(Pintura de James Anderson)
A bordo vinham meus sonhos; antigamente
Usavam uniformes, brava gente,
A enfrentar garbosamente oceanos.
Eram sonhos reais; na fugidia
Luz da manhã o seu olhar luzia,
Contemplado, a sorrir, por veteranos
Que doutras tantas viagens navegavam
E sabiam como os mares destratavam
Os sonhos jovens nas ondas refulgentes:
Que muito em breve, essas tranquilas ondas
Seriam mais profundas do que as sondas
E os sonhos não seriam suficientes.
Não é que houvesse tantas tempestades:
Foi mais a calmaria, as saciedades,
A despertar em minhalma a sensação
De que tudo era inútil desatino,
Que a multidão dos sonhos de menino
Não era mais que vaga exaltação.
Seguiram no navio, trocando as velas,
Aqueles pobres sonhos, já sequelas
Do que antes tinham sido; inquietação
Constante no intestino, enjôo manso,
Sabendo que esforçar-se sem descanso
Não impediria sua lenta esgalhação.
Foram sendo superados, um a um,
Amorteceram; afogou-se algum,
Porém a maioria adormeceu.
Do olhar se foi a luz... Ficou desdita,
A luta se manteve, nessa aflita
Contemplação de um ser que não morreu,
Mas não vive tampouco, nessa mágoa
Inconsequente de trilhar a tábua
Sempre oscilante do velho tombadilho:
Percepção constante e visceral,
Que não importa o ardor mais triunfal
No oceano da vida: escuro e brilho
Independem de nós, são aleatórios,
Os ventos nos arrastam, peremptórios
E o bem e o mal nos chegam sem esforço.
Sobreviveram os sonhos, resistentes,
Porém sabendo que muito mais potentes,
São o acaso e a aleivosia, seu reforço.
Assim os sonhos passaram a cumprir ordens
Dos desgostos, das pragas, das desordens,
Tornaram-se confiáveis e obedientes,
Esperando, talvez, terminaria
Em um porto essa viagem, dia a dia,
Contrário o vento e de tufões frequentes.
E a bordo vêm meus sonhos, no presente,
Esfarrapados, magoados, no impotente
Esforço de cumprir tanta rotina,
Roídos de escorbuto, doidos, fracos,
Escravos da esperança, pobres cacos,
Com lustro ainda ao fundo da retina.
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