TEOGONIA & MAIS
William Lagos
TEOGONIA I – 02 jun 2015
Do ovo cósmico, para
alguns, nasceu a Terra
(ou o Universo eclodiu,
de fato, inteiro).
De forma semelhante, é
bem certeiro
o Big Bang, que a ciência nos descerra...
Que um ovo descascasse,
o qual encerra
completo Cosmos, até o
cisco derradeiro,
ou que explosão
ocorresse em tal primeiro
dia, um cataclísmico
fulgor que nos aterra!...
Mas nada disto contraria
a narrativa
que nos legou, há muitos
séculos, Moisés:
longos períodos os seus
“dias”, certamente;
nem tampouco a hinduísta
recidiva:
respiração bramânica em
suas fés,
eterna vida em
recorrência permanente!...
TEOGONIA II
Os sete dias, portais da
Criação.
correspondem, sem a
maior dificuldade,
aos períodos que, em
nossa atualidade,
ponto por ponto,
recomenda a Evolução.
Não há entre as duas
real contradição,
basta lembrar que a
tradução da hebraicidade
a palavra “dia”
empregou, na realidade,
para esses éons que nos
descreve a narração.
Só em um ponto é que
existe dissensão,
ou seja, que desde os
páramos do outrora,
descanse Deus, em vasto
manto de inação,
que o Universo ainda se
acha em expansão,
até que chegue, talvez,
a final hora
do Big Crush, em esplendorosa contração!...
TEOGONIA III
A Teogonia que nos é
mais conhecida
vem-nos de Hesíodo, a
mencionar seis gerações
que se sucedem, desde as
vastas amplidões,
até a Terra que hoje
vemos constituída.
Primeiro o Caos, ou
Vazio; e a antiga Gaia diluída,
com Tártaro convivem,
Senhor de Escuridões
junto de Eros, das mais
primevas Atrações,
até gerarem, em qualquer
forma inconcebida,
Nix, a Noite primordial;
sua irmã, Hemera,
o Dia, de fato a Luz
difusa, em vastidão
e Ponto, a Água Parada
em solidão...
E destes surge Urano, o
Céu, que gera,
com Gaia, tornada em ser
bem material,
Doze Titãs, em vasta
raça triunfal!...
TEOGONIA IV
Os principais Chronos, o
Tempo e igual Oceano,
Themis, a Lei,
Mnemósine, a Memória...
Chronos desposa a Noite
e é pai da História
e destrói Tífon, grande
monstro soberano;
Surge Afrodite de seu
sangue, em dom arcano,
do Amor Sexual a mãe de
antiga glória;
gera Tânatos com Nix,
para nós a peremptória
Morte; Hipno, o Sono; e
Oneiro, o Sonho humano.
Com Ponto, a Água, gera
Fórquis, que origina
os monstros todos com
que a mente nos assombra
e Nereu, Mar que às Nereidas
se destina;
Cabe a Oceano gerar
Ventos, em árdua sina,
também às Ninfas e
Hélios Sol, que nos deslumbra
e ainda a Métis,
Sabedoria e lei que nos fascina...
TEOGONIA V
E depois Zeus, de deuses
pai e irmão,
destrona Chronos, que o
pretendia devorar,
mas com os Titãs precisa
ainda lutar
e com Tártaro, criando a
Luz em Profusão...
São lendas belas, fonte
de imaginação
e por que se as deveriam
contestar?
Tantos modelos o
Cristianismo a lhes tomar,
após fixada sua final
dominação!...
Pois como o Gênesis nos
faz filhos de Deus,
à sua imagem criados; e
em sua semelhança,
também tais deuses nos
fizeram filhos seus,
a Humanidade a proteger,
desde criança...
Por que razão
contestariam os ateus
as duas tendências de
tão igual pujança?
TEOGONIA VI – 2 ABR 07
Pois, afinal, existe
estoutra lenda antiga:
que o mundo inteiro é
intensa diarreia
da tartaruga cósmica, na
epopeia
que se gestava total em
sua barriga...
Se o mundo assim foi
criado em feia ideia,
na oriental defecação,
quelônia intriga,
que nos resta pensar de
tanta briga,
com que os humanos se
massacram sobre Geia? (*)
(*) A Terra.
Pois somos vermes
somente, nesse fluxo,
vermes que sonham,
em sonhos impotentes,
e se têm por reais, em
triste influxo,
vivendo um mero
instante, em sua bravura,
vermes filhos de vermes,
pobres gentes
que nesses charcos ainda
sonham com ternura...
