A MENINA E O PAPÃO I
(10 mai 11)
Havia uma menina chamada
Meiling,
que um dia resolveu fugir
de casa.
Varrer não queria,
cozinhar não gostava,
lavar roupa era ruim,
costurar detestava.
Não queria fazer nenhum
trabalho, enfim.
Meiling era uma linda
chinesinha
e nesse tempo, ninguém ia
ao colégio,
mas com as bonecas já
enjoara de brincar
e era novinha demais para
casar:
queria só ser a princesa
da casinha...
E como a mãe trabalhar a
obrigava,
juntou suas roupas num
paninho azul,
penduradas na ponta de uma
vara
e, numa noite em que a Lua
estava clara,
saiu sozinha para a
estrada que a esperava.
Ficou cansada, mas era uma
aventura...
Já de manhã, chegou em uma
cidade.
A sua presença chamou
muita atenção
e logo apareceu um batalhão
de gente cheia de
curiosidade pura.
Quase em seguida, arrumou
um protetor,
que lhe arranjou uma casa
pra morar.
Mais outros seis cuidaram
de Meiling,
chamados Tchang, Tcheng e Tching,
Tchong, Tchung, Tchiang e Tchieng, por amor.
Cada um ficou com um dia
da semana
para visitar Meiling e
cuidar dela...
Trouxeram móveis, roupa e
cobertor,
fogão e comida do melhor
sabor...
Da boa sorte Meiling logo
se ufana...
A MENINA E O PAPÃO II
Mas logo viu que não era
bem assim:
já não podia bancar a
princesinha...
Para comer, precisava
cozinhar,
tinha de a casa varrer e
até espanar:
desiludiu-se a pobre da
Meiling!
E como era menina bem
limpinha,
logo suas
roupas precisou lavar...
Depois ganhou um ferro de
passar,
aos poucos, aprendeu a
costurar:
o resultado de ir morar
sozinha!
Era obrigada a preparar o
almoço,
pois descobriu que nada
vem de graça...
Quando os amigos a vinham
visitar,
traziam roupas para ela
costurar...
para lavar, ia tirar água
do poço!...
No fim, ao invés de
somente obedecer
ao pai e à mãe, obedecia a
sete!...
Eles eram gentis e
delicados,
mas insistiam em receber
os seus cuidados
e Meiling começou a se
arrepender...
Em casa, só atendia à mãe
e ao pai,
que lhe faziam todas as
vontades.
A mãe só lhe ensinava o
treinamento
de que iria precisar no
casamento...
Pode custar, mas no fim, a
ficha cai!
Assim, Meiling já
cozinhava bem;
acostumou-se com as
domésticas tarefas
e então pensou que estaria
bem melhor
na casa de seus pais, onde
menor
seria o trabalho a
realizar também!...
A MENINA E O PAPÃO III
Assim, assou um bolo
delicioso
e o enrolou no seu
paninho azul.
Dos sete amigos, cada um
assume
cuidar da casa nos dias de
costume
e se mostrou cada qual
mais generoso.
Mesmo assim, deixou a casa
bem trancada,
com medo que viesse algum
ladrão.
Os seus amigos visitavam
só de dia
e desse modo, alguém até
podia
roubar sua casa e não
lhe deixar nada!...
Depois de quatro horas de
jornada,
sentiu o bolo ficando mais
pesado...
Estava só no meio do
caminho
e resolver sentar, só um
pouquinho,
porque já estava, de
fato, bem cansada...
De ter visto aquela pedra
não lembrava...
Estava bem quentinha, sob
o sol...
Até dava a impressão de
ser macia
essa pedra que a luz não
refletia...
Logo Meiling largou o
bolo e descansava...
Ela sabia que não podia
dormir,
caso contrário, não
chegaria em casa...
Mas apenas recostou-se,
cochilou...
De repente, com um susto,
despertou,
quando uma voz muito rouca
fez-se ouvir:
"Ah, menina, eu quero
essa comida!"
Meiling olhou em volta,
mas ninguém
havia por perto.
"Será que eu sonhei...?"
"Sonhaste nada, fui
eu que falei!..."
tornou a voz,
perfeitamente ouvida.
