domingo, 6 de dezembro de 2015





SETE LENDAS DO JABUTY
William Lagos – 10-16 nov 15
(Folclore brasileiro, apud HISTÓRIAS DE TIA NASTÁCIA,
de Monteiro Lobato, conforme coleta de Silvio Romero).
O JABUTI OU CÁGADO É UMA PEQUENA TARTARUGA
TERRESTRE CAPAZ DE PRODUZIR UM RANGIDO QUE
CHAMAM DE “GAITINHA”).
.
O JABUTY E O HOMEM – 10 NOV 15

O JABUTY E O HOMEM I

O Jabuty tocava calmo a sua gaitinha, (*)
dentro da toca, quando passou um caçador:
Vou pegar esse malandro, sim, senhor!
Dará uma sopa muito gostosinha!...
(*) Dou preferência à ortografia antiga.

“Oi, Jabuty,” falou, com voz mansinha,
“Oi” – respondeu o Jabuty, de bom humor.
“Pode vir até aqui, se faz favor...?”
“Mas é claro!...” – e já mostrou a cabecinha...

O caçador o agarrou pelo pescoço,
puxando o bicho para fora do buraco!
Ele esperneava, no mais feroz retoço,

mas o homem deu risada e o segurou
e a seguir o enfiou dentro de um saco
e bem contente, para casa o carregou!...

O JABUTY E O HOMEM II

Chegando em casa, numa caixa ele o enfiou,
com uma porção de folhas bem verdinhas;
a tampa ele amarrou com duas cordinhas;
por uma fresta aos filhos o mostrou...

“Não vão deixar fugir!” – recomendou,
“dará uma sopa das mais gostosinhas!...
Neste domingo faremos boas festinhas,
pois sua mãe os temperos já juntou!...”

“Mas hoje ainda tenho de levar
as peles que curti para o mercado
e amanhã, sábado, perdizes vou caçar!”

“A sua mãe é muito boa cozinheira
e saberá fazer também ótimo assado:
iremos ter jantarola de primeira!...”

O JABUTY E O HOMEM III

Não se aguentavam as crianças de curiosas,
mas a mãe as observava bem de perto.
“Se espiarem, vocês vão deixar aberto
e tartarugas têm fama de ardilosas!...”

“São boas crianças e não serão teimosas
e irão me obedecer hoje, por certo!
Vou lavar roupa!  Mas esse bicho é esperto!
Não mexam nele!... Sejam cuidadosas!...”

“E nem enfiei o nariz!... Jabutis mordem!...”
A intenção era mesmo de assustar,
já que crianças gostam mesmo de brincar

e se algo existe com que não concordem
é que as proíbam de algo fazer,
desesperadas por desobedecer!...

O JABUTY E O HOMEM IV

Assim que a mãe desceu ao ribeirão
os meninos junto à caixa se reuniram;
os mais velhos igualmente advertiram:
“Ninguém se atreva a enfiar aí a mão!...”

Mas todos quatro rondavam o fogão,
que aquela caixa com ansiedade viram;
tentam fazer outra coisa, mas suspiram:
“Só deixe dar espiadinha, meu irmão!...”

O Jabuty notou sua curiosidade
e se pôs a tocar a sua gaitinha,
alvoroçando ainda mais a meninada!

E então parou, sendo esperto de verdade:
“Toque mais, Jabuty, sua musiquinha!”
A turma inteira cada vez mais assanhada!

O JABUTY E O HOMEM V

Mais uma vez, o Jabuty então parou...
“Ah, não pare!...” – pediu uma criança.
“Estou com falta de ar!  Soprar me cansa!”
Abriram fresta e logo o ar entrou...

O espertalhão um pouco mais tocou.
“Tirem a tampa...” – falou com voz bem mansa.
De que eu possa fugir nem há esperança...”
Então a tiraram, mas o maior o segurou...

