sexta-feira, 3 de abril de 2015






EM FAVOR DA VIDA & MAIS
Novas Séries de William Lagos

PROBIÓTICO I – 17 dez 06

É a vibração de ti, a meu redor,
que assim me ondula, sípida e exigente, (*)
bem mais que o movimento, tão frequente,
com que me lanço a ti, em pleno ardor.

E, ao mesmo tempo, é a forma que me tocas,
a pressão de teus dedos sobre a pele,
um tal carinho que me faz anele
a contaminação total de nossas bocas.

Do mesmo modo que as almas contaminam

e as mentes infeccionam a paixão,
quando se juntam muito intimamente.

E, mesmo quando a outros se destinam,
os lampejos do olhar, sinto somente
essa virose tua ao coração.
(*) Sípida = Saborosa.

PROBIÓTICO II (22 MAR 15)

Não obstante, os seres partilhamos
que audazes flutuam em cada beijo,
bactérias e vírus nesse ensejo,
outros micróbios quando nos tocamos.

Mas outras vidas existem, se buscamos
os pensamentos a flutuar em cada adejo,
a timidez do sentimento em cada pejo,
sonhos impuros em seus ideais insanos...

Foi por isso que adotei a probiótica:
que se mantenha a vida desses seres,
reproduzidos em mil populações,

sem sofrer a destruição antibiótica,
a interferir com as tristezas e prazeres
de nossas mútuas interpenetrações!

PROBIÓTICO III

Dizem cientistas que amor são endorfinas
a que os feromônios dão origem;
destarte, as emoções que nos afligem
são do amor frutas somente pequeninas

e esses anseios com que me assassinas
só durarão enquanto os hormônios vigem;
mas certamente minhalma inteira impingem
as doces lágrimas com as quais tu me iluminas!

Contudo, até hoje não descobriu a ciência
em que local se localiza a alma
e por não vê-la, muitos mesmo a negam;

mas é na alma que se expande essa potência
que me perturba o sono e tira a calma,
não só no corpo, tal qual eles alegam!

PROBIÓTICO IV

Qual de nós dois ao outro contamina
com a moléstia febril dos sentimentos?
Qual de nós dois impõe seus julgamentos
nessa contínua saga vespertina...?

Qual de nós dois à outra peregrina,
no louco lance de seus consentimentos,
na adulcorada busca dos momentos
em que teu corpo canta e o meu se inclina?

E eu busco assim contaminar o olhar
com a visão perpétua do teu ser,
não somente para instante de prazer,

mas para essa tal doença perpetuar
todos os tempos deste meu viver,
ainda que o possa tão somente contemplar!


SOCIOGRAMA I – 17 dez 06

É no encanto de ti que me aprisiono
a alma e o coração...  Eu sou pecado,
porque meu próprio desejo, amortalhado,
enfiei no sudário, sem que o sono

da morte o tivesse primeiro acometido. 
Assassinei-me a mim, tornei-me tu,
busquei o teu prazer primeiro, o gozo nu
de te agradar, mesmo sem ser querido.

Que existe crime também no altruísmo,
sempre que ardor destrói uma paixão,
por ser maior que o próprio coração,

quando um amor se torna neologismo 
e se permite assim, nesse truísmo,
amar primeiro a fímbria da ilusão...

SOCIOGRAMA II – 23 mar 15

Assim fui infiel – que mais amei
o riso de meus versos, sem segredos,
que a sombra pura que corre de teus dedos
e que nas folhas de papel adulterei.

Nas papilas nasais eu te busquei:
jorro o perfume nos meus cantos ledos,
a incandescente redolência de meus medos,
quando minhas próprias narinas assaltei!

Como se expande ao computador a essência
que recompassa o feminino odor?
Predominam ali só o plástico e o elétrico!

Com seu flavor de metálica presciência
digitalmente circunscrevendo o amor
em ideogramas de pendor estético!...