A
MENINA E O PAPÃO IV
Então Meiling se levantou
de um salto!
A voz surgia bem debaixo
dela!
Na própria pedra abria-se
uma fenda:
Meiling recuou depressa
para a senda,
agarrando seu bolo, em
sobressalto!...
A fenda era uma boca bem
vermelha,
cheia de dentes amarelos e
pontudos,
a língua projetada qual
serpente,
dois olhos verdes se
abriram, de repente:
a uma cabeça a pedra se
assemelha!...
"Eu quero essa comida
e quero já!"
Surgiram braços e depois
dois pés.
Meiling estava a ponto de
correr,
mas viu que o monstro
custava a se mexer.
"Me dá esse pacote
que aí está!..."
A menina estava até bem
assustada,
mas viu que a pedra nem
saía do lugar
e protestou, bastante
corajosa:
"O bolo é de meus
pais, sua feiosa!
Não é para qualquer pedra
abobada!..."
"Pois então, vou te
agarrar e te comer!"
"Você vai ter de me
pegar primeiro!
Se nem consegue sair desse
lugar,
de que jeito poderá vir me
pegar?
Nenhuma pedra conseguirá
correr!..."
"Mas
acontece que não sou pedra nenhuma!
Sou o grande Papão Tereng
Ganu!
E agora, já não tem medo
de mim!?...
Fique sabendo que não vai
ficar assim:
de mim nunca escapou
criança alguma!..."
A MENINA E O PAPÃO V
"Não tenho medo de
você, que mal se mexe!"
"Eu só pareço pedra,
mas não sou...
Durante a noite é que eu
me movimento:
pois vou atrás de ti e,
num momento,
derrubo qualquer porta que
se feche!..."
"De dia, até que
tenho pouca fome
e aí me contentava com o
teu bolo...
Mas de noite, depois que a
Lua sai,
eu como a ti, como tua mãe
e teu pai
e até a tua casa na minha
goela some!..."
"Mas os meus pais
moram bem longe daqui,"
falou Meiling,
desafiadoramente.
"Moram na Aldeia do
Poço Furado:
sei muito bem onde é,
acostumado
com qualquer coisa que
exista por aqui..."
Meiling saiu correndo para
casa,
com o bolo balançando nas
suas costas.
"Não adianta fugir de
mim agora!
Sei muito bem onde é que
você mora,
lá na cidade de Lagoa
Rasa!..."
"Vou te pegar esta
noite, sua atrevida!
Engulo a casa até, contigo
dentro!"
A menina nem ouvia, o
coração
batia muito alto, de
emoção,
quase sem fôlego, na veloz
corrida...
Mas enquanto corria, ela
pensava:
"Será verdade tudo o
que ele disse?
Se for assim, como é que
vou escapar?
Para onde eu for, o bicho
vai pegar!..."
E a voz do
monstro, lá de longe, se escutava...
A MENINA E O PAPÃO VI
Ela parou um pouquinho, a
descansar,
sem se atrever a sentar em
outra pedra!
E então um homem veio pela
estrada:
trazia nas costas uma vara
atravessada,
com dois cestinhos
lentamente a balançar...
Usava o homem sandálias de
madeira
e um chapéu de aba larga
na cabeça,,,
Tinha uma trança longa,
olhos puxados,
o rosto e os braços meio
amarelados,
descendo, sem ter pressa,
uma ladeira...
Reconheceu o seu amigo,
Tchang!
Meiling correu em direção
a ele.
"Mas o que faz aqui,
minha querida?"
disse Tchang, numa voz bem
surpreendida.
"Ai, meu amigo, estou
quase sem sangue!"
"Numa pedra do
caminho, eu me sentei
e era o papão feroz,
Tereng Ganu!
E ele disse que pretende
me comer!...
A minha casa, ele disse
conhecer!
Fiquei louca de medo e me
escapei!..."
"Ai, Tchang, posso ir
dormir hoje contigo?"
Mas o amigo respondeu,
meio assustado:
"Tenho mulher e seis
filhos, queridinha...
Minha casa é bem pequena,
pequeninha,
não há lugar para te dar
abrigo!..."
"Mas eu trabalho com
lascas de bambu...
Pega uma dúzia, toma estas
aqui...
