domingo, 19 de abril de 2015






IRÍDIO E MAIS
Novas séries de William Lagos

IRÍDIO I – 12 set 2007

A luz do amor que sopra, brandamente,
sobre meu peito, é como roxa espuma,
lactante de aromas, enovelada em bruma,
enquanto a musa se esgueira, efervescente.

Rebrotada das ondas, sangue e sêmen,
seduzindo em ser somente a sedução,
quer demonstrar o quanto, em sua paixão
pode sangrar o amor, que tantos temem.

A luz terrestre, esguia como prece,
a luz arbórea chilreia e reverdece,
a luz lacustre desse mesmo céu,

não se conformam ao gume desse arpéu
da luz marinha que a carne anzola e fura,
no arco-íris tutelar da espuma pura...

(Naturalmente, este soneto é uma referência ao mito de Vênus ou Afrodite, que nasceu do sangue e sêmen da Serpente Píton espalhados no mar e emergiu nua para ser a deusa do amor, a qual ressurge em cada mulher que vemos.  Bill.)

IRÍDIO II – 9 ABR 15

À sua maneira, por amor obcecados,
cuja outra face sempre foi a morte,
nas tragédias descrita desta sorte,
debulhadora das catarses desfrutadas,

os gregos, de Afrodite despeitados,
não lhe deram pai ou mãe, estranho aborte,
que do sangue da serpente, essa consorte
de Hefesto teve as graças descontadas,  (*)
(*) Zeus deu Afrodite como esposa a Hefesto ou Vulcano.

pois a fizeram nascer, em rósea espuma,
por uma concha talvez capturada,
cobra em pérola de nácar transformada,

a deusa estranha, da noite na bruma,
pela mão de Botticelli consagrada  (*)
nessa beleza que pelo ar se esfuma...
(*) O famoso “O Nascimento de Vênus” de Sandro Botticelli.

IRÍDIO III

Contudo, o Irídio é a Íris consagrado,
a deusa grega que preside ao arco-íris
e cada vez que do heptacromo ouvires
o nome antigo, é seu nome o recordado.

Mas Íris também foi, nesse passado
tantas vezes descrito em perquirires,
que embora os mitos entre os dedos gires
nunca terás um resultado confirmado.

Por um poeta, talvez algo perplexo
foram Ísis e Afrodite acrisoladas,
na refração dessa luz desmesuradas

quiçá movido por luminoso sexo...
E assim o Irídio de Afrodite também é
para quem nesse poema encontre a fé!...

IRÍDIO IV

Pois assim como nos nasce ao coração,
sem mãe e sem ter pai, o louco amor
e então nos pica, em serpentino ardor,
também o arco-íris nos explode na ocasião.

Mas é do Irídio bem rara a difusão,
da Platina um irmão de argêntea cor,
muito mais denso na balança o seu valor
que qualquer outro que possas ter na mão.

E que nos pode conferir mais densidade
e ao mesmo tempo despertar leveza
que de Afrodite o iridiado dom-castigo?

Pois quando acaba, nos pesa de saudade
e enquanto dura, nos enche de beleza,
nesse sorriso fugaz de seu abrigo!...

ORLA I – 13 set 2007

O tempo é um poema escrito em minha vida,
não só melódico.   E mesmo, com frequência,
bastante dissonante em minha impotência,
acordes tingem tal mortalha mal tecida...

Bem longa tenho pela frente uma jazida
da exploração de sendas, com paciência
até que tudo esgote, no afã da turbulência,
dessa batalha, ardente em sua corrida.

Passam-se os anos na corte dos eventos,
diáspora insana do um préstito obscuro,
sem vivenciar de fato ataques  perigosos...

Mas é o meu tempo e tantos contratempos
a mim pertencem do modo mais seguro,
tal qual pertenço aos caminhos inditosos...

ORLA II – 10 ABR 15

Quiçá seja meu poema escrito em lã,
por uma das três Nornas, direi Cloto,
nesse fio de minha vida que denoto
tão curto e frágil quanto a marcha é grã.

Cloto me fia a chuva temporã
desses mil versos de cantar ignoto,
novelados por Láquesis, enquanto me devoto
a redigi-los numa existência vã.