SOCIOGRAMA III

E fui também às papilas gustativas,
sobre minha língua teu beijo em seu sabor,
que ali perdura mais além do amor,
nessas memórias apenas redivivas!

E o comparei com as prendas olfativas,
alcandoradas no espanto do vigor
desse toque sonoro e multicor
da exploração em horas proativas!

Sem que aguardássemos somente a reação,
mas provocando maior excitação
pelo olhar, pelo ouvido e pelo tato!

Enquanto assim se expandia o coração
ao quanto mais se encolhe o teu recato
e me penetra a luz de teu olfato!

SOCIOGRAMA IV

E novamente, onde se acha tal sabor
na tela fria e dura e cintilante,
que me contempla sem olhar de amante,
no espelho cego de meu computador?

Como transmito o som desse frescor
que sinto na tua pele deslizante?
E de que forma o rosto cintilante
da amada insiro em seu gélido palor?

Somente posso as fotografias mortas
reduzir a mil pixeis oscilantes,
na intermitência da alta resolução,

não mais vivas que o ácido em retortas,
a borbulhar nas nuvens cintilantes
dessa constante e fria renovação!...

AS JOVENS DE ROMA LII (18 dez 06)
SALÚSTIA

ELA CHAMOU-ME A SI COM TAL FREQUÊNCIA
QUE A MENTE E CORAÇÃO ME DOMINOU;
BUSQUEI-A, ENTÃO, APENAS COM DECÊNCIA,
E, EM LAÇOS DE AMIZADE, ME ENLEOU...

DORMIMOS NO SEU LEITO E NOS AMAMOS
NA MAIS INTENSA E TOTAL EXALTAÇÃO;
ENALTECIDOS ASSIM, NOS ENTREGAMOS
AOS MINUCIOSOS CAPRICHOS DA PAIXÃO.

PORQUE SEU VENTRE É CERTO QUE QUERIA,
MAS POR AMAR INDA MAIS A NOSTALGIA,
NÃO MAIS A PROCUREI, DEIXEI-A, ENFIM,

POR NELA DESCOBRIR, QUASE PERPLEXO,
QUE NÃO QUERIA AMOR, QUERIA SEXO,
POR MAIS QUE TAL DESEJO HONRASSE A MIM.

AS JOVENS DE ROMA LIII (18 dez 06)
SERVÍLIA

A CULPA NÃO FOI MINHA: FOSTE TU
QUE NO JOGO DO PODER TE APRIMORASTE,
QUE EM MANTER TOTAL CONTROLE PERSISTISTE,
POR MAIS QUE TE MOSTRASSE, COM PACIÊNCIA,

QUE NÃO TE ERA POR SENTIR SUBSERVIÊNCIA
QUE TE FAZIA AS VONTADES.  TROUXE A NU
MEU CORAÇÃO E NELE TRIPUDIASTE,
ATÉ QUE AMORTECER-ME CONSEGUISTE.. .

MAS, AINDA ASSIM, SÓ QUERO RETORNAR,
QUERO SER TE[UA] DE NOVO NA JORNADA,
E UM GRANDE E PURO AMOR TE PRESENTEAR.

NÃO TENS NADA A PERDER, TUDO A GANHAR,
ESTOU TE DANDO, SEM TE PEDIR NADA,
PELO SIMPLES PRAZER DE ACARINHAR...

AS JOVENS DE ROMA LIV (19 dez 06)
VALÉRIA

EU ME ENTREGUEI A ELA, TOTALMENTE:
DEI-LHE O TRIGO DE MIM, MOÍ MINHA ESPIGA,
FUI LÊVEDO E CERVEJA, FUI AURIGA,
ATRAVÉS DOS LABIRINTOS DE SUA MENTE.

