão pacientes.

SINARQUIA I – 8 JAN 2019
(Governo de muitos chefes, cada qual com sua função).

ninguém sabe o que uma sombra sente,
sempre forçada a viver numa parede,
com outras sombras em involuntária rede,
da luz do dia ou elétrica semente.

quando uma sombra sobre móveis é assente
ou sobre o assoalho, parcialmente cede
suas proporções dificilmente mede,
forçada a um voltejar sempre frequente.

mas na parede é negra e definida,
inda que o mofo às vezes interfira,
com suas imagens de gestáltica torção;
alguma outra sobre ela percutida,
a sombra tenta se esgueirar e gira,
no árduo esforço de guardar sua projeção.

SINARQUIA II

mas uma sombra do passado, certamente
não consegue das paredes se arrancar
e ali se encontra, até sem luz a projetar,
tal sombra morta em sua prisão premente.

preciso é se encadenar a hierarquia,
as permanentes como sacras se afirmar,
de sua existência crepuscular a se gabar
contra essas sombras eventuais da nostalgia.

uma por uma seu território marca:
“aqui governo eu, não essa intrusa!”
talvez algum tratado mesmo assinem;
tinta de tisne sua posição demarca,
em sinarquia mais ou menos abstrusa,
consuetudinário direito então opinem.

SINARQUIA III

assim dividem entre si a alvenaria:
uma governa a parede da cozinha,
outra da sala e da copa se avizinha;
a mais audaz no banheiro um feudo cria.

cada qual de sua argamassa afastaria
qualquer sombra transitória que se alinha
e peregrina a outro muro, a pobrezinha,
de novo expulsa por quem dona se sentia.

mas o que sentem esses seres aperreados
só outra sombra te poderia descrever;
somente lanço esta suspeita para o espaço
e se os rebocos lhes forem retirados
nessa caliça não poderá sobreviver
a antiga sombra despojada de um abraço!...

RESSONÂNCIA I – 9 JAN 2019

Tua presença sinto agora em meu destino,
como um passo de leve, tão de leve,
um som tão breve, curto som tão breve,
que nem eu sei se ali encontro um certo tino
nessa audição de som tão pequenino,
                        que mal se escuta, um som que mal se deve
recuperar das brumas, a mente mal se atreve
pensar que cause em meu peito um desatino.

Um sonho tão suave, que me ponho a duvidar
            se alguma coisa escutei em meu passado
                        ou se ao contrário, foi só imaginação,
                        um sonho bom, talvez, para embalar
            a solidão, passo fiel sempre a meu lado,
com mil carinhos a alentar-me o coração.

RESSONÂNCIA II

Por mais que se pretenda isto negar,
qualquer presença como um gongo vibra,
a sacudir de nossa mente cada fibra,
o nosso espaço sagrado a penetrar;
e quando alguém só casualmente foi passar,
sua ressonância é intermitente e pigra, (*)
imperceptível qual sentença em Libra(s)
a quem tal língua não sabe interpretar.
(*) Indolente

Mas quando alguém em nós chega a esbarrar
sua ressonância nos abrange como um sino,
algo estremece e pode até rachar
em nosso espírito, de forma sorrateira,
quiçá até mesmo uma fatia do destino
caia no chão e ali esmagada seja inteira!...

RESSONÂNCIA III

Já as pessoas com quem nós convivemos
e com as quais partilhamos a linguagem,
mais que ressoam, lançam-nos barragem
de sua própria vibração e algo perdemos,
em troca plena do tinir que recebemos,
as vibrações a se mesclar em vassalagem,
mistura e alma coloridas de passagem
mentira funda com a qual nos transformemos.

Muito difícil gozar longa convivência
sem que algo de diverso em ti atestes,
a cor tingida dos espíritos que vestes,
tuas opiniões inflamadas na consciência
e até teu passo, a percutir sobre a calçada
troca de ritmo, inda que pouco ou quase nada.

RESSONÂNCIA IV

Deves lembrar desse ditado tão antigo:
“Diz-me com quem andas, que te direi quem és,”
tange a influência em alteração de crença e fés,
na emulação das qualidades de um amigo,
cópia insensivel dos trejeitos do inimigo,
pois no imo de teu peito erguerás sés,
nova tinta a se espalhar no teu convés,
por novo porto em que acharás abrigo.

e quanto mais constante a convivência,
igualmente mais profunda a ressonância,
impossível não dupliques seu vibrar,
por mais firme o fluir de tua potência,
por maior teu compromisso com a constância,
motivo houve para esse alguém ires buscar.