Quem sabe espero guardar cronicidade
nessa meada que se ajunta e desenrola,
cortando em linhas os dias do passado,

em casulo cada aceno da vaidade
dos pés que o corpo levam tal qual mola,
nesse ritmo de meu pulso desvairado.  (*)
(*) Os helenos chamavam de Nornas as três deusas do Destino, Cloto,
Láquesis e Átropos, enquanto os romanos as chamavam de Parcas,
com nomes menos poéticos de Nona, Décima e Morta.

ORLA III

Sei qualquer dia Átropos me cortará
o brando fio lanígero da vida;
às três Nornas acenarei em despedida:
os fios de um outro Cloto tecerá.

Mas enquanto eu for novelo, caberá
minha própria roca pedalar, em desmedida,
paciente métrica, preso na iludida
fuga do fuso que em certo dia picará

qualquer papila na ponta de meus dedos,
igual feriu a Bela Adormecida
e por cem anos, então, eu dormirei,

na minha coma a sonhar os meus segredos,
nessa suspeita de que após a longa lida,
não terei beijos e nem despertarei!...

ORLA IV

Mas enquanto me durar a exploração,
irei caçar pelo ar as borboletas,
em meus sonetos pendurar as mais diletas
que achar na rede de filó da exaltação!

Gastos meus dias, tão só compensação
encontrarei nas molduras mais discretas
desses mil quadros de asas prediletas
encapsuladas por meus dedos, em traição!

E enfim, na orla da vida me acharei,
para o futuro o eterno responsável
por tantas vidas coloridas que prendi;

e no momento da coma, dormirei,
sem ter temor da Parca imponderável
que mastigou todo o tempo em que vivi!

CREDO I – 14 set 2007

O tempo é um poema escrito no meu rosto,
por mãos que não são minhas; as marcas eu não tenho
gravadas em mim mesmo, pois tão só me atenho
a enxergar meu passado, olor de carne e mosto.

O tempo me é poema que me não traz desgosto:
enfrentei o quanto tive.  A firmeza mantenho,
são poucos os prazeres que da vida ainda retenho:
muito mais as tarefas a que me tenho exposto...

As quais no tempo arquivo, depois de ver completas...
E se algo encontrei, em busca incrédula do tema,
foi a ânsia contumaz de ver a obra cumprida...

Por isso, quem dirá? minhas rugas são discretas:
não apascento remorsos, nem guardo algum dilema
após longos deveres dispersados pela vida...

CREDO II – 11 ABR 2015

Há muito que aprendi o que disse Salomão:
“com toda a força faz o que tens para fazer,
tudo quanto tuas mãos alcançarem no viver”,
enquanto o tempo à vida devora sem razão,

“que do corpo a sepultura é a final destinação”
e para todos estes que estão ali a jazer,
ter paz é uma mentira costumeira a se dizer:
não há descanso algum, tão só dissolução.

“E não somente a paz, não há entendimento”
no corpo sepultado por sob a terra fria,
muito menos a força que chamamos de alegria;

no crânio abandonado não há conhecimento:
teu cérebro utiliza na prática do bem:
quem sabe os que ficarem te lembrarão também?

CREDO III

Porém é uma falácia afirmar ser o meu credo
a fala sepulcral do velho Salomão,
que um dia suplicou a Deus pela razão
e por sabedoria, qual sendo o dom mais ledo.

À arcana poesia do Eclesiastes cedo,
a rebrotar frequente no velho coração,
em minha juventude com maior aceitação,
sem laivos de amargura, e muito menos, medo.

Mas hoje tais palavras me sabem como poeira,
mensagem repetida que muito mastiguei
e que, inegavelmente, a vida me orientou,

pois minhas forças empreguei ao longo dessa esteira,
as tarefas cumpridas nos campos que plantei...
Mas olhando para trás, nem sei o que brotou!

CREDO IV

Contudo, é bem melhor que nos ninhos da memória,
as gotas de meu sangue, iguais a mil rubis,
eu veja fervilhando por sobre o pó de giz,
quais espigas ondulantes da vida transitória!

