terça-feira, 24 de setembro de 2019





EM SONO REM &+
Novas Séries de William Lagos 21/3-1º/4/2019



EM SONO REM (III) ... ... ... 21 MAR 19
PREDILEÇÃO (IV) ... ... ... 22 MAR 19
ESTILETES (III) ... ... ... 23 MAR 19
GOTAS DE ILUSÃO (III) ... ... ... 24 MAR 19
MACROCOSMOS (III) ... ... ... 25 MAR 19
ENDOCOSMOS (III) ... ... ... 26 MAR 19
TRITIOCOSMOS (III) ... ... ... 27 MAR 19
DEUTEROCOSMOS (III) ... ... ... 28 MAR 19
SEGUNDAVERA (III) ... ... ... 29 MAR 19
TERÇAVERA (IV) ... ... ... 30 MAR 19
ÉGLOGAS (VI) ... ... ... 31 MAR 19
DIA DAS TRETAS (III) ... ... ... 1º ABR 19

EM SONO REM I – 21 MAR 2019

Giravam os seus olhos enquanto os pensamentos
aleias do cérebro percorriam, incessantes,
suas redes neurais superlotadas e vibrantes
nesse elétrico fulgor o fluir dos sentimentos;
conquanto digam que nossos julgamentos
surjam da mente, por mais eletrizantes,
nos corações mil emoções gigantes
à tona vêm para assolar comportamentos.

Tal como se batalha consigo então travasse,
que um lado debatia – e o outro respondia,
as pupilas girando no compasso da disputa
e uma parte de si mesma assim se digladiasse
e outra enfrentasse que igual força possuía,
na escaramuça o empate da mais intensa luta.

EM SONO REM II

Deitado do seu lado, eu só a contemplava,
as pálpebras movendo a grade das pestanas,
o respirar bem leve, depois súbitas ganas,
enquanto o prélio interno sem pausa se travava;
enquanto a olhava eu, seu peito alevantava,
de um leve frescor o bafo em que as humanas
sempre nos mesmerizaram e os corações irmanas
na vida semimorta em que o sono palpitava.

Decerto o coração lhe impunha o julgamento,
ou quiçá seus pulmões se enfrentassem mutuamente,
sem que no cérebro se avistasse movimento
e mesmo o fígado, a que chineses atribuem
controlar dos sentimentos de forma equivalente
tampouco influenciava estes versos que me atuem.

EM SONO REM III

Pois nesse batalhar não havia adrenalina,
mas as ideias a mover o sono dessa mente
adivinhar eu poderia em ilusão somente...
Mas o mórbido conflito ainda se inclina...
Seria um outro amor a perturbar essa menina,
a contrastar com o meu, condescendente?
Talvez por isso essa batalha surpreendente
as pálpebras acionando em luta peregrina...

Como saber?  Se me movesse um cruel ciúme
e a acordasse para indagar do sonho,
decerto apagaria a razão desse amertume...
E assim, olhei somente, em sonho de carinho,
breve acicate para o verso que componho,
no refletir do amor presente e tão sozinho.

PREDILEÇÃO I – 22 MAR 19

Cavalo, revólver e mulher não se emprestam,
nessa ordem, é claro.  O importante
é a montaria conservar constante,
sem ser sujeita a baldas que não prestam!

Para muitos, nessa lista ainda restam
Cueca de festa e o cachorro acompanhante,
pois dos olhos do gaúcho é o fiel guante
contra inimigos que seu viver contestam.

Fica a china assim em quarto ou quinto
lugar na mesma ordem consistente
da posse individual e até o pelego,

às vezes, fica avante e smo o cinto,
essa guaiaca de dinheiro continente,
por quem a gente têm o maior apego!

PREDILEÇÃO II

Mas nesta época de tanto feminismo,
já qualquer coisa a se chamar de assédio,
fica o jogo sexual imerso em tédio,
muito exótico o resultar deste modismo,

quando condenam todo tipo de machismo
e ao mesmo tempo, protestam sem remédio
que a aposentadoria igual um tempo médio
tenha ao homem e à mulher, num saudosismo

desse tempo em que era grande a proteção,
de modo tal que a mulher se aposentava
cinco anos antes de seu companheiro,

embora vivesse geralmente na ocasião
cinco anos a mais, vantagem que lhe dava
de luz dez anos à frente do parceiro!...