IMPERTÉRRITO I – 03 jun
2015
Sem auxílio de ninguém a
mim eu fiz;
longos conselhos
descartar eu precisei;
de qualquer lado, no
final abandonei:
só me impediram de fazer
o quanto quis.
Tampouco sigo a algum
qualquer que diz
que os meus erros de
outrem eu herdei;
a ninguém senão a mim eu
culparei:
deixei que outros me
puxassem do nariz.
E se mais não consegui,
a culpa é minha,
mas não se diga que
pouco eu me esforcei,
pois trabalhei sempre
mais que a maioria;
e nem à sorte má que me
avizinha
eu culpo, por não achar
o que busquei:
custei demais a aprender
o que devia!...
IMPERTÉRRITO II
De fato, foi mais
difícil esquecer
as coisas que inseriram
em minha mente,
as atitudes que me
tornaram impotente,
o medo ao mundo, pelo
mal a receber...
E como errei, por bem
sincero ser!..
mal sei mentir até hoje,
infelizmente;
perante os outros
suportei, sendo paciente,
essas mil coisas que
pensei ser meu dever.
Busquei nos livros uma
nova orientação;
por certo fiz o que
pouca gente faz:
a mim mudei por efeito
da experiência,
que quase todos só
conservam o ramerrão
de quem a vida pouco ou
nada traz,
senão gravar mais fundo
a sua tendência!
IMPERTÉRRITO III
E até hoje em aprendo,
sem negar,
ao encontrar um
pensamento novo
ou um jeito de fazer,
com que renovo
meu próprio tino, para a
mim aperfeiçoar.
E só consigo ao destino
me entregar,
que me nomeou profeta
para o povo,
nestes mil versos com
que a vida louvo,
contraditórios no que
buscam afirmar.
Mas permaneço como em
torre de atalaia,
a receber e a transmitir
mensagem,
nalgumas delas sem
sequer a acreditar;
mas sem dar bola para
aplauso ou vaia,
seguindo em frente, sem
medo nem coragem,
com tudo aquilo que me
cabe proclamar!
IMPERTÉRRITO IV – 2 abr
07
E assim coaxo como sapos
na lagoa,
nesse chilrear
estridente dos pardais.
Penso cantar e vejo que,
não mais,
paixão sem nexo em nada
me magoa.
Albergado em caliça, eu
me destoo;
roído de ferrugem, me
desfaço;
decepados meus membros,
ainda abraço;
depenada minha asa, inda
revoo.
Por tudo que me façam,
eu insisto;
por mais percalços veja,
ainda luto;
e a cada contratempo,
mais resisto.
Talvez nem cante bem,
porém eu tento:
e não desisto, persisto,
no impoluto
marchar constante em meu
avanço lento.
SUBESTRUTURA I – 2 abr
07
Podes achar teus
problemas importantes.
Para ti, talvez sejam,
mas não mais.
O centro do universo,
esses fanais
que fulguram nos
destinos inquietantes
não és tu quem ocupa, salvo
o teu.
Cada um vê em si um
microcosmo,
enquanto segue em frente
o macrocosmo:
ama o que amou e teme o
que temeu,
[do qual fazes parte,
descontente,
talvez] – mas melhor
buscar guarida
em teus próprios
sentimentos que vacilam.
Em tudo o mais o mundo é
indiferente...
Podes até ter perdido a
própria vida
que, mesmo assim, os
pássaros pipilam...
SUBESTRUTURA II
não é de minha índole ser Egoísta:
muito ao contrário, os meses longos Passam
e permaneço capaz de abrir a Vista
e empatizar com quantos nem me Abraçam.
mas que percebo de mim Precisarem.
e então, talvez por tolo, Ajudarei
no que está a meu alcance, se Falarem,
ou que mesmo, só de ver, Descobrirei.
eu não sou bom: minha própria Natureza
me induz e força; faz parte do Caráter
aos outros distribuir, sem mais, Assim,
para que tenham, com alguma Singeleza
um alívio em suas vidas: sempre fui Pater- (*)
nal; por isso faço o que ninguém já fez por Mim.
(*) Aqui
empreguei a Grande Sinafia.