EU DESCUREI DE MIM, PENSEI MAIS NELA,
DO QUE EM CONSERVÁ-LA: DEI-LHE CHANCE
DE SE SENTIR ALÉM DO MEU ALCANCE
E, AGORA, QUANDO OLHO DA JANELA,

SOU RESTOLHO DE MIM, NÃO MAIS QUE PALHA,
DEI-LHE O CERNE DE MIM, PAGUEI-LHE A ALMA,
E ME ESPALHEI EM VERSOS, ENCANTADO,

ABANDONADOS À BRISA, QUE OS ESPALHA...
E DESCOBRI QUE ERAM RETALHOS DESSA ALMA,
AO VER O VENTO A MEU REDOR ENSANGUENTADO.

BOROBUDUR I – 19 dez 06

A luz que se reflete em minhas lupas
é como meias-luas semibaças,
de esquálido fulgor, flores escassas,
a refulgir nas ruínas das estupas (*)
(*) Pequenas torres nos templos orientais.

dos templos mortos, no calor de antanho,
de um buddha pueril, inda inocente,
sem esperar tornar-se iridescente
símbolo sacro de mandala estranho.

Porque os humanos amam os portentos
em tudo a seu redor...  A transcendência
que lhes disfarce os laivos de impotência.

E, assim, à luz da lupa e à voz dos ventos
e ao sorriso inefável desse buddha
constroem-se templos que a desrazão escuda.

BOROBUDUR II – 24 MAR 15

Eis que Gautama nunca pretendia
ser tido como deus e mesmo duvidava
da velha Trindade que o Bramanismo alçava:
em seu Nirvana seria gota que escorria...

Na humanidade, mais simplesmente, cria,
quando a todo o desejo renegava;
que se tornassem puros esperava,
quando sequer uma esperança lhes luzia!

Como é difícil essa tal aceitação!
Quando se busca a morte do desejo,
haverá desejo mais forte em sua paixão?

E se o Nirvana conquistar almejo,
mais desejo desenvolvo na ambição
que nos desejos de que antes senti pejo!

BOROBUDUR III

Assim Siddharta, que repudiava imagens,
foi endeusado de forma tão potente
que as mais comuns figuras desse Oriente
refletem a concepção de suas visagens...

Quando o Budismo se espalhou pelas paisagens
que hoje a China anexou perfeitamente,
desenharam suas feições quais de sua gente,
traços hindus descartados das contagens.

Assim, tornou-se Deus o Iluminado,
presidindo sobre quiçá seiscentos mil
deuses menores em amplo henoteismo!... (*)
(*) Crença em um deus supremo ajudado por deuses menores.,
que atuam como intercessores.

Estranha sina para o Vishnu encarnado,
ver-se descrito com escopro e com buril,
em suas estátuas meditando sobre o abismo!

 BOROBUDUR IV

E sendo assim a natureza humana,
templos se erguem com muitos sacerdotes,
pedindo a iluminação em convescotes, (*)
reunidos por esmolas nessa chama...
(*) Banquetes ou piqueniques. 

Porém cada escudela assim proclama (*)
que ainda buscam do apetite os dotes;
não perderam o desejo nesses lotes
que diariamente o estômago reclama!
(*) Espécie de gamela com que os monges pedem alimentos.

E nem ao menos se desgastam em orações,
tal qual se espera dos monges do Ocidente:
giram moinhos para as substituir!

Em cada volta ganham mil meditações,
passando assim em indolência permanente,
sem flor de lótus em magia produzir!...

CRUZINHA DE NATAL

Cada um de nóS,
Em sonho cristalinO,
Pode ser jesuS.
I   N   R   I

Cada um de nóS,                      Eu posso ser o teU,
Voltando a ser meninO,             E tu serás o meU:
Se tornará jesuS...                    Tu podes ser jesuS.

E assim, no teu caminhO,
Num sonho pequeninhO,
Também serás jesuS...

E, neste poeminhA,
Que a teu olhar se alinhA,
Meu coração te expuS...

Com amor fraternal, bilL.
12/21/2006

CÁFILA [CARAVANA] I – 27 dez 06

É no anel feminino que derramo
o sangue de meu ser e a própria mente...
Meu coração e o corpo, bem frequente,
se perdem dentro dele, sem reclamo...

