IRÍDIO E MAIS
Novas séries de William Lagos
IRÍDIO I – 12 set 2007
A luz do amor que sopra, brandamente,
sobre meu peito, é como roxa espuma,
lactante de aromas, enovelada em bruma,
enquanto a musa se esgueira, efervescente.
Rebrotada das ondas, sangue e sêmen,
seduzindo em ser somente a sedução,
quer demonstrar o quanto, em sua paixão
pode sangrar o amor, que tantos temem.
A luz terrestre, esguia como prece,
a luz arbórea chilreia e reverdece,
a luz lacustre desse mesmo céu,
não se conformam ao gume desse arpéu
da luz marinha que a carne anzola e fura,
no arco-íris tutelar da espuma pura...
(Naturalmente, este soneto é uma
referência ao mito de Vênus ou Afrodite, que nasceu do sangue e sêmen da
Serpente Píton espalhados no mar e emergiu nua para ser a deusa do amor, a
qual ressurge em cada mulher que vemos. Bill.)
IRÍDIO II – 9 ABR 15
À sua maneira, por amor obcecados,
cuja outra face sempre foi a morte,
nas tragédias descrita desta sorte,
debulhadora das catarses desfrutadas,
os gregos, de Afrodite despeitados,
não lhe deram pai ou mãe, estranho aborte,
que do sangue da serpente, essa consorte
de Hefesto teve as graças descontadas,
(*)
(*) Zeus deu Afrodite como esposa a Hefesto ou Vulcano.
pois a fizeram nascer, em rósea espuma,
por uma concha talvez capturada,
cobra em pérola de nácar transformada,
a deusa estranha, da noite na bruma,
pela mão de Botticelli consagrada
(*)
nessa beleza que pelo ar se esfuma...
(*) O famoso “O Nascimento de Vênus” de Sandro Botticelli.
IRÍDIO III
Contudo, o Irídio é a Íris consagrado,
a deusa grega que preside ao arco-íris
e cada vez que do heptacromo ouvires
o nome antigo, é seu nome o recordado.
Mas Íris também foi, nesse passado
tantas vezes descrito em perquirires,
que embora os mitos entre os dedos gires
nunca terás um resultado confirmado.
Por um poeta, talvez algo perplexo
foram Ísis e Afrodite acrisoladas,
na refração dessa luz desmesuradas
quiçá movido por luminoso sexo...
E assim o Irídio de Afrodite também é
para quem nesse poema encontre a fé!...
IRÍDIO IV
Pois assim como nos nasce ao coração,
sem mãe e sem ter pai, o louco amor
e então nos pica, em serpentino ardor,
também o arco-íris nos explode na ocasião.
Mas é do Irídio bem rara a difusão,
da Platina um irmão de argêntea cor,
muito mais denso na balança o seu valor
que qualquer outro que possas ter na mão.
E que nos pode conferir mais densidade
e ao mesmo tempo despertar leveza
que de Afrodite o iridiado dom-castigo?
Pois quando acaba, nos pesa de saudade
e enquanto dura, nos enche de beleza,
nesse sorriso fugaz de seu abrigo!...
ORLA I – 13 set
2007
O tempo é um poema
escrito em minha vida,
não só
melódico. E mesmo, com frequência,
bastante
dissonante em minha impotência,
acordes
tingem tal mortalha mal tecida...
Bem longa tenho
pela frente uma jazida
da exploração de
sendas, com paciência
até que tudo
esgote, no afã da turbulência,
dessa batalha,
ardente em sua corrida.
Passam-se
os anos na corte dos eventos,
diáspora insana do
um préstito obscuro,
sem vivenciar
de fato ataques perigosos...
Mas é o meu
tempo e tantos contratempos
a mim pertencem do
modo mais seguro,
tal qual pertenço
aos caminhos inditosos...
ORLA II – 10 ABR
15
Quiçá seja meu
poema escrito em lã,
por uma das três
Nornas, direi Cloto,
nesse fio de minha
vida que denoto
tão curto e frágil
quanto a marcha é grã.
Cloto me fia a
chuva temporã
desses mil versos
de cantar ignoto,
novelados por
Láquesis, enquanto me devoto
a redigi-los numa
existência vã.