SUBESTRUTURA III (4 jun 2015)
muitas correntes há em Filosofia,
generosidade a impetrar por Necessária,
cada qual delas alegando razão Vária
para atitude que gentil a outrem Seria.
igualmente o Cristianismo nos Diria
que o Bem fazer não é coisa Secundária,
mas ao contrário, a atitude Solidária
da sociedade o benefício Granjearia.
e ainda encontramos, no Velho Testamento:
“dá a quem te pede e não te Negues
a quem deseja alguma coisa que lhe Emprestes.”
a esta norma sempre dei Assentimento,
limites embora havendo a quanto Entregues
e poucos mostrem gratidão pelo que Destes.
SUBESTRUTURA IV
pois sempre existem aqueles Tomadores
que aos demais, por gosto, Parasitam
e o que o labor, de toda forma, Evitam,
na dependência total dos Doadores.
mas no social não há muitos Grão Senhores;
na maioria, ao trabalho se Concitam,
pelo alimento e moradia que Habitam,
mesmo explorados por Enganadores.
como haveria de existir a Sociedade,
se composta inteiramente por Egoístas,
continuamente em feroz Competição?
e assim filósofos difundem a Bondade
em benefício próprio, que Altruístas
também aquecem seu próprio Coração.
SUBESTRUTURA V
Inda outros pregam tal Colaboração
em benefício de sua Comunidade,
a combater lado a lado, na Verdade,
para manter a natural Constituição.
outros se embasam em uma certa Religião:
“quem dá esmolas”, com Sinceridade
“empresta a Deus!” E quem age com Ruindade
talvez enfrente do inferno a punição!
também se fala no poder do Karma,
ou, quem sabe, no dever do Dharma,
cada um nascendo com certa Obrigação.
e quem se furta à Generosidade
ou a seu dever para com a Humanidade,
há de pagar na outra Encarnação!
SUBESTRUTURA
VI
Contudo,
eu digo que fazer Bem faz bem
e
fazer mal nos retorna mais maldade;
existe
crença oriental, na realidade,
que
o que se faz, a si se faz também.
Que
em outra encarnação ao corpo vem,
na
mesma época, de quem se fez ruindade
ou
se tratou com a máxima bondade,
nosso
corpo a ocupar o mesmo alguém.
Assim,
de cada golpe que batermos,
a
dor em nossa carne sofreremos,
diretamente,
espontânea e material,
sem
precisarmos esperar por recompensa,
salvo
o bem feito a nós mesmos, nessa crença,
como
um recíproco dom espiritual?...
REGRAS DA VIDA XXVII – 2
abr 07
A cada ação ou decisão
que tomes
provocas consequências
imediatas
sobre os que te rodeiam:
o que comes
ou vestes, teu trabalho,
tuas sensatas
ou más resoluções, pois
quanto fazes,
seja de bem ou mal,
sempre retorna
e cai em teu regaço, em
firmes bases,
a que teu próprio
caráter se conforma.
Tu és o quanto fazes ou
que falas:
as linhas de teu rosto
são a marca
dos teus sorrisos ou o
lanho das caretas.
E se queres dormir
bem, lembra que calas
esses impulsos que tua
vida abarca,
mas são da mente as
intenções secretas...
CANTO INDECISO XVIII (A) – 3 abr 07
Eu vejo o filme por detrás dos olhos
e mal saio de mim. Há muito tempo
desisti de provocar o contratempo
e apenas fico a lustrar os meus antolhos,
para o mundo enfrentar a meu redor.
Ditoso ou triste, tudo é apenas cor
que o coração lhe empresta. Multicor,
essa gama de nuances sei de cór.
Já não existe muito que surpreenda:
só quero ver se é bem interpretado,
sem que me importem efeitos especiais.
A vida segue, enfim, a mesma senda
que ancestrais palmilharam no passado
e os barcos todos aportam a um só cais.
CANTO INDECISO XVIII (B) – 5 JUN 15
Pois me parece que quanto aqui existia
com os meus olhos contemplei anteriormente,
que já habitei no corpo de outra gente
e por seus olhos, igual o mundo eu via.
Há milênios, Salomão já nos dizia:
“Nada há de novo sob o Sol” nascente;
considerado de forma inteligente,
isso que vemos desde o antanho persistia.
Quem sabe, existe mais tecnologia
ou se possam experimentar novos esportes,
mas nada muda na natureza humana;
e a afluência que existe, na atual via,
leva as pessoas a buscar as velhas sortes,
no que às antigas gerações se irmana...
CANTO INDECISO XVIII (C)
Por que hoje esse modismo por tatuagem,
perfurações nos narizes, nas orelhas?
Não são as mesmas atitudes já tão velhas
que adotava cada tribo mais selvagem?