Mas o ano é um anel que me constrange,
na marcha inexorável de estações...
Se diariamente me extingue as ilusões,
para o futuro, sem cessar, me tange...

E como o anel me prende, assim o ano
me toma em seus ardores e demonstra
ser mais concupiscente que a mulher...

Pois quer apenas que fecunde o arcano
de seu ventre; mas o tempo que me encontra
tira-me os dias, sem me deixar qualquer...

CÁFILA II – 25 MAR 15

Os dias passam em interminável caravana;
camelos secos, em mim buscam beber,
quarenta litros de meu sangue a requerer,
na procissão que demanda à morte arcana...

Quarenta quilos de sonho algum reclama,
a cada dia, sem nunca os devolver;
comem minutos em função de me comer,
irrecorrível a incandescência dessa chama!

E na minha ignorância, busco o sexo,
tal qual se nele o tempo incorporasse,
nessa parada súbita me alçasse,

além da morte, com seu perpétuo nexo,
sem perceber que em tais mágicas vibrantes
tão somente consumo mais instantes!

CÁFILA III

Não obstante, o desejo recrudesce
nessa catálise, em fúlgida explosão;
parece mesmo, em tal cintilação,
que o tempo por instantes emudece!

Em cada orgasmo há verdadeira prece,
não para um deus qualquer, vasta noção,
mas para os ancestrais que já não estão
aqui presentes para o quanto ele oferece!

E permanece tal anel como corrente
vermelha e firme a me prender na vida,
enquanto o anel do tempo se faz gris,

na lenta marcha para o fim subjacente
a todo o ideal e à epopeia perseguida,
até que suma cada quimera que se quis!

CÁFILA IV

Porém, que seja assim inexorável
o anel do tempo, enferrujando cada elo
dessa cadeia genital de pesadelo,
que se disfarça como sendo interminável!

Pois só podemos imaginar como imutável
a ânsia de outro anel, em seu desvelo,
ansiando pelo cravo em seu novelo,
cordas de água em um rio imponderável!

Nele mergulho com os fantasmas dos avós,
que permanecem helicoidais no deeneá,
que assim me espiam em cada célula da vida;

nele me encontro quando somos nós
a derramar o sangue, em que não há
senão a raça por nós sendo compelida!

A DAMA DA DRUSA I – 27 dez 06

Vai ser assim para sempre: um dia me quer,
no outro, nem me olha, demonstra mau humor
e tudo quanto digo, interpreta em desamor:
é como se vivesse no corpo outra mulher...

E é assim no dia seguinte: chega uma outra e outra,
umas me desafiam, outras me querem bem,
é como se tivesse um verdadeiro harém:
porém se alguma ama, já me odeia estoutra...

E a vida assim me corre em singular vigília,
por mais fiel que seja, ciúmes eu percebo:
é como se espreitasse, do fundo de sua mente,

como me relaciono com a outra, que partilha
do mesmo coração... E quase não concebo
que sinta-se zelosa por buscar amor frequente...

A DAMA DA DRUSA II – 26 MAR 15

Algures veem-se, no tecido vegetal
inclusões de calcário ou de outro mineral,
pequenas joias em cada falha material,
que nas tramas celulares se intrometem...

Na folha ou caule ou no cerne em que se metem,
em cada pétala ou pedúnculo que interceptem,
em cada sépala ou fruto em que introjetem,
surgem, às vezes, tais gotinhas de cristal!...

Frequentemente, a planta então enquista
essas pequenas acreções, que pouco mal,
assim aprisionadas, ao todo causarão...

Porém, às vezes, na polpa até se avista
esse nódulo alienígena e brutal,
como um espinho nascido num botão!...

A DAMA DA DRUSA III

Porém nesta mulher, há drusa nalma,
que migra pelo sangue das agruras,
muita vez, se seu nome assim murmuras,
a drusa o encontra e rápida o empalma!