Quem sabe espero
guardar cronicidade
nessa meada que se
ajunta e desenrola,
cortando em linhas
os dias do passado,
em casulo cada
aceno da vaidade
dos pés que o
corpo levam tal qual mola,
nesse ritmo de meu
pulso desvairado. (*)
(*) Os helenos
chamavam de Nornas as três deusas do Destino, Cloto,
Láquesis e
Átropos, enquanto os romanos as chamavam de Parcas,
com nomes menos
poéticos de Nona, Décima e Morta.
ORLA III
Sei qualquer dia
Átropos me cortará
o brando fio
lanígero da vida;
às três Nornas
acenarei em despedida:
os fios de um
outro Cloto tecerá.
Mas enquanto eu
for novelo, caberá
minha própria roca
pedalar, em desmedida,
paciente métrica,
preso na iludida
fuga do fuso que
em certo dia picará
qualquer papila na
ponta de meus dedos,
igual feriu a Bela
Adormecida
e por cem anos,
então, eu dormirei,
na minha coma a
sonhar os meus segredos,
nessa suspeita de
que após a longa lida,
não terei beijos e
nem despertarei!...
ORLA IV
Mas enquanto me
durar a exploração,
irei caçar pelo ar
as borboletas,
em meus sonetos
pendurar as mais diletas
que achar na rede
de filó da exaltação!
Gastos meus dias,
tão só compensação
encontrarei nas
molduras mais discretas
desses mil quadros
de asas prediletas
encapsuladas por
meus dedos, em traição!
E enfim, na orla
da vida me acharei,
para o futuro o
eterno responsável
por tantas vidas
coloridas que prendi;
e no momento da
coma, dormirei,
sem ter temor da
Parca imponderável
que mastigou todo
o tempo em que vivi!
CREDO I – 14 set 2007
O tempo é um poema escrito no
meu rosto,
por mãos que não são minhas; as marcas
eu não tenho
gravadas em mim mesmo, pois tão
só me atenho
a enxergar meu
passado, olor de carne e mosto.
O tempo me é poema que me não
traz desgosto:
enfrentei o quanto tive. A
firmeza mantenho,
são poucos os prazeres que da
vida ainda retenho:
muito mais as tarefas a que me
tenho exposto...
As quais no
tempo arquivo, depois de ver completas...
E se algo encontrei, em busca
incrédula do tema,
foi a ânsia contumaz de ver a
obra cumprida...
Por isso, quem dirá? minhas
rugas são discretas:
não apascento remorsos, nem
guardo algum dilema
após longos deveres dispersados
pela vida...
CREDO II – 11 ABR 2015
Há muito que aprendi o que disse
Salomão:
“com toda a força faz o que tens
para fazer,
tudo quanto tuas mãos alcançarem
no viver”,
enquanto o tempo à vida devora
sem razão,
“que do corpo a sepultura é a
final destinação”
e para todos estes que estão ali
a jazer,
ter paz é uma mentira costumeira
a se dizer:
não há descanso algum, tão só
dissolução.
“E não somente a paz, não há
entendimento”
no corpo sepultado por sob a
terra fria,
muito menos a força que chamamos
de alegria;
no crânio abandonado não há
conhecimento:
teu cérebro utiliza na prática
do bem:
quem sabe os que ficarem te
lembrarão também?
CREDO III
Porém é uma falácia afirmar ser
o meu credo
a fala sepulcral do velho
Salomão,
que um dia suplicou a Deus pela
razão
e por sabedoria, qual sendo o
dom mais ledo.
À arcana poesia do Eclesiastes
cedo,
a rebrotar frequente no velho
coração,
em minha juventude com maior
aceitação,
sem laivos de amargura, e muito
menos, medo.
Mas hoje tais palavras me sabem
como poeira,
mensagem repetida que muito
mastiguei
e que, inegavelmente, a vida me
orientou,
pois minhas forças empreguei ao
longo dessa esteira,
as tarefas cumpridas nos campos
que plantei...
Mas olhando para trás, nem sei o
que brotou!
CREDO IV
Contudo, é bem melhor que nos
ninhos da memória,
as gotas de meu sangue, iguais a
mil rubis,
eu veja fervilhando por sobre o
pó de giz,
quais espigas ondulantes da vida
transitória!