Para mim, há mesmo falta de coragem
em mutilar as próprias sobrancelhas
ou em tingir de verde as suas guedelhas,
num desafio à tecnológica paisagem.
Ou em entregar-se às tais danças tribais,
em que milhares se juntam, a pular,
os próprios tímpanos estragando, ao escutar
as percussões ampliadas por demais,
que vêm levando tantos jovens à surdez
prematura, por sua completa estupidez!
CANTO INDECISO XVIII (D)
E retomando de ontem a temática,
já te dás conta, se tal crença é verdadeira
da reciprocidade assim certeira,
sem ser castigo ou maldição didática?
Pode existir qualquer coisa mais enfática
que se essa face em que bates, altaneira,
já a ocupaste, talvez na derradeira
encarnação ou na próxima e simpática?
E que as palavras proferidas em rancor
hás de escutar, quase simultaneamente,
agora sendo dirigidas para ti?
Cada carinho, porém, e ato de amor
para ti mesmo a lançares, permanente,
nas muitas vidas que enfrentarás aqui!...
CANTO INDECISO XIX (A) –
3 ABR 2007
mais cedo ou mais tarde
ocorreria
[porque não posso fugir a tal modelo]
que procurasse a luz de
meu desvelo
e descobrisse que, plena, me fugia.
porque escrever-lhe
tanto quereria
[por descrever-lhe a falta que inda sinto]
mas olho para mim,
triste, e pressinto
que por ela não mais sinto o que sentia.
a dor maior que sinto é
que não vejo
[olhando para a alma, em tons dispersos]
nada mais que o vazio de
meu desejo.
queria lhe escrever:
"sinto saudade"
[mas só percebo, em minha insanidade]
que foi apenas o
pretexto de meus versos.
CANTO INDECISO XIX (B) –
6 JUN 2015
quando um poeta vive um
sentimento,
ele
o esgota até mais do que o normal,
numa imanência quase
antinatural
que
o leva a esmiuçar tal julgamento
e no final, até lhe
causa impedimento
no
desfrutar de qualquer gozo natural,
sempre pensando em seu
lado imaterial,
cuja
visão lhe traz mais contentamento.
e o pior é que isto não
é escolha:
assim
é feita sua personalidade;
assim ele age, de
maneira natural
e de sua vida disseca
cada folha,
a
dor e o amor na mais plena intensidade,
numa autópsia de si
mesmo perenal.
CANTO INDECISO XIX (C)
ama o poeta muito mais
intensamente,
à
dor mostrando maior vulnerabilidade
que o comum, em geral,
da humanidade:
mas
lá no fundo, será que ama, realmente?
será que sofre como
sofre qualquer gente
ou
a si mesmo esmerila com maldade,
no desfrutar de tal
perversidade,
ao
descrevê-la de forma mais plangente?
destarte, às vezes,
encaro então eu mesmo,
como
um fantasma feito de papel,
desfeito em linhas de
tinta ou digitado
por tantos versos que já
esparzi a esmo,
no
perscrutar de qualquer gota de fel,
no descrever de cada
sonho acalentado...
CANTO INDECISO XIX (D)
e quando penso nos
amores do passado
[pior
ainda, nos amores do presente],
eu me apercebo como um
ser inconsequente,
querendo
amor muito mais que o ser amado.
faço-me preso nesse fado
atribulado
[que
não creio pertencer a mim somente].
talvez desperte em ti,
incontinenti,
sensação
vaga de algo recordado.
sendo impossível a
reciprocidade
de
alguém que vive, tão só, a realidade
e não insiste em sua
alma dissecar,
enquanto espalhas por
toda a humanidade,
as
mais sutis sensações ao mundo dar,
sem encontrares com quem
as possas partilhar.
SONETO VERSILIBRISTA I –
02 abr 2007
Sei mais cedo ou mais
tarde ocorreria
(ainda que me force a
tal modelo).
Devo buscar um formato
passageiro
sem ser das rimas o
velho equilibrista.
Da rima hoje me
esforço ao abandono,
que hoje acordei
querendo violentar
os parâmetros usuais e
peculiares
que tantas vezes
percorri sem pausa.
É como se na mente se
quebrasse
um painel feito de
escândalo e sofisma,
nesse esforçar atroz do
verso branco.
Decantado em luzes
mórbidas e arco-íris,
e assim
– versilibrista – galgo os cumes
do vértice assombrado
por sonetos.