RESSONÂNCIA V

Dizem que são os opostos que se atraem
e que ao contrário, os semelhantes se repelem;
no magnetismo é assim que se compelem
e os sinais matemáticos em igual saem;
mas entre nós tais assertivas não recaem:
há semelhantes que por igual apelem
à semelhança que com os demais revelem
e as vibrações mutuamente se contraem.
           
Mesmo a palavra só percebida escrita
pode vibrar solenemente em ti
e essa sentença então por alguem dita
vibra em teus tímpanos e te sacode a calma,
sem que ela sofra modificação em si,
nessa tão breve excursão pela tua alma.

RESSONÂNCIA VI         

Mas é a música que mais em mim ressoa,
o meu ouvido extremamente agudo,
no fortepiano meu meditar escudo
e o decibel da percussão não me perdoa;
até a conversa de um salão, por mais atoa
que te pareça, sempre evitar estudo,
quando ressoa em meu espírito desnudo
e em mim provoca um mal coisa tão boa.

Por mais que a voz antiga eu possa amar,
temo os concertos por ouvir a agitação,
rangir de palmas nos meus ossos a vibrar
pequeno luxo a que me posso permitir
nesse usufruto de minha vasta coleção,
cujo volume sempre posso controlar.

RESSONÂNCIA VII

Contudo, jamais posso me iludir
de ser capaz de altas vozes dominar,
mais alto que elas posso até gritar,
mas nenhum bem me acarreta esse fluir;
na ressonância de mil discos vou dormir,
sua vibração a noite inteira a me embalar,
a voz dos mortos, um virtuoso a executar
são cópias minhas e nada mais quero pedir.

mas quando alguém vem de mim se aproximar,
sua vibração percebo incontrolada
e esforço faço para manter a gentileza,
enquanto sinto em mim algo estalar,
parte da alma... para depois ser remendada,
sempre uma fenda ali deixando de incerteza...

RUPTURA I – 10/1/19

Tornou-se agora só um truque da memória
Aquela jovem que me foi tão cara,
Cuja influência, como luz preclara,
Influenciou a tal ponto a minha história,

Mas foi-se esboroando, como escória
Depositada em um aterro, que lançara
A lembrança inconsciente, que me alçara
A pouco e pouco, em diferente glória,

Igual murmúrio indistinto do passado,
Longa ladeira que se abre à minha frente,
No alto de um penhasco, sobre o mar,

A gravidade que me tem descompassado,
Levando a um ponto que mal posso divisar
Por entre as fímbrias da luz opalescente.

RUPTURA II

De quando em vez, permeio ao devaneio,
Surge a lembrança, qual pálida criança,
Por um momento de bonança avança
A recordar seu belo seio com anseio.

Que para mim veio mostrar-se sem receio,
Cada mamilo, como lança, não se cansa
De me espreitar na vingança da esperança,
No devaneio que tomou-me de permeio.

E nem mais lembro, esqueço e nada peço
Dessa memória do fundo de minha história
E um dia esquecerei que um dia a amei,

Mas da lembrança compadeço o preço,
Pelo abandono de tal glória perfunctória,
Que hoje lembrei porém lembrar não desejei.

RUPTURA III

Mas no momento em que tudo aconteceu,
Como o lembrar do recordar foi importante!
Amor primeiro, sempre algo delirante,
Amor primeiro, que em breve se perdeu,

Amor primeiro, até mesmo sem ser meu,
Amor primeiro de usufruir constante,
Amor primeiro sem ser levado avante,
Amor primeiro que tanto em nós cresceu,

Amor primeiro, por segundo abandonado,
Amor maior o meu que foi o dela,
Amor menor o quanto ela me deu,

Amor primeiro recordado de um passado,
Amor primeiro, sem querer de novo vê-la,
Pois só recordo que de mim logo esqueceu.