Não as pude colher de forma
compulsória
e caso pense bem, colhê-las
nunca quis;
bastou-me seu perfume nas alas
do nariz:
que outros rabiscassem as hastes
dessa glória!
De mim muito ficou para os
demais ceifeiros...
Será que plantarão sobre minha
sepultura
um resto das sementes de meu
antigo trigo?
E se algum credo eu deixo, em
termos derradeiros,
é que plantem também, enquanto a
mente dura,
qualquer verso fugaz, já que não
mais consigo!
IMANTAÇÃO I – 15
set 2007
Preciso decidir o
momento de marcar
minha próxima paixão,
nem sei por quem.
Vou decidir quem
será o novo alguém
e então eu
buscarei por tal me enamorar...
Hora e lugar são
fáceis de marcar,
porque, afinal,
não vai me amar também.
E nem sequer a
buscarei... Porém,
a um novo amor
preciso me ligar...
Não precisa ser
grande: um só suspiro
é para novos
versos suficiente
e roubarei de seus
olhos o fulgor...
Pois nem preciso
sair de meu retiro.
Um fio de seus
cabelos, tão somente,
bastará a
despertar-me tal amor...
IMANTAÇÃO II – 12
ABR 2015-04-18
Por certo me
ocorreu, em dias do passado,
que a roupa me
tocasse, em sombra de perfume,
um desses fios
avulsos, opaco vagalume,
no pisca-pisca
perdido e instante mais asado;
De alguém me veio,
é certo, o capilar alado,
cuja cor sequer
recordo, que pena e que azedume!
Que da própria
lembrança eu vá sentir ciúme,
pois de onde me
acharia tal fio borboleteado?
Porém ao vê-lo
preso, então, à minha camisa,
fui assaltado de
chofre! Emoção bem singular...
Olhei em torno à
busca, tal devo confessar...
Somente achei, contudo,
o afagar da brisa...
Tomei-o entre meus
dedos, logo depois guardei
o fio tão
inconsútil pelo qual me apaixonei!...
IMANTAÇÃO III
“Ora,
direis...” (estou a imitar Bilac!)
Amei um fio de
cabelo deslocado!...
Pior ainda, já
esqueci onde é guardado:
dentro de livro ou
de outro badulaque... (*)
(*) Alusão ao
soneto que começa: “Ora, direis, ouvir estrelas!”
Porém, amiga, não
me brindes com achaque!
Foi decerto em
qualquer bolso colocado,
qual fosse vítima
de um sorriso enviesado
ante o valor supérfluo
desse ataque!...
Mas pensa bem, por
que me trouxe o vento
a seda viva desse
esguio filamento,
se me não fora
destinado ao coração?
Porém sequer me
recordo se lamento
o velocíssimo
esvair dessa paixão,
trazida a mim por
tal imantação!...
IMANTAÇÃO IV
Portanto, aguardo
um fio de teus cabelos
que peregrine à
solta pelas ruas,
que na pele se me
crave como puas,
nessa impossível
lembrança dos desvelos...
Pois certamente
não me recorda tê-los:
são bem vazias
essas memórias tuas:
passos perdidos
nas calçadas nuas,
um fio somente a
me assanhar apelos!...
Porém que
venha! Para roubar meus versos,
pois não preciso
nem sequer te conhecer:
sei que tal fio
enviaste para mim...
No sem-saber de
teus sonhos dispersos,
sem pretenderes de
tal fio te desfazer,
nem que pudesse
perturbar-me assim!...
CHARRUA EMBOTADA I
– 16 set 07
Dizem que as rugas
mostram sofrimento,
as agruras da
vida, a dor, trabalhos,
os desenganos,
tantos atos falhos,
que nos acometeram
num momento...
Então, eu deveria
ter o rosto e o mento
sulcado de
gilvazes e dos talhos (*)
das agonias que as
Parcas, em seus ralhos,
me quiseram
conferir em julgamento...
(*)
Gilvazes = cicatrizes de cortes no rosto.
Mento = queixo.
E assim não
é. Por toda a minha idade,
meu rosto de
experiências tão frequentes
não mostra o
efeito retalhado assim.
Parece tive tão só
felicidade,
dessa maneira que
surpreendo ausentes
tantas rugas que
deviam estar em mim!
