domingo, 5 de abril de 2015





MARÉ DO TEMPO E PÁSCOA
William Lagos

MARÉ DO TEMPO I – 1º ABR 15

Sou forçado a esta data hoje aludir,
mas o farei apenas de passagem;
parabenizo os brasileiros de coragem
que impostos pagam, sem nada conseguir;

na arquibancada nos sentamos, no iludir,
pensando nas belezas da paisagem
e nas vastas infrações da bandidagem,
o vasto circo ingenuamente a perquirir...

Passam-se as décadas contínuas em maré
e a situação vem sempre se agravando,
e ainda assim cremos ter saída o beco;

mas é questão de ação e não de fé,
não bastam preces ir ao céu alçando,
para podermos abrir túneis no ar seco!

MARÉ DO TEMPO II

Talvez já tenham escrito até demais
sobre o tempo e a esteira do futuro,
sobre os efeitos de um destino duro,
no qual não creio sequer, nesse ademais!

Pois quanto a eventos que a nós sejam fatais,
somente achamos, nesse fado obscuro,
o lugar do nascimento, seja puro,
seja eivado de obstáculos naturais...

Corre um dito: “Não pedi para nascer.”
Mas será que, realmente, ocorre assim?
Não haverá almas tão desesperadas

que aceitarão em qualquer ventre aparecer,
só para ver-se à luz do Sol, enfim,
sem se importar aonde sejam encarnadas?

MARÉ DO TEMPO III

Segundo o Bramanismo, é isto que ocorre:
quem se encontra inserido na Sansara,
escolhe a condição ou emoção para
vivê-la integralmente, se não morre

sem cumprir a missão na qual incorre,
a fim de realizar, na vida cara
qualquer coisa de feliz ou mesmo amara,
até que o espírito de humanidade forre.

Se por acaso descumprir essa missão,
por suicídio, acidente ou assassinato,
mais outra vez terá de reencarnar,

Será então enviado em precisão,
por mais que isto lhe provoque desacato,
ao ponto exato em que devia chegar...

MARÉ DO TEMPO IV

Para nascer, portanto, nós pedimos,
mas determinam que seja no Brasil,
ou nalgum ponto de destino vil,
no qual não acharemos quaisquer mimos.

Só algumas almas avançadas é que vimos
escolher, da maneira mais sutil,
pai e mãe entre esses casais mil
que pela Terra reunidos assistimos.

Dizem que Buddha fez reunir-se os pais,
para alcançar sua desejada concepção,
em condições realmente favoráveis;

Mas tu e eu, que somos seres naturais,
sem ter a força de provocar qualquer união,
somos lançados por entre imponderáveis...

MARÉ DO TEMPO V

A Divindade no tempo não se insere,
tal qual abrange plenamente o espaço;
todos os tempos estão em Seu regaço,
nenhum acaso mui certamente a fere!

Por isso, é uma tolice que se espere
com sacrifícios prendê-La em qualquer laço;
não é a fumaça que no ar eu traço
de qualquer círio que sua intenção altere.

Somos nós que pertencemos à Sansara;
só para nós tem o tempo duração,
porém em Deus a Eternidade assiste,

sem do ontem e do amanhã sentir a escara,
sem do passado ou do futuro a sensação,
porque, de fato, sequer presente existe!

MARÉ DO TEMPO VI

Pois qual é o túnel que abrimos para nós,
senão da vida o pleno cumprimento,
nesse local em que se acha o nosso assento,
em nosso íntimo a escutar de Deus a voz,

por nosso espírito, que não estamos sós
e para o bem nos dá o assentimento;
perante o mal se escuta o seu lamento,
mas corre o erro da nascente à foz...

Mas não se abrem túneis no ar seco
e nem ao menos o fazemos dentro dágua:
fica na terra todo o esforço material;

e quando erro, é contra mim que peco,
somente tu beberás tua própria mágoa
dessas marés que provocamos, afinal!...