Diafanidade 1 – 11 janeiro 2019

Esta manhã, certo pudor de flauta
Oscila entre o arbóreo do verdor,
O vento corre como um capeador (*)
A enfrentar o calor em breve pauta,
Há uma pureza de canção de nauta,
Que só o mar toma como expectador;
Esta manhã quer repudiar calor,
Mas contra o Sol se mostra doce e incauta;
Esta manhã de azul se revestiu,
Nos intervalos brancos de um bordado,
Silhueta negra a projetar pássaro alado;
Esta manhã de um chilrear se percutiu,
Das vinte pombas que arrulham no beiral,
Contra a algerosa em inusitado carnaval.
(*) Toureiro

Diafanidade 2

Esta manhã de mornura transparente,
Em herança do frior da madrugada,
Sequer suspeita poder ser estuprada
Por esse Sol, cheio de si e impudente;
Esta manhã de pureza orvalhescente,
Cada gotícula nas folhas recamada,
Sangue da noite em frescura retomada,
A ser bebida pelo Sol ardente!
Sinto saudades da pristina geada,
Colar de pérolas sobre meu inverno,
Mas há um excelsior nesta manhã irisada,
Qual um toque franciscano de alvorada,
Em longas preces a espreitar o inferno,
Em sua sotaina grossa e acastanhada.

Diafanidade 3

Esta manhã, tal e qual mar invertido,
Lança suas ondas das nuvens na maré;
Eu a respiro, perdido em seu sopé,
Manhã diáfana, que me deixa agradecido;
Esta manhã trará também o olvido,
Recordada em outro dia só por fé,
Ou talvez seja esquecida toda até,
Se este soneto não a tivesse perseguido;
Esta manhã em que ainda estou sozinho,
Somente as aves nos cabeçalhos da cidade,
Somente os meus irmãos pela campanha,
Minha substância aligeirada como o vento,
Por breves horas esquecido da maldade
E da devassidão que me acompanha.

OLHOS DE FOGO I – 12 jan 2019

contemplo o mundo em solitário ardor,
não sei se outros contemplam o que vejo;
esse orvalho matutino, como adejo,
cobre minhas palmas qual ínclito pastor;

hoje retorna o milagre em seu palor:
de novo estou desperto para o ensejo;
ao novo dia assoprarei um beijo,
passou-se o sono, renovou-se o resplendor.

quando adormeço, despertar não saberei,
meus olhos pelas pálpebras cerrados,
nas comissuras de lágrimas tocados,
em rendição para algum sonho que verei,
talvez me acolha nessa cor que sonharei,
serei quimera para os sonhos acordados.

OLHOS DE FOGO II

o despertar sempre me traz algum espanto:
saí do mundo e vivencio uma ilusão,
ou só emergi dessa lava donde estão
os meus sonhos marejados de algum pranto?

não são lágrimas de dor, nos sonhos canto,
quem lá encontro a estreitar-me em emoção,
quem lá me beija retornando minha paixão,
mas qual das duas realidades eu garanto?

hoje é a manhã ou é a noite de meu sono?
todos os sonhos percorri em claro dia,
qual a surpresa que me reservaria
este dia a que me entrego em abandono,
por mais não queira meu sonho abandonar...
estou agora adormecido ou a despertar?

OLHOS DE FOGO III

são os meus olhos que queimam o luar,
para meus sonhos o transformarem em refeição
ou é o solar em sua cáustica paixão
que as vistas me queima ao despertar?

o que é a vida sob o esplêndido estelar,
em que me abalo sem consternação?
eu nada sei do que me aguarda a multidão
dos segundos a percutir meu despertar!

meu orbe noctívago eu consigo controlar
ou são quimeras a me queimar os olhos,
arrancados de minhas pálpebras os refolhos?
pois quase sempre posso o onírico dominar,
mas neste mundo desperto, nenhum rogo
controlar pode o meu olhar de fogo!...

no prisma do verso 1 – 13 jan 19

pode um prisma ser multifacetado,
icosaedro talvez ou mesmo mais,
superfícies de centelhas siderais,
algo de espelho ali cristalizado;
mas não reflete o que julgo ali mostrado,
tem o prisma distorções individuais,
as proporções de dimensões desnaturais,
neste prisma que nas mãos tenho dançado.
o que me mostra esse vidro condensado,
qual o rosto que consegue deformar?
o meu reflete ou trouxe outro de algures?
talvez meu ego brunido do passado,
quais as invejas do antanho ou de nenhures,
com que me busca indiferente enfeitiçar?