CHARRUA EMBOTADA
II (13 ABR 15)
Será que o vento
veio e carregou
patas de aranha e
os pés de galinha,
a cada vez que um
sopro se avizinha
e noutro rosto,
impudente, colocou?
Será que o sol de
mim se aproximou
e em lenta
maquiagem se entrelinha,
pondo Botox de luz
em cada linha
e o atestado de
velhice me negou?
Ou quiçá o
lavrador apressurado
que pela carne
empurra a sua charrua
tirou um dia de
folga e me esqueceu?
Que coisa estranha
que fosse descuidado!
Quem sabe é a luz
que no mesmo rosto sua
e cada sulco da
charrua preencheu?
CHARRUA EMBOTADA
III
Normalmente,
provocará o ardor do sol
junto ao vento meu
atroz ressecamento;
estes que causam
ao rosto o contratempo,
cada arrecife
iluminando qual farol,
que o tempo passa
em feição de caracol
a deformar o
antigo encantamento;
perante o espelho,
de fato, não me assento
e não redijo de
dia em dia o rol,
qual da roupa se
fazia à lavadeira,
peça por peça, do
anil para o crisol,
no quaradouro ou
nas pedras do regato;
somente ligo do
longo dia a esteira,
que corre para
trás, desde o arrebol
e mesmo o sono
devora em desacato...
CHARRUA EMBOTADA IV
Mas as marcas da vida, os arranhões
que deveriam encontrar-se no meu rosto,
são roubados pelo tempo, no sol posto
e armazenados em galhardas percepções;
e quando me desperto, as sensações
já costuraram os rasgos do desgosto,
que transformados estão em sonho e mosto
que se derramam em vasta abluções!...
Cada ruga em sentença transformada,
cada poro a verter linfa de versos,
toda a energia assim transmogrifada,
poeiras dos anos em torrões conversos,
tirando o fio da charrua impulsionada,
tempos e ventos em cem mágoas dispersos...
TRADUTOR I – 17 set 2007
Se uma mulher desperta-me a cobiça,
não é que a queira de fato. Se a acho bela,
o que desejo é o bulício da procela,
dentro em meu coração, que mais o atiça
para criar mil versos, do que à liça
irá lançar-me, na conquista dela...
Não é que não deseje estar com ela,
mas quero muito mais essa castiça
inspiração marchetada de desejo.
No fim das contas, não passa de pretexto
e, a certo ponto, sua posse lesaria
o quanto mais anseio, não por pejo,
mas por querê-la inscrita no contexto
muito mais duradouro da elegia...
TRADUTOR II – 14 abr 15
Caso tivesse essa mulher, a possuiria
por poucas décadas, talvez sessenta anos,
se não houvesse prévios desenganos,
senão cansaço que a afastar-nos chegaria.
Caso tivesse essa mulher, eu a amaria
com todo o ardor dos mais gentis afanos;
para torná-la feliz faria mil planos,
sempre a seu lado a inspiração consumiria...
Porém se nunca a tiver, traduzirei
em cem poemas meu amor infortunado
e os rubros lábios intocados cantarei,
perante o mundo esculpirei seu corpo amado,
nesse desgosto que nunca sentirei,
por não chegar a me sentir desapontado...
TRADUTOR III
Pois o amor do poeta é mais potente
do que é melífluo qualquer um sedutor;
esse só busca a consecução do ardor,
até que à joia ele se torne indiferente.
Mas o poeta, alegre ou amargamente,
prende essa joia em engaste de valor:
quando a possui, redobra-lhe o esplendor,
se não a tem, a imagina claramente...
Retorna atrás e apenas imagina
quem inspirou os sonetos do passado,
a descrever-lhe a beleza das feições?
muito mais vivas que em retrato, cuja sina
é só guardar momento morto e ultrapassado,
sem conservar quaisquer palpitações...
TRADUTOR IV
E como sabes se já não te descrevi,
em qualquer somatório mais antigo,
esse teu rosto que guardei comigo
de algum sonho noturno e que escolhi?
Quem sabe em tal instante, junto a ti,
o meu olhar está a achar abrigo
no teu olhar de sonho e assim consigo
traduzir o quanto é bela quem não vi?
Sonhei contigo em onírica visão,
de mão na mão, talvez, essa paisagem
percorremos os dois, sem nos cansar...