Amarra firme contra o teu
portão,
quando tentar abrir, esse
papão
se corta todo, sei que ele
anda meio nu..."
A MENINA E O PAPÃO VII
"Mas para quê?"
Meiling estava duvidosa
"É que esse monstro
vai ficar com tanta dor
que vai fugir aos
berros... Tem cuidado,
não vai ficar com algum
dedo cortado,
nem machucar tua mãozinha
tão formosa..."
Disse Tchang, ao lhe
entregar um pacotinho,
e desejou-lhe muito boa
sorte.
"Amanhã eu vou te
ver, ao meio-dia..."
E bem depressa o amigo lhe
fugia,
quase correndo ao longo do
caminho...
Ela abriu o
pacotinho, devagar:
e eram lascas de bambu,
bem afiadas,
mas não acreditou que isso
bastasse
e que o terrível monstro
se espantasse
somente por nos dedos se
cortar!...
Meiling recomeçou a
caminhar,
com as lascas e o bolo na
trouxinha
e continuava muito
preocupada,
até que viu outro homem
pela estrada:
era Tcheng, que acabara de
chegar!
Usava o homem sandálias de
madeira
e um chapéu de aba larga
na cabeça,,,
Tinha uma trança longa,
olhos puxados,
o rosto e os braços meio
amarelados,
descendo, sem ter pressa,
uma ladeira...
"Ai, que bom que te
encontrei, querido Tcheng!
Posso ir dormir hoje à
noite na tua casa?"
Contou depressa toda a
história do Papão.
"Ah, não dá, moro com
a mãe e meu irmão
e mais a minha vovó,
que está com dengue..."
A MENINA E O PAPÃO VIII
"Mas o Papão vai me
achar e me comer!...
Por favor, Tcheng, só por
esta noite!...
As lascas de bambu não vão
bastar,
Tereng Ganu meu portão vai
derrubar
e eu sou pequena demais
para morrer!..."
"Ah, mas isso não vai
acontecer!
Eu vou te dar agulhas bem
pontudas...
Enterra no caminho, bem
cravadas,
o Papão tem as patas bem
pesadas:
vão entrar fundo na carne
e vai doer!..."
"Ele vai desistir de
tanta dor
e fugir, capengueando,
meio aos prantos..."
Tcheng pôs em sua mão o
pacotinho
e seguiu mais que depressa
o seu caminho,
porque ele do Papão tinha
pavor!...
"O que é que eu
faço?" imaginou Meiling,
só com agulhas e lascas de
bambu?
Aquele bicho tem a pele
muito dura!
Só uma dúzia de furinhos
não o segura!
Vai me pegar e me comer no
fim!..."
Chegou outro homem,
com sandálias de madeira
e um chapéu de aba larga
na cabeça,,,
Tinha uma trança longa,
olhos puxados,
o rosto e os braços meio
amarelados,
descendo, sem ter pressa,
uma ladeira...
O seu amigo Tching era
gordinho,
porém em tudo
parecido com os demais...
Ela correu para ele, bem
depressa
e lhe contou o motivo de
sua pressa.
Tching escutou, silencioso
e bem quietinho...
A MENINA E O PAPÃO IX
Tching falou bem
lentamente, então:
"Ah, Meiling, que
coisa mais horrível!..."
"Tchang me deu umas
lascas afiadas,
Tcheng me deu umas agulhas
aguçadas,
mas eu acho que não vai
adiantar, não..."
"Acho que tens razão,
infelizmente,"
disse Tching, abanando sua
cabeça.
"Mas tu sabes que eu
ainda sou solteiro
e meu quartinho fica sobre
o galinheiro:
é um cheiro
horrível e não há quem aguente..."
"Mas, Tching, eu não
me importo com o fedor..."
"Escute, eu vendo a
titica como adubo...
Toma um pacote com cocô de
galinha:
esfrega na tua porta essa
pastinha,
que o Papão vai se
encostar de tanta dor..."
"Nos seus talhos, a
titica vai arder,"
continuou Tching, com voz
bem convincente.
"E ele vai
sentir ainda mais dor;
ficar meio sufocado com
esse odor
e pela estrada bem
depressa irá correr..."
E Tching se escapou,
devagarinho...