Não as pude colher de forma compulsória
e caso pense bem, colhê-las nunca quis;
bastou-me seu perfume nas alas do nariz:
que outros rabiscassem as hastes dessa glória!

De mim muito ficou para os demais ceifeiros...
Será que plantarão sobre minha sepultura
um resto das sementes de meu antigo trigo?

E se algum credo eu deixo, em termos derradeiros,
é que plantem também, enquanto a mente dura,
qualquer verso fugaz, já que não mais consigo!

IMANTAÇÃO I – 15 set 2007

Preciso decidir o momento de marcar
minha próxima paixão, nem sei por quem.
Vou decidir quem será o novo alguém
e então eu buscarei por tal me enamorar...

Hora e lugar são fáceis de marcar,
porque, afinal, não vai me amar também.
E nem sequer a buscarei... Porém,
a um novo amor preciso me ligar...

Não precisa ser grande: um só suspiro
é para novos versos suficiente
e roubarei de seus olhos o fulgor...

Pois nem preciso sair de meu retiro.
Um fio de seus cabelos, tão somente,
bastará a despertar-me tal amor...

IMANTAÇÃO II – 12 ABR 2015-04-18

Por certo me ocorreu, em dias do passado,
que a roupa me tocasse, em sombra de perfume,
um desses fios avulsos, opaco vagalume,
no pisca-pisca perdido e instante mais asado;

De alguém me veio, é certo, o capilar alado,
cuja cor sequer recordo, que pena e que azedume!
Que da própria lembrança eu vá sentir ciúme,
pois de onde me acharia tal fio borboleteado?

Porém ao vê-lo preso, então, à minha camisa,
fui assaltado de chofre!  Emoção bem singular...
Olhei em torno à busca, tal devo confessar...

Somente achei, contudo, o afagar da brisa...
Tomei-o entre meus dedos, logo depois guardei
o fio tão inconsútil pelo qual me apaixonei!...

IMANTAÇÃO III

“Ora, direis...”  (estou a imitar Bilac!)
Amei um fio de cabelo deslocado!...
Pior ainda, já esqueci onde é guardado:
dentro de livro ou de outro badulaque...  (*)
(*) Alusão ao soneto que começa: “Ora, direis, ouvir estrelas!”

Porém, amiga, não me brindes com achaque!
Foi decerto em qualquer bolso colocado,
qual fosse vítima de um sorriso enviesado
ante o valor supérfluo desse ataque!...

Mas pensa bem, por que me trouxe o vento
a seda viva desse esguio filamento,
se me não fora destinado ao coração?

Porém sequer me recordo se lamento
o velocíssimo esvair dessa paixão,
trazida a mim por tal imantação!...

IMANTAÇÃO IV

Portanto, aguardo um fio de teus cabelos
que peregrine à solta pelas ruas,
que na pele se me crave como puas,
nessa impossível lembrança dos desvelos...

Pois certamente não me recorda tê-los:
são bem vazias essas memórias tuas:
passos perdidos nas calçadas nuas,
um fio somente a me assanhar apelos!...

Porém que venha!  Para roubar meus versos,
pois não preciso nem sequer te conhecer:
sei que tal fio enviaste para mim...

No sem-saber de teus sonhos dispersos,
sem pretenderes de tal fio te desfazer,
nem que pudesse perturbar-me assim!...

CHARRUA EMBOTADA I – 16 set 07

Dizem que as rugas mostram sofrimento,
as agruras da vida, a dor, trabalhos,
os desenganos, tantos atos falhos,
que nos acometeram num momento...

Então, eu deveria ter o rosto e o mento
sulcado de gilvazes e dos talhos (*)
das agonias que as Parcas, em seus ralhos,
me quiseram conferir em julgamento...
(*) Gilvazes = cicatrizes de cortes no rosto.  Mento = queixo. 

E assim não é.  Por toda a minha idade,
meu rosto de experiências tão frequentes
não mostra o efeito retalhado assim.

Parece tive tão só felicidade,
dessa maneira que surpreendo ausentes
tantas rugas que deviam estar em mim!