Inda que seja tão só imaginação,
mulher composta por detalhes da visagem
de tantos rostos entrevistos ao passar...
POEMA EM VERSOS CINZAS I – 18 set 17
Quanto a isso, não existe sequer dúvida!
Nós somos acessórios para os outros:
cada um é o centro de seu próprio mundo
e nos enxerga quais planetas orbitados
em torno de seu sol: imagem úmida
de seus próprios desejos e desdouros,
alguém para atingirem seus propósitos
ou simplesmente um membro da plateia.
Essa que é a dor de se sentir paixão:
essa que amamos, se sente no direito
da total gravitação tornar-se o foco,
em seu próprio sistema mulhercêntrico,
enquanto o homem, por mais que desejado,
é só mais um planeta a controlar... (*)
(Claro que o
título é um trocadilho com 'versos brancos'.)
POEMA EM VERSOS CINZAS II – 15 ABR 15
Aqui redijo este poema com esforço:
a mim mutilo ao renegar da rima
e mal me dobro sob a triste violência
quando a mim mesmo me coloco em jugo!
Na antiga Itália, após algum combate,
era costume erguer de um boi a canga
e sob ela fazer passarem prisioneiros:
pior que a morte era tal humilhação!
Que cedo ou tarde provocaria vendeta,
mas tinham nisso prazer os vencedores,
sem o massacre de tais populações!
A não ser quando eram escravizados,
aos tornozelos férreos grilhões trazendo,
para impedir que enfim se revoltassem!
POEMA EM VERSOS CINZAS III
Na Inglaterra, após uma rebelião,
cortavam indicadores e polegares
de todos os arqueiros revoltados:
que nunca mais pudessem lançar setas!
Porém na França houve pior maldade,
com ferro em brasa os olhos a queimar
dos camponeses, após insurreição:
que os caminhos percorressem em cegueira!
E quando alguém quebrasse as leis da Igreja
e se tornasse o réu de uma heresia,
seria consumido em fogo vivo!
Não há limites assim para a arrogância
dos vencedores sobre os derrotados:
maldade intrínseca à natureza humana!
POEMA EM VERSOS CINZAS IV
Mas não sei submeter-me a tal tortura!
Cortada a rima, cortam-se-me os dedos
e tais versos não passam de arremedos,
triste poesia que para mim não dura!...
Pois não me entrego ao jugo dessa agrura!
Não dobrarei sob a canga meus segredos!
Queimem meus olhos sob tais degredos,
queimem-me os versos em rasgos de loucura!
Aqui me encontro em rimas encarnadas,
minhas métricas carmim ante a cesura,
mais rubro o ritmo que agora empreenderei!
Sem cantos brancos ou acinzentados,
que venha o Sol e me queime com censura,
pois cada verso vermelho eu tornarei!...
ACREÇãO I – 19 set 07
Talvez que amor eu tenha pressentido
no fundo de teus olhos e ademanes,
nessa graça de andar, nesses ufanes
esparzires de perfume consentido...
Mas não pretendo seguir empós a pista:
a redolência basta, o leve adejo
dos feromones, em adágio de desejo,
sem que me apreste em busca de conquista.
Eu nem quero tocar... Quero sentir,
dentro de mim quanto podia ter sido,
sem que algo jamais se concretize...
Serei tolo, talvez, nesse deslize,
mas o que busco mesmo, é conseguir
um novo amor que não possa ser vivido!...
ACREÇÃO II – 16 ABR 15
Em tudo isso, sigo o exemplo de Catulo,
esse romântico da época romana,
com cujos manes o meu pendor se irmana: (*)
versos que deram a dois mil anos pulo!
(*) criam os romanos que todos têm duas almas, os “manes”.
Segundo afirmam, teve resultado nulo
o ardor dessa paixão que assim proclama:
chamou de “Lésbia” a uma jovem de má fama:
uma opinião que não sei bem se engulo!
Tudo pode ter sido calúnia, simplesmente,
ou uma falácia criada pela inveja:
pois a diziam ser de todos, menos dele!
Mas não se sabe se foi esta, realmente,
ou se o poeta fisicamente não deseja
ato de amor que um vago anseio sele!...