Surgem momento de suspeitosa calma,
leves ausências do viver, perjuras,
como se fossem lágrimas impuras,
a refletir as ansiedades de outra alma!

Há sensações momentâneas de descaso,
quando nos lábios vislumbra-se o desdém,
nesses momentos em que queria companhia...

Tal qual se todo o amor tivesse ocaso,
até que em choque se produza um vaivém
e então, de súbito, para mim sorria!

A DAMA DA DRUSA IV

Mas essa drusa se demonstra seletiva,
quando terceiro ou quarto a acompanha:
nunca revela a intermitência estranha,
mas com bocejo disfarça a ação esquiva.

Fico a cismar se é a confiança que se ativa:
sua crença em mim de certeza tão tamanha,
que não se importa que a veja quando entranha
esses meandros da drusa, em que é passiva!

Ou se, ao contrário, é falta de empatia,
pouco ligando a meus próprios sentimentos,
nesse ergástulo do total ensimesmar,

quando busco identificar qual que surgia,
em desafio a meus melhores julgamentos,
indiferente se me agrada ou vai magoar!...

MEU SORRISO I – 27 MAR 15

Um sorriso de mulher sempre me corta
algum farrapo da alma, lá no fundo;
sou atingido no mais íntimo e profundo,
que sequer o seu formato já me importa:

vejo a boca a sorrir, gentil ou torta,
qual ponte aberta para um novo mundo,
cujo esplendor explore em dom jocundo
ou então apenas como a chave de uma porta.

E minha verdade é: caso eu buscasse
algo mais que o esgar desse sorriso
e não apenas a mágoa de seu lanho,

ao invés de que seu gosto limitasse
à minha inspiração em verso liso,
mais gosto buscaria em rosto estranho...

MEU SORRISO II

Pois nem todas me sorriem, se me veem;
algumas passam totalmente indiferentes
ou me avaliam em visões adstringentes:
não sou melhor do que aquilo que já têm

ou que ainda buscam, sem achar, porém,
nada que possa suas fomes deprimentes
satisfazer de formas consequentes:
guardam sorrisos para o alvo a que se atêm.

Mas quando em vez, recebo o seu sorriso
e mais que isso, talvez mesmo um abraço
inesperado; ou qualquer beijo social

e tal convite sempre deixa-me indeciso:
tomo o sorriso apenas e retraço
de seus lábios um contorno imaterial!...

MEU SORRISO III

Ou então, a mão estendo em puro roubo
e furto de suas bocas tal sorriso,
num gesto rápido, sem o menor aviso,
sem que percebam sequer o meu arroubo...

Guardo-o no bolso, faminto como um lobo:
têm elas muitos e deste hoje preciso,
para o colar de sonhos que mais viso...
E então se esforçam, por um riso bobo

substituir o sorriso que perderam,
no estupor de outro sorriso alcoólico,
sem entender o que lhes sucedeu,

qual a tocaia em que se surpreenderam,
nalgum atalho de pendor bucólico,
mas tal sorriso que roubei, se torna meu!

MEU SORRISO IV

Cada sorriso eu jogo contra o espelho,
a incorporar-se na lâmina e cristal;
um tanto leso, me contempla mal e mal,
nos bastidores de meu rosto velho;

e perante esses furtos eu me ajoelho,
todos os cantos preenchidos, afinal;
com cem sorrisos compus o meu fanal:
aos atrevidos, eu domo com meu relho!

Vejo em torno a meu rosto uma corbelha,
cada sorriso é alma de uma flor,
e mesmo aos falsos permito-me aspirar;

minha face queimam num rancor de grelha,
pequenas chamas de nuance multicor,
que até me iludo de poder beijar!...

NÃO-DOADOR I –28 MAR 15

Doar meus órgãos não pretenderia,
pois quero ser cremado por inteiro,
como os romanos do passado alcandoreiro
e à posteridade eu nada deixaria!

Afinal, por longo tempo escreveria,
pensando doar, em verso condoreiro,
que nem meu nome levasse interesseiro,
mas a mensagem que ali transmitiria!

