quarta-feira, 22 de junho de 2016






AZAGAIAS – Duodecaneto de
William Lagos – 2009-2010

AZAGAIAS I  (2009-10) (*)
(*) Lanças de lâminas largas.

Para os antigos, existiam três irmãs,
Cloto, Láquesis e Átropos, que nos medem
o comprimento da vida que nos cedem,
para gastarmos com vaidades vãs.

Para alguns davam vidas temporãs,
a outros longas vidas lhes concedem:
jamais se sabe que extensões procedem
dessas vidas cardadas em iguais lãs.

Alguns dizem que é o Destino que as instrui,
outros que tomam instruções dos deuses
outros quiçá que tenham seus saberes,

sobre os quais realmente nada influi...
Mas acredito que a extensão dos meses
são apenas caprichos... São mulheres!...

AZAGAIAS II

Antigamente, eram poucos os humanos,
na energia de uma jovem raça
e as Parcas praticavam essa traça,
cortando ao meio todos os enganos...

E de nada lhes serviam seus afanos:
elas sorriam, em sua arcana graça...
Uma carda, enquanto a outra mede a farsa
e Átropos nos poda os desenganos...

Tinham as vidas pouca duração;
eram jovens, afinal, as três donzelas:
tinham somente alguns milênios completado.

E interrompiam as vidas, sem paixão,
cortando o tempo em minúsculas janelas,
até de um golpe ser o talho realizado.

AZAGAIAS III

As Três Parcas, que também chamavam Nornas,
realizavam com total aplicação
a sua tarefa, em perfeita conjunção:
cardavam e teciam as vidas mornas;

por mais que queiras sair, nunca as contornas;
elas decidem tua decapitação
e te cortam sem cuidar inspiração,
valor, virtudes ou as mais cuidadas formas.

Talvez Destino oriente os seus caprichos,
ou Tânatos, esse Morte masculino
dos indo-europeus, por tantas gerações,

a presidir sobre os humanos, sobre os bichos,
a destinar cada final por lento sino,
desativando assim seus corações!...

AZAGAIAS IV

Mas até mesmo as Nornas se cansavam,
especialmente após feras batalhas,
em que os guerreiros se tornavam vitualhas (*)
que sobre as mesas de Ares derramavam.
(*) Quitutes, acepipes.

Depois, quando alimento mais plantavam,
as multidões cresciam sem mais falhas
e então as Parcas estendiam longas malhas,
e esses fios por cortar se acumulavam...

Chegava um ponto em que eram dominadas
pela exaustão e até folgas tiravam,
ou recebiam de Hades instruções (*)
(*) O Senhor dos Mortos.

para que vidas fossem mesmo conservadas
por mais um tempo, enquanto processavam
seus Três Juízes as falecidas multidões...

AZAGAIAS V

Destarte, elas paravam por uns dias:
ninguém morria sobre nossa Terra,
nem os feridos de destrutiva guerra,
nem marinheiros a flutuar nas maresias.

Era o descanso das Parcas, cujas guias
de cada fio de lã que a vida encerra
ficavam sobre a roca que nos ferra,
prolongando-se por horas mais esguias...

Mas quando retornavam, terremotos,
hecatombes ou pragas, explosões
exterminavam com largas multidões

ou sobrevinham os grandes maremotos,
mechas cortadas por sua foice de ouro,
mesmo os campos a podar do trigo louro...

AZAGAIAS VI

Mas com a idade, iam de novo se cansando,
a trabalhar em um ritmo mais lento
ou seu labor tornou-se desatento
e a pouco e pouco se foram descuidando...

Cada nova geração foi se alargando,
demografia que tomava alento,
muitos gozavam de maior momento,
enquanto o corte de seus fios se ia adiando,

já aborrecidas as três do seu mister,
entra século e sai século, sem sequer
a esperança de uma substituição...

Pobres Parcas, que já ansiavam pela morte,
mas impedidas de fazer o próprio corte,
às longas vidas sem poder dar conclusão!...