no prisma do verso 2

também meus versos têm algo de prismático,
com mil facetas suas interpretações,
recandescidas ali tuas emoções,
caso os encares de modo mais enfático;
esses meus versos não têm nada de didático,
apenas fazem refulgir as ilusões,
teu julgamento inteiro ali depões,
talvez ingênuo ou quiçá dramático;
só o que é certo são suas mil facetas:
cada vocábulo talvez signifique
o contrário do comum das impressões,
cada sentença com intenções secretas,
em sete níveis que a expressão te indique
do que desvendas de tuas próprias intenções.

no prisma do verso 3

as mil facetas de cada verso, simplesmente,
são do cantar e o ressonar de ti;
teu coração certamente nunca vi,
mas se me lês, algo há subjacente
a essa própria incerteza que escrevi;
o verso escorre rápido e indolente,
tão frenético quão sentado complacente,
que meu eco sequer sei se redigi.
tão numerosas a mostrar-se suas facetas,
hoje espargindo qualquer pureza incrível,
amanhã a decadência incognoscível,
mas escorrendo por tuas fendas mais secretas,
pois nele nada realmente significa,
senão um caco de tua alma que ali fica.

MUSAS INCONSCIENTES I – 14 JAN 19

SÃO TUAS IDEIAS INVOLUNTÁRIAS MUSAS:
QUANDO TE ABALAS A LER POEMAS MEUS,
NÃO ME PERTENCEM MAIS, PORÉM SÃO TEUS,
ESSES VERSOS ARROGANTES OU DE ESCUSAS,
ALGUNS FERIDOS POR ARCANAS DRUSAS,
OUTROS MARCADOS POR SALMOS DOS JUDEUS
OU PERIPÉCIAS DE DESCRENÇA DOS ATEUS,
NA IMITAÇÃO DE CEM MOLDURAS LUSAS,
CADA POEMA SENDO APENAS UM JAZIGO,
SEU TÍTULO POR MUSGOSA SEPULTURA,
OSSOS DESFEITOS SEM MAIS DESENVOLTURA,
ALMAS PENADAS SEM QUALQUER ABRIGO,
ATÉ TUAS VISTAS OS LEREM, COMPLACENTES,
TUA PRÓPRIA VIDA EM TRANSFUSÕES CONVALESCENTES.

MUSAS INCONSCIENTES II

SÃO TUAS IDEIAS QUE VIDA LHES DARÃO;
SEM TEU CUIDADO, SÃO APENAS ARGAMASSA,
UM CONJUNTO DE SENTENÇAS QUE PERPASSA
EM UMA REDE INDIFERENTE DA OCASIÃO,
ATÉ QUE OS OLHOS DE ALGUÉM ACEITARÃO
COMO REUNIR OS TIJOLOS DESSA MASSA,
QUE DEIXADA A SI MESMA DESCOMPASSA,
NÃO MAIS QUE LETRAS DESPROVIDAS DE NOÇÃO;
E SE O POEMA TE AGRADAR, É TODO TEU,
POIS A TUA ALMA AO ALI SE INTROMETER,
SOMENTE LEU O QUE ELA PRÓPRIA DESEJAVA;
E SE O VERSO REPELIR, TAMPOUCO É MEU,
QUE ESSA REVOLTA DESCOLOU DE TEU VIVER.
NÃO MAIS QUE SETAS DESFERIDAS DE TUA ALJAVA.

MUSAS INCONSCIENTES III

E DESTE MODO, NÃO ME SINTO RESPONSÁVEL,
NESTE MEU ESPLENDOR DE COBARDIA,
POR QUALQUER COISA QUE A TI TRANSPARECIA
DE ANÁTEMA, DE AGRAVO OU DE IMPROVÁVEL,
QUE SOU APENAS O FEITOR IMPONDERÁVEL
DESSAS PALAVRAS DE DOÇURA OU DE ACERBIA,
QUAIS TEU ESPÍRITO AS INTERPRETARIA,
COMO PROPOSTA  DELEITOSA OU INACEITÁVEL;
NADA MAIS SÃO DO QUE PALAVRAS MORTAS,
ANELANDO O INTERPRETAR DE QUALQUER MUSA,
INCONSOLADAS COM QUALQUER RECUSA
QUE AS PERMITA COALESCER DE SUAS COMPORTAS;
PORTANTO, O VERSO É TEU, AMIGO OU AMIGA,
EM SEU VIVER CREPUSCULAR QUE EM TI PROSSIGA. 

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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