PREDILEÇÃO III

Na marcha em que as coisas vão tomando,
se uma mulher for à praia toda nua
e se deitar “de pernaberta” em plena rua,
será um crime para o homem estar olhando.

Contudo indago se for outra mulher tentando
observar sua intimidade à lua da lua,
se é um assédio sexual de forma crua
ou se da lésbica o olhar se vá acatando...

E só queria saber se a mulher morta
por uma outra foi sofrer feminicídio
ou só um homem possa feminicidar...

Mas a justiça essa ação talvez entorta
e entao de novo chamaremos de homicídio
esse efeito homossexual do assassinar?

PREDILEÇÃO IV

Por isso, até ao gaúcho eu dou razão,
enquanto o IBAMA não oficializar
como crime hediondo a montaria cavalgar
ou o FGTS do animal cobrar então.

Se haverá equinicídio ou assédio redomão
a declarar-se quando um homem for montar
alguma égua de mais fácil manejar
do que um forte e violento garanhão?

Muito melhor o peão se contentar
com seu revólver, sua cueca e seu cachorro
e se esquecer de olhar para mulher

ou então por ela deixar-se dominar
no seu ranchinho em riba lá do morro,
até que ela o denuncie, se quiser!

ESTILETES I – 23 MARÇO 2019

Com facas de cristal recorto este poema,
suas raízes a brotar da hipodermia,
mil capilares nessa rede de energia,
que num rascunho minha própria vida drena,
quer seja a carne da poesia bem pequena,
bem no fundo de minha derme se alicia,
em calafrios de profunda hipotermia,
quando de longe a solidão me acena,
tão solitária a esfinge da poesia
que a própria solidão afastaria,
pois nem saudade para mim então acena;
resta somente o vazio que me envenena
e o cristal que nem sequer cintilaria,
enquanto a mágoa se esvai de toda a cena.

ESTILETES II

A solidão do alfange é meu estilo,
meu estilo a gravar placas de cera,
mas a cera de minha dama não se abeira,
só abeira a alma, em cricrilar de grilo
e fica o grilo a me roer inteiro o silo,
meu silo de cereal que a vida gera
e gera em mim tão só rosnar de fera
a fera muda no esforço do sigilo,
tal sigilo a denunciar o meu segredo,
o segredo a revelar-se meu escudo,
esse escudo a que o amor funesto cedo,
cedo que seja o ceder de meu desejo,
meu desejo azulado em fio rombudo,
rombudo estilo a me ferir qual beijo.

ESTILETES III

Corta minha carne a faca de cristal,
nitidamente atravessada a derme,
cortando a mágoa jacente na epiderme,
a hipoderme cortando em golpe astral,
sob o hipocôndrio inserindo seu fatal
desdém que liquefaz todo o meu cerne,
cada tendão e ligamento inerme,
num coriscar de interno vendaval
e contudo as palavras emudecem
no instante mesmo de serem inseridas
neste rascunho sepultado num cartão,
enquanto a mágoa e a solidão mais crescem
nessas palavras das ilusões perdidas,
que longe acenam, já perdido o seu condão.

GOTAS DE ILUSÃO I – 24 MAR 19

A mão eu te estendi, mas não dei meu coração,
nessa certeza de que tu me amavas
e a cada vez que diariamente me abraçavas,
era gentil e bem sincera a minha paixão.

Porém jamais nutri real uma ilusão
de que meu coração seguisse a mão;
teu coração a beijar nessa emoção
de tanto amor que por mim manifestavas,

que o coração já, de fato, fora dado,
não ao primeiro, mas ao segundo amor,
terceiro amor, foste só consolação,
que a ti jurasse amor foi meu pecado,
por mais ardente atiçasse essa ilusão,
que por mais cálida esfriava meu calor.

GOTAS DE ILUSÃO II

Não fui somente eu, tenho certeza!
Quantas as mãos que por aí se estreitam,
enquanto dúvidas nos corações espreitam,
no palpitar desgracioso da incerteza.

Isso faz parte da própria natureza,
que em gotas de ilusão o nosso amor aleitam,
gotas de assombro a fantasia ajeitam,
até surgir a crença de um amor pela beleza.

Que seja o amor manifestado na poesia,
amor alvéolo do mal do romantismo,
tão anelado quão negado em realismo,
que na verdade tanta gente me dizia
ser necessário se pingar gotas de mel
no falso amor aureolado de ouropel. 

GOTAS DE ILUSÃO III

Outros diziam que o amor nos vem depois
e os casamentos sem amor, inicialmente,
um sentimento gerarão bem certamente
na companhia assim gerada pelos dois.