Os olhos de Meiling se
encheram d'água...
Os seus amigos todos iam
embora
quando mais precisava,
nessa hora...
E então mais um surgiu
pelo caminho.
Usava o homem sandálias de
madeira
e um chapéu de aba larga
na cabeça,,,
Tinha uma trança longa,
olhos puxados,
o rosto e os braços meio
amarelados,
descendo, sem ter pressa,
uma ladeira...
A MENINA E O PAPÃO X
"Ai, Tchong, como é
bom eu te encontrar!"
"Meiling, minha bela
garotinha!
Você não estava na casa de
seus pais?
Como é que eu te
encontro, uma vez mais...?"
Falou o rapaz, sem vontade
de parar...
"Tchong, querido, me
escuta, por favor!
Eu encontrei o monstro
Tereng Ganu
e ele vai hoje de noite me
pegar!...
Ele falou que não adianta
eu me encerrar:
estou com medo, louca de
pavor!..."
"Ora, que pena!
Vou sentir falta de ti..."
"Tchang me deu umas
lascas de bambu;
Tcheng me deu um pacote de
agulhinhas;
Tching me deu a titica das
galinhas,
mas eu não posso passar a
noite ali!..."
"Deixa eu dormir em
tua casa, por favor!"
Tchong hesitou e falou,
embaraçado:
"Olha, Meiling,
querer até eu queria,
mas eu não tenho casa... A
moradia
é um barraco, sem
conforto, nem calor..."
"É apertado demais,
meu coração,
fica junto do laguinho dos
meus peixes...
Mas escuta, toma aqui esta
latinha:
são peixes vivos, põe na
tua cozinha,
numa panela, em cima do
fogão..."
"Quando o Papão se
sujar todo, vai querer
se lavar nessa água da
panela...
Aí os peixes vão lhe
morder a mão
e depois de mais esta
confusão,
ele vai sair aos berros e
a correr!..."
A MENINA E O PAPÃO XI
Mas quem muito depressa já
corria
foi o Tchong! E sem
perder mais tempo!
Meiling chorou igual que
uma criança,
mas logo viu renascer-lhe
a esperança,
que um quinto homem na estrada
aparecia...
"Ai, Tchung, por
favor, não vá embora!"
"Meiling, como é bom
eu ver você!..."
"É que eu tive um
encontro tenebroso:
no caminho, havia um bicho
pavoroso,
que queria me comer na
mesma hora!..."
"Ele falou que era o
feroz Bicho Papão
e que sabia a casa em que
eu morava!
Ele vai hoje de noite me
pegar,
vai rebentar a porta e me
matar
e eu já estou quase
morrendo de emoção!"
"Os outros só
fingiram me ajudar:
Tchang me deu umas lascas
de bambu,
Tcheng me deu um pacote de
agulhinhas,
Tching me deu o cocô de
suas galinhas,
Tchong uma lata de peixes
quis me dar..."
"Mas depois, todos
quatro se escaparam...
Deixa eu dormir hoje
contigo, por favor!..."
Tchung falou: "É que
eu estou saindo de viagem,
mas eu sei que és menina
de coragem,
é uma pena que os demais
não te ajudaram..."
"Mas eu tenho do
problema a solução:
põe estes ovos na cinza do
borralho!...
Para estancar o sangue das
mordidas,
ele vai enfiar as mãos
feridas,
nessa cinza, que fica
embaixo do fogão!..."
A MENINA E O PAPÃO XII
"É que eu só volto
daqui a cinco dias...
Mas as cascas vão cravar
sob suas unhas...
A dor é horrível e nenhum
papão resiste,
nem Tereng Ganu, o mais
feroz que existe...
Tenho certeza que do
perigo te alivias..."
E Tchung deu dois beijos
na menina
e se tocou depressa em seu
caminho...
Meiling ficou os ovos
agarrando,
com medo que acabassem se
quebrando...
Mas outro homem viu dobrar
a esquina!
Também
usava sandálias de madeira
e um chapéu de aba larga
na cabeça,,,
Tinha uma trança longa,
olhos puxados,
o rosto e os braços meio
amarelados,
descendo, sem ter pressa,
uma ladeira...
"Ai, Tchiang, que bom
que te encontrei!..."