Minha carne já me traz problemas belos,
não corre o sangue tal qual quando era moço,
mesmo que tenha o “sangue universal”,

porém mais universais são meus anelos
de descrever do ser humano o esboço,
sem pretender jamais ser imortal...

NÃO-DOADOR II

Se meus órgãos doasse, seguiria
mais longo fardo de carne a suportar;
em mais de um leito poderia despertar
e em diversas sepulturas jazeria!

Talvez seis outras vidas salvaria,
mas quais tristezas iriam confrontar?
Missão teriam para desempenhar
ou seu viver para nada serviria?

De qualquer modo, já sou velho demais;
dificilmente um cirurgião retalharia
esse botim de meus restos mortais!

E de fato, o que mais desejaria
era uma pira de resinas naturais,
na qual inteiro me consumiria!...

NÃO-DOADOR III

O quanto tinha a doar, já distribuí;
não me parece que alguém tenha completado
semelhante procissão de verso alado,
tal qual eu fiz nesse tempo em que vivi.

Talvez em épicos, antigos versos li
número igual num só poema compilado,
mas o meu canto é muito variegado:
tantos milhares de sonetos que escrevi!

E ainda espero muito mais que se apresente,
a doar retalhos assim do coração,
do fígado, dos rins e até da alma,

à noosfera, em mergulho tão frequente, (*)
destinados a uma vasta multidão,
nessa emoção do canto que me acalma.
(*) Camada de pensamentos que envolve a Terra.


LOCHENORA I – 29 MAR 15

Confesso que escrevi o soneto referido
nos autos do processo, meu senhor!
Não quero aqui discutir o seu valor
nem a ideologia por que me há perquirido!

Não me encontro na política envolvido
e ainda duvido que farejem mau odor
em minha folha corrida sem vigor:
não estuprei, não matei; dinheiro mal havido

terão bastante trabalho em procurar;
mas me disponho ao soneto discutir
no termo artístico de sua qualidade,

embora afirme estar somente a trabalhar
na feitura dos versos, sem pedir
sequer meu nome aceito por vaidade!

LOCHENORA II

Nenhuma ofensa se achará diretamente
ao governo ou a qualquer particular:
à religião nunca busquei prejudicar,
tão só ao preconceito em que se assente;

sou apolítico, embora eu seja crente
no parlamentarismo e desejar
a monarquia ver aqui implementar,
que em constituição verdadeira se apresente.

Só então posso ofender aos literatos,
que de minha métrica descubram o defeito;
quiçá a emendas me encontrarei sujeito;

ou que contestem da ciência os fatos,
que incluí, sem ser nada discreto,
na trama fina e pura do soneto!...

LOCHENORA III

De que me acusam, então?  De pobre rima
que eu teria roubado aos ancestrais?
Alguma sílaba nas métricas demais
ou foi o ritmo a que qualquer verso se inclina?

Ou quem sabe a censura então se anima
a criticar-me a cesura, assim no mais?
Ou a quantidade de versos no ademais?
Ainda confesso que aceitei alheia mima,

quando aspas empreguei ou asteriscos
para indicar o crédito de frases,
porém em plágios nunca delinqui,

só talvez a repetir meus próprios riscos,
que as citações mal me serviram como bases!
Portanto afirmo ser inocente aqui!...

CONSTELAÇÃO DE SINOS I – 30 MAR 15

Durante anos, não pude ouvir “Danúbio Azul”,
por tê-lo ouvido com frequência demasiada;
nos acordes iniciais, pressentia a badalada
de campanários em ribombar exul...

Porém dentre meus discos nunca o expul- (*)
sei, somente não o queria executado;
sem dúvida aos Strauss eu tinha amado,
composições qual um colar em lápis-lazul-
(*) Aqui emprego a sinafia.

i, tais aqueles que ostentavam faraós,
a pedra rara em nuance sulfatada;
mas sempre preferi suas operetas,

em que tais valsas não quedavam sós,
mas incluídas em partitura alada,
bem mais variadas que suas voltas indiscretas!