E o Jabuty a tocar gaita continuou,
as crianças aplaudindo de encantadas...
“Vocês gostaram de me ouvir tocar.”

“Mas não querem me ver dançar também?
Não há perigo, as portas estão trancadas
e realmente, vão ver que danço muito bem!...”

O JABUTY E O HOMEM VI

Então as crianças abriram bem a caixa
e o Jabuty pulou direto ao chão;
pôs-se a dançar, igual que num salão:
ergue-se um pouco, logo a seguir se abaixa...

Dá corridinhas, como seguindo em faixa:
quatro crianças totalmente em diversão,
tocando a gaita com a mesma perfeição...
Mas, de repente, o Jabuty se agacha!...

“Tenho de fazer cocô, estou apertado!...”
“Não vá sujar o piso da cozinha!...”
“Então me levem para fazer lá fora!...”

“Andem depressa, que estou bem precisado!
Ai, ai, ai!  Como dói minha barriguinha!...”
“Você promete que não irá embora...?”

O JABUTY E O HOMEM VII

“É claro que não vou!  Não irão cuidar?”
Os meninos então abriram a porta...
Saiu o Jabuty, fingindo que se entorta,
pela dor de barriga a se apressar...

E então correu pelo terreiro, sem parar;
no riachinho bem depressa se conforta;
com os chamados, é claro, não se importa
e dentro da água não o podem alcançar!...

Sem saber como explicar sua travessura,
puseram pedra no interior da caixa!
E quando a mãe chegou, não notou nada!...

Chegou o domingo, esperado com tremura
e então a pedra na panela não se encaixa!
Ficou o pai furioso com a empreitada!...

O JABUTY E O HOMEM VIII

“Vocês deixaram o Jabuty fugir!...”
“Não, Papai, decerto ele empedrou...”
Naturalmente, o pai não acreditou
e de repente, lá de fora, fez-se ouvir

o som da gaita do Jabuty, a zunir,
na maior troça, mostrando que escapou
e o caçador ao bichinho procurou,
sem o lugar em que se achava descobrir!

Ele gritou: “Venha de volta, Jabuty!”
“Estou aqui, você venha me pegar!”
Mas quando o homem chegou nesse lugar,

já do outro lado ele gritava: “Estou aqui!”
Levou duas horas correndo em tal caçada,
para depois só comer perdiz assada!...

O JABUTY E O CAIPORA – 11 NOV 15

O JABUTY E O CAIPORA I

O Jabuty foi tocar a sua gaitinha
no oco de uma árvore, calmamente;
o Caipora o escutou atentamente  (*)
e resolveu agarrá-lo, de tardinha...
(*) Criatura mitológica antropomórfica,, protetora da floresta.

Embora, em geral, cada criaturinha
da mata ele proteja, um tanto raramente,
se a fome aperta, ele age diferente
e a algum devora, quando se avizinha...

Então, ele avisou o Jabuty:
“Estou com fome e preciso devorá-lo!”
“Sua obrigação é a de me proteger!...”

“Pois é, porém mais nada consegui;
caso eu possa num teste derrotá-lo,
hoje de tarde – é a você que vou comer!...”

O JABUTY E O CAIPORA II

“Saia do oco, ou aí dentro o pegarei!
Mas se sair, prometo, sem maldade:
se conseguir demonstrar-se, de verdade,
mais forte do que eu, à solta o deixarei.”

O Jabuty concordou. O Caipora era o rei
daquela mata, com justiça e equidade.
“Qual é o teste de minha capacidade?”
“Um cipó bastante forte eu cortarei!...”

“Você puxa de uma ponta, enquanto eu pego
do outro lado, até um ser derrotado...”
“Mas, Rei Caipora, sou bem mais fraco em terra!”

“Pois muito bem.  Pela justiça, a que me apego,
“Entre na água e então puxe do seu lado,
enquanto eu puxo da margem nessa guerra!...”