Esse era um homem alto e
muito magro.
Ela contou-lhe sua
história, em arrancos,
interrompidos por lágrimas
e prantos:
"Ah, meu querido, o
que fazer não sei!..."
"Nem as lascas de
bambu que deu o Tchang,
nem as agulhas que me deu
o Tcheng,
nem a titica que foi o
Tching que me deu,
nem os peixes que o Tchong
ofereceu
e nem os ovos, que ao
estancar o sangue,
"vão entrar sob as
unhas do Papão,
conforme me ensinou a
fazer Tchung,
vão conseguir esse monstro
afugentar,
ele ainda mais furioso vai
ficar:
vai me matar depois de
muita judiação!..."
A MENINA E O PAPÃO XIII
"Ora, ora, acho que
só isso não adianta...
Mas os peixinhos estão
vivos, com certeza...
Será que o Papão fica
mesmo satisfeito
só de comer esses
bichinhos? Não tem jeito,
não vai chegar para
entupir a sua garganta..."
"Escuta, para menos
se perder,
melhor é que você deixe a
porta aberta,
ou ele quebra tudo quanto
tinhas,
mesmo porque tem umas
quantas coisas minhas,
que eu vou pegar, depois
que ele te comer..."
"Ai, Tchiang, não
brinca assim comigo!...
Deixa eu passar a noite na
tua casa!..."
"Minha querida, que
casa? Moro no lixo,
no ferro-velho, igual que
nem um bicho,
com umas latas empilhadas
como abrigo..."
"Mas eu não quero que
o Papão me coma!..."
"Ora, ora, vamos ver
o que eu tenho aqui...
Pega esta corda e esta
peça de metal,
pendura bem no teto e, no
final,
larga na cabeça dele!...
Anda, toma!..."
"Você fica escondida
atrás da cama
e assim que ele entrar,
solta esse ferro
direto em cima da cabeça
do malvado!
O ferro mata o monstro,
bem matado:
É bem pesado, vê se não
reclama..."
"Obrigada, Tchiang,
mas não sei..."
"É só largares no
momento certo...
Muito melhor que toda essa
bobagem
que te deram... Mostra
toda a tua coragem...
E agora, vou-me embora, me
atrasei..."
A MENINA E O PAPÃO
XIV
Meiling ficou parada no
caminho,
fazendo força para agarrar
o ferro...
Pensou que até servia como
arma,
se sua coragem vencesse
seu alarma...
Mas então, viu outro
homem, bem pertinho...
Também
usava sandálias de madeira
e um chapéu de aba larga
na cabeça,,,
Tinha uma trança longa,
olhos puxados,
o rosto e os braços meio
amarelados,
descendo, sem ter pressa,
uma ladeira...
Reconheceu Tchieng, bem
depressa...
"Ai, meu amigo, que
bom foi te encontrar!"
"Mas quem será você,
minha garotinha?"
"Sou a Meiling, eu
sou tua amiguinha..."
"Ah, é mesmo!
Que coisa a minha cabeça..."
"Bem, estou indo para
minha caçada...
"Espera, me
aconteceu coisa horrorosa!"
"Ah, comigo houve uma
coisa parecida:
não achava as minhas
flechas na saída,
tinha deixado a aljava
pendurada..."
"Tchieng, me
escuta!... O Papão quer me comer!
Tchang me deu umas lascas
de bambu,
Tcheng me deu um pacote de
agulhinhas,
Tching me deu o cocô das
suas galinhas,
Tchong uns peixinhos quis
me oferecer..."
"Tchung me
deu ovos podres de montão
e Tchieng este ferro tão
pesado,
mas eu acho que não vai
adiantar nada!
E eu não quero ser hoje
devorada!
Estou com medo, vê como
bate o coração!..."
A MENINA E O PAPÃO XV
"Tchieng, deixa eu
dormir hoje contigo!..."
"Mas, queridinha, eu
saí para caçar
e minha casa fica dentro
do curtume,
tem um cheiro que não há
quem se acostume,
às vezes, até eu mesmo não
consigo!..."
"Eu não me importo
com o cheiro que tiver!..."
"Tudo bem... Ah, que
coisa, me esqueci,
estou indo caçar, o
curtume está trancado..."