Um certo amor se formou entre nós, pois
não se pode conviver gratuitamente,
carne com carne a forjar internamente
esse liame siderúrgico de anzóis...

E quando enfim se mostra o nó mais proveitoso,
mútua confiança assim florando no casal,
qual a importância desse lamento sideral
que nalma geme nesse tom pecaminoso,
esparsas gotas de ácido a pingar
pelo remorso de não poder de fato amar?

MACROCOSMOS 1 – 25 MARÇO 2019

Quer seja amor um sentimento sideral,
Um teracosmos que engole o personal
Ou minúsculo estilhaço individual,
Em sensação perpétua ou passageira;
Quer seja amor retalho da alma inteira,
Quer emoção transitória e corriqueira,
Quer mutação aberrante e passageira,
Algo cinéreo disfarçado de imortal,
Certo é que a todos e a cada um inquieta
E quando surge, nos envolve inteiramente,
A mente e o coração, dor insistente
Ou servidão que a nós se impõe completa,
Quando a razão em delíquio nos afeta,
Quão mais profunda sua ferida entumescente.

MACROCOSMOS 2

Eros foi símile herdada dos helenos
Para explicar essa intensa agitação
Que nos domina sem real causa ou razão,
Nas grandes almas, nos corações pequenos,
Um macrocosmos nos espíritos serenos,
Um microcosmos no apoio da emoção,
Mais controlado que seja em contenção,
E um certo senso de ridículo inclui ao menos,
Mas é tão grande em nós sua irrupção,
Que de lado se põem as divergências,
Fortalecidas as pequenas impotências.
Pois qual de fato possui dominação,
A decisão do peito voluntário
Ou o sentimento à decisão contrário?

MACROCOSMOS 3

Como é gigante a escravidão perfeita!
Como é pequena a imensidão da escolha!
Da vida antiga a se virar a folha,
Quando esse algoz em um sorrir se aceita!
É tão imensa a pequenez que deita
Por terra o raciocínio e crava rolha
Nos argumentos quando amor se acolha,
O corpo e a alma subornando em peita!
Pois não existe um macrocosmos mais anão,
Nem microcosmos que seja tão gigante
Que os fragmentos a bailar no coração,
Nessa pureza sem nada de inocente,
Nesse pecado sem qualquer condenação,
Rede de ouro que envolve toda a gente!

ENDOCOSMOS 1 – 26/3/19

Em vão sentimos qeu a emoção envolve
O nosso corpo e a alma num suspiro;
Isso é ilusão que a mente lança em giro,
Isso é mistério que bem fácil se resolve,
Isso é emoção que o labirinto solve,
Pois está dentro de nós.  É a mim que miro
Quando penso que um rosto alheio eu firo
Com meu olhar que a meu redor se volve,
Neste dédalo que como rede se experimenta,
Que em nós tolher o raciocínio se contenta
E não se encontra em absoluto no exterior,
Tanta emoção endócrina em seu mal,
Hemorraria muito mais do sinovial (*)
Que os joelhas enfraquec em seu tremor.
(*) Líquido que lubrifica as articulações.

ENDOCOSMOS 2

Por isso amor é um endocosmos expandido
Que a nossos olhos cega de repente,
Cada problema a descartar contente,
Mesmo se em nada o sentimento é respondido,
O corpo inteiro já está comprometido,
Na adrenalina dessa esperança ardente,
Absorção do raciocínio inteligente,
Que a se justificar vê-se impelido!
Não é o objeto desse amor que nos domina,
Mas essa falha interior, a intensa fome
De algo maior que a própria alma dome,
De alguma coisa tão bela que fascina,
Essa sede que nos vem da antiguidade,
Nessa emboscada sutil que nos invade.

ENDOCOSMOS 3

Porque se ama é a nossa insuficiência,
Que se anseia por fim ver satisfeita,
Triste quimera no temporal perfeita,
Psota de lado a razão com impaciência
E se não há razão em tal leniência,
Qualquer alvo aceitável, dessa feita,
Quase impossível compreender como se aceita,
O coração em total subserviência,
Quando é alvo do amor um tipo estranho
Ao conceito anterior de perfeição,
Que nem desejo desperta ou atenção,
Porém que atende a um prazer tamanho
Desse estilhaço que chamamos de paixão,
Não mais que ausência a crepitar no coração.