CONSTELAÇÃO DE SINOS II

Os anos passam, contudo, e descansei
da execução tantas vezes repetida,
bem diferente da cacofonia ouvida,
quando algum rádio ou televisão liguei!

Não que valsas alguma vez dancei,
só a melodia foi por mim haurida,
apenas oralmente permitida,
enquanto meu trabalho executei...

E na verdade, o bimbalhar do sino
que introduzia essa valsa conhecida,
hoje eu recebo de bem melhor humor,

acostumado que estou, desde menino,
a ter música erudita na minha vida,
que em mim desperta o sensível e o vigor!

CONSTELAÇÃO DE SINOS III

Não me interpretem mal.  Gosto do rock,
o folclórico aprecio e o popular,
porém jamais me foi possível mastigar
a música comercial de vulgar toque!...

Mas ao ver um regente, com seu estoque
aos jovens pobres, instrumentos ensinar,
novas sinfônicas assim a organizar,
se comove totalmente o meu enfoque!...

E caso surja tão só o Danúbio Azul,
que possa remexer com as multidões,
eu mesmo irei tocar o carrilhão,

nessa alegria da difusão exul,
entre meu povo, das novas mutações
que ainda me fazem vibrar o coração!...

OCEANO EXÓTICO I – 31 MAR 15
(VERSIFICAÇÃO DO MITO GNÓSTICO DA CRIAÇÃO)

QUANDO O DEMIURGO PARA CÁ DESCEU,
CRIANDO O MUNDO, QUIÇÁ MOVIDO POR INVEJA,
NA IMITAÇÃO DO MULTIVERSO QUE SE ENSEJA
NO ESPAÇO MÚLTIPLO QUE A SI MESMO PRECEDEU.

SUA MÃE, SOPHIA, PELO ESPÍRITO SE AQUECEU:
SABEDORIA QUE NA ATMOSFERA ADEJA,
À HUMANIDADE SENDO SEMPRE BENFAZEJA
E PELO BEM, BELO E PERFEITO CONCEBEU...

PORÉM SEU FILHO, JÁ ACHANDO TUDO FEITO
OU TÃO SOMENTE NUM CAPRICHO DE CRIANÇA,
TALVEZ QUERENDO SIMPLESMENTE LHE AGRADAR,

TOMOU ARGILA, PENSANDO NISTO TER DIREITO,
PARA MOLDAR VASTAS BOLAS NA ESPERANÇA
DE SEUS BRINQUEDOS SER CAPAZ DE DOMINAR!

OCEANO EXÓTICO II

E COMO A ARGILA ENCONTRASSE RESSECADA,
COM A ÁGUA MISTUROU DA PRÓPRIA ESSÊNCIA,
OS CONTINENTES ERGUENDO COM PACIÊNCIA,
ENCHENDO OS MARES COM A VIDA MAIS VARIADA;

MAS SENDO AINDA CRIANÇA ENSIMESMADA,
SEM SER DOTADO DA DIVINA ONISCIÊNCIA,
GEROU A VIDA COM UMA CERTA INCOMPETÊNCIA,
A FOME A LHE DEIXAR POR SER SACIADA!

E NA MEDIDA EM QUE SE DESENVOLVEU,
NÃO LHE BASTAVA A FORRAGEM MINERAL
E POUCO A POUCO SE DIVERSIFICOU;

O VEGETAL SOBRE A TERRA SE ESTENDEU,
SERVINDO APÓS DE PASTO AO ANIMAL,
NA SOLUÇÃO FALHA QUE O DEMIURGO ACHOU!

OCEANO EXÓTICO III

POIS DEVERIA TER ANTES ESCOLHIDO
QUE A VIDA INTEIRA CONSUMISSE O PRANA,
ESSA ENERGIA QUE DO CÉU SE EMANA,
SEM QUE SER VIVO FOSSE CONSUMIDO!

