sábado, 18 de junho de 2011

CALEIDOSCÓPIO



CALEIDOSCÓPIO I 

É pela madrugada que a escuridão medita,
quando vigia os sonhos e a solidão agita,
quando colore a mágoa em torno à mente aflita,
e cede aos pesadelos a chave do portão.

É pela madrugada, então, que a mente choca
essas negruras verdes, a vastidão que toca
os turbilhões neurais e, pouco a pouco, soca
tais fantasmagorias no sangue e coração.

A escuridão suspira e, às vezes, entra em cio,
buscando um novo sêmen, querendo ser semente,
ovula e se menstrua e gera um novo dia.

E eu olho a escuridão que chama e então adio
a cópula esperada por mim em tom plangente,
a imaginar que a aurora só para mim sorria.

CALEIDOSCÓPIO II

Porque encarnada é que sangra diariamente
a deusa Aurora, porém não só vermelha
é sua rubra luz, mas que, de fato, espelha
de seu irmão, o Sol, o andar menos urgente.

A noite chora assim menstruação plangente,
nesse ritual, contudo, apenas quando é velha.
Enquanto a noite é nova, recobre cada telha
em lanígero preteor, em velo inconsequente.

O mundo ela domina durante a adolescência
e se conserva assim em plena virgindade:
é fêmea a Lua também, com todo o seu farol.

De forma igual se vê que tal luminescência
projeta cada estrela que em timidez invade
o seu hímen de breu que apenas rompe o Sol.

CALEIDOSCÓPIO III

Assim a noite se guarda para Febo,
o jovem louro em fúlgido esplendor.
Aos poucos, vai perdendo seu frior,
para aquecer-se na expiração do efebo.

Já derretido esse amarelo sebo
que a Lua conservava em seu palor,
queimadas as estrelas sem vigor,
seu cheiro de mulher então eu bebo.

A noite não deseja mais ser pura:
fica aguardando, em sua ovulação,
para grávida gerar um novo dia.

E se desfaz em menstrução escura,
ao receber do Sol fecundação,
enquanto a Lua, enciumada, espia.

CALEIDOSCÓPIO IV

São os ventos da aurora sua carícia
e seu sangue expectante se derrama.
Não é o Sol que a alba assim conclama:
é a noite virgem ansiando por delícia.

Sentindo ter perdido, em estultícia,
as doze horas em que negror proclama.
Mas é o auriga do Sol que agora chama
e se entreabre em pelúcia de malícia.

E vem a luz do Sol a deflorá-la,
sem que Febo se disponha a desposá-la.
E só percebe, na alvorada clara,

que expulsa ela se encontra e não amada
e aos prantos, no horizonte refugiada,
só às lágrimas do orvalho se compara.


Nenhum comentário:

Postar um comentário