CHARRUA EMBOTADA II (13 ABR 15)

Será que o vento veio e carregou
patas de aranha e os pés de galinha,
a cada vez que um sopro se avizinha
e noutro rosto, impudente, colocou?

Será que o sol de mim se aproximou
e em lenta maquiagem se entrelinha,
pondo Botox de luz em cada linha
e o atestado de velhice me negou?

Ou quiçá o lavrador apressurado
que pela carne empurra a sua charrua
tirou um dia de folga e me esqueceu?

Que coisa estranha que fosse descuidado!
Quem sabe é a luz que no mesmo rosto sua
e cada sulco da charrua preencheu?

CHARRUA EMBOTADA III

Normalmente, provocará o ardor do sol
junto ao vento meu atroz ressecamento;
estes que causam ao rosto o contratempo,
cada arrecife iluminando qual farol,

que o tempo passa em feição de caracol
a deformar o antigo encantamento;
perante o espelho, de fato, não me assento
e não redijo de dia em dia o rol,

qual da roupa se fazia à lavadeira,
peça por peça, do anil para o crisol,
no quaradouro ou nas pedras do regato;

somente ligo do longo dia a esteira,
que corre para trás, desde o arrebol
e mesmo o sono devora em desacato...

CHARRUA EMBOTADA IV

Mas as marcas da vida, os arranhões
que deveriam encontrar-se no meu rosto,
são roubados pelo tempo, no sol posto
e armazenados em galhardas percepções;

e quando me desperto, as sensações
já costuraram os rasgos do desgosto,
que transformados estão em sonho e mosto
que se derramam em vasta abluções!...

Cada ruga em sentença transformada,
cada poro a verter linfa de versos,
toda a energia assim transmogrifada,

poeiras dos anos em torrões conversos,
tirando o fio da charrua impulsionada,
tempos e ventos em cem mágoas dispersos...

TRADUTOR I – 17 set 2007

Se uma mulher desperta-me a cobiça,
não é que a queira de fato.  Se a acho bela,
o que desejo é o bulício da procela,
dentro em meu coração, que  mais o atiça

para criar mil versos, do que à liça
irá lançar-me, na conquista dela...
Não é que não deseje estar com ela,
mas quero muito mais essa castiça

inspiração marchetada de desejo.
No fim das contas, não passa de pretexto
e, a certo ponto, sua posse lesaria

o quanto mais anseio, não por pejo,
mas por querê-la inscrita no contexto
muito mais duradouro da elegia...

TRADUTOR II – 14 abr 15

Caso tivesse essa mulher, a possuiria
por poucas décadas, talvez sessenta anos,
se não houvesse prévios desenganos,
senão cansaço que a afastar-nos chegaria.

Caso tivesse essa mulher, eu a amaria
com todo o ardor dos mais gentis afanos;
para torná-la feliz faria mil planos,
sempre a seu lado a inspiração consumiria...

Porém se nunca a tiver, traduzirei
em cem poemas meu amor infortunado
e os rubros lábios intocados cantarei,

perante o mundo esculpirei seu corpo amado,
nesse desgosto que nunca sentirei,
por não chegar a me sentir desapontado...

TRADUTOR III

Pois o amor do poeta é mais potente
do que é melífluo qualquer um sedutor;
esse só busca a consecução do ardor,
até que à joia ele se torne indiferente.

Mas o poeta, alegre ou amargamente,
prende essa joia em engaste de valor:
quando a possui, redobra-lhe o esplendor,
se não a tem, a imagina claramente...

Retorna atrás e apenas imagina
quem inspirou os sonetos do passado,
a descrever-lhe a beleza das feições?

muito mais vivas que em retrato, cuja sina
é só guardar momento morto e ultrapassado,
sem conservar quaisquer palpitações...

TRADUTOR IV

E como sabes se já não te descrevi,
em qualquer somatório mais antigo,
esse teu rosto que guardei comigo
de algum sonho noturno e que escolhi?

Quem sabe em tal instante, junto a ti,
o meu olhar está a achar abrigo
no teu olhar de sonho e assim consigo
traduzir o quanto é bela quem não vi?

Sonhei contigo em onírica visão,
de mão na mão, talvez, essa paisagem
percorremos os dois, sem nos cansar...

