sábado, 24 de agosto de 2013






CALAFRIOS APOCALÍPTICOS & MAIS
       William Lagos

CALAFRIOS APOCALÍPTICOS I (6 OUT 12)

Que o mundo acaba no próximo Dezembro
pela Internet apregoam e nos jornais;
estão mostrando cataclismos naturais
e muitas guerras e doenças, porém lembro

de outros profetas de igual “terrorembro”
que já o fim prognosticaram por demais,
sem assistirmos nenhum dos seus finais,
em qualquer mês do calendário membro...

Quem fala assim pouco conhece a história;
o fim dos tempos o huno Átila traria
ou a Peste Negra tão devastadora

ou dos vulcões as explosões de glória
e o reviver da humanidade a gente via,
sempre prolífica e sempre empreendedora...


CALAFRIOS APOCALÍPTICOS II

Dezembro já me espreita no horizonte
e na memória sussurram cantos maias,
desses guerreiros vestindo curtas saias,
mantos de penas presas em pesponte...

Mas por mais que o alarmismo assim reconte
Quatro de Ahau, das mortalhas nas cambraias,
não me perfilo na coorte dessas raias
e nem creio que a perspectiva me amedronte

de que de mim se achegue o fim do mundo:
não acredito nessas previsões
e muito menos em suas interpretações...

Poucos conhecem os tais glifos a fundo
e se, por certo, também chegar meu fim,
nem notarei que o mundo acaba assim...

CALAFRIOS APOCALÍPTICOS III

O calendário maia vê somente
o fim de um ciclo de valor numérico,
não combustão do ar atmosférico
e nem o fim de seu império, simplesmente

porque se antecipou completamente,
quinhentos anos antes, teleférico
por entre os séculos, sem troar estratosférico:
perante aztecas e espanhóis foi impotente.

Já traduzi um livro, anteriormente,
versando sobre o tema, o qual previa
duas catástrofes imensas ano passado,

o Mundo Disney a destruir inteiramente,
enquanto Oaxaca, no México, mais sofria:
nenhum destes desastres consumado...

CALAFRIOS APOCALÍPTICOS IV

“L’un mil neuf-cent nonant-neuf sept mois,
Du ciel viendra un grand roi d’effrayeur...”
Michel-Renaud de Notre-Dame.

Durante décadas aguardei Noventa e Nove,
o Fim dos Tempos a Nostradamus atribuído;
e nesse Julho nem houve prédio destruído:
sobre Paris nenhum terror se move...

Espero agora Dois Mil e Trinta e Sete,
no qual dizem um asteroide gigantesco,
chamado Apophis, nos trará um fim dantesco,
o Globo a reduzir a pó e confete...


Mas nesse ano cumprirei noventa e três...
Talvez consiga até mesmo chegar lá,
antes de ser cremado e virar pó...

E então da Morte não serei simples freguês.
Talvez se ocupe demais por acolá
e até me esqueça... mas, decerto, não vou só...

PERFUME DA ALMA I (7 out 12)

Entre as leves traçaduras da mortalha
permanece um arcabouço pontilhado,
resto que outro de carne, ressecado;
para ver-lhe o coração a vista falha,

mas sua polvadeira não se espalha
por estar por sob lápide encerrado,
embora insetos o tenham devorado,
cada gusano branco outra medalha.

Dizem ser por respeito que os sepultam,
porém diria eu que é por horror,
por sua presença em hórrido perfume

ou pelos ossos que da carne avultam
e atrai os carniceiros seu sabor,
nada espantados ao provar desse azedume...


PERFUME DA ALMA II

Afinal, é o que se vê numa carcaça
de animal atirado por aí;
e sobe o cheiro da carniça ali,
enchendo tuas narinas em pirraça.

Porém dizem que a morte nos desfaça
de forma ainda mais cruel aqui:
não temos couro e longos pelos nunca vi
que a carne humana mais durável faça.