ACREÇÃO III
Eram pseudônimos, afinal, o dele e o dela
e existe um ponto do qual não me avizinho:
eu jamais me chamaria de “Gatinho”,
esse apelido de “Catullus”
não me apela!
Caius Valerius é o real nome que o sela,
teria a alcunha adotado por carinho;
talvez a própria “Lésbia”, se adivinho,
assim clamasse, quando o prendia a ela!
Foram Furius e Aurelius os desafetos
do poeta que à sua amada difamaram
e sem isso, ninguém mais os lembraria!
Há tanta gente com igual ânimo de insetos,
que contra os grandes da história se acirraram
e cujos nomes só a infâmia guardaria!
ACREÇãO IV
Também tivemos um Catulo soberano
na bela história da nacional poesia:
por “da Paixão Cearense” concluiria
seu nome de batismo, sem engano,
que ser pseudônimo pensou algum profano,
mas que em registro oficial se assentaria.
“Flor Amorosa” a nós um dia brindaria
E “O Luar do Sertão”, em seu sabor arcano!
Igual Catulo, escreveu versos românticos,
mas não votados a amada singular:
foi boêmio e “chorão” no seu cantar.
Tenho certeza assim que estes meus cânticos
merecerão a compreensão dos seresteiros,
mesmo que sejam meus versos derradeiros!
AS COISAS SÃO BEM
ASSIM i – 20 set 2007
É inútil se
esforçar para entender
porque as coisas
nos vêm e nos atingem.
Há pessoas que até
compreender fingem
e interpretam o
que veem acontecer...
Mas, de fato, o
perceber determinista
do Pluriverso é só
desejo de iludir...
Só em nós mesmos
podemos investir
o quântico e o
cismar de um casuísta
causalismo. Mesmo
até que a borboleta,
ao adejar das
asas, inconsciente,
provoque
finalmente um terremoto,
não cabe a nós a
solução secreta
desse todo
randômico e ignoto,
que dentro em nós
tanta paixão acende!...
as coisas são bem
assim ii – 17 abr 15
o nosso mundo está
cheio de profetas:
alguns proclamam
divina orientação,
enquanto outros a
ideal aceitação
de ideologias que
afirmam ser completas.
Não os podes
contrariar, pois os afetas
No mais fundo da
vaidade e pretensão:
Não há verdade
além de sua missão,
Seja ateia ou
religiosa em suas aletas.
E se erguem contra
seus adversários,
Submetendo-os
conforme o poderio
Ou sendo então por
eles desprezados;
E por mais sejam
seus padrões atrabiliários,
Mais os defendem,
em prestimoso cio,
Por uma ideia
qualquer fanatizados...
As coisas são bem
assim iii
Através de minha
vida, já estudei
Quando possível na
língua original,
Cada tendência ou
afirmação espiritual
E a todas essas
igualmente analisei.
A Uma obra apenas
eu nunca me animei,
Embora seja de
importância seminal:
A dessa “religião
do material”,
Que o marxismo só
em tangente consultei.
Como aliás faz a
vasta maioria,
A repetir
enviesadas citações
De escritores, em
perfeito fanatismo.
E minha
consciência até me acusaria,
Se não soubesse
como tais missões
Na vida prática
favoreceram o egotismo.
AS COISAS SÃO BEM
ASSIM iv
Que me não venham
a citar autoridades:
Meus pensamentos
são bem abalizados,
Meus sentimentos
em poética empregados,
Só me convenço por
racionalidades.
Mas não sou
pregador de outras verdades:
Cada um conserve
seus julgamentos confirmados
Para si mesmo, em
seu viver calcificados,
Já que polêmicas
são reais inutilidades!
Antes me atenho
totalmente a fatos,
Até que outros os
contrariem realmente;
Aberto estou para
a argumentação,
Mas não me digam
que a história são boatos,
Com base apenas em
loa deprimente
Às frases mortas
de passada geração!...
ARTIMANHAS I – 18
ABR 14
Não é de duvidar
que a imagem morna,
Esmaecida contra o
bafo de um espelho,
Me seja mais fiel
em seu conselho:
É ao embaçar os
contornos que me adorna...
Sem me ver
claramente, o rosto torna
Nos mil possíveis
que ao olhar esguelho,
Cortes do vento
sadístico em seu relho,
Cortes da vida por
mão de antiga Norna.