TRITIOCOSMOS I – 27 MARÇO 2019

Algumas vezes eu me sinto vegetal,
não uma flor, só um caule mais rugoso,
talvez mais leve, seu verde mais sedoso,
sempre capaz de resistir ao vendaval.

Algumas vezes, sinto a seiva natural
me percorrer, em rugido perfumoso,
até meus ramos de tom mais prestimoso,
chegando às sépalas do broquel inaugural.

Não passo disso.  Das sépalas só brota
algum poema, não a flor mais peculiar,
mais raramente, algum fruto singular.

Colhido o sonho, novamente se denota
no mesmo ramo, uma leve brotação,
um brando aroma, de outro fruto irmão.

TRITIOCOSMOS II

Então me sinto como planta em primavera,
que sob o novo sol, mais dadivoso,
após a geada do inverno penumbroso,
dá a uma semente seu retorno a nova era.

Eu sou a folha com que conquista a hera
novas guias a brotar no caloroso
gotejar desse sol no pedregoso
apoio da parede em que se abeira.

Lanço as lianas ao redor de mim,
sem nem saber quando serão podadas,
ou se irão ser por outrem destroçadas

ou recebidas como um manto de alevim,
por nove meses, tal como a gestação
de um novo fruto a pipilar no coração.

TRITIOCOSMOS III

Quando bem sei que embora sendo passageira
em novo tempo o quanto foi retornará,
a folha murcha e todo o fruto cairá,
mas a semente dormitará inteira,

quer hibernando sob a serapilheira, (*)
quer devorada por animal será
que em seu adubo além a depositará,
longe o bastante de sua queda primeira...
(*) Cobertura de folhas secas sobre o solo.

Talvez assim o meu poema falho
alguém devore e o oculto sentimento
floresça no seu peito como um galho

desse mesmo vegetal em que brotei
e então rebrote em seu próprio julgamento,
enfim pensando quase o mesmo que pensei.

DEUTEROCOSMOS I –28 MAR 19

meu microcosmos me abrange em universo,
mas lentamente se expandirá em brotação
caso a semente se apegar no coração,
deuterocosmos em novo andor converso;
sinto que a vida em cada dia disperso
traz energia à minha própria floração,
razão inversa de qualquer desilusão,
quando o desejo de si só vê em reverso.

a graça ingente em meu viver me engana,
o seu perfume só trazendo a dor insana
de se esperar contrário à esperança,
mas o real de cada dia não me dana
com o mal fictício de temporária gana,
para ao final negar qualquer bonança.

DEUTEROCOSMOS II

pois cada planta que nasce a morte alcança,
talvez roída por uma geada temporã,
talvez servindo de poleiro a alguma rã,
solerte à espreita de qualquer mosca que dança
e então sua língua projeta como lança
e a recolhe, em alegria malsã,
o inseto vivo em breve luta vã
e na tocaia permanece e não se cansa.

ou essa planta atinge o pleno crescimento
até ser subitamente herbivorada,
dentro de um rúmen a reduzir-se a nada,
salvo uma massa de vácuo sentimento,
segundo cosmos de completo esquecimento,
caso não seja qual semente rejeitada.

DEUTEROCOSMOS III

cada semente a um novo cosmos nutre,
com seus bilhões de células mortais,
cada uma delas com seus próprios carnavais,
cada uma delas jantar de algum abutre;
lança a semente um universo que renutre,
em mil constelações dos alquimiais,
supernovas a luzir em cem fanais,
um novo tempo a consumi-la, em contrabutre,

gera milhares de vidas transitórias
a nossos olhos, mas para si eternas,
a deglutir-se nas emoções mais ternas;
e quem nos diz que não moramos em semente,
com todas nossas aspirações de glórias,
festim de abutre a devorar nosso presente?

SEGUNDAVERA I – 29 MAR 2019

Fica a plantinha sorrindo verdescente,
Na inocência de sua palidescência,
Da leve brisa a gozar benemerência,
Da luz solar o riso permanente.

Não tem noção de ser palidescente,
Mas sente a força de sua verdescência:
Abre-se à luz com ampla permanência,
Cada raio a se mostrar benemerente.

Há uma delícia nessa alegria singela,
Na insensatez da santa ignorância,
Tivera alma nessa redundância,
Talvez repúdio mostrasse a ser tão bela,
Consciência amarga de tal futilidade,
Quando a sombra de uma ovelha o céu invade.