OPRESSÃO 1 – 02 ABR 15

Esta noite, amor, eu não pensei em ti,
Mas caminhei dos sonhos nas estradas;
Em outro mundo achei pessoas encarnadas
(Mas em suas cores naturais as vi!...)

Foi nesses sonhos que a outras escolhi
(Ou foram delas as escolhas apressadas);
Mulheres belas ou simples, educadas
Ou de pouca instrução achei ali...

Será que existe a melhor realidade
No mundo onírico que à noite percorro?
Lá reconheço os rostos e os lugares

E reconhecido me vejo, em amizade,
Enquanto marcho por planície ou morro,
Mas sem sofrer de pesadelos os pesares...

OPRESSÃO 2

Que mundo é esse, no qual encontro amigos
Que pouco ou nunca vejo por aqui?
Mesmo alguns mortos raramente eu vi
E um que outro, alguns dos inimigos...

Mas não sofro agressões, quaisquer perigos,
Longo o caminho que às vezes percorri,
De uma emboscada jamais me defendi,
Salvo na infância, com seus desabrigos...

Mas li algures, já nem recordo mais:
“O sonho é teu e o podes governar;
Se algo de ruim ocorre, é só pensar:

O sonho é meu, domino os animais,
Os vegetais e mesmo os minerais,
E até os humanos eu posso confrontar!”

OPRESSÃO 3

Assim, logo aprendi a tomar o fio
De qualquer sonho que me incomodava
E para uma outra senda o desviava:
“O sonho é meu e seu final eu crio!”

Se algum monstro surgisse, então me rio,
Que gargalhada até demônios espantava,
Pois ser levada a sério é que almejava
Tal criatura em seu alheio cio!...

Mas se aparecem entes femininos,
De forma alguma pretendo as expulsar:
Prefiro ser amante que guerreiro!

E assim as beijo, até escutar os sinos
Que desse sonho me venham despertar,
Lábios colados contra o travesseiro!...

OPRESSÃO 4

E que me dizes, então, dos próprios sonhos?
Ou será que em ti tão forte é a censura
Que não consegues a sensação mais pura
Recordar, se o despertar chega bisonho?

É mesmo bom que algum esgar medonho
Seja olvidado, em contenção bem dura;
Ou simbolismo de qualquer agrura,
Ou lacrimar de algum carpir tristonho

Mas será que ainda esqueces sonhos bons,
Em que teus próprios íncubos encontras
Ou confraternizas com os teus fantasmas?

Sempre haverá as nuances de outros tons,
Melhor sendo o simbolismo que demonstras,
Nesse ondular sutil de teus miasmas...

OPRESSÃO 5

Sei muito bem que a maioria esquece
E até sente de seus sonhos a opressão,
No temor dos fantasmas que ali estão,
Ainda que sejam benfazejos como prece...

Mas quando sobre ti o sonho desce,
Não é apenas um acidente sem razão;
Ali teus sentimentos se acharão:
São temores e alegrias que se tece...

Talvez te oprima, então, algum remorso,
Ou algo sucedeu que já temias,
Por inútil ou sucedido teu esforço;

Sabe-se lá se estiveste em quais orgias
Ou cavalgaste da égua selvagem o dorso,
Qual, em inglês, “Nightmare”, escutarias...

OPRESSÃO 6

Tais opressões jamais sinto, pessoalmente,
Mas são meus sonhos ricos e variados;
Em geral, por humanos são povoados:
Vejo animais apenas raramente...

Conferencio, decerto, abertamente,
Com esses poetas da vida já passados,
Que me repassam seus versos empoeirados,
Esquecidos pelo mundo indiferente...

Assim me chega essa tal poeira de estrelas,
Salpicada de cometas e luar,
Que de meus dedos escorre, a palpitar...

Provavelmente das poesias as mais belas
Que desfraldei sob a intensa luz solar,
Bem mais valendo que meus versos tagarelas...