O JABUTY E O CAIPORA III

“Se me puxar para a água, você ganha
e irei então procurar outra comida,
mas se eu o trago para a terra de vencida,
devorar o poderei, sem artimanha!...”

E o Jabuty aceitou, porém com manha
e foi pedir ao Pirarucu boa acolhida,
o maior peixe a que dá um rio guarida,
o qual, para ajudá-lo, não se acanha...

Atou o cipó no rabo desse peixe,
para fingir que era ele quem puxava...
Logo o Caipora foi arrastado para o rio!

“Só vou soltar, caso em paz você me deixe!”
Que era mais forte logo o Caipora concordava
e a uma outra caça foi fazer o desafio!...

O JABUTY E A ONÇA – 12 NOV 15

O JABUTY E A ONÇA I

A pobre Onça sempre perde em cada história,
já que dela pensa mal o sertanejo...
Pois desta vez, ela estava com desejo
de comer o Jabuty, só por vanglória...

Naturalmente, uma minúscula vitória,
mas de caçar aproveitava todo o ensejo
e ao escutar da gaitinha o leve adejo,
aproximou-se e ordenou, peremptória:

“Essa sua música estou ouvindo mal,
aí dentro do buraco está abafada,
venha cá fora, só assim posso escutar!...”

“Mas, Dona Onça, gosta de música, afinal?”
“Gosto muito, mas minha orelha está tapada,
chegue mais parto e eu irei me deliciar!...”

O JABUTY E A ONÇA II

O Jabuty aproximou-se da beirada,
tocando a sua gaitinha com carinho
e então a Onça se achegou, devagarinho:
“Essa sua gaita, de que foi retirada...?”

“De uma canela de veado foi escavada...”
“Você toca muito bem... Chegue pertinho...”
Mas no momento em que saiu do buraquinho,
a Onça deu-lhe um bote, de assanhada!...

Ele fugiu para dentro, bem depressa,
Mas a Onça agarrou-o de uma pata!
E o Jabuty soltou uma gargalhada:

“Onça burra.  Agarrou com tanta pressa
que segurou uma raiz, pura sucata!...”
Largou-o a Onça, já desapontada...

O JABUTY E A ONÇA III

Assim que estava solta a sua patinha,
o Jabuty deu risada ainda maior:
“Essa Onça fez burrice ainda pior!...
Largou minha pata, pensou que fosse raizinha!”

Furiosa, a Onça escavou com grande ardor,
mas a toca não era nada pequeninha:
foi-se enfiando, até entrar todinha,
sem conseguir sair, em seu pavor!...

E o Jabuty, que tinha outra saída,
ficou tocando a gaita por trás dela:
“Que azar que teve hoje, Dona Onça!”

“Eu lhe menti, para não ser convencida,
mas a minha gaita foi feita da canela
da sua irmã, presa na mesma geringonça!...”

O JABUTY E A FRUTA – 13 NOV 15

O JABUTY E A FRUTA I

Havia na mata uma fruta deliciosa,
mas que um Pajé havia enfeitiçado;
desta forma, ninguém a havia saboreado,
sem dizer antes qual o nome da gostosa!

Só uma velha sabia o nome da preciosa
e cada bicho a havia procurado
e pelo nome da fruta perguntado,
que ela sempre mencionava, prestimosa.

Mas assim que o animal ia saindo,
ela o chamava de volta: “Olha, eu errei,
o nome dessa fruta é diferente...”

E um nome bem diverso ia surgindo...
Depois dizia de novo: “Eu me enganei!”
E com maldade mais outro nome mente!...

O JABUTY E A FRUTA II

Ela dizia uns quantos nomes complicados,
que nenhum bicho conseguia decorar...
Quando era a hora de o nome pronunciar,
ficavam todos bastante atrapalhados...

Deste modo, ficavam os frutos reservados
para o Pajé e a velha alimentar...
O nome certo ela não podia negar,
mas misturava com cem nomes errados...