SONETO VERSILIBRISTA II
– 7 JUN 15
Por esta vez, então, me
disporei
a redigir, em negação da
rima,
canto mordaz que na
mente se elabora,
sem fluidez, perplexa
safira.
Travei convênio com o já
cognoscido,
mas da métrica não
consigo me livrar;
doem-me os dedos em
decantação,
porque em tais versos
não podem explodir.
Lâmpada fulva tão só
minha companheira,
conservada na toca dos
mil linces,
despido de meu sangue,
eu desfaleço;
e no momento do final
delíquio,
lanço excitado olhar ao
nono círculo,
que mantém presa a
sombra de Alighieri. (*)
(8) Dante Alighieri, 1265-1321, poeta autor da Divina
Comédia. Aqui a
alusão é ao Nono Círculo do Inferno de Dante.
SONETO VERSILIBRISTA III
No picadeiro dos sonhos,
sou serragem,
na corda bamba de minhas
próprias veias;
os meus leões lanço
contra arquibancadas:
sou palhaço canibal sem
artifícios.
Tiro crianças mortas da
cartola,
dou meu veneno a beber
aos elefantes,
globo da morte percorro
sem sapatos,
galgando incólume o
pescoço da girafa.
Levo na mão o bastão das
cerimônias,
com um botão que o
transforma em estoque,
para esventrar a lona,
lá no alto,
a sufocar toda a
plateia, às gargalhadas,
e em tais gritos
afogados que me assaltam,
calcando aos pés, eu sou
versilibrista.
SONETO VERSILIBRISTA IV
Da rima a jaula se
expande sobre mim,
com vinte pontas de
ferros aguçados;
tento escapar, mas as
costas me perfuram:
lanham pulmões e
proclamam-me traidor.
Mas é mister fazer um
esforço mais:
solto um suspiro e
nascem flores secas,
sobre meus gritos dançam
bailarinas,
suor escorre e faz-se madrepérola.
Correm-me a linfa e a
lama das entranhas,
a alma rói-me, por fazer
versos sem rima,
que me flutuam como
pétalas de chumbo.
E em meu deserto, aspiro
a maresia,
neste terceto a escutar
o fim do túnel,
lambo relâmpagos perdido
em exaltação!
SONETO ANTIVERSILIBRISTA
I – 03 abr 07
Mais cedo ou tarde isso
ocorreria:
me rebelasse contra tal
modelo.
Apenas o toquei, foi
choque elétrico
e já me
repeliu. Que a imageria
já tão bem radicada em
meu desvelo
aceita apenas o encaixe
da harmonia,
em novas experiências de
elegia...
Mas nunca um desandar
total do métrico!
Tornou-se para mim tão
natural
tal como o
necessário respirar,
sem o qual, assim penso,
morreria.
E desse modo, não sou
versilibrista,
muito ao contrário,
ainda equilibrista,
pois só na métrica é que
encontro a melodia.
SONETO ANTIVERSILIBRISTA
II – 8 jun 15
Porém, nessa redoma
mitológica,
Tesla me toca, com
correntes alternadas. (*)
Lanço as usinas de
Edison para os nadas,
em raios feitos de fúria
morfológica.
(*) Nikola Testa, 1856-1943, pioneiro da eletricidade.
Azuis os círculos de
plasma, em antológica
imageria voltaica,
ânsias quebradas
de fotoelétricas cismas
provocadas:
nas telas planas,
propagada demagógica.
Uma janela minúscula da
mente
permite a entrada dos
lençóis de argônio,
no pisca-pisca dos
anúncios de neônio,
no eletrochoque sempre
inconsequente,
crises histéricas a
domar em manicômio,
em tratamento não mais
do que aparente.
SONETO ANTIVERSILIBRISTA
III
Versos sem rima em minha
palma são verrugas,
pequenos cânceres de
feridas sorridentes,
corpos abertos em fendas
complacentes,
ventres expostos em que
o sexor alugas.
Espaço amplo de
solitárias fugas,
não as de Bach, já de si
luminescentes,
mas de teus próprios
sonhos mais valentes,
no cortejar de tuas
primeiras rugas...
E os versos se
contorcem, sem mais nexo,
como casais nos shows mais pornográficos,
pela higiene a
demonstrar pleno desleixo;
e assim transporto minha
pena para o anexo,
buscando rimas com
efeitos fotográficos,
para de ouro aos sonetos
dar um fecho.
SONETO ANTIVERSILIBRISTA
IV
Só assim me furto à
gélida versão
do verso livre, que me
custou tanto;
cantam-me as rimas em
cintilante manto,
nenhum traço de labor em
sua feição.