ENTRANHAS DO PRESENTE I – 3 ABR 15

Se me olho a mim mesmo e o rosto vejo
refletido nas folhas da vidraça,
obnubilado pelo bafo que as embaça,
devolvido ao alcance de meu beijo;

se me contemplo em tal carnal ensejo,
numa vitrina, talvez, por que se passa
ou numa poça de chuva, por pirraça,
no desejo informal de outro lampejo;

se me contemplo assim, após o banho,
na prata enlanguescida de um espelho,
no convexo do copo ou da colher,

nos fundos de uma forma ou de qualquer
panela ou utensílio, ou vidro velho,
louvo a ironia com um sorriso estranho...

ENTRANHAS DO PRESENTE II

Mudou-se o aspecto antigo, certamente;
a idade chega, com suas zombarias...
As longas sendas que ontem percorrias
tiraram lanhos de ti, frequentemente...

E quanta vez meu verso displicente
já descreveu as mil antigas vias,
que tudo eu já dissesse, pensarias,
em verso impuro ou apenas inocente...

Contudo, encaro o fundo de meus olhos
e lá os sonetos requerem minha atenção:
que os redija, pois se dizem originais...

Mas se os declamo, se perdem nos escolhos
desses dentes que em minha boca ainda estão,
junto daqueles que não são já naturais!...

ENTRANHAS DO PRESENTE III

Bastante leve, porém, o meu desgosto:
muito mais valem, decerto, minhas entranhas,
são vastas redes de extensões tamanhas,
desprendidas na aurora ou no sol posto;

alguns versos de trigo, outros de mosto,
sagas de perdas ou de vitórias ganhas;
as descrições também de alheias manhas
que nunca perpassaram por meu rosto.

O que importa já ao mundo foi lançado
e mais ainda virá compor a longa teia
que entre minha face e o povo se entremeia,

as minhas entranhas expostas em teclado,
que a força dos tendões não mais comporta
e se ali forem desprezadas, que me importa?

ENTRANHAS DO PRESENTE IV

Revisto o mundo com as entranhas do passado
e mais o semearei com as do futuro,
que mal sei se me será claro ou obscuro,
por tudo quando já realizei avassalado,

em malefício de versos soterrado:
guardo sonetos em ataúde escuro,
poemas épicos em túmulo perjuro,
por fadas e dragões ainda assombrado,

sem me entregar ao que de mim esperam:
são os meus órgãos que jorram, intestinos,
no malbarato não apenas a minhalma,

mas sangue e linfa aqui se desalteram,
gametas e plaquetas tocam sinos,
os leucócitos a rodopiar em triste calma!

VERSOS DE SALIVA I -- 4 ABR 15

Que o beijo de outro verso assim se roube,
envolto  numa túnica e albornoz;
que durmam sob as burkas corpos sós:
no meu poema a solidão não coube!

Separado do mundo, não se soube
até que ponto é algaravia atroz.
Estás sozinha como eu, não somos “nós”,
mas não há dó sequer que a mim arroube.

Roubo o beijo de um soneto ultrapassado,
metalinguagem suja de malícia,
já conspurcada pela fome dos olhares.

Não rumo com desejo renovado,
nem como ensejo para impudicícia:
apenas rimo com a saliva dos cantares.

VERSOS DE SALIVA II

Não são meus lábios somente que esfolia
a violenta passagem dos sonetos,
os dentes mordiscando os mais secretos
desses cantos em que a alma se espolia,

que me sobem da garganta qual polia
os repuxasse dos interiores pretos
e os expusesse à luz dos maus afetos,
cósmicos raios em que amor se desfaria!

Não são versos criados pela tinta,
mas pelas secreções das salivares,
por isso tão depressa se evaporam...

Deixam apenas a leve marca extinta
de cem palavras mortas nos lugares
que o sol e a luz só por instantes douram!

VERSOS DE SALIVA III

Talvez lhes fora melhor que ignotos
permanecessem, tão só na língua aguada
do que expelidos nessa revoada,
nada mais nobres que sucintos perdigotos,

porém cruzam as amígdalas como botos
a demandar nova maré salgada,
qualquer tristeza, talvez. mais retardada,
ou por quererem visitar sonhos remotos,

pois são versos de saliva acidulada,
apaixonados por lágrima salgada,
na geração de novos sentimentos.