Falou o Jabuty: “Eu vou ganhar a briga!”
Mas todos os demais fizeram troça:
“Nem o Papagaio conseguiu lembrar!...

“Nós duvidamos que você consiga!...
Você é o bicho mais tapado desta roça!
Só sua gaitinha é que você sabe tocar!...”

O JABUTY E A FRUTA III

O Jabuty foi pedir para a mulher
que desse o nome e logo ela falou:
“É boioiô-boioiô-quizama-quizuma-quizô!”
O Jabuty tocou na gaita, como quer...

Mas assim que ia saindo, ela o chamou:
“Eu me enganei: é boioiô-quizama-quer!”
Sem no segundo acreditar sequer,
em sua gaitinha ainda o primeiro ele tocou!

Falou a velha: “O nome é quizô-quiz-quizamá!
E depois disse: “É boioiô-quizu-quizô!”
Logo a seguir: “É boioiô-burugunzá!...”

Mas o Jabuty tocava o primeiro na gatinha!
Bem que a mulher mais confusão tentou,
mas só tocava o Jabuty esse nome que já tinha!...

O JABUTY E A FRUTA IV

Finalmente, o Jabuty se foi embora,
sempre tocando o nome da frutinha,
com suas notas fanhosas na gaitinha,
chegando à árvore assim, sem mais demora.

E então falou, conforme contam desde outrora,
o boioiô-quizama-quizuma-quizô que tinha
decorado desde a primeira ladainha
e conservado desde a primeira hora!...

E a árvore permissão deu-lhe, em seguida...
Mas como faria para colher o Jabuty,
com suas patinhas curtas e a casca dura?

Chegou a Onça e lhe disse: “Nessa lida
vai precisar de minha ajuda aqui:
subo na árvore sem a menor tremura!...”

O JABUTY E A FRUTA V

“Eu encho um saco e depois nós repartimos...”
O Jabuty concordou e disse o nome.
Subiu a Onça.  Matou primeiro a fome,
sem jogar nada... “Em seguida, dividimos...”

Mas ao descer, a gula ainda a consome
e não deu frutos ao Jabuty, nem pequeninos!
“Vá tirar outros você, dos galhos finos...”
“Mas essa sua ambição não há quem dome?”

“Compadre Jabuty, deve dar-se por feliz:
fiquei com os frutos, mas não o devorei!...”
E foi saindo, numa comprida gargalhada...

Ficar contente, é natural, ele não quis:
ela seguira do mais forte a lei,
como iria se cobrar da tratantada...?

O JABUTY E A FRUTA VI

Mas a Onça tinha a toca do outro lado
de um rio bem largo que a mata cruzava;
com o saco, a água não atravessava
e começou a lastimar-se de seu fado...

Chegou atrás dela o Jabuty, meio cansado
e disse à Onça que bastante bem nadava:
“A mim o saco em nada atrapalhava...
Do outro lado eu lhe entrego, após o nado...

Nessas lendas a Onça é boba... E concordou.
O Jabuty levou o saco facilmente
e bem depressa se escapou com o saco inteiro!

A Onça então ao Jabuty matar jurou!...
Ele comeu muitos frutos, bem contente
e num buraco se escondeu, rindo de arteiro!

O JABUTY E A FRUTA VII

Mas a Onça por toda parte o perseguia
e ele pediu a ajuda do Macaco:
“Eu lhe darei uns quantos frutos do meu saco,
se me ajudar contra a Onça neste dia!...”

O Macaco concordou, com alegria
e o Jabuty foi escavar buraco
onde a Onça se deitava por um naco,
sempre que a sua digestão fazia...

E quando a Onça começou a cochilar,
o Jabuty falou, por sob o chão:
“Oi, Dona Onça, como está passando?...”

Fazendo a Onça, num susto, se acordar,
sem ver bicho ou pessoa na ocasião.
“Quem está aí?” – foi logo perguntando.