Hoje em dia, surgiu esse modismo
dos mortos-vivos, em passos hesitantes,
em videoguêimes e filmes delirantes,

encarados assim com grão cinismo...
Mas por que esses zumbis teriam fome
de carne humana, em ânsia que os consome?

PERFUME DA ALMA III

Eu admito estar sendo bem traiçoeiro
em minha escolha de título. Destarte,
a tua esperança por diferente arte
é estilhaçada em meu zombar ligeiro.

Já redigi o poema alvissareiro
da elegia ante a morte triunfante,
asséptica e mantida bem distante,
por sob a terra, em jazigo derradeiro.

Mas na verdade, a morte é mais traiçoeira.
Os teus amados não dormem simplesmente:
são consumidos de forma indiferente,

nesse ato de bondade verdadeira,
a se entregar assim, inteiramente,
mesmo em escolha imposta e bem certeira.


PERFUME DA ALMA IV

Por isso, sempre preferi a cremação,
que a alma liberta bem mais facilmente,
sem deambular, penada, ainda presente
enquanto o corpo sofre a corrupção.

Segue a alma certamente outra razão
e se evola na fumaça redolente,
subindo aos ares em redemoinho quente,
quer reencarne ou vá à ressurreição.

Dizem que a alma possui o seu perfume,
bem diferente da cova o malodor
(nunca cheirei as almas ao sol posto)...

Mas toda alma já passou por azedume
e por mais que tenha o corpo tido amor,
a alma sobe perfumada de desgosto...

CARDOS E ROSAS I  (8 out 12)

“Florescem cardos dentro de meu peito”,
igual à chave aposta a outro soneto;
cardos e espinhos de esplendor secreto,
acúleos de descaso e de despeito...

Por mais que seja correto esse conceito,
desgosto apenas não traguei e desafeto:
já tive muito amor sob meu teto,
carinho doce e sem qualquer defeito...

Mas que diacho!... Falar de minha alegria,
nessa esperança de fazer poesia
que os outros achem bela e hospitaleira?

Todos preferem mais melancolia,
queixas de amor, lamúrias de elegia,
correspondendo à própria pena por inteira!


CARDOS E ROSAS II

Porque, de fato, muito poucos são
que se sentem inclinados a escrever
amor feliz e o momento do prazer;
preferem descrever triste ocasião.

Amor feliz é pura exaltação,
essa ânsia de estar junto e receber,
esse êxtase de outrem conhecer
inteiramente e sem malversação...

Por que então desperdiçar esses momentos
que transitórios sempre se suspeita,
em longos versos de muscular cansaço,

quando se quer é desfrutar os sentimentos,
é estar nos braços do amor quando se deita,
na fugaz permanência desse abraço...

CARDOS E ROSAS III

E até mesmo do prazer sensual
que tantas vezes descrever tentei,
bem poucos em seus versos encontrei:
amor é puro, sem nada de sexual.

Glorificado o amor, em triunfal
lenocínio das nuances de sua grei;
por que escrever, quando o orgasmo é rei,
perdendo o gozo desse espanto material?

Por isso, é mais comum falar de dores,
quando o amor triunfante se quebrou
por uma briga, talvez, ou por traição...

Ou quando um acidente, em seus horrores,
Destroça o corpo que com fervor se amou,
Deixando apenas a sombra da paixão?


CARDOS E ROSAS IV

Contudo, para mim é diferente.
Eu amo o amor em canto redolente,
eu amor o sexo, em reluzir frequente,
e me disponho a meu dom compartilhar.

Não que espere que me venhas a abraçar,
em um momento qualquer do teu penar
ou de desejo que sintas te abrasar,
porque te amo, como a toda a gente.

E anseio assim por versos escrever
que falem de alegria e de comédia,
que falem do prazer que acho no leito,

sem desejar minhas próprias penas esconder,
pois apesar de também ter minha tragédia,

“florescem rosas dentro de meu peito!...”

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