E assim perdidos em face açucarada,
secos escorrem como falsos juramentos,
deslizando amargamente para o nada!

PÁSCOA I – 05 ABR 15

Antigamente, era a Páscoa celebrada
com sacrifício de sangue e holocausto:
subia o “suave cheiro” como um hausto,
às narinas divinas destinado!

Mas pelos homens é que era devorada,
separada a melhor parte para o fausto
dos sacerdotes, em banquete lauto:
para os deuses só o fumo engordurado!

Esse costume nos deriva dos judeus,
como empréstimo, quiçá, dos cananeus,
salário assim devido ao oficiante!

Pois ao povo proibia-se abater,
só o sacerdote era capaz de conhecer
a melhor carne  separada nesse instante!

PÁSCOA II

Entre os gregos e os romanos o oficiante,
inicialmente, era o chefe da família:
com pedaços da carcaça em cada pilha,
girando o tronco em espeto bem gigante!

Cabia a ele, assim, levar por diante
a oferta para os deuses: sangue e bilha
de vinho... e altar doméstico se encilha
em cada lar, no costume dominante.

Já mais tarde, ele apenas abençoava,
dando a um servo a tarefa de matar
e ante as fogueiras o pobre bicho recortar;

alguns dos deuses invocavam, certamente,
antes da carne distribuir à gente,
mas de um churrasco, de fato, se tratava!

PÁSCOA III

Só mais tarde insistiram os sacerdotes
de que era esta, realmente, a sua função:
seguiam vítimas para a sangrenta atribuição,
o ofertante com as mãos sobre os congotes!

Mas sacrifícios humanos, aos magotes,
praticavam os fenícios na ocasião,
para pedir de Moloque a proteção:
muitas crianças queimadas como dotes!

E entre os aztecas, seus deuses mais selvagens
milhares cobravam de vítimas humanas,
abrindo os peitos de pessoas vivas!

Na Idade Média a transmitir outras mensagens,
queimavam vivas as vítimas profanas:
fugia o Demônio de tais chamas votivas!

PÁSCOA IV

Para os judeus, a Páscoa era a lembrança
de sua libertação do cativeiro:
como sinal, era o sangue de um cordeiro:
não era egípcio quem em tal casa descansa!

Assim morreram primogênitos em abastança;
foi essa praga o castigo derradeiro;
partiu Israel em seu passo domingueiro:
fora num sábado que ocorrera tal matança!

Muito embora acabassem perseguidos,
foram salvos pela sapiência de Moisés,
que já sabia onde se achava o vau,

mas os egípcios foram atingidos
pelo retorno de súbitas marés
e se afogaram, num destino mau!...

PÁSCOA V

Ainda hoje, os judeus matam cordeiro
em sua celebração já milenar;
é o Pessach que buscam celebrar,
mesmo nas terras em que o povo é forasteiro.

Porém Jesus proclamou ser derradeiro
o holocausto que o iria vitimar:
não seria mais preciso derramar
sangue de vítimas a qualquer deus altaneiro!

Bastava assim repartir o vinho e o pão:
de uma só vez tal purificação,
sem precisar abater mais animais!

Porém foi posto de lado o mandamento:
para os católicos a Páscoa é só um momento
de comer carne, da Quaresma nos finais!

PÁSCOA VI

Ainda hoje, muito chefe de família
trincha e reparte um peixe ou algum peru
ou junto à churrasqueira, seminu,
carne vermelha sobre a grelha empilha!

E nem sequer a Jeová se encilha
o sacrifício de sangue ainda cru;
se algo sobrar, será dado ao urubu
que a fumaça ali atrai por mais de milha!

E aqui termino a homilia pascal,
firme atiçada contra a hipocrisia:
domina a gula e não a reverência!

Em cada açougue vendem postas do animal
ou num mercado, em que a vítima jazia,
já sem cabeça a suplicar a tua leniência!...


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