O JABUTY E A FRUTA VIII

E o Jabuty: “Minha comadre, como vai?”
Ficou a Onça cada vez mais assustada.
Chegou o Macaco: “Por que está apavorada?”
“É essa voz, que não sei de onde é que sai!”

De fato, a voz do Jabuty lhe cai,
tal qual viesse de sua traseira alçada...
Disse o Macaco: “Sua traseira está encantada:
ela é que fala e seu feitiço a trai!...”

“Ai, Seu Macaco, o que eu posso fazer?”
“O jeito é dar-lhe uma sova na traseira,
para seu assombramento interromper!...

“Ai, Seu Macaco, se anima a me bater...?”
Deu-lhe o Macaco uma tunda tão certeira
que a Onça malvada acabou por falecer!...

O JABUTY E O LAGARTO – 14 NOV 15

O JABUTY E O LAGARTO I

De outra feita, a Onça velha tinha filha
em idade de casar.   Dois pretendentes
se apresentaram, ambos bem valentes
para casar.  E se um dia a noiva os pilha?

Afinal, era o Lagarto, o qual perfila
com o Jabuty, os dois do chão bem rentes;
talvez fossem até mesmo inteligentes,
mas pequenos demais para tal fila!...

A Oncinha entre os dois se dividia,
bem preferia um Carcaju ou um Jaguar:
só namorava, mas não se decidia...

Porém achava ser preciso se casar,
já que nenhum outro partido aparecia,
para não ser a solteirona do lugar!...

O JABUTY E O LAGARTO II

O Jabuty pensou em conquistar
a sogra, demonstrando valentia:
“Eu sou pequeno, mas não tenho covardia,
posso o Lagarto facilmente derrotar!”

“A família é de respeito. Não vou aceitar
nenhuma briga.  Com educação eu preferia
que a conquistasse.  Só assim consentiria
a donzelice de minha filha lhe entregar...”

“E se eu disser que o Lagarto é bicho atoa
e que consigo em suas costas cavalgar
e que uso mesmo o meu chicote e espora?”

“Assim demonstro minha pretensão ser boa
e que bem posso a Oncinha sustentar,
se me deixar casar com ela sem demora!...”

O JABUTY E O LAGARTO III

Mas disse a mãe: “Não acredito nessa história:
o Seu Lagarto me parece um cavalheiro!”
“E se eu chegar montado nele no terreiro?
Poderá haver afirmação contraditória?...”

“Ora, se isso não for um exemplo de vanglória,
naturalmente, escolherei você primeiro:
daqui o covarde expulsarei ligeiro
e na disputa lhe darei plena vitória!...”

E foi assim o Jabuty fazer seus planos,
para passar a perna em seu rival,
só que o Lagarto era mais ágil e maior...

Caso o tentasse montar, sofreria danos,
talvez lhe desse mordida até fatal!...
De que maneira levar podia a melhor?...

O JABUTY E O LAGARTO IV

Então no Sábado, que era dia de visita,
em frente de sua toca se estirou;
quando o Lagarto por ali passou,
se lamentou, fazendo a maior fita!...

Disse o Lagarto: “Vou ver a Onça bonita,
por que não vai comigo?”  Ele negou:
“Uma enxaqueca terrível me assaltou, (*)
nem posso caminhar – é uma desdita!...”
(*) Dor de cabeça muito forte.

“Ora, que pena!   E se andarmos devagar?”
“Não vejo jeito: só se nas costas me levar...”
“Ei, espere aí!... Pensa que eu sou cavalo?”

“Claro que não...  Vá então, tirar vantagem!...
Me passe a perna!... Tenho um tremendo abalo,
mas vá mentir que eu não fui só por vadiagem!...”

O JABUTY E O LAGARTO V

“Compadre Jabuty, não sou assim!...
Então o levo uma parte do caminho;
vou mostrar que sou amigo e bom vizinho,
mesmo que a noiva hoje dispute a mim!”