SEGUNDAVERA II

Mas tudo o que sorri e nalma canta
Também me assoma aos olhos e à garganta,
Enquanto a inspiração meu sonho imanta
E me trai no murmurar da falsidade.

Percorre o caule (e a canela) na verdade,
E ali sussurra sua futilidade,
Tendo consciência de que a vegetalidade
Não possui, mas sua inteireza é tanta

Que não desiste, sabendo ser sutil
Essa inteireza igual mancha de anil
A se expandir em água de lagoa

Ou que se expande no farrapo de cartão,
Na sutileza de sua própria situação,
Que enquanto vive julga ser sua vida boa.

SEGUNDAVERA III

De qualquer modo, o sol da primavera
Estende os braços para o versoplanta
E embora seja outono que hoje a encanta
Não raciocina ser tão só segunda vera.

Durante o seu verão sequer espera
Toda a agonia do granizo que descanta
Em bateria de cintilante manta,
Quebrando as hastes tal qual faz besta-fera.

Última flor do breve veranico,
Março se alonga para o seu final
E chega Abril em  um sopro  mais brutal

E como a planta sob o céu eu fico,
Até o zéfiro mostrar-se mais feroz
E sob o teto vá zombar do novo algoz!

terçavera I – 30 mar 19

dizem as línguas que nossa primavera
não chega aos trinta anos e, contudo,
ao recordar minha vida ainda me iludo
que aos cinquenta pude ter segundavera
e tenha embora sido o inverno rudo,
em minha vida presente ainda me escudo:
gozo aos setenta de minha terçavera,
caminho como antes, sem bengala,
não me assento na poltrona de minha sala
para apenas cuidar quem é que passa
e até o presente meus ossos conservei
e se as articulações gastar forcei,
ainda posso me mover com certa graça...

terçavera II

dizem velhice ser de espírito um estado:
quem a mente ainda conserva limpa e pura,
em cada ângulo a portar-se com lisura,
não se percebe sobremaneira avelhantado,
apenas muda o sabor de seu pecado,
certa inveja a espreitar com amargura,
certa revolta porque pouco a vida dura
e ao mesmo tempo um senso do aliviado,
porque a sentença que a nós foi proferida,
que certamente não recebe progressões
de pena! – já está mais perto do final;
e quem a mente sempre teve preferida,
não se importa em avistar a conclusão
desta mistura de tédio, bem e mal.

terçavera III

só interessa conservar objetivos,
qualquer coisa a fazer, caso a saúde
não tropece em algum percalço rude
e não impeça, com alheios crivos
realizar esses projetos ainda vivos,
embora seu progresso um tanto mude,
sem longo prazo, que apenas nos ilude
sobremaneira em seus desvãos subjetivos,
mas se planeja somente para o hoje,
qual livro ler, qual texto compor,
quais as compras a fazer na mercearia,
quais os remédios que a farmácia aloje,
a que banco ingressar sem grande ardor
ou qual o prato que cozinhar se iria.

terçavera IV

quanta vez a minha escada subo e desço,
que mais não seja para tomar café,
ou a companheira para acordar até:
é meio-dia e um novo abraço eu peço;
raras vezes algum item eu esqueço,
subconsciente a portar-se com má fé,
faz-me voltar à padaria, “de a pé”,
para comprar qualquer coisa os passos meço;
mas hoje apenas quero olhar meus selos,
quaisquer dezenas nos álbuns colocar,
por meus catálogos Yvert classificar,
informações dactilografadas com desvelo
em cada página, mas após aposto o cunho
em meu labor diuturno de rascunho!

ÉCLOGAS I – 31 MAR 2019

O ecoglass, vidro líquido, em verdade
é uma nova e vital tecnologia,
que para múltiplos fins nos serviria,
revestimentos de invisibilidade,
mas que ali estão com real compacidade,
dióxido de sílica em sua nanometria,
algo de fato cuja força permitia
uma capa de espantosa virgindade,
quinhentas vezes mais fina que um cabelo,
a se espalhar sobre cada superfície,
em robusta e perene proteção,
facilitando sua limpeza e o desvelo,
fisiológica sem ter qualquer sevície,
capaz de ampla flexibilização!

ÉCLOGAS II

Em realidade, o que hoje fui buscar,
nesse Google de tanta informação
foi a métrica da exata formação
de um poema que pretendia ambientar
na natureza, como às plantas comparar
minha própria vida, na recente criação
de alguns poemas nos dias que se vão
nesta semana que acaba de passar,
mas a meus olhos se impôs a propaganda
de várias fábricas desse mágico ecoglass,
como forma de o tal Google financiar,
sendo gratuito para individual demanda,
de outro modo seu lucro assim perfaz,
ao nos impor seus anúncios sem parar!

