terça-feira, 18 de agosto de 2020

 

 

A BOLSA DO CANGURU I – 29 JULHO 2016

 

“Foi depois do Dilúvio.  Um viandante” (*)

seguia bem depressa pela estrada,

acompanhada por toda a filharada...

Surgiu o Quati e interpelou-a nesse instante:

(*) Citação de um verso de Castro Alves em Vozes d’África.

 

“Aonde vai, Comadre?  Está bem elegante...”

“Vou à festa que Tio Noé tem preparada...”

“Mas duvido que consiga nela entrada!

Seu convite foi bem claro e dominante...”

 

“Só os animais que na Arca viajaram,

nenhum filhote e nem qualquer criança...”

“Mas meu marido está longe, foi saltando...”

 

“Até a Austrália, a ver se as águas já baixaram;

de retornar para lá nossa esperança...

Abandonar não podia este meu bando...”

 

“Mas não adianta!  Foi um convite taxatório:

só os adultos para a festa convidados...

Tio Noé é gente boa, mas malvados

os filhos dele.  O texto foi peremptório!”

 

Crianças deixam tudo num mictório!

Há assuntos sérios para serem combinados.

Pelas crianças nós seremos perturbados:

fazem muita gritaria, é bem notório!...

 

Chegaram o Macaco, a Paca e o Coelho.

“Mas por que não os deixou na sua casinha?

Estão os meus bem quietos na toquinha,”

 

Disse o Coelho.  “Toma conta o meu mais velho.”

“E o meu marido ficou assando pão,”

falou a Paca.  “É bem gentil de coração...”

 

“E a minha Macaca ficou na sala, fofoqueando

com a Orangotanga, a Guariba e a Chimpanzé.

De nossas crias assim cuidam bem, até...

Só a um de nós o Tio Noé foi convidando...”

 

“Mas com quem os meus nenês iria deixando?

Nossa choupana é toda feita de sapé...

Tentei fazer com que dormissem, por minha fé,

só que o mais velho estava sempre despertando...”

 

“De toda a turma enchi bem a barriguinha,

mas insistiram para vir comigo à festa!

Atrás de mim vinham pulando na floresta!”

 

“Fui obrigada a trazer toda a turminha!...”

“Os seus filhos malcriados é que são,”

disse o Quati.  “Tudo vem da criação!...

 

A Cangurua até ficou meio ofendida:

“Eles são bem criadinhos, sim, senhor!

Mas apegados são a mim, que é um amor!

Ainda mais com o pai estando de saída...”

 

“E depois, esse convite até invalida

a minha vinda, indelicado que é um horror!

Venha sozinha, sem os filhos, por favor

É lá isso convite que se receba nesta vida?”

 

“Não é assim,” falou o Quati.  “Nem há lugar

na casa grande ou no pátio de Noé:

cada um dos bichos já arranjou urna filharada!”

 

“Chegando todos, até a comida iria faltar;

vão quebrar tudo, copos e pratos até!...

Dona Noé iria ficar desesperada!...”

 

A BOLSA DO CANGURU II

 

“Só imaginem se o Compadre Rato

aparecesse com a imensa filharada?

Eles roeriam tudo, sem deixar mais nada!

E se os caçasse nosso Compadre Gato?”

 

“Lembra os filhotes do Compadre Pato?

Iriam fazer uma tremenda gritalhada!

A pular e a sujar na mesa armada!

Que lá não devam chegar é um puro fato!”

 

“Pior ainda, já pensou nos leitõezinhos?

Não há nada que não sujem tais bichinhos!

Transformariam a festa inteira num chiqueiro!”

 

“E se viessem então gafanhotinhos?

Iam fazer da festa uma tristeza!

Comendo tudo, até a toalha da mesa!...”

 

“Mas o que é que eu faço?” – indagou a Cangurua.

“Vejo só uma solução,” – disse o Macaco.

“Volte agora para casa.  Em algum barraco,

há de encontrar qualquer vizinha que se atua.”

 

“Cuidar concorde seus filhotes até que a Lua

os faça adormecer em seu buraco...

Depois da festa, para ela leve um naco

do bolo... Não se dá bem com a Perua...?”

 

“Tem a Comadre Ornitorrinca, mas não sei

se vai querer...  Dona Koala é minha amiga,

mas seus maridos viajaram com o meu...”

 

Com alguma delas minhas crias deixarei,

caso a turminha convencer consiga...

Vamos voltar, guris, que já quase escureceu!...”

 

Porém quem disse que seus canguruzinhos

queriam saber de para a casa retornar?

“Quero ir à festa!...” – se puseram a berrar,

“para comer bastante bolo e mil docinhos!...”

 

Finalmente, a Cangurua decidiu:

“Macaco amigo, empreste-me seu saco!”

“Mas está cheio com a roupa para a festa!”

 

“Eu quero me trocar...”  Mas ela insistiu:

“Seja bonzinho, como um gentil Macaco!...”

“Vou-me sujar no caminho da floresta...”

 

“Coloque a roupa nesta minha maleta,

a minha trouxe, também, para trocar

e dentro dela ainda há um bom lugar...”

E o Macaco de reclamar se aquieta.

 

“Vocês me ajudem agora...” – disse inquieta.

Logo os amigos a se prontificar.

“Vamos à festa, então!” – pôs-se a chamar

e seus filhotes retornaram como seta!...

 

E foram sendo abraçados, um a um,

E ali enfiados, numa manobra pura,

dentro do saco todos apertados,

 

que ela prendeu como bolsa na cintura,

sem  conseguir se escapar nenhum

e numa bolsa são até hoje carregados!...

 

 

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