“Pode montar, bem na altura do meu rim...”
“Mas em pelo eu vou cair, meu amiguinho...
Deixe-me pôr-lhe uma sela, com carinho,
não o irei machucar antes do fim!...”

Tanto insistiu, que o bom Lagarto concordou
e colocou-lhe o freio e a barrigueira,
chicote e espora levou dentro de um saquinho...

“Mas o que é isso?” – o Lagarto perguntou.
“É um presentinho para a Oncinha, uma besteira,
mas mulher gosta de atenção e de carinho...”

O JABUTY E O LAGARTO VI

O Lagarto a seguir marchou em frente,
porém parou a cem metros do terreiro:
“Desça, Compadre, não sou seu parelheiro
e não pretendo que assim me veja a gente!...”

“Ande só mais um pouquinho, estou doente!”
E o Lagarto se mostrou bom companheiro
e o levou até um ponto derradeiro:
“Agora, chega!  Tire a sela incontinenti!...”

Mas o Jabuty prendeu a espora e com chicote
obrigou o Lagarto a prosseguir!...
Chegou gritando: “Eu não disse que montava?”

Conquistou a sogra e a Oncinha nesse bote
e o Jabuty sua linda noiva conseguiu,
enquanto a Onça ao Lagarto já expulsava!

O JABUTY E O jacaré – 15 NOV 15

O JABUTY E O JACARÉ I

O Jacaré ouvia o Jabuty com sua gaitinha
e quis dar jeito de ficar com ela;
quando o escutou a tocar música bela,
veio a seu lado sentar numa pedrinha...

“Compadre Jabuty, que bonitinha
essa sua música!...  Ao coração apela!
Será que eu saberia tocar nela,
para tentar repetir sua musiquinha...?”

“Deixe tentar, só para ver se eu consigo,
não deve ser tão dificultosa assim!...”
“Não é difícil, mas precisa praticar...”

“Então me empreste um pouquinho, meu amigo.”
Tanto insistiu, que o Jabuty, enfim,
concordou em a gaitinha lhe emprestar...

O JABUTY E O JACARÉ II

Mas assim que o Jacaré a segurou,
deu um salto e se jogou no ribeirão;
não adiantou lhe pedir devolução:
na boca enorme a gaitinha não tocou!

“Me dê de volta!”  “Jabuty, você emprestou,
eu vou treinar com a máxima atenção,
até tocar de ouvido, à perfeição,
qualquer modinha que um dia me agradou!”

Mesmo com empenho, ele nada conseguia
e não tocava, mas tampouco devolvia:
deixou a gaitinha em seu baú guardada!

E não adiantava o Jabuty pedir de volta:
depois que morde, o Jacaré não solta
e por um mês, música alguma foi tocada!...

O JABUTY E O JACARÉ III

Então, o Jabuty teve uma ideia:
ficou um enxame de abelhas espiando,
chegou bem perto e, ao vê-las se aquietando,
durante a noite, engoliu toda a colmeia!

Então se pôs no chão, numa alcateia, (*)
com um monte de folhas se tapando
e com bastante mel se lambuzando,
somente a boca de fora como peia!...
(*) No sentido de armadilha ou de tocaia.

Chegou o Jacaré e o mel cheirou
(o Jabuty soltando abelhas, em segredo!)
e veio um dedo enfiar, bicho guloso!

O Jabuty logo a boca então fechou,
prendendo com firmeza o longo dedo
e o Jacaré soltou um grito pavoroso!

O JABUTY E O JACARÉ IV

“Solte meu dedo, Jabuty malvado!...”
“Só largo, se devolver a minha gaitinha!
E o Jacaré, sentindo dor fininha,
louco de medo de seu dedo ser cortado,

ficou então a soltar grito agoniado:
Ó Gonçalo,
Meu filho mais velho,
A gaita do cágado,
A gaita do cágado!...
Mas o rapaz estava longe e nunca vinha,
até que veio e indagou o que o pai tinha
e ele gritou de novo, apavorado:
Ó Gonçalo,
Meu filho mais velho,
A gaita do cágado,
A gaita do cágado!...