AZAGAIAS VII

Foram as Nornas suplicar a Zeus, (*)
suspendendo seu labor por um momento,
para os humanos então, nesse portento,
um grande alívio do estalar dos cortes seus,
(*) O Senhor dos Vivos e da Terra.

que conseguisse um qualquer sob seus céus,
seus lugares a ocupar no julgamento,
que pudessem ascender ao firmamento!...
Porém, perplexo, lhes respondeu o deus:

“Nem sequer eu possuo um tal poder;
são divindades apenas imortais
e até podemos matar ou ressurgir

a quem quisermos poupar de seu morrer,
mas não existem circunstâncias naturais
que a seu pedido nos possam conduzir...”

AZAGAIAS VIII

“Posso somente ao seu cansaço oferecer,
uma difícil e fugaz alternativa:
que algum humano, deixando a alma cativa
no próprio corpo consiga se manter.”

“Fica no Hades, mesmo sem morrer, (*)
a triste alma; e nessa roda-viva
usando a régua de Láquesis furtiva
a lã da vida conseguindo assim tecer...”
(*) A Mansão dos Mortos, não o Inferno de Fogo judeu-cristão.

Mas não bastava um só... Pois deveriam
ser três os tais humanos que acordassem
em assumir as suas pálidas façanhas,

porém os deuses não interfeririam
de forma alguma, para que obrigassem
três infelizes a tarefas tão tacanhas...

AZAGAIAS IX

Seria, portanto, a tarefa das Três Parcas
encontrar quem a tal labor de dispusesse:
três mortais cuja mente já estivesse
preparada de antemão para tais marcas

comparar, de tal modo a encher as barcas
de Caronte que o Estígio transpusesse:
três humanos cujo espírito quisesse
agir igual perante escravos e oligarcas...

Retiraram-se as Nornas, desaponto
marcando os ossos de suas faces calmas...
Disse Láquesis, resumindo o pensamento:

“Nosso problema se encontra num só ponto:
que sejam vivos a desistir das almas
para que assumam o nosso julgamento...”

AZAGAIAS X

“E se escolhêssemos aqueles cujos fios
já se encontram no final e um adiamento
lhes prometermos, em troca desse assento
em nossos bancos de espaldares frios?”

“Procuraremos aqueles cujos brios
não se concentrem demais em sentimento;
homens maduros a temer seu passamento,
já afastado seu ardor de antigos cios...”

“Mas que se apeguem à vida por razões
bem mais egoístas do que um puro amor:
amando o ouro e os bens, amando a glória,”

“Sonhos mesquinhos em seus corações:
que nem sequer por religião terem fervor,
mas por Poder que assim domine a História!”

AZAGAIAS XI

E desta forma, selecionaram bem depressa
um mercador, um guerreiro e um sacerdote,
logo explicando que o tempo de seu dote
já se esgotara e que fluir não cessa...

De embarcarem para o Hades qualquer pressa
nenhum tinha... e assim dobraram o congote (*)
a tal tarefa de inusitado mote,
matando os outros, a Morte que os esqueça...
(*) Nuca, pescoço.

O mercador tecia a lã e a cardava,
talvez deixando os fios bem mais compridos;
o sacerdote, por sua vez, julgava

e bem depressa os julgava merecidos
de descer à mansão dos desvalidos;
e o guerreiro, com prazer, os fios cortava!...

AZAGAIAS XII

Porém depressa se desentenderam,
abusando cada qual do seu poder:
o mercador esgarçou em seu tecer
os fios dos outros dois... que faleceram!

Mas estes, quando o fado perceberam,
depressa reagiram, com prazer:
o sacerdote julgou, até antes de morrer,
e o mercador e o guerreiro se perderam...

Mas o guerreiro cortou os seus dois fios:
parou o tear e o fuso se esvaziou...
Só então as Parcas perceberam o ato falho

e retornaram, feridas em seus brios:
cada uma ao próprio assento retornou
e ainda hoje executam seu trabalho!...

William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com



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