Inda que seja tão só imaginação,
mulher composta por detalhes da visagem
de tantos rostos entrevistos ao passar...

POEMA EM VERSOS CINZAS I – 18 set 17

Quanto a isso, não existe sequer dúvida!
Nós somos acessórios para os outros:
cada um é o centro de seu próprio mundo
e nos enxerga quais planetas orbitados

em torno de seu sol: imagem úmida
de seus próprios desejos e desdouros,
alguém para atingirem seus propósitos
ou simplesmente um membro da plateia.

Essa que é a dor de se sentir paixão:
essa que amamos, se sente no direito
da total gravitação tornar-se o foco,

em seu próprio sistema mulhercêntrico,
enquanto o homem, por mais que desejado,
é só mais um planeta a controlar... (*)
(Claro que o título é um trocadilho com 'versos brancos'.)

POEMA EM VERSOS CINZAS II – 15 ABR 15

Aqui redijo este poema com esforço:
a mim mutilo ao renegar da rima
e mal me dobro sob a triste violência
quando a mim mesmo me coloco em jugo!

Na antiga Itália, após algum combate,
era costume erguer de um boi a canga
e sob ela fazer passarem prisioneiros:
pior que a morte era tal humilhação!

Que cedo ou tarde provocaria vendeta,
mas tinham nisso prazer os vencedores,
sem o massacre de tais populações!

A não ser quando eram escravizados,
aos tornozelos férreos grilhões trazendo,
para impedir que enfim se revoltassem!

POEMA EM VERSOS CINZAS III

Na Inglaterra, após uma rebelião,
cortavam indicadores e polegares
de todos os arqueiros revoltados:
que nunca mais pudessem lançar setas!

Porém na França houve pior maldade,
com ferro em brasa os olhos a queimar
dos camponeses, após insurreição:
que os caminhos percorressem em cegueira!

E quando alguém quebrasse as leis da Igreja
e se tornasse o réu de uma heresia,
seria consumido em fogo vivo!

Não há limites assim para a arrogância
dos vencedores sobre os derrotados:
maldade intrínseca à natureza humana!

POEMA EM VERSOS CINZAS IV

Mas não sei submeter-me a tal tortura!
Cortada a rima, cortam-se-me os dedos
e tais versos não passam de arremedos,
triste poesia que para mim não dura!...

Pois não me entrego ao jugo dessa agrura!
Não dobrarei sob a canga meus segredos!
Queimem meus olhos sob tais degredos,
queimem-me os versos em rasgos de loucura!

Aqui me encontro em rimas encarnadas,
minhas métricas carmim ante a cesura,
mais rubro o ritmo que agora empreenderei!

Sem cantos brancos ou acinzentados,
que venha o Sol e me queime com censura,
pois cada verso vermelho eu tornarei!...

ACREÇãO I – 19 set 07

Talvez que amor eu tenha pressentido
no fundo de teus olhos e ademanes,
nessa graça de andar, nesses ufanes
esparzires de perfume consentido...

Mas não pretendo seguir empós a pista:
a redolência basta, o leve adejo
dos feromones, em adágio de desejo,
sem que me apreste em busca de conquista.

Eu nem quero tocar...   Quero sentir,
dentro de mim quanto podia ter sido,
sem que algo jamais se concretize...

Serei tolo, talvez, nesse deslize,
mas o que busco mesmo, é conseguir
um novo amor que não possa ser vivido!...

ACREÇÃO II – 16 ABR 15

Em tudo isso, sigo o exemplo de Catulo,
esse romântico da época romana,
com cujos manes o meu pendor se irmana: (*)
versos que deram a dois mil anos pulo!
(*) criam os romanos que todos têm duas almas, os “manes”.

Segundo afirmam, teve resultado nulo
o ardor dessa paixão que assim proclama:
chamou de “Lésbia” a uma jovem de má fama:
uma opinião que não sei bem se engulo!

Tudo pode ter sido calúnia, simplesmente,
ou uma falácia criada pela inveja:
pois a diziam ser de todos, menos dele!

Mas não se sabe se foi esta, realmente,
ou se o poeta fisicamente não deseja
ato de amor que um vago anseio sele!...