“Que foi, meu pai? Está pedindo a sua camisa?”
Ó Gonçalo,
Meu filho mais velho,
A gaita do cágado,
A gaita do cágado!...
“Quer as calças?  Ou quer o seu chapéu?”
Ó Gonçalo,
Meu filho mais velho,
A gaita do cágado,
A gaita do cágado!...
Pois o pedido de seu pai não entendeu!...

Trouxe a camisa, bem passada e lisa...
Ó Gonçalo,
Meu filho mais velho,
A gaita do cágado,
A gaita do cágado!...
Trouxe até mesmo de sua mãe o véu!
Ó Gonçalo,
Meu filho mais velho,
A gaita do cágado,
A gaita do cágado!...
Até que, finalmente, compreendeu!...

Trouxe a gaitinha, entregou-a ao Jabuty;
enfim o dedo do Jacaré se desprendeu,
que bem depressa se escapou dali!...

O JABUTY E OS SAPINHOS – 16 NOV 15

O JABUTY E OS SAPINHOS I

Há outra versão em que queria casamento
com a filha da Onça, igual que da outra vez;
e se você achou ultrajante esse freguês,
eis outra história sem qualquer discernimento...

Pois igualmente ele tem o atrevimento,
meio absurdo, igual que na outra fez,
de competir pela Oncinha mais de mês
e demonstrou inda maior merecimento!...

Eram o Lagarto, o Macaco e mais o Homem,
todos querendo essa donzela Oncinha
e do pequeno Jabuty fazendo troça!...

Mas com sua nova proeza todos somem,
vencendo o Jabuty em toda a linha,
dominador de toda mata e roça!...

O JABUTY E OS SAPINHOS II      

O Jabuty fez um trato com uns Sapinhos,
que colocou no interior do bebedouro,
límpida fonte, que da mata era um tesouro,
dando claras instruções aos amiguinhos...

Quando alguém vier beber, cantem juntinhos:
Quebro-te as pernas, vou rasgar teu couro,
furar teus olhos e jurar-te um mau agouro,
que te desvie para os maus caminhos!...

Veio o Lagarto beber e se assustou:
veio o Macaco e a beber não se animou;
mesmo o Homem teve medo e até fugiu!

Todos diziam que o bebedouro era assombrado,
sendo obrigados a buscar água de outro lado,
mas o Jabuty sabia do truque e logo riu...

O JABUTY E OS SAPINHOS III

Depois, falou para todos os animais:
“Não tenho medo, eu vou desembruxar
a nossa fonte e com a sede vou acabar:
só reconheçam que sou aqui quem vale mais!”

Fizeram troça.   “Se os poderosos naturais,
até o Homem que o Pajé foi abençoar
tiveram medo de a sede ali matar,
como você superará todos os demais?”

Mas o Jabuty com os Sapinhos combinara:
“Quando eu chegar e tocar a minha gaitinha,
não cantem mais e deixem-me beber...”

E toda a turma da mata o acompanhara,
muito surpresos com a coragem que ele tinha,
achando mesmo que poderia morrer...

O JABUTY E OS SAPINHOS IV

Até a Onça se achegou para escutar
a voz do monstro escondido no pocinho
e se assustou, pois cantavam, num corinho,
vinte Sapinhos, com um jeito de espantar!

Cantava o coro, muito bem afinadinho:
Quebro-te as pernas, vou rasgar teu couro,
furar teus olhos e jurar-te um mau agouro,
que te desvie para um mau caminho!...

Mas ao chegar o Jabuty, com sua gaitinha,
os Sapinhos de imediato se calaram
e o Jabuty bebeu água à vontade!...

Os vinte guinchos apagou com a musiquinha,
casou com a Oncinha e todos o respeitaram:
tornou-se o herói da mata, na verdade!...


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