Dos dedos pingam em
natural consecução,
cada sequência em
harmonioso canto,
gotas de sono
ensombrecido em pranto,
no bafo branco de minha
própria expiração.
Cada gotícula em
versículo formada,
na emulação gentil de
mariposas,
batendo asas contra o
céu de estio,
cada rima nova estrela
perfumada,
na geração de quimeras
prestimosas,
que prendo ao peito a
medalhar-me o brio.
Anéis
benzoicos I – 9 jun ‘15
Às vezes
sinto que não cumpro meu dever
para os
rascunhos em ergástulo angustiados.
Eles se
empilham já, por tanto lados,
sem que me
sobre qualquer tempo de escrever.
Também meus
olhos parecem fenecer,
em
consequência dos tempos mal passados
perante o
monitor, dentes alados,
que a pouco e
pouco me faz enceguescer.
Fico a
pensar, mulher de meus rascunhos:
e se eu
morrer, sem tempo de os mostrar
na tela amiga
e de visões estranhas?
Mas o tempo
não me sobra nos abrunhos (*)
das traduções
ou do novo rascunhar,
diariamente,
com o sangue de minhas unhas.
(*) Frutos da
abrunheira, ameixeira espinhosa.
Anéis
benzoicos II
Hoje
enfermei, de incômodo e emoção,
depois de
tanto tempo me conter,
sem meus
sintomas querer dar a perceber,
para evitar
maior perturbação;
fiz o que
pude, em minha contenção,
sem dar
motivos para alguém me repreender
e no
entretanto, cá estou em meu sofrer,
em resultado
dessa mesma contração.
Porém envolto
em tais palpitações
e sem ninguém
por mim ter um cuidado,
o impulso
volta, já que sou um lutador.
Que eu morra
antes, abandonando mil canções,
sem melodia,
sem saber serei cantado
por alguém a
quem inspire igual ardor?
Anéis
benzoicos III
E se não posso
concluir a obra,
para a qual,
afinal, fui destinado?
E se meu
corpo já demais foi desgastado,
que tanto
para o mundo de si cobra?
Há muito
escrevo que um soneto dobra
meus nervos e
as artérias, desalmado,
nas emoções
me vejo exsanguinado
e para a própria
vida pouco sobra.
E ainda
assim, em meio da doença,
acendo a
lâmpada, contamino este cartão
com tais
palavras rasgadas por minhas unhas
e só posso
então culpar por essa crença
meu malfadado
e bravo coração,
que abriste à
luz e para o mundo expunhas.
AURORA MORTA I – 10 JUN ‘15
Afinal, por que eu devo escrever versos?
Qual a razão desta estranha compulsão?
Por que a tal impulso dar vazão,
nessa explosão de termos tão diversos?
Por que meus dias queimo assim, dispersos?
Por que gerar essa incrível multidão?
Obras acaso de sub-rogação,
um purgatório percorrido nos inversos?
Continuando a fazer versos para quem.
já que me brotam dalma em branca espera,
contínuo impulso sem ter repetição?
Pois já deixei para trás qualquer alguém,
mas tenho tanto ainda a dizer, quem dera!
Em minha sentença de vasta perdição...
AUROTA MORTA II
Irei a um médico hoje consultar,
que meus sintomas, por demais, fui ocultando
e em resultado, me foram dominando
até esta forte crise provocar.
Mas que tolice, não querer incomodar
a quem se via por demais preocupando,
de sua própria saúde se queixando,
sem pretender mais peso lhe lançar?
E de repente, quando chega a crise,
nem ao menos se dispõe a crer em mim,
qual se estivesse apenas a fingir...
Após os anos em que seu bem eu vise,
sem lhe contar qualquer sintoma, assim,
em fantasia e ilusão a lhe mentir...
AURORA MORTA III
Mas não me queixo. Afinal, foi culpa minha,
mais saúde a aparentar do que podia,
sem querer reconhecer que me iludia,
que já a idade pouco a pouco se avizinha.
Gastei assim mais energia do que tinha,
mordendo firme, quando algo me dizia,
as mil palavras que a raiva arrancaria,
sem dar vazão à pressão que em mim se
alinha.
É apenas justo que pense mais em si,
que simpatize bem mais com quem lamenta,
buscando colo, tal qual uma criança
e se introduza junto dela, aqui.
Um tolo fui, que com migalhas se contenta
e responsável por qualquer desesperança.