MAS O DEMIURGO UTILIZOU APENAS MANA,
MÁGICA A FORÇA DE SEU MUNDO CONCEBIDO,
SEM A ENERGIA DO ESPÍRITO INSERIDO,
TAL QUAL NOS VELHOS ALFARRÁBIOS SE PROCLAMA!

COMETEU ERROS AFINAL ESSA CRIANÇA;
POR ISSO ESTAMOS AQUI EM ORBE IMPERFEITO,
COM ESSA FOME PELA CARNE ALHEIA!

FOI O DEMIURGO BUSCAR OUTRA BONANÇA.
DAS PRÓPRIAS FALHAS A SENTIR DESPEITO
E NOS DEIXOU NO ABANDONO, SEM MAIS PEIA!

OCEANO EXÓTICO Iv

PORÉM OS HOMENS, SENTINDO-SE IMPORTANTES,
CRIARAM DEUSES À SUA SEMELHANÇA,
ATÉ O PONTO QUE A HABILIDADE ALCANÇA,
CULTO PRESTANDO A TAIS SERES GIGANTES!

GÓLENS DE BARRO EM SEUS PÉS VACILANTES,
LETRAS NA TESTA A CONTROLAR A DANÇA,
MAS INCAPAZES DE ATENDER NOSSA ESPERANÇA,
POR MAIS PRECES E SACRIFÍCIOS DELIRANTES!

FICA O DEMIURGO TOTALMENTE ABORRECIDO
POR CRIATURAS, SEM QUERER-SE INCOMODADO,
INDO ALGURES CRIAR MUNDOS MELHORES!

SEGUNDO AFIRMAM ALGUNS, FORA VENCIDO
EM TENTATIVAS ANTERIORES JÁ FRUSTRADO,
OUTROS PLANETAS TENDO FEITO BEM PIORES!

OCEANO EXÓTICO v

MAS APIADOU-SE DE NÓS SUA MÃE SOPHIA
E TENDO TEMPO, QUAISQUER FALHAS CORRIGIU:
A EVOLUÇÃO ORIENTOU E PRESIDIU,
SANANDO OS ERROS QUE SEU FILHO COMETIA!

O DEMIURGO MAL SABIA O QUE FAZIA
E DESTAS PLAGAS POR FIM ATÉ SUMIU!
JUNTOU COMETAS SUA MÃE E RELUZIU:
QUEDOU CONOSCO, NO FINAL, A SABEDORIA!

ELA SE ASSENTA CALMAMENTE SOBRE A LUA,
SÓ INTERFERINDO QUANDO JULGA NECESSÁRIO,
POIS INGRESSAR NO TEMPO É TRABALHOSO;

MAS SE JULGA RESPONSÁVEL A DEUSA NUA
PELOS ATOS DE SEU FILHO ATRABILIÁRIO,
MAS QUE GEROU EM ATO DE AMOR FORMOSO!

OCEANO EXÓTICO VI

TERIA SIDO SÁBIA ENTÃO A SABEDORIA?
HÁ MUITOS QUE CONDENAM SUA PAIXÃO:
AMOU O ESPÍRITO PELA FORÇA DA EMOÇÃO,
ERA MULHER AFINAL – E AO DEUS QUERIA!...

MAS POR SUA BREVE FALHA É QUE NOS CRIA
E LHE MOSTRAR DEVEMOS GRATIDÃO,
COM OS DEMAIS SERES QUE NA TERRA ESTÃO:
SOMENTE ELA NOS AFASTA DA ENTROPIA!

E A POUCO E POUCO, A PONTA DE SEUS DEDOS,
DURANTE AS NOITES, OS ERROS VAI CURANDO,
CONHECIMENTOS LUZENTES DESPERTANDO

NO OCEANO EXÓTICO DE SEUS MIL SEGREDOS,
CEM MIL DOTES EM SABEDORIA CONCEBIDOS,
MAS SORRIDENTE AO RECUSAR NOSSOS PEDIDOS!

William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com


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