ÉCLOGAS III

Mas eram éclogas que na rede fui buscar,
como as obras de Vergílio, esse romano
que nos deixou um vasto acervo arcano
bem antes de nossa era se iniciar,
basicamente em diálogos a tratar
dos conhecimentos ou do amor profano
entre pastores; suas obras, em grande afano,
múltiplas vezes foram no palco se encenar;
seu nome Publius Vergilius Maro,
nascido em Piétole, chamada Andes, então,
para morrer em Brindisi, nome atual
que não mudou em séculos sob o faro
do tempo decorrido em progressão,
cinquenta anos em sua vida individual...

ÉCLOGAS IV

É mais famoso, de fato, pela Eneida,
esse poema de caráter semi-histórico,
do que por esse canto mais bucólico,
em que seduz Elissa e uma Nereida
o bravo Enéias dessa antiga Tróia,
para ir a Etrúria na Itália então fundar,
de que Roma após iria resultar;
e quem nos diz que essa grande jóia,
vasto poema épico, algum cunho
de verdade não tivesse além da lenda,
mesmo absorta a intervenção divina?
Também as Geórgicas brotam do seu punho,
mas foi de fato a sua maior prebenda
este poema de que tanto amor nos mina...

ÉCLOGAS V

Realmente não achei o que buscava,
qual a métrica na écloga empregada,
tão somente a descrição aproximada
e a divisão pelos pósteros afirmada;
seria a Écloga Pastoral que procurava,
havendo a Écloga Pisctórica encontrada
e a Écloga Venetória da caçada,
mas não o ritmo do verso que anelava;
de qualquer modo, essa poesia é lírica,
tal como a maior parte do que faço,
embora tenda um pouco mais a idílica
e de outros tipos de amor eu mostro o traço,
desde o sexual até a corte bíblica,
que concebi pelo meu próprio abraço.

ÉCLOGAS VI

A breve métrica que achei traz a cesura
inserida no interior de cada verso;
lembra duas quadras, em texto bem diverso,
sempre reunidas por oratória pura;
já o que escrevo, em meu fadário de amargura,
é normalmente um soneto em pluriverso,
pois meu talento eu tenho assim converso
para esse plano inefável de doçura;
nem a Teócrito me comparo no bucólico,
que descrevia a criação do gado,
nem a Vergílio na criação do histórico;
faço o que faço apenas constrangido
por essa inspiração quase pecado,
em meus poemas de amor desinibido.

DIA DAS TRETAS I – 1º de Abril de 2019

mais uma vez chegou-me o mês de abril,
que deveria ser o meu aniversário,
pois tanta vez encontrei adversário
que igual a um bobo me tratou, em gesto vil!

por algumas décadas, fora o ano civil
só iniciado em março e em seu fadário
havia festejos de caráter multifário,
que culminavam num desfecho pueril.

no dia primeiro, ou dia da mentira,
se propalavam todos os boatos,
para troça fazer de quem ouvia.

e de algum modo, tal comportamento vira,
em consequência desses falsos fatos,
na brincadeira sem maldade que se via.

DIA DAS TRETAS II

mas fake-news é o que hoje se propaga,
nelas perdida está toda a inocência,
alguma criada na mais plena imprudência,
para ver se algum incauto a nova traga.

na Internet tal notícia não se apaga,
por maior o desmentido dessa avença;
sempre em alguém a despertar-se a crença,
especialmente das eleições na saga.

se bem que se exagere essa importância,
já que aqueles que apóiam candidato
descartarão como irreal esse boato
e aqueles que o desprezam já em instância,
aceitarão alegremente o novo fato,
que mais não seja por amor da manigância.

DIA DAS TRETAS III

antigamente, era só uma brincadeira,
que em geral não incluía má intenção,
só uma risada ocasional, então,
se alguém a treta acreditara inteira.

mas a potoca é, de fato, a cordilheira
de toda a rede das petas que aí estão,
história longa de alegre aceitação,
reconhecida desde o início como leira.

há até concursos para potoqueiros,
seu desempenho neles só premiado
quando mais claro e desavergonhado.

são esses contos pesados ou ligeiros,
e em geral só despertam gargalhadas,
quando as histórias foram bem imaginadas...

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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