A imagem clara que
demarca a luz
Não é mais que o
reflexo dessa espuma
Que escorre pelos
ares, desde o Sol.
Não é um rosto a
sorrir que me seduz,
É apenas a vela
que se enfuna:
Vento soprando em
torno de um farol...
ARTIMANHAS II
À luz da Lua, a
espuma é doce prata,
Escorre pela
praia, num portento,
Para voltar de
novo, em desalento:
São mil anéis que
a corrente assim desata.
Eles reluzem e
quer quiser os cata,
Vendo nas palmas
das mãos um sonho lento;
Eles explodem um a
um... e o alento
Se expande para os
ares sobre a mata...
De quem os dedos
que os anéis de espuma
Assim recamam e
escorrem pela areia?
Por que o
desalento, em seu refluxo
Que a praia deixa
úmida e se esfuma,
Aos poucos, perde
a força em tal influxo,
Enquanto a praia
em prata se incendeia...
ARTIMANHAS III
O teu reflexo é
tão só uma candeia
A projetar sua luz
sobre teu rosto;
Caso em tristeza,
demarca teu desgosto
E na alegria, de
júbilo incendeia!...
Mas o espelho é de
vidro e o vidro é areia,
Fundo de prata ou
qualquer outro composto:
Não és tu mesma
nesse brilho exposto,
Mas a cópia da luz
que te permeia!...
Assim, na forte e
crua luz solar,
Destacam-se bem
mais imperfeições,
Que sob a luz da
vela esmaecida;
A luz incandescente
a te ajudar,
Sua maciez
emprestada a tuas feições,
Enquanto a branca
te mostra mais sofrida...
ARTIMANHAS IV
Para aonde foram
os reflexos do passado
Que o espelho
devolveu, indiferente?
De que serviu o
luzir de tanta gente
Sob a luz dos
candelabros debruado?
E mesmo agora, teu
reflexo apressado
Suga e devora o
ardor do Sol potente
E no próximo
minuto refulgente
Outro será pelos
ares espalhado...
Somente podes
fotografar passagens,
Às quais o inteiro
passado se reduz,
Enquanto a vida te
arrasta em sua maldade.
Para onde irão,
assim, essas imagens,
Capturadas pelo
fragor da luz,
Em desafio total à
gravidade...?
REGRAS DA VIDA XXXIV – 17 set 07
É impossível que se entenda tudo:
esse povo se comporta estranhamente...
Se de entender a mim sequer me iludo,
muito menos saberei de tanta gente
que me rodeia e nem sequer estudo...
Apenas observo, complacente
com o inesperado proceder, frequente,
do olhar que é cego e do ouvido mudo.
É desse modo que as coisas acontecem:
nos tomam de surpresa, nessa vida,
por mais que compilemos novos dados...
Até quem mais amamos... nos esquecem
por quaisquer coisas que tenham preferidas,
sem que por isso sejamos desprezados.
REGRAS DA VIDA
XXXV – 20 set 07
De onde surge a
real felicidade?
Das coisas
materiais, dos teus amores,
que com tanta
frequência causam dores
e se demonstram
apenas falsidade...?
De onde brota essa
"real fragilidade"?
Cada um sente a
sua e apenas sabe
de onde é que não
brota, pois lhe cabe,
no fim das contas,
apenas leviandade...
Mas em que parte
das coisas materiais
ou em que ponto
dos amores naturais
se localiza a
razão desse portento...?
Não está em parte
alguma. E então se vê:
felicidade não é
externo sentimento,
ela se
encontra bem no fundo de você...
REGRAS DA VIDA XXXVI – 20 set 07
Aprenda a desistir, quando é impossível.
Por maior seu esforço num projeto,
nem todo o seu trabalho incorruptível
irá alcançar o intenso bem dileto,
que tanto se esfalfara em alcançar.
Nem toda mina tem o seu filão...
E, com todos os labores, conquistar
nem sempre se consegue um coração...
Por isso, ao ver que seu trabalho é fútil
[pois não se cria um nenê após o aborto]
desista, enfim, de seu constante impulso.
Pois, afinal, que coisa mais inútil!...
Desenterrar o amor, depois de morto,
só para ver se ainda existe um pulso!...