"Me empresta a chave,
então, Tchieng amado!..."
"Tudo bem, se é o que
você quer..."
Mas Tchieng por toda a
parte procurou
e não achou, nem dentro do
chapéu!...
Nem nos cestos balançando
de sua vara
e nem nos bolsos da camisa
clara,
sem se lembrar de onde a
chave ele deixou!...
"Ai, Tchieng, e
agora, o que é que eu faço?"
"Olha, eu vou é te
emprestar minha faca
de esfolar coelhos, que
está bem afiada...
Cortas a corda de uma só
talhada
e faz o mesmo que eu,
sempre que caço..."
"Chego no bicho e
corto-lhe a garganta!...
Se ele estiver tonto, aí
ele morre...
Mas eu tenho de seguir
para a caçada,
preciso chegar antes da
alvorada:
quando o Sol nasce, toda a
caça espanta..."
E Tchieng saiu trotando
pela estrada...
A pobrezinha ficou a faca
segurando,
sozinha uma outra vez,
pois cada amigo
tivera medo de lhe dar
abrigo
e Meiling ficou ali,
desesperada!...
A MENINA E O PAPÃO XVI
Meiling não podia ir à casa
de seus pais,
ainda mais com o monstro
no caminho...
Assim, como não tinha
alternativa,
foi para casa e se manteve
ativa,
prendendo a corda e o
ferro e as demais
armadilhas destinadas ao
Papão.
Deixou a faca junto à
cabeceira,
pôs os ovos sob as cinzas
do fogão,
os peixes na panela e, no
portão,
prendeu as lascas para lhe
cortar a mão!
No caminho, todas as
agulhas enterrou
e esfregou a porta inteira
com titica...
Nem conseguiu fazer a
refeição,
de tanto que lhe batia o
coração:
trancou a porta e, depois,
se colocou
atrás da cama, como
Tchiang lhe dissera,
o ferro firme contra o
teto pela corda
e a faca bem segura na sua
mão,
procurando controlar toda
a emoção,
porque tudo o que podia,
já fizera...
O tempo foi passando,
devagar...
De um cochilo se acordou,
em sobressalto,
ouvindo passos pesados no
caminho...
E se encolheu ainda mais
no seu cantinho,
sem saber se poderia se
escapar...
Chegara a meia-noite e as
passadas
pararam diante do portão
de sua casinha!
"É melhor abrir a
porta, garotinha...
Não vai escapar de mim,
atrevidinha!..."
disse a voz rouca, por
entre duas risadas...
A MENINA E O PAPÃO XVII
"Já que não vai
abrir, eu vou entrar...
Mas o que é isso? Me
cortei, que dor!
Há lascas de bambu nesse
portão!
Lastimei os meus dedos,
maldição!...
Pois simplesmente o
portão vou arrancar!"
A seguir, ela escutou o
som das patas,
pisando firme na areia de
sua entrada
e logo um outro grito:
"Ai, um espinho!...
Ai, tem mais outros por
todo esse caminho!
Mas não vai ser com isso
que me matas!..."
Tereng Ganu na porta se
encostou
e logo o ouviu recuar, com
mais um berro:
"Ai, as minhas mãos
ardendo agora estão!
O que você esfregou aqui,
então?
Que cheiro ruim!... Foi
titica que passou!..."
Porém o monstro a porta já
arrombou,
entre berros de rancor e
de ameaça!...
Pois foi correndo à panela
no fogão,
para lavar os dedos.
Foi então
que cada peixe uma dentada
lhe arrancou!
"Ah, sem-vergonha, o
que foi que me fizeste?
Fica sabendo que agora eu
vou judiar
o mais que posso e só
depois vou te comer!...
Não adianta nada, que na
cinza vou meter
os dedos e estancar o
sangue, peste!..."
E logo mais um grito se
escutou:
"Sua bandida, aqui
tem ovos podres!...
Cascas de ovos me entram
pelas unhas,
ai, que dor! São afiadas
como cunhas!...
Sua bandida!... Mas você
se desgraçou!..."
A MENINA E O PAPÃO XVIII
"Por tudo o que me
fez, vai me pagar!
Em que buraco foi que se
meteu?