ACREÇÃO III

Eram pseudônimos, afinal, o dele e o dela
e existe um ponto do qual não me avizinho:
eu jamais me chamaria de “Gatinho”,
esse apelido de “Catullus” não me apela!

Caius Valerius é o real nome que o sela,
teria a alcunha adotado por carinho;
talvez a própria “Lésbia”, se adivinho,
assim clamasse, quando o prendia a ela!

Foram Furius e Aurelius os desafetos
do poeta que à sua amada difamaram
e sem isso, ninguém mais os lembraria!

Há tanta gente com igual ânimo de insetos,
que contra os grandes da história se acirraram
e cujos nomes só a infâmia guardaria!

ACREÇãO IV

Também tivemos um Catulo soberano
na bela história da nacional poesia:
por “da Paixão Cearense” concluiria
seu nome de batismo, sem engano,

que ser pseudônimo pensou algum profano,
mas que em registro oficial se assentaria.
“Flor Amorosa” a nós um dia brindaria
E “O Luar do Sertão”, em seu sabor arcano!

Igual Catulo, escreveu versos românticos,
mas não votados a amada singular:
foi boêmio e “chorão” no seu cantar.

Tenho certeza assim que estes meus cânticos
merecerão a compreensão dos seresteiros,
mesmo que sejam meus versos derradeiros!

AS COISAS SÃO BEM ASSIM i – 20 set 2007

É inútil se esforçar para entender
porque as coisas nos vêm e nos atingem.
Há pessoas que até compreender fingem
e interpretam o que veem acontecer...

Mas, de fato, o perceber determinista
do Pluriverso é só desejo de iludir...
Só em nós mesmos podemos investir
o quântico e o cismar de um casuísta

causalismo.  Mesmo até que a borboleta,
ao adejar das asas, inconsciente,
provoque finalmente um terremoto,

não cabe a nós a solução secreta
desse todo randômico e ignoto,
que dentro em nós tanta paixão acende!...

as coisas são bem assim ii – 17 abr 15

o nosso mundo está cheio de profetas:
alguns proclamam divina orientação,
enquanto outros a ideal aceitação
de ideologias que afirmam ser completas.

Não os podes contrariar, pois os afetas
No mais fundo da vaidade e pretensão:
Não há verdade além de sua missão,
Seja ateia ou religiosa em suas aletas.

E se erguem contra seus adversários,
Submetendo-os conforme o poderio
Ou sendo então por eles desprezados;

E por mais sejam seus padrões atrabiliários,
Mais os defendem, em prestimoso cio,
Por uma ideia qualquer fanatizados...

As coisas são bem assim iii

Através de minha vida, já estudei
Quando possível na língua original,
Cada tendência ou afirmação espiritual
E a todas essas igualmente analisei.

A Uma obra apenas eu nunca me animei,
Embora seja de importância seminal:
A dessa “religião do material”,
Que o marxismo só em tangente consultei.

Como aliás faz a vasta maioria,
A repetir enviesadas citações
De escritores, em perfeito fanatismo.

E minha consciência até me acusaria,
Se não soubesse como tais missões
Na vida prática favoreceram o egotismo.

AS COISAS SÃO BEM ASSIM iv

Que me não venham a citar autoridades:
Meus pensamentos são bem abalizados,
Meus sentimentos em poética empregados,
Só me convenço por racionalidades.

Mas não sou pregador de outras verdades:
Cada um conserve seus julgamentos confirmados
Para si mesmo, em seu viver calcificados,
Já que polêmicas são reais inutilidades!

Antes me atenho totalmente a fatos,
Até que outros os contrariem realmente;
Aberto estou para a argumentação,

Mas não me digam que a história são boatos,
Com base apenas em loa deprimente
Às frases mortas de passada geração!...

ARTIMANHAS I – 18 ABR 14

Não é de duvidar que a imagem morna,
Esmaecida contra o bafo de um espelho,
Me seja mais fiel em seu conselho:
É ao embaçar os contornos que me adorna...

Sem me ver claramente, o rosto torna
Nos mil possíveis que ao olhar esguelho,
Cortes do vento sadístico em seu relho,
Cortes da vida por mão de antiga Norna.