Ah, claro, está no
quarto! Estou chegando!"
disse o Papão, a porta
atravessando
com as ventas farejando, a
procurar...
Olhando em volta, um pouco
desconfiado...
Meiling só conseguia era
pensar:
"Seu bandido, dá só
mais um passinho!..."
E ele deu!... E
chegou, devagarinho,
bem no lugar do ferro
pendurado!...
Meiling respirou fundo e,
com a faca,
cortou a corda, com um
único golpe!
O ferro despencou-se, lá
de cima
e caiu justamente sobre a
crina
desse malvado que a menina
ataca!...
Tereng Ganu caiu sem dar
um ai!...
Mas agora, vinha a parte
mais difícil...
Meiling saiu de trás da
cabeceira,
deu-lhe um talho na
garganta, bem certeira
e logo em sangue o monstro
já se esvai!
Por um instante, ela
pensou só na sujeira
do mal-cheiroso sangue
verde pelo chão...
Ela ia ter de fazer toda a
limpeza!...
E só então, adquiriu plena
certeza
de ter vencido, na hora
derradeira!...
Ouviu o rápido bater do
coração:
só então notou que nem
estava respirando...
Encheu os pulmões, em
profunda aspiração
e só depois que recobrou a
respiração,
pôs-se a chorar, cheia de
alívio e de emoção!...
A MENINA E O PAPÃO XIX
Meiling chorou até
adormecer...
Quando acordou, já era
madrugada.
Acendeu as lamparinas,
devagar,
depois o monstro começou a
esfolar
e só parou depois de
amanhecer...
A pele estava em muito bom
estado,
menos as patas e um buraco
na cabeça...
Cortou a carne em um monte
de pedaços,
tirou os ossos e amarrou em
maços,
buscou água no poço e
deixou tudo lavado...
E aí, trocou de roupa e
tomou banho.
Colocou tudo dentro de um
carrinho,
com a pele por cima e foi
à feira.
A história toda já
correra, bem certeira
e o espanto de todos foi
tamanho!...
Mas logo todo mundo quis
comprar
a carne do Papão e até os
ossos!...
Era remédio, conforme
acreditavam...
Mas era a pele que todos
disputavam:
Meiling esperou até o
preço aumentar...
Foi então que chegou o
intendente
do Mandarim, com cinquenta
taéis,
em moedas de brilhante e
puro ouro.
Meiling vendeu então o
grande couro:
uma fortuna para aquela
gente!...
Comprou logo uma charrete
e roupas ricas
e foi depressa para a casa
de seus pais.
O bolo não levou, mas mil
presentes
e seus pais a receberam,
bem contentes,
que ao ver os filhos,
sempre alegre ficas!...
A MENINA E O PAPÃO XX
Até fingiram que nem tinha
fugido
(porque o dinheiro apaga
muitas faltas!)
Comprou-lhes uma casa bem
maior,
passaram a viver muito
melhor
e já pensavam em
lhe arranjar marido!...
Seis dos amigos logo se
apresentaram
(até o casado prometeu se
divorciar!)
A ambição lhes brilhava no
olhar nu...
Meiling a Tchang deu as
lascas de bambu
e a Tcheng as agulhas que
sobraram!
Para Tching, deu titica de
galinha!
Para Tchong, uma lata de
peixinhos...
Para Tchung, ovos podres
devolveu,
Mas a Tchiang um bom preço
ela lhe deu
pelo ferro e aquela corda
bem fininha...
Mas depois, ela
mandou irem passear...
(Bonita ajuda que vocês me
deram!)
Eles se foram, bem
desapontados,
pois pretendiam já sair
casados,
sem nada conseguirem
arranjar!...
Até que Tchieng também
apareceu
e comentou que seu
presente era o melhor...
Que até a faca fizera
falta em sua caçada,
que nenhum dos outros a
ajudara em nada...
Tanto falou, que até a
convenceu!...
E Meiling concordou em se
casar
com Tchieng, o dono do
curtume...
Viveram muito tempo,
apaixonados,
seus filhos todos muito
bem educados
e aqui a história tenho de
acabar!...
Entrou pela porta e saiu
pela janela:
quem quiser outra, que
tire da costela!...