A imagem clara que demarca a luz
Não é mais que o reflexo dessa espuma
Que escorre pelos ares, desde o Sol.

Não é um rosto a sorrir que me seduz,
É apenas a vela que se enfuna:
Vento soprando em torno de um farol...

ARTIMANHAS II

À luz da Lua, a espuma é doce prata,
Escorre pela praia, num portento,
Para voltar de novo, em desalento:
São mil anéis que a corrente assim desata.

Eles reluzem e quer quiser os cata,
Vendo nas palmas das mãos um sonho lento;
Eles explodem um a um... e o alento
Se expande para os ares sobre a mata...

De quem os dedos que os anéis de espuma
Assim recamam e escorrem pela areia?
Por que o desalento, em seu refluxo

Que a praia deixa úmida e se esfuma,
Aos poucos, perde a força em tal influxo,
Enquanto a praia em prata se incendeia...

ARTIMANHAS III

O teu reflexo é tão só uma candeia
A projetar sua luz sobre teu rosto;
Caso em tristeza, demarca teu desgosto
E na alegria, de júbilo incendeia!...

Mas o espelho é de vidro e o vidro é areia,
Fundo de prata ou qualquer outro composto:
Não és tu mesma nesse brilho exposto,
Mas a cópia da luz que te permeia!...

Assim, na forte e crua luz solar,
Destacam-se bem mais imperfeições,
Que sob a luz da vela esmaecida;

A luz incandescente a te ajudar,
Sua maciez emprestada a tuas feições,
Enquanto a branca te mostra mais sofrida...

ARTIMANHAS IV

Para aonde foram os reflexos do passado
Que o espelho devolveu, indiferente?
De que serviu o luzir de tanta gente
Sob a luz dos candelabros debruado?

E mesmo agora, teu reflexo apressado
Suga e devora o ardor do Sol potente
E no próximo minuto refulgente
Outro será pelos ares espalhado...

Somente podes fotografar passagens,
Às quais o inteiro passado se reduz,
Enquanto a vida te arrasta em sua maldade.

Para onde irão, assim, essas imagens,
Capturadas pelo fragor da luz,
Em desafio total à gravidade...?

REGRAS DA VIDA XXXIV – 17 set 07

É impossível que se entenda tudo:
esse povo se comporta estranhamente...
Se de entender a mim sequer me iludo,
muito menos saberei de tanta gente

que me rodeia e nem sequer estudo...
Apenas observo, complacente
com o inesperado proceder, frequente,
do olhar que é cego e do ouvido mudo.

É desse modo que as coisas acontecem:
nos tomam de surpresa, nessa vida,
por mais que compilemos novos dados...

Até quem mais amamos... nos esquecem
por quaisquer coisas que tenham preferidas,
sem que por isso sejamos desprezados.

REGRAS DA VIDA XXXV – 20 set 07

De onde surge a real felicidade?
Das coisas materiais, dos teus amores,
que com tanta frequência causam dores
e se demonstram apenas falsidade...?

De onde brota essa "real fragilidade"?
Cada um sente a sua e apenas sabe
de onde é que não brota, pois lhe cabe,
no fim das contas, apenas leviandade...

Mas em que parte das coisas materiais
ou em que ponto dos amores naturais
se localiza a razão desse portento...?

Não está em parte alguma.  E então se vê:
felicidade não é externo sentimento,
ela se encontra bem no fundo de você...

REGRAS DA VIDA XXXVI – 20 set 07

Aprenda a desistir, quando é impossível.
Por maior seu esforço num projeto,
nem todo o seu trabalho incorruptível
irá alcançar o intenso bem dileto,

que tanto se esfalfara em alcançar.
Nem toda mina tem o seu filão...
E, com todos os labores, conquistar
nem sempre se consegue um coração...

Por isso, ao ver que seu trabalho é fútil
[pois não se cria um nenê após o aborto]
desista, enfim, de seu constante impulso.

Pois, afinal, que coisa mais inútil!...
Desenterrar o amor, depois de morto,
só para ver